Music

Jethro Tull

Oito motivos para não perder a apresentação da icônica banda liderada por Ian Anderson em sua nova passagem pelo Brasil

Texto por Daniela Farah

Foto: Divulgação

Seven Decades é o nome oficial da nova turnê. Pode parecer muito. E, de fato, é. Pode parecer erro de cálculo, já que o vocalista e fundador, o escocês Ian Anderson, vai completar 77 anos de vida no próximo mês de agosto. Mas, de fato, não é. O Jethro Tull foi fundado em 1967, quando o músico ainda estava saindo da adolescência. Portanto, o período em atividade compreende justamente sete décadas, dos anos 1960 aos anos 2020. Mesmo com alguns pequenos períodos de pausa, provocada por afastamento entre os principais integrantes e remanescentes, certo é que a carreira permanece seguindo em frente.

A boa notícia para os fãs brasileiros é que esta turnê volta a trazer Anderson e seus músicos para o Brasil. Serão quatro apresentações nesta semana e a rota de escalas compreende Belo Horizonte (dia 9 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui), Porto Alegre (dia 10 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui), Curitiba (dia 12 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui) e São Paulo (dia 13 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui). O repertório trará grandes sucessos espalhados pela longeva trajetória com a adição de faixas do mais recente álbum de estúdio, RökFlöte, lançado há exatamente um ano.

Para celebrar a nova vinda de Anderson e seus asseclas para cá, o Mondo Bacana discorre sobre oito motivos para você não deixar de ver a banda em ação novamente aqui.

Raiz folk

Ainda que Ian Anderson tenha passado boa parte da sua vida na Inglaterra (mudou-se aos 12 anos), ele nunca deixou de lado suas raízes escocesas. Isso reverberou na sonoridade do Jethro Tull. Anderson achava que faltava algo que desse uma cara mais europeia para o seu som e foi buscar isso em suas raízes inglesas e escocesas. Vem daí, dessa vontade de ter seu ambiente representado na sua arte, que surgiu a pitada celta que faltava para completar o Jethro Tull. Diga-se de passagem, aliás, que essa proposta bucólica até combina muito bem com o nome, inspirado em um agricultor famoso. A banda ficou conhecida por levar essa representatividade da musicalidade celta para o mundo. Ou seja, é a possibilidade de assistir cara a cara o folk britânico em sua mais pura raiz criativa. E de uma maneira bem divertida!

Performance de palco

Ian Anderson é, por si só, uma figura controversa. Um escocês, apaixonado por blues, que resolveu fazer rock tocando flauta. E fez isso tão bem que em 1989, o Jethro Tull abocanhou o Grammy de Melhor Performance Hard Rock/Metal, tirando-o das mãos do Metallica e seu aclamado álbum … And Justice For All. Ian tem uma presença de palco cativante. Entrega tudo e um pouco mais, seja através de seus olhos que parecem interpretar cada nota da flauta, por suas danças peculiares, tocando em uma perna só ou dando pequenos pulos enquanto canta.

Idade avançada

Para os fãs é sempre uma benção ter a oportunidade de seguir acompanhando seus ídolos lançando novidades e realizando concertos e turnês. Entretanto, também chega a ser cruel pensar que a cada temporada que se vai, menos tempo resta para aproveitar as suas presenças neste plano. Para quem mora no Brasil, então, chega a ser pior quando o assunto são os grandes deuses do rock de todos os tempos. Já são bem menores as chances de todas as turnês chegarem à América do Sul por questões financeiras, de logística e de maior percurso territorial a ser enfrentando sobretudo para quem mora longe dos grandes centros urbanos para onde as datas dos concertos acabam sendo marcadas. Ian Anderson está com 76 anos e é um poucos pilares do rock dos anos 1960 e 1970 ainda em plena atividade, compondo, criando, gravando, tocando ao vivo, correndo o mundo.

