Movies

Vingadores: Guerra Infinita

Terceiro longa do grupo prepara o terreno para o encerramento de um grandioso ciclo cinematográfico produzido pela Marvel

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Texto por Abonico R. Smith

Fotos: Marvel/Disney/Divulgação

Orçamento estimado em 300 milhões de dólares. Total de 22 super-heróis na tela. Mais de 70 personagens Marvel juntos em uma mesma história. Duração de 2 horas e 36 minutos. Encerramento da fase 3 de um ciclo que já contabiliza 19 longas-metragens nos últimos 10 anos. Exibição em mais de 4 mil salas somente nos Estados Unidos, o que levou à maior estreia da História no país (250 milhões de dólares). Arrecadação de 640 milhões de dólares em todo mundo – exceto a China, onde o filme só chegará no do 11 de maio. Presença garantida entre as 10 maiores bilheterias em todos os tempos já a partir das próximas semanas.

Todos estes são dados referentes ao furacão cinematográfico chamado Vingadores: Guerra Infinita (Avengers: Infinite War, EUA, 2018 – Marvel/Disney). Muito se especulava sobre este épico da Marvel desde o início do ano. Só se fala no filme desde a última semana, quando a nova obra com a assinatura dos diretores e irmão Anthony e Joe Russo (que já haviam assinado os dois mais recentes filmes da saga de três do Capitão América) fez a nerdarada toda unida tomar de assalto os cinemas ao redor do planeta. Uma coisa impressiona de cara nesta terceira obra sob a grife dos Vingadores na já extensa saga do Universo Cinematográfico Marvel instituído em 2008. São exatamente os números. Números, números e mais números. Que saltarão ainda mais aos olhos a partir da segunda semana do filme em cartaz.

Independentemente de entrar na questão qualitativa do longa, chegar a esta conclusão é um melancólico retrato do que se tornou o cinema. Executivos ligados aos estúdios Marvel e Disney podem estar dando pulos de alegria. Fãs do mundo dos super-heróis – conquistados desde os áureos tempos das HQs da editora, devem estar satisfeitos pela chegada do maior épico do gênero – e aqueles que ainda não saíra de casa para assistir muito provavelmente tentam conter a ansiedade extrema até chegar a hora H. Entretanto, o extremo sucesso obtido por Vingadores: Guerra Infinita em seus números coroa a vitória do CGI na sétima arte. Imagens geradas por computação. Isto é, qualquer coisa que possa vir a passar longe da realidade pode acontecer diante de seus olhos (e óculos 3D) na poltrona das salas de projeção. Com certeza, uma conquista possibilitada pelo avanço tecnológico das últimas décadas. Mas que passa longe de quem procura entretenimento com um mínimo de humanidade (e todas as suas limitações, imperfeições e erros) na junção de imagem, som e movimento. É hiperrealismo em demasia para quem ainda acredita que a imaginação ainda possa servir para alguma coisa.

Já quanto ao filme em si, Vingadores: Guerra Infinita realmente entrega toda a grandiloquência majestosa que os fãs estavam esperando. É uma bela história, repleta de momentos de ação intercalados com doses de humor, suspense e dramas pessoais. Também traz novidades a um filme do UCM, como o fato da trama estar centrada em um vilão, sendo os heróis os “coadjuvantes” da vez. Aliás, também pudera… Com tanto super aparecendo, de fato fica difícil de destacar somente um ou dois ou dar um bom espaço de tempo para que todos eles apareçam de modo satisfatório. No trecho final, inclusive, quase nenhum grande integrante original dos Vingadores é visto lutando em cena. Aliás, durante toda a trama pouco se vê dos três personagens principais (Capitão América, Thor e Homem de Ferro), protagonistas dos principais filmes “solo” anteriores produzidos pelos estúdios Marvel. Muito provavelmente seja pelo fato do contrato assinado lá atrás com os respectivos atores (Chris Evans, Chris Hemsworth, Robert Downey Jr) estar chegando perto ao seu encerramento.

