Music

Skank

Oito perguntas sobre o presente e o futuro da banda mineira que se despede do público neste domingo após 32 anos de carreira

Samuel, Lelo, Henrique e Haroldo (da esq. à dir.)

Texto e entrevista por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Resta um. Apenas unzinho. Domingo próximo será o último dia. Às 19h do dia 26 de março de 2023, Samuel Rosa (guitarra, violão e vocais), Henrique Portugal (teclados, violão e vocais), Lelo Zaneti (baixo e vocais) e Haroldo Ferreti (bateria) sobem pela última vez ao palco juntos. Será o derradeiro show do Skank, após uma carreira contínua e muito bem-sucedida (tanto criativa quanto comercialmente) de 32 anos. Depois deste show, quem não viu in loco não terá mais tal chance. Daí só recorrendo a gravações em áudio e vídeo.

O local escolhido para o gran finale não poderia ser mais especial: o Mineirão, a maior arena a céu aberto de Belo Horizonte, a cidade que deu a banda ao mundo. O mesmo local que, no final do ano passado, assistiu lotado à emocionante retirada dos palcos de Milton Nascimento, outro ícone da música mineira. No caso do Skank, entretanto, há uma conexão a mais com o mundo do futebol. Além do grupo ser dividido meio e meio entre torcedores fanáticos dos dois maiores times de lá (Samuel e Henrique são Cruzeiro; Lelo e Haroldo, Atlético Mineiro), os integrantes passaram os primeiros anos da carreira vestindo camisas de muitos clubes nacionais em concertos, videoclipes e programas de televisão. Outra curiosidade: a primeira apresentação ao vivo do quarteto, em 5 de junho de 1991, contou com apenas 37 “testemunhas” comprando ingresso. Tudo devido ao fato de São Paulo e Bragantino estarem decidindo o Brasileirão naquela mesma noite.

show deste domingo no Mineirão colocará um ponto final na extensa turnê de despedida que já passou por diversas capitais e grandes cidades do país no último par de anos. Na verdade, o adeus estava programado para casar com a comemoração de trinta anos de existência da banda, em 2021. Contudo, a pandemia da covid-19 e a paralisação de quase dois anos na produção e realização de eventos culturais acabou provocando o adiamento da tour para os dois anos seguintes.

Mondo Bacana – que teve a sorte de acompanhar de perto a trajetória que rendeu treze discos (nove gravados em estúdio e mais quatro ao vivo) e seis DVDs – entrevistou o grupo nesta reta final. Henrique – que, assim como Samuel, participava do embrião que formou o Skank, um quarteto chamado Pouso Alto – respondeu a oito perguntas que pontuam não o passado, mas o presente e o futuro do Skank e seus membros. Afinal, é hora de se festejar um ciclo que termina e o próximo que estará se abrindo a cada um deles.

Março de 2023 foi o último mês de shows do Skank, depois de 32 anos de estrada. A cada dia que passa mais perto fica o fim. Como estão os corações e mentes dos quatro integrantes nestes dias derradeiros? Como está sendo encarar um encerramento de um ciclo tão grande?

Os shows têm sido uma verdadeira celebração. Estamos focados em nos divertir com nossos fãs e não sentimos essa melancolia de fim de um ciclo, porque foram anos muito gratificantes para nós quatro. Estamos vivendo as emoções, pedidos de música, particularidades de cada cidade. Temos a sensação de dever cumprido, por seguirmos juntos por tanto tempo e somos orgulhosos do legado que deixamos para os nossos fãs.

Muito se brinca que no Brasil as bandas de rock não costumam acabar oficialmente. Algumas dão um tempo, aproveitando para se reunir esporadicamente em turnês especiais pelo Brasil, outras se arrastam por um período, sendo postas em segundo plano diante de carreiras e projetos solo de seus integrantes. A pergunta que não quer calar: será mesmo o fim oficial do Skank ou, graças à amizade entre vocês, a porta estará ainda aberta para uma possível reunião no futuro?