Confusão de gêneros

É hard rock, heavy metal ou rock progressivo? Qualquer fórum de discussão sobre música na internet (os melhores!) possui um tópico sobre a sonoridade do Jethro Tull. A diversidade é tanta que fica difícil encaixar em uma só gavetinha. Mesmo que os mais xiitas (ou troo) concordem que o grupo não entra na categoria metal, é uníssono que o Jethro Tull é uma das bandas que exerceu uma influência muito forte nas principais bandas do gênero que vieram depois. A experimentação foi tanta (hard rock, blues, folk, clássico, etc) e deu tudo tão certo que estamos aqui falando deles em pleno ano de 2024. A questão é que vale a pena sair de casa por uma lenda como essa, que transformou, inspirou tantos músicos (dos quais você provavelmente é muito fã!) a seguir suas carreiras. Inclusive, Ian Anderson participa em quatro músicas do novo álbum do Opeth. Então, nada como beber diretamente da fonte, não é mesmo?

“Aqualung” (a música)

Se você acha que não conhece Jethro Tull, pare tudo o que está fazendo neste momento e coloque os primeiros minutos da música “Aqualung”. Ela soa familiar? A indústria do entretenimento usou e abusou bastante dessa introdução dos Simpsons aos Sopranos. E com razão: ela é genial. “Aqualung” fazia parte do álbum homônimo lançado pelo Jethro Tull em 1971. Nada convencional, como tudo que remete à banda. A letra, repleta de realismo, fala de um homem que é morador de rua e observa o mundo a partir de um banco de parque. “Aqualung”, tocada e cantada pelo próprio Ian Anderson, é o tipo de coisa que faz a gente querer sair de casa. Sempre.

“Locomotive Breath”

“Locomotive Breath” também faz parte do histórico álbum Aqualung e que também faz parte do repertório da atual turnê. A letra é pura loucura filosófica. Segundo Ian, lá em 1971, estávamos num trem de crescimento populacional e ninguém sabia onde ele iria parar. Mas a sonoridade, essa é para aplaudir de pé. As guitarras criadas de Martin Barre são um espetáculo à parte, provavelmente para descrever a velocidade do trem e a pressão contidas na narrativa. Não é à toa que bandas de metal como WASP e Helloween lançaram suas versões para essa música.

RökFlöte

Após ficar anos e anos  sem lançar material novo, Jethro Tull tem um novo álbum, seu 23º. Ian Anderson criou a sua versão sobre o Ragnarok, da mitologia nórdica, em RökFlöte. Desta vez ele contou com David Goodier (baixo), John O’Hara (teclados), Scott Hammond (bateria) and Joe Parrish James (guitarra). Mesma banda que vem com ele ao Brasil, exceto o guitarrista Joe, substituído por Jack Clark. E, sim, eles vão tocar músicas do novo trabalho ao vivo.

Sete décadas em um concerto

Sete é rico em simbolismos. Sete são as notas musicais e as figuras de tempo na música. O número também é o símbolo da vida eterna no Antigo Egito; e, se a numerologia considera um número divino, a aritmética o considera feliz. Mas sete décadas é um número absurdo. Chega a ser até impensável o quanto o mundo mudou nesse tempo. Só para citar os suportes do mercado fonográfico: vinil, fita cassete, compact disc, DVD, MP3 player, pendrive, streaming… E o Jethro Tull tem a árdua missão de trazer um pouco dessas décadas de criação e ação em um só show. A vantagem é que suas músicas continuam a fazer sentido mesmo com toda a passagem de tempo. Por isso é excepcional quando uma banda que atravessou todo este período se apresenta nos dias de hoje. Não é só música, é História.