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O mote é inspirado na trilogia da Saga do Infinito, conhecida pelos fãs dos quadrinhos por ter sido publicada nos anos 1990. Guerra Infinita recebe o mesmo nome da segunda parte e leva às telas o que foi lido até ela. O titã Thanos (Josh Brolin), envolto por sua sede de conquista, flerte com a morte e o objetivo de destruição de boa parte da população interplanetária, embarca no intento pessoal de conseguir as seis joias do universo. Uma de cada cor, todas para serem acopladas à sua manopla – objeto que lhe garante indestrutibilidade. Para obter os objetos, viaja para todos os planetas e lugares sem tomar conhecimento de quem possa tentar a vir impedir o seu feito. Sobra para todos. Até o gigantesco Hulk (Mark Ruffalo, desta vez aparecendo quase todo instante como o alter-ego Bruce Banner) é massacrado. Nem mesmo a filha Gamora (Zoe Saldaña) é poupada pelo pai irado.

O final, como já era de se esperar, é enigmático e engata uma montanha de teorias a respeito do próximo longa dos Vingadores, previsto para 2019 e que deve encerrar de vez este ciclo grandioso da empreitada da Marvel como um estúdio produtor de filmes blockbuster. Aficionados pela arte sequencial e colecionadores de longa data já traçam suas expectativas para que o que venha a ser apresentado esteja relacionado à conclusão da Saga do Infinito, embora não haja qualquer informação oficial a respeito da obra que logo chegará às telas. O que se sabe, mesmo, é que a próxima heroína a entrar em cena deve ter participação importante na história. Afinal, a sequência pós-créditos já introduz no Universo a personagem da atriz Brie Larson chamada Miss Marvel – e que também ganhará um filme “solo” programado para estrear alguns meses ates desse novo longa dos Vingadores.

Enfim, tudo isso se transformou em um negócio altamente calculado. E que – independentemente de sua qualidade – continua passando longe do que se convencionou a ser chamado de cinema.

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Tudo Que Quero

Dakota Fanning é uma jovem autista com obsessão por Star Trek em road movie adaptado de uma peça teatral

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Imagem Filmes/Divulgação

Road movies são filmes que, por condição, mostram o protagonista seguindo uma trajetória. Há, claro, o deslocamento físico, o que possibilita o encontro breve com diversos outros personagens que, de uma ou outra forma, irão prejudicar, alterar ou favorecer a caminhada. Mas, acima de tudo, há ainda a alteração no percurso interno de quem se põe em movimento. No fim se conhece alguém diferente daquela pessoa que existia lá no início do filme.

Tudo Que Quero (Please Stand By, EUA, 2017 – Imagem Filmes) é um road movie. A jovem Wendy, alucinada pela série de TV e cinema Star Trek, faz de tudo para ir de San Francisco, onde vive, a Los Angeles, sede dos estúdios da Paramount. Seja de ônibus, a pé ou carona. Pouco mais de 600 quilômetros entre uma cidade e outra. Tudo porque há um concurso que premiará os melhores roteiros escritos por fãs. Ela escreveu o seu e, ao perceber que não há mais tempo hábil de enviá-lo pelo correio, decide correr todos os riscos e intempéries para entregar pessoalmente o montante de papel que traduz a história produzida em sua mente.

A história é baseada na peça teatral do dramaturgo e roteirista de TV e cinema Michael Golamco e foi adaptada para por ele próprio para ser lançada por Hollywood. A produção é de baixo orçamento e lançada no circuito independente norte-americano. Seu maior chamariz é a presença de Dakota Fanning (que, quando criança, atuou em alguns blockbusters e depois que cresceu optou por direcionar a carreira para produções mais alternativas) como a protagonista.

Estreando no Brasil na cola do sucesso de Extraordinário (leia aqui a resenha do Mondo Bacana), Tudo Que Quero segue a mesma linha dramática “protagonista-com-carisma-e-fora-dos-padrões-da-sociedade enfrenta os problemas do-mundo com a cara e coragem”. Também traz aquele verniz estético indie, com alto apelo pop (há referencias a Star Trek o tempo todo) e trilha sonora bonitinha (incluindo três músicas a cargo do trio nova-iorquino Au Revoir Simone). Também tem tudo para cair no gosto de um nicho bem específico de público.