Nós decidimos parar agora para que cada um possa ter tempo para se dedicar a projetos pessoais que a agenda intensa do Skank impedia. Mas a nossa música continua por todos os lados e de fácil acesso. O Skank sempre vai existir, independente de nós estarmos juntos tocando o Brasil. Enquanto todos ouvirem nossas músicas, estamos existindo.

Haverá algum produto especial extraído desta turnê de despedida? Algum filme, documentário, disco ao vivo?

Estamos registrando todos os shows e no Mineirão será feita uma bela produção para o encerramento deste ciclo.  O que faremos com estas imagens só será decidido depois da turnê.

Cada um de vocês quatro já definiu o que fará da vida após o fim do Skank? Vão continuar atuando no território da música? Alguma coisa já pode ser adiantada sobre a nova fase pós-Skank? No caso do Samuel, há alguma chance de rolar uma turnê a dois violões com o parceiro de composição Nando Reis (que acabou de fazer algo assim com a Pitty)?

Estamos focados ainda na turnê e nos organizado e programando nossos trabalhos solos. Alguns de nós já tem coisas paralelas à banda e vamos seguir trabalhando com outros amigos, com outros projetos. A gente entende que agora é o momento de cada um devolver para a música tudo o que ela nos deu durante todos esses anos.

Depois do sucesso e desfile de hits dos primeiros discos da banda, o Skank tomou uma decisão interessante: usar o dinheiro da gravadora que seria para gravar em bons estúdios na construção e realização de um estúdio próprio da banda. Se não me engano, ficava no terreno da casa do Haroldo. Este estúdio ainda existe e é utilizado? Agora, com a separação, será usado também para novos trabalhos e gravações musicais dos quatro integrantes?

Esse estúdio que você está se referindo era o Maquina.  Na verdade os donos eram eu, Haroldo e o Lelo. Mas já o vendemos há algum tempo.  A vida intensa na estrada com o Skank impossibilitava a gestão dele.  O Haroldo, viciado em estúdio, já montou outro só pra ele. Inclusive o Skank tem ensaiado neste local.

Nos dias de hoje, a música parece ter perdido a condição de finalidade e se transformado em apenas um meio. Tanto que festivais não vendem mais música há tempos, vendem experiências. Os mais jovens estão perdendo o costume de sair à noite para se comungar com outras pessoas desconhecidas ou conhecidas e ver uma banda tocar ao vivo em pequenos espaços. Nas plataformas digitais, a frieza do algoritmo substitui o aconchego do amigo ou irmão mais velho para apresentar aquilo que você ainda não conhece e deveria ouvir… Como é fazer música em tempos de streaming, quando um rápido clique no botão pode alterar e encurtar o tempo de audição de uma faixa, até em questão de segundos, e velocidade voraz para uma não tão paciente assim GenZ?

Depois de passar por tantas mudanças, continuo acreditando que o mais importante é que a música seja boa. As mudanças tecnológicas acabaram mudando a forma como as pessoas escutam música. É uma geração que tem pressa para assimilar informação e quando algo não agrada eles mudam para o próximo. Isso mudou também o jeito de compor e produzir canções.

Como o Skank vê o espaço para o segmento pop/rock dentro da música nacional de hoje? Pergunto isso o domínio arrasador do sertanejo que se refletiu por cerca da última década e meia parece estar se diluindo e sendo combatido, no gosto da GenZ, pela presença do funk e do pop mais dançante e com grooves (Anitta, Pabllo Vittar, Gloria Groove, Ludmilla). De alguma forma isso anima vocês para um futuro mais próximo de quando as gerações 1980 e 1990 do rock vieram com tudo no mercado fonográfico nacional?
O rock já teve um papel importante na sociedade que era questionar os valores sociais. Hoje em dia, este papel é do hip hop. O Brasil nunca foi um país forte no rock. Temos e tivemos alguns expoentes, mas sempre enxerguei um movimento pop/rock forte e poucas bandas de rock puro. Somos um país de misturas culturais, com uma grande força na parte rítmica.