Movies, Sports

Ferrari

Cinebiografia do criador da escuderia mais cultuada do automobilismo traz empolgantes cenas de corrida mas derrapa na parte dramática

Texto por Abonico Smith

Foto: Diamond Films/Divulgação

Mesmo que não seja assim tão fã de Fórmula 1, todo brasileiro sabe muito bem que o sobrenome Ferrari carrega há décadas o status de símbolo máximo de grife ligada ao automobilismo. Todo piloto quer dirigir uma. Todo milionário sonha em ter uma. Alguns jogadores de futebol que já passaram temporadas em campos europeus já dirigiram uma. Seu fundador e proprietário, Enzo Ferrari, declarou, inclusive, que enquanto outras escuderias participavam de corridas para vender automóveis ele fazia exatamente o contrário: virou empresário para continuar pisando fundo no acelerador. Mesmo que nos bastidores, por trás de tudo, comandando tudo com mão de ferro em boxes, oficinas e escritórios.

Por isso, a chegada de um longa-metragem como Ferrari (EUA/Reino Unido/Itália/China, 2023 – Diamond Films) aos cinemas pode causar bastante alvoroço em tanta gente que ama a velocidade dentro de algum bólido de motor possante e quatro rodas. A assinatura de Michael Mann, então, veterano diretor especializado personagens bastante obcecados por suas atividades, tornava-se um atrativo a mais.

Eis que, com o foco ligado sempre em um Adam Driver completamente transfigurado para se assemelhar ao protagonista, o filme se mostra uma obra dividida entre o drama e a ação. Neste último quesito, a mão de Mann – que havia três décadas tentava levar às telas esta adaptação de uma biografia publicada em 1991 – mostra-se perfeita. As muitas cenas de corrida, seja em circuitos fechados ou pelas ruas e estradas da região da Emilia-Romagna, são de encher os olhos, ainda mais na grande tela. Só que nem só disso vive um bom filme e justamente na outra parte que este Ferrari derrapa.

O arco dramático, que no roteiro acaba de sobressaindo e tendo mais destaque do que as provas em si, começa em 1957, alguns anos depois que o piloto Enzo Ferrari decidiu abandonar de vez o volante depois de ver dois grandes amigos perderem a vida em acidentes ocorridos em um mesmo dia de corrida. Contudo, em uma Itália ainda se recuperando economicamente e juntando os cacos provocados pela Segunda Guerra Mundial, o futuro da escuderia que leva o seu nome parece incerto. O agora entrepeneur busca espantar de vez a assombração da falência tentando levantar dinheiro por meio da família e de empréstimos bancários. Para poder decolar e se manter profissionalmente, entretanto, era necessário se obter vitórias, sobretudo na Mile Miglia, percurso de longa distância (mil milhas, com dizia o nome) que passava por várias cidades italianas que fora retomado naquele pós-guerra. Como Enzo tinha grandes adversários nas pistas sua obsessão por chegar em primeiro aumentava a cada ano, custasse o que custasse, inclusive a vida de vários pilotos da Ferrari.

Aliás, a vida pessoal do protagonista é bastante devassada nas telas. A constante luta contra a morte aparece do início ao fim do filme. Além da perda dos pilotos da escuderia – motivo pelo qual era constantemente atacado pela imprensa esportiva local – também havia o sentimento perene na família. Ainda na adolescência, em 1916, ele já perdera pai e irmão mais velho para um surto de gripe que se espalhara por todo o país. Contudo o abalo maior ficou por conta do falecimento em 1956 de Dino, o único filho com a esposa Laura e por isso seu sucessor, aos 24 anos de idade, vitimado por uma distrofia muscular. Aliás, o nascimento de Dino também havia sido um outro forte motivo para que Enzo fizesse a transição definitiva de piloto para empresário em 1932.

O casamento com Laura, que já não vinha bem desde o período da guerra, já havia virado um leite derramado. Tanto que Enzo mantinha vida dupla com outra mulher e criando um outro filho, mesmo não podendo ser reconhecido legalmente por ele por conta da então ainda inexistente lei do divórcio em território italiano. O que quase todo mundo já sabia veladamente nos bastidores Laura acaba descobrindo, dificultando ainda mais o entendimento entre os dois “sócios” da escuderia.