Neste caso, familiares de portadores de autismo. Afinal, Wendy é autista. Vive mergulhada em um mundo só seu, com interesses próprios (marcada na história pela obsessão por Star Trek), dificuldade de mostrar os sentimentos e reações violentas perante a sinais de adversidade. Por isso ela necessita de cuidados especiais. Daí os perigos dela sair livre, leve e solta pelas ruas, quanto mais sem comunicação com a família durante a empreitada até Los Angeles e em comunicação direta com pessoas que nunca tiveram contato com ela antes.

Mas engana-se quem acha que Tudo Que Quero possa vir a escorregar para o lado do dramalhão. Este é um filme leve, divertido e colorido. O mundo de Star Trek e as recorrentes referências ao volcano Spock e o terráqueo Capitão Kirk são recursos para fazer analogias com os problemas de sua vida – em especial o distanciamento da irmã mais velha, que praticamente a ignora e, em nome de seu casamento e da filha recém-nascida, deixa-a sob os auspícios de uma cuidadora após a morte da mãe, solteira, que cuidava das duas até então.

Neste road movie de Golamco (que, por sinal, já era um road movieno palco, antes mesmo de chegar à grandes telas) pouco importa até onde Wendy consegue chegar em Los Angeles, se o roteiro é entregue ou não, se ela ganha o concurso ou não. Pouco importa até mesmo o final do filme, considerado por muitos críticos como frouxo e sem escapar das obviedades. O que vale aqui é o percurso traçado pela jovem. Não o geográfico, mas o interno. E principalmente o que ela consegue depois de todas estas novas e impensadas experiências.

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Somente o Mar Sabe

Biografia de velejador amador inglês chega às grandes telas propondo boas doses de reflexão e dramaticidade

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Paris Filmes/Divulgação

Diz o ditado que a História é sempre escrita pela ótica dos vencedores. Entretanto, há um outro provérbio que garante que sempre existe exceção para toda regra. Certamente o britânico Donald Crowhurst é uma destas exceções. Seu nome é lembrado há meio século como um grande loser. Ele foi um dos oito participantes da excêntrica corrida de volta ao mundo, solitária e a bordo de um navio, promovida em 1968 pelo jornal londrino Sunday Times. O único deles que não tinha qualquer experiência profissional ou até mesmo prévia como marinheiro. O único que não tinha grandes patrocínios ou até mesmo uma embarcação disponível – teve que desenhar e mandar fazer o próprio trimarã. O último a zarpar de terra firme por conta dos empreendimentos atabalhoados. Não foi o que chegou antes. Restava lutar para fazer o percurso no menor tempo, sendo o mais competidor rápido.

É disso que trata a cinebiografia Somente o Mar Sabe (The Mercy, Reino Unido, 2018 – Paris Filmes), drama que chega aos cinemas brasileiros no mesmo dia do blockbuster dos Vingadores, tornando-se uma opção perfeita para quem não quer ir a uma sala de projeção lotada para ver um filme de ação de super-heróis. Aliás, o contraponto do lançamento simultâneo é justificado. Aqui tudo transcorre em um ritmo bastante lento, como as ondas do mar e propício para reflexões.

Conhecidos nomes do cinema do Século 21 povoam a ficha técnica. A direção é de James Marsh (especialista em documentários e mais conhecido no terreno da ficção por ter assinado A Teoria de Tudo, bio do recém-falecido cientista Stephen Hawking) e o roteiro de Scott Z Burns (O Ultimato Bourne, Contágio). Já a montagem vem com os nomes de Jinx Godfrey (do episódio “Arkangel” da série Black Mirrore também de A Teoria de Tudo) e Joan Sobel (de Animais Noturnos). Jóhann Jóhannsson (outro que participou de A Teoria de Tudo) é o responsável pela trilha sonora densa e pesada como a história contada nas telas. Tudo marcado por níveis de tensão, humor ou agilidade que certamente não batem ponto nesta obra, protagonizada pelos atores também britânicos Colin Firth e Rachel Weisz.

Firth vive o empresário Donald Crowhurst, que acaba mergulhando de cabeça (e entrando de gaiato) em um sonho vendido pelo Sunday Times: dar a volta ao mundo encarando solitariamente os oceanos e embolsar cinco mil libras sendo o primeiro a chegar ou o mais rápido de todos (já que cada partida era marcada por um grande intervalo de dias). Como velejador, ele é um ótimo pai de família. Sem qualquer experiência e munido apenas de um misto de sonho, ambição, perseverança e uma pequena montanha de empréstimos financeiros, ganha o aval da esposa dedicada Clare (Weisz) e dos três filhos para embarcar na maior aventura de sua vida. Sabe muito bem dos problemas que terá de enfrentar em alto-mar mas o otimismo parece ser sua maior arma durante toda a parte inicial do longa-metragem, que se aproxima mais do formato tradicional de uma história biográfica adaptada para o cinema.