Vocês são herdeiros e discípulos diretos do Clube da Esquina, grupo/disco que recentemente ganhou o primeiro lugar em uma votação de especialistas e imprensa (da qual eu tenho orgulho de ter participado, aliás) dos melhores álbuns de todos os tempos da música brasileira. Como avaliam este resultado? O tempo é mesmo o melhor curador para que se perceba a qualidade de uma obra musical? Ainda mais em tempos de música digital, que parece ter deixado igual a força de qualquer obra gravada em qualquer tempo e em qualquer geração…

A digitalização da música mudou a relação das pessoas com os artistas. Hoje em dia, as pessoas conhecem mais as canções do que dos artistas que as interpretam. Em compensação, acabou com a temporalidade das canções. Não existe mais o velho e o novo, todos estão iguais. Isto foi ótimo.  A nossa relação com o Clube da Esquina é natural, ainda mais no meu caso pois fui criado no bairro de Santa Tereza aqui em BH. Este é um álbum histórico para a música brasileira. Escutei do ator Matheus Nachtergaele que o mineiro se mistura pouco com outros artistas, só que é muito profundo na maioria das coisas que faz.  Pra mim este álbum é isto. Profundo e intenso.

Movies

Aftersun

Cineasta estreia com um dilacerante drama sobre amadurecimento e a relação da filha de 11 anos com o pai emocionalmente abalado

Textos por Leonardo Andreiko e Janaina Monteiro

Fotos: 02 Play/Mubi/Divulgação

Há filmes que desde o início prendem nossa atenção. Anunciam sua chegada e, com presença de espírito, nos catapultam para dentro de si e ocupam nossas mentes até o final. Não raro eles também sabem encerrar sua estadia, seja por meio de uma conclusão narrativa ou deixando-nos abertos à incerteza. Na vida, contudo, o fim de uma história raramente é anunciado. Nosso último encontro com alguém não vem acompanhado do letreiro onde vem escrito “fim”. Aftersun (Reino Unido/EUA, 2022 – O2 Play/Mubi), queridinho da crítica mundial e arrebatador de premiações deste ano (incluindo o Troféu Bandeira Paulista, para novos diretores na Mostra de São Paulo), consegue o feito de fazer os dois.

O longa-metragem, primeiro da diretora escocesa Charlotte Wells, retrata uma viagem de Calum (Paul Mescal) e Sophie (Frankie Corio), sua filha de 11 anos, para um resort no Mediterrâneo. Em meio às atividades de férias, mergulhos e jantares, acompanhamos o amadurecimento do olhar de Sophie sobre o mundo, a conflituosa relação de Calum consigo mesmo e o movimento de aproximação–distanciamento de pai e filha.

Wells tece um delicado véu que unifica os muitos percursos temáticos que Aftersun explora, de modo que consegue abordar questões socioeconômicas, melancólicas, psicológicas e até mesmo de coming of age mantendo um filme coeso e direcionado. É sob a decupagem simples (mas não minimalista) de suas cenas que a diretora projeta os diferentes estados de espírito que permeiam sua obra. É simples pela movimentação desperturbada: o interesse nos planos longos e nos detalhes em cena. O fora-de-campo cumpre uma função essencialmente especulativa (por imaginarmos o que se passa para além das câmeras), mas também de tensão – as elipses, omissões simbólicas e a subexposição esmagadora do mar à noite são aspectos constitutivos da forma da obra. Não somente floreiam o que se passa como discursam sobre ele, o expandem.

O resultado, primoroso de certo, é um filme que carrega consigo a complexidade de duas vidas, e não somente a superficialidade de uma trama, uma mera premissa. Enquanto Sophie descobre relações, modos de interação e o romance que permeia a vida, a operação emocional de Calum é praticamente oposta. A pré-adolescente se encontra num movimento de afastamento da magia do jogo, do karaokê e da infância, partindo ao mundo dos interesses românticos e das nuances adolescentes, que faz florescer seu próprio desejo ao mesmo tempo que descobre e se interessa pelo desejo do outro. Seu mundo é o hotel, suas piscinas e o fliperama. Em paralelo, seu pai não consegue desvencilhar-se do próprio passado, das próprias aspirações e da opressão do mundo à volta. Seu desejo é sempre presente, mas reprimido – fuma escondido de sua filha, projeta saídas de problemas materiais para além da viagem, preocupa-se com o dinheiro e rememora o passado sem noção certa do futuro.