Aqui, portanto, reside o grande problema de Ferrari, que é a sua parte dramática. Adam Driver termina o filme como começou: quase escondido, não apenas pelo disfarce da caracterização e os quilos de maquiagem. Fala bem pouco em cena, muitas vezes resmungando e lacônico, com a cara fechada, pisando em seus trabalhadores e interlocutores. Pode-se até argumentar que esta seria de fato a personalidade rude do “comendador”, mas também acaba jogando contra a mise-en-scène do protagonista. Penélope Cruz, por sua vez, dá vida, viço e sangue a uma Laura ofendida e impulsiva, capaz de atirar à queima-roupa no marido em casa ou ser tão grossa quanto ele nas ligações da imprensa e de financiadores. Já Shailene Woodley (a sempre resignada Lina Lardi, a amante e mãe do filho bastardo) não diz muito a que veio em seu pouco tempo de tela.

Além do desnível das interpretações, Ferrari também “sai da pista” e “bate na mureta” ao cometer o grande erro de muitas produções hollywoodianas ambientadas na Europa continental e com personagens reais que, em seu cotidiano, falam em idioma natal. Este é mais um filme de italianos, de história bem italiana, de característica italiana falado em inglês! (Detalhe: Adam Driver também estava no elenco de Casa Gucci, que chafurdou em críticas e bilheteria por este motivo.) E o que faz ali o competente ator brasileiro Gabriel Leone, fazendo um piloto espanhol (Alfonso de Portago), conversando com o patrão italiano, em inglês?

Ao final da sessão fica aquela lembrança histórica do maior momento de narração de Cleber Machado na F1 – aliás, uma enorme polêmica protagonizada justamente pelos dois competidores da Ferrari na temporada de 2002. Na volta derradeira do GP da Áustria, Rubens Barrichello estava bem à frente do companheiro de escuderia, Michael Schumacher e iria cruzar a linha de chegada e receber a bandeirada da vitória. Contudo, sua equipe obrigou o brasileiro a desacelerar e ceder, nos metros finais, a frente para Schumacher, já que isso contabilizaria mais pontos para que o alemão pudesse vencer o campeonato de pilotos. Ferrari, o filme, faz ecoar na mente o futuro bordão com a empolgação sendo subitamente trocada pelo tom de decepção. Hoje não, hoje não… hoje sim!

Books, Movies

Argylle – O Superespião

Trama de espionagem onde não se sabe o que é realidade ou ficção apresenta ao cinema um novo agente secreto galã

Texto por Abonico Smith

Foto: Apple/Universal/Divulgação

O universo da espionagem sempre foi um terreno fértil para a literatura. Ao mergulhar na leitura das páginas de histórias como as de Frederick Forsyth, John Le Carré e Ian Fleming, a mente de cada um molda e fantasia a seu modo toda aquela riqueza imagética proporcionada pelas tramas criadas por escritores que dominam com perfeição esse universo de mistério, suspense, intrigas e reviravoltas. Por isso que livros deste naipe de escritores – sobretudo os de Fleming, criador de James Bond – costumam ganhar adaptações vibrantes para o cinema.

Elly Conway também participa do seleto grupo de criadores literários. Depois de transportar ao papel as aventuras do misto de espião e galã Argylle, conheceu rapidamente a fama, mesmo ainda optando por continuar a sua vida de reclusão e completamente fora dos holofotes. Tendo a companhia segura apenas de seu gato scottish fold batizado Alfie, ela já publicou uma série de quatro livros consecutivos até, de uma hora para a outra, sua vida apresentar um revertério e ela entrar em uma espiral de acontecimentos que parecem ter sido extraídos de tudo aquilo que escreve.