A partir do momento em que zarpa com seu trimarã do porto de Portishead, porém, a narrativa muda de figura. Aos poucos, Marsh e Burns vão embaralhando a cabeça do espectador, misturando sensações, delírios e pensamentos que vão se amontoando na cabeça de Crowhurst, muita coisa que passa ao mesmo tempo em terra firme e ainda vagas lembranças de uma vida familiar não muito distante. Com a ajuda de muitas narrações em off (a cargo do velejador e da esposa) e o recurso visual alucinações, provoca intencionalmente confusões sobre as possibilidades de Donald completar a prova marítima e conseguir seu objetivo de ser o mais rápido entre os concorrentes mesmo tendo em mãos um material improvável para tal. Tudo se transforma em um jogo entre realidade e expectativas que consome tanto quem está calmamente sentado na poltrona do cinema como ainda a cabeça do pobre coitado Crowhurst, que decide, ainda no início da empreitada, ludibriar as regras do jogo. Pouco a pouco tudo se encaminha para que ele passe a enfrentar seus maiores perrengues psicológicos no trecho entre a Argentina governada por militares e um tortuoso trecho do Oceano Atlântico na altura do Caribe.

Apesar de todos os seus aparentes atrativos, Somente o Mar Sabe não é um filme de digestão tão fácil quanto os mais incautos podem imaginar. Entretanto, destaca-se de outros exemplares do gênero por propor muita reflexão e tonalidades de dramaticidade que não são tão comuns em cinebiografias. E ainda se lança na ousadia de não querer finais felizes ou que louvam os feitos de seu protagonista. Aqui os feitos são mais históricos do que heroicos. Os distúrbios provocados podem ainda ser grandes em espectadores mais sensíveis.

Em tempo: em português, o título original significa “A Misericórdia”. Este é um sentimento de piedade, despertado pela desgraça alheia. A etimologia da palavra vem do latim e une os termos “misere” (ter compaixão) e “cordis” (coração). É tudo o que Donald Crowhurst chama para si desde quando enfia na cabeça a ideia de participar da competição. Isto é, já na primeira cena.

Music

Radiohead – ao vivo

Thom Yorke brinda o Rio tocando hino cult ao violão; em São Paulo, o evangelho da tristeza mostra que ainda emociona mas poderia ser melhor

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Textos por Natasha Durski e Fábio Soares

Fotos de Natasha Durski

Sexta-feira :: 20 de abril :: Rio de Janeiro

Nove anos de espera. Esse foi o tempo que o Radiohead, uma das maiores bandas da atualidade (embora sempre ligeiramente fora do mainstream) demorou para voltar a se apresentar em terras brasileiras. Dois álbuns após a turnê do muito bem recebido In Rainbows, a banda inglesa mostrou, em show muito mais intimista que o de 2009 (no Rio foram apenas 10 mil pessoas), a elegância das suas composições impecáveis misturando canções de seu mais novo trabalho, A Moon Shaped Pool, com pérolas sonoras do aclamadíssimo divisor de águas OK Computer e In Rainbows. Durante o show, a banda ainda perpassou por outros clássicos de sua extensa trajetória, pincelando canções de Hail To The ThiefAmnesiacKid A, The Bends e The King Of Limbs (Pablo Honey e o grande hit da banda, “Creep”, ficando de fora).

Quem conhece bem a banda sabe que, apesar da coesão entre os set lists executados durante a turnê, sempre cabe espaço para uma surpresa. No Rio de Janeiro, ela foi mais que especial: a canção “True Love Waits”, executada solo por Thom Yorke e que previamente não se encontrava no set, emocionou os fãs que cantavam todas as músicas com paixão. Até o lançamento de A Moon Shaped Pool, a música não tinha versão de estúdio e mesmo assim se tornara uma espécie de hino especial aguardado por todos que já a conheciam desde muito antes do Radiohead resolver finalmente gravá-la.