Esta é a premissa de Argylle – O Superespião (Argylle, Reino Unido/EUA, 2024 – Apple/Universal Pictures) a mais nova iniciativa cinematográfica a gravitar em torno das histórias de espionagem. O cineasta Matthew Vaughn, não é um iniciante na temática: dirigiu a trilogia, também britânica, Kingsman. O ator Hanry Cavill, que vive o personagem de sucesso, muito menos – já atuou em outros três longas anteriores do tipo. A principal questão aqui é justamente a respeito da protagonista interpretada por Bryce Dallas Howard. A escritora é real – junto com o filme nas telas de todo o mundo, está chegando às lojas, editado pela cultuada Penguin Books, o livro “um” do agente secreto. Entretanto, ninguém conhece a sua verdadeira identidade. Quem estaria por trás do pseudônimo? Fãs de Taylor Swift já se alvoroçam nas redes caçando pistas e conclusões que levariam a cantora à resposta do mistério. Também tem gente especulando que JK Rowling poderia ter se aventurado em outra seara bem além da fantasia e das bruxarias adolescentes.

Se o lançamento em conjunto de duas mídias movimenta o meio cultural e seus seguidores ardorosos, cabe ao filme de Vaughn tomar a posição de carro-chefe ao misturar, com maestria, realidade e ficção em sua trama. Pouco a pouco Conway se vê no mais completo desespero de não saber mais no que acreditar e em quem deve confiar. Em um piscar de olhos, a parit de uma mera decisão tomada por impulso, sua vidinha pacífica e monótona se desconstrói por completo. Argylle existe de fato? Sua interação com ele não passa de alucinação de uma cabeça em frangalhos? O mundo seria de fato extenso e algo muito além de sua confortável casa? Ações, instintos e palavras seriam remanescências do passado que, por alguma razão, ficaram escondidas em algum canto de seu cérebro.

A primeira metade do filme de Vaughn empolga. Mistura suspense com muita ação e largas doses de comédia, traz coadjuvantes de luxo (Samuel L Jackson, Sam Rockwell, Ariana DeBose, Bryan Cranston e a popstar Dua Lipa, estreando como atriz no papel de uma loiraça femme fatale). As coreografadas cenas de luta e porrada rolam com o inusitado acompanhamento de música pop dançante. O espectador mergulha de cabeça com Conway em toda a sequência de confusões na qual ela se envolve, sempre com ótima atuação de Howard.

Contudo, à medida que a trama se desenvolve para ligar os pontos na mente de quem está assistindo a ela, o roteiro de Jason Fuchs (que também aparece na tela em uma ponta) vai se perdendo. É tanta ponta solta que precisa ser ligada na mesma teia que o gás vai se perdendo e a narrativa passa a correr para que tudo possa fazer efeito na mais completa suspensão da descrença espalhada pela sala do cinema.

Ao final de quase duas horas e vinte minutos de projeção, vem a conclusão de que aquele filme que começou o novelo tentando apresentar algo divertido e criativo dentro do universo da espionagem acabou virando um mais do mesmo justamente porque enfileirou fórmulas dos filmes de ação que brotam aos montes em Hollywood. Quando começam os créditos finais a sensação de uma certa decepção toma conta. Isso até chegar uma misteriosa cena do espião Argylle. Aí, quem sabe, nem tudo esteja perdido…

Music

As Marvels

Nova obra do Universo Cinematográfico Marvel é minimamente divertida mesmo ficando aquém dos velhos tempos dos longas da casa

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

O trigésimo terceiro filme do Universo Cinematográfico Marvel (MCU) não é ruim como Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. Mas também não é bom como Guardiões da Galáxia Vol. 3. E está há anos-luz de um Capitão América: Guerra CivilAs Marvels (The Marvels, EUA, 2023 – Marvel/Disney)  é bobo, esquecível, dispensável como muitos dos tie-in da Marvel nos cinemas que emulam as revistas da editora. Abraça a galhofa descaradamente e propõe cenas voluntária e propositalmente ridículas. Nem a Marvel mais está se levando a sério após tantas críticas à saturação pelo excesso e à perda de qualidade tanto narrativa quanto visual. O filme ri de si mesmo e isso até pode ser encarado como um ponto positivo. Porém, não o faz organicamente. O faz tentando ser cool.

No longa dirigido por Nia DaCosta, um mal entendido ocasionado pela presença de Carol Denvers (Brie Larson) põe fim ao tratado de paz entre as raças alienígenas kree skrull. Conforme visto no filme anterior da heroína, Capitã Marvel (2019), as duas raças são inimigas de longa data, mas estabeleceram um acordo de paz – que não demora a ser quebrado. Conhecida pelos kree como a Aniquiladora, Denvers foi a responsável por destruir a Inteligência Suprema, uma inteligência artificial que governava a nação fictícia de Hala, terra natal dos kree, tornando o planeta infértil, desprovido de recursos como água, oxigênio e luz solar. A nova líder deles, Dar-Benn (Zawe Ashton), consegue recuperar um poderoso artefato denominado Bracelete Quântico. No entanto, nota a ausência de seu par, não fazendo ideia de que o outro bracelete encontra-se em posse da adolescente Kamala Khan (Iman Vellani), um presente da avó da heroína introduzida na minissérie Ms. Marvel, da Disney+. Dar-Benn combina o tal bracelete com outro artefato, um cajado chamado de Arma Universal e que ela utiliza para destruir um ponto de salto no espaço.

O ex-diretor da S.H.I.E.L.D., Nick Fury (Samuel L. Jackson), agora no comando da estação espacial da S.A.B.E.R. (organização criada especialmente para os filmes do MCU, com o objetivo de proteger a Terra de ameaças internas e integrada por humanos e raças alienígenas, como os Skrull) alerta Carol Danvers e a astronauta e soldado, Monica Rambeau (Teyonah Parris), da S.W.O.R.D (organização governamental que lida com ameaças extraterrestres, esta sim introduzida nos quadrinhos da Marvel), para investigar a origem da anomalia causada por Dar-Benn. Quando Monica toca na anomalia do ponto de salto próxima à estação da S.A.B.E.R, ela, Danvers e Kamala trocam de lugar por meio de uma rede neural de transporte. Demora um pouco até que elas se deem conta de que as trocas ocorrem sempre que elas acionam seus superpoderes. As três precisam resolver conflitos internos e se unirem a fim de deter Dar-Benn que pretende drenar a atmosfera e os recursos de outros mundos a fim de suprir as necessidades e restabelecer Hala.

Um dos pontos que mais incomoda nesta produção da Marvel Studios é o fato de cobrar demais do espectador. Para compreender a trama de As Marvels em sua totalidade, é necessário ter visto não apenas o filme anterior da Capitã Marvel como as séries Ms. Marvel e WandaVision. O longa foge do conceito que Henry Jenkins propôs em seu seminal Cultura da Convergência, livro no qual dissertava sobre narrativa transmídia e como uma mesma história poderia se desenrolar em diferentes produtos, sem necessidade de redundâncias, mas também sem a obrigatoriedade do leitor/espectador consumir efetivamente todos os produtos ramificados para compreender inteiramente a narrativa. Assim, mesmo que um filme fosse continuação de outro ou desse origem a spin-offs em formato de séries, quadrinhos ou jogos de videogame, cada produto deveria funcionar independentemente, fazendo alusões aos seus predecessores ou aos seus derivados, mas dando poder para o público que irá consumir a história escolher em qual ou quais formatos quer consumi-la.

Não é o que ocorre no caso de As Marvels. Não dá para simplesmente assistir ao filme sem ter acompanhado filmes e séries que vieram antes, pois o roteiro pouco se preocupa em situar o espectador quanto às mitologias de cada personagem. De minha perspectiva, eu entendi a função de Monica Rambeau mas fiquei perdida no que diz respeito a Kamala, pois não vi absolutamente nada a respeito da série estrelada pela heroína teen na Disney+. Portanto, é necessário adentrar a sala de projeção já conhecendo de antemão as produções que introduziram as personagens que estrelam este filme. De que modo? Assinando o serviço de streaming da Disney. Um dos famosos ardis do capitalismo e capitaneado por um conglomerado que está monopolizando a indústria do entretenimento… Fica difícil assim.