Com um show durando por volta de 2h30 e 27 músicas executadas, a banda mostrou mais uma vez ao Brasil o seu extremo nível de competência sonora – o que certamente coloca o Radiohead como uma das maiores bandas dos últimos tempos. Suas apresentações são a prova de que é possível ser grandioso e ao mesmo tempo sair dos trilhos, sem ter necessariamente que se ater ao mercado da música pura e simplesmente. São canções elaboradas e desprendidas de rótulos, feitas sob medida para um público que almeja os pontos fora da curva e se entrega totalmente aos encantos de suas melodias.

De coros apaixonados a frenesi intenso e admiração, com certeza o clima da Jeunesse Arena após o fim do concerto era de um êxtase que só uma banda do calibre do quinteto pode proporcionar. O que pode ser comprovado na última música da apresentação, “Karma Police”, cujo coro dos fãs ainda ecoava pela casa de shows minutos após os músicos deixarem o palco.

Ainda no mesmo festival, os fãs tiveram o prazer de desfrutar de duas atrações de abertura: a banda Junun, projeto de Shye Ben Tzur com o guitarrista Jonny Greenwood e Rajasthan Express, mais o DJ e produtor Steven Ellison com o nome de Flying Lotus. (ND)

Set List: “Daydreaming”, “Ful Stop”, “15 Step”, “Myxomatosis”, “Lucky”, “Nude”, “Pyramid Song”, “Everything In Its Right Place”, “Let Down “, “Bloom”, “Reckoner”, “Identikit”, “I Might Be Wrong”, “No Surprises”, “Weird Fishes/Arpeggi”, “Feral”, “Bodysnatchers”. Bis 1: “Street Spirit (Fade Out)”, “All I Need”, “Desert Island Disk”, “Lotus Flower”, “The National Anthem”, “Idioteque”. Bis 2: “True Love Waits”, “Present Tense”, “Paranoid Android” e “Karma Police”.

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Domingo :: 22 de abril :: São Paulo

Uma verdadeira “Disneylândia da tranquilidade” foram os arredores do Allianz Parque na noite do último domingo para quem (como eu) tem idade demasiada avançada para aturar um mercado de pulgas de Istambul em dias de grandes espetáculos. As ruas e bares estavam praticamente vazias nos arredores e o ambiente era tão tranquilo que adentrei o estádio somente 15 minutos antes do início da apresentação do Radiohead. Os problemas na pista comum, porém, eram evidentes: horrendos andaimes laterais atrapalhavam a visão do público e o palco estava baixo demais para quem estava na pista comum. Mas nada que abalasse a expectativa pela banda que acompanha minha geração desde a adolescência. Os tempos, porém, são outros. Se em 2009 os ingressos para o festival Just a Fest (que pela primeira vez trouxe os britânicos para cá) foram disputados a tapa, em 2018 as entradas para o SoundHearts encalharam. A organização declarou que 30 mil pessoas estavam presentes mas, sinceramente, duvido muito destes números. Pista comum cheia mas arquibancadas laterais e pista premiumcom muitos clarões era o que se via.

Com dez minutos de atraso, a banda pisou no palco do Allianz Parque com “Daydreaming”, faixa de A Moon Shaped Pool, disco de 2016 que teve fria recepção da crítica. A faixa (nada espetacular) é compensada pela emoção do público. Imagino que muitos ali presentes não estavam no show de nove anos atrás na horrenda Chácara do Jockey e encararam o show do último domingo como o “show da vida”. Neste quesito, a banda oferece o que tem de melhor: Jonny Greenwood (no alto de seus 46 anos) impressiona com sua performance no palco. Veste a capa de guitar heropara nunca mais a despir, sobretudo no refrão de “My Iron Lung”. Já Thom Yorke ainda sustenta a figura de buda midiático de uma geração depressiva e com visíveis problemas emocionais.