A primeira troca de lugar por teletransporte entre as heroínas é divertida e propõe cenas de ação até interessantes porém nada surpreendentes. Os cortes das lutas deixam evidente o quão mal coreografadas são e dependem de muito trabalho de montagem para soarem legais ou minimamente decentes na tela. Houve um downgrade nas produções da Marvel também no departamento de efeitos visuais, pois o CGI traz uma impressão de design de videogame pouco sofisticado. A vilã é, mais uma vez, o maior ponto fraco dos filmes. Como grande parte dos vilões do MCU, eles não são desenvolvidos para além de uma aventura, caindo no ostracismo logo após o fim da projeção. 

Há toda uma sequência musical que ecoa uma vibe Disney e parece descontextualizada no longa, envolvendo um casamento arranjado entre Carol Denvers e o príncipe Yan (Park Seo-joon) de Aladna. E outra sequência em que inúmeros gatos, aliás, espécimes da raça alienígena Flerken que assumem forma de gato, engolem humanos e skrulls a torto e a direito. A intenção de ambas é se destacarem como passagens comicamente absurdas do enredo, mas são puramente anódinas. O pai de Kamala (Mohan Kapur), a bordo da estação espacial de S.A.B.E.R., explicando a um dos aliens com aparência humana (Abraham Popoola) acerca de previdência privada e direitos trabalhistas não toma nem um minuto de tela e consegue ser uma cena mais engraçada do que as citadas.

Falando em boas cenas (e elas são poucas no conjunto), uma das primeiras estreladas por Kamala no longa, é uma sequência animada que alude aos quadrinhos da Marvel e é adorável exatamente por evocar o espírito e a leveza do material de origem da personagem. Outra grata surpresa é a cena pós-créditos que revela Kelsey Grammer, intérprete do mutante Fera em X-Men: O Confronto Final (2006) e X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014), reprisando o papel – só que, ao invés da maquiagem questionável de outrora, trazendo um CGI questionável. Mas a gente releva pelo fato de o ator estar com quase 70 anos e, como mencionado, a make dos longas dos X-Men já não eram uma obra-prima. Além disso, a trilha sonora utilizada aproveita os temas de X-Men 2 (2003) e de Dias de um Futuro Esquecido, o que é suficiente para aplacar qualquer insatisfação.

A cena imediatamente anterior aos créditos mostra Kamala recrutando heroínas para um time mais jovem de Vingadores, o que remete à primeiríssima cena pós-créditos do MCU, em Homem de Ferro (2008), na qual Nick Fury apresentava a Tony Stark (Robert Downey Jr.) a Iniciativa Vingadores. A passagem deixa nítido o propósito desta fase da Marvel nos cinemas. E as reações durante a sessão também. Enquanto os adultos presentes pareciam entediados e sequer arriscavam um sorriso sem graça diante das tentativas de humor malsucedidas do longa, as crianças pareceram se divertir. De fato, As Marvels aponta para um público mais infantil. Nem posso dizer que, mercadologicamente, não seja uma decisão acertada – a de crescer com seu público. Contudo, para os mais velhos, fica um gosto amargo ao se comparar exemplares como Quantumania e As Marvels aos filmes mais antigos da casa, como o próprio Homem de Ferro. Também há de se reconhecer que os as décadas de 1980, 1990 e mesmo o início dos anos 2000 eram pródigos em lançamentos de longas destinados a um público infantil de qualidade imensamente superior a este As Marvels, tanto em termos narrativos quanto visuais.

De qualquer forma, o longa funciona como uma sessão da tarde descompromissada que você provavelmente assistiria pela TV em uma tarde chuvosa e por falta de opções mais interessantes. Talvez, assim, corresse o risco de achar minimamente divertido.