O set list (que jamais se repetiu nesta turnê de quase 60 shows) excluiu por completo o primogênito Pablo Honeymas transitou com coesão pelos outros oito álbuns de estúdio do grupo. “All I Need”, “Let Down”, “Weird Fishes”, “2+2=5” e, como esperado, “No Surprises” foram os pontos altos da primeira parte da apresentação. No primeiro bis, “Exit Music (For a Film)” emocionou com Yorke ao violão, sem a banda mas acompanhado por 30 mil vozes. O ponto alto, porém, foi “There There”. Minha relação com esta canção beira o amor profundo com sua indefectível batida marcial. Cantada em uníssono pela plateia foi, para mim, o ponto alto da noite. A grande decepção, para mim, foi o segundo bis: “Present Tense” poderia muito bem ser substituída por “Karma Police” que, inexplicavelmente, ficou de fora. “Paranoid Android” foi prejudicada pela má equalização do som, soando fraca e sem punch. Já a derradeira “Fake Plastic Trees”, cantada a plenos pulmões pela audiência, compensou a irregularidade pelo simples fato de sua existência. Um hino, símbolo de uma geração e que jamais perderá sua força.

Após duas horas e quinze de show, a sensação de saldo positivo era evidente mas que poderia ser melhor, também. O Radiohead 2018 soa melancólico como nunca mas o sinal de desgaste é evidente. Resta saber para qual direção o futuro da banda apontará. A única certeza que fica é que seu público continuará a segui-la como uma religião. O evangelho se perpetuará. Triste, talvez, mas continuará. (FS)

Set List: “Daydreaming”, “Ful Stop”, “15 Step”, “Myxomatosis”, “You And Whose Army?”, “All I Need”, “Pyramid Song”, “Everything In Its Right Place”, “Let Down “, “Bloom”, “The Numbers”, “My Iron Lung”, “The Gloaming”, “No Surprises”, “Weird Fishes/Arpeggi”, “2+2=5”, “Idioteque”. Bis 1: “Exit Music (For a Film)”, “Nude”, “Identikit”, “There There”, “Lotus Flower”, “Bodysnatchers”. Bis 2: “Present Tense”, “Paranoid Android” e “Fake Plastic Trees”.

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Clipe: Lump – Curse Of Contemporary

Artista: Lump

Música: Curse Of Contemporary

Álbum: Lump (2018)

Por que assistir: Laura Marling é uma das mais brilhantes artistas do pop britânico desde século. Cantora e compositora com um pé e meio no folk e tendo nascido em família com a veia musical latente (o pai coordenava um estúdio de gravação e a mãe lecionava na área), ela ainda sequer chegou aos 30 anos de idade e já conta com seis ótimos álbuns na carreira. Agora Laura procura diversificar um pouco os rumos da carreira com um projeto diferente do que vem fazendo até então. Aliou-se a Mike Lindsay, fundador do Tunng (outra banda da safra do novo folk britânico da década passada), para fazer a dupla Lump, que lançará seu primeiro disco no meio deste ano. Nesta semana Marling e Lindsay divulgaram a primeira música do novo projeto. É algo com uma pegada bem mais pesada do que a sonoridade dos usuais violões de Laura (embora o jeito dela tocar o instrumento seja um tanto quanto rock’n’roll mesmo de modo acústico). Tem guitarra e baixo, que também não são coisas tão comuns nos discos de Laura, embora a graciosidade e a força de seus vocais tão roucos quanto bizarros permaneça presente. A letra, escrita por ela, traz reflexões sobre um sonho muito recorrente no cenário artístico do início do Século 20 até hoje: a ideia de que estar no estado americano da Califórnia significa ficar próximo de uma verdadeira máquina de sonhos realizados por alguns poucos, movida principalmente pela indústria cinematográfica instalada nos arredores de Hollywood. O clipe produzido para a faixa (cujo título, em português, significa “Maldição do Contemporâneo”) ilustra bem essa ideia. O personagem principal, um ser peludo e de tonalidade alaranjada se mexe e dança alegremente por um grande palco quase vazio de objetos. Enquanto a câmera persegue seus movimentos, a narrativa leva foco ao cenário, também concebido pelo artista gráfico argentino Esteban Diacono. Da escuridão na qual a criatura protagonista está imersa tudo se transforma em luzes e cores trazidas por um sol brilhante, uma lua esquisita, ondas gigantes e uma estrada tipicamente californiana, que pode levar alguém a achar que está rumo à concretização de seus sonhos (leia-se sucesso profissional) numa sequência de dias e noites (e no fim de tudo não estar, o que fica em suspenso ao final do clipe).

Texto por Abonico R. Smith