Das muitas sequências memoráveis, vejo aquela em que Calum almeja o tapete sem poder comprá-lo como uma das mais potentes. Em um quadro repleto de tapetes, empilhados sobre os demais numa espécie de sótão/estoque, irrompem Calum, Sophie, o vendedor e um tapete estendido ao chão, no qual o protagonista finca o olhar. Não é o desejo pelo artefato que o interessa, mas a capacidade de carregar consigo as histórias daqueles que o teceram.

Em um jogo de cena entre esse plano conjunto e um tocante close-up de Paul Mescal (que desde Normal People, série que projetou o astro às telas mundiais, é uma marca de sua carreira), o delicado olhar da direção faz o papel de nos impor a realidade emotiva que vive o protagonista. Em crise por não ver no tempo presente cumpridos seus sonhos de criança e muito menos os próximos passos na vida adulta, Calum se deita num de muitos tapetes e respira – busca sentir a história, mas não é capaz de tê-la.

Pincelando sua narrativa com o recurso da filmagem caseira que marcou o final dos anos 1990 e o começo do novo milênio, Wells opera uma exploração vívida da psique de suas personagens e o poder cristalizador da matéria-prima do cinema: o vídeo. São muitas as instâncias em que as brincadeiras de Frankie segurando a câmera, bem como os registros mais aterrados e “documentais” de Calum, são monumentos da memória, revelando ao espectador um passado muito latente e carregado de afetos. Não à toa, em dado momento, a espectadora é a própria Frankie, já adulta, que ao assistir as filmagens rememora e reinterpreta sua história e relação com o próprio pai.

Aftersun é, sem dúvidas, um dos lançamentos mais potentes deste ano, um sopro de ar fresco sobre o claustrofóbico e agonizante cenário das franquias intermináveis e lançamentos decepcionantes. Esse é um filme que emociona ao ser assistido, mas também é um dos raros que emocionam ao escrever sobre. Charlotte Wells, ao trabalhar a partir de sua própria memória, parece recuperar uma constatação óbvia, mas não menos potente: não há letreiro de “fim” para anunciar o último encontro. E é isso que os torna especiais. (LA)

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Gatilhos mentais podem ser acionados de várias maneiras, fazendo revisitar memórias guardadas nas mais profundas gavetas e que trazem à tona calafrios e sensações nada agradáveis. Tem gente, por exemplo, que associa assistir a vídeos caseiros a uma certa melancolia. Talvez porque saiba que quando alguém querido, da família, se for, essa é uma das formas de se perpetuar as lembranças, sejam elas alegres ou não. 

Por isso, assim que a personagem Sophie (a estreante Frankie Corio) aperta o play no registro de suas férias na Turquia com o pai Callum (Paul Mescal) só tive uma certeza: a de que seria engolida por uma imensa onda gigante de nostalgia, chamada Aftersun (Reino Unido/EUA, 2022 – O2 Play/Mubi).

Quando este primeiro longa-metragem da escocesa Charlotte Wells terminou, fiquei atônita por alguns momentos na frente da tela. E mesmo que eu tentasse me desvencilhar de tudo aquilo que havia assistido nos últimos cem minutos não conseguia recuperar o fôlego de jeito nenhum. Não conseguia me soltar daqueles fragmentos de uma história avassaladora. 

Charlotte me deixou completamente hipnotizada pela narrativa desenhada de forma melancolicamente deslumbrante para mostrar o período em que um pai separado, de 30 e poucos anos, e sua filha pré-adolescente de 11 passam juntos.

Do início ao fim, a diretora nos proporciona um mergulho na relação entre os dois, mostrando a paternidade por um viés diferente daquele que costumamos ver no cinema. Podemos lembrar de vários longas, por exemplo, como o delicado O Mundo de Jack e Rose, protagonizado por Daniel Day-Lewis, mas dificilmente algum título supere Aftersun no quesito profundidade.

Em entrevistas à imprensa estrangeira, Charlotte revelou que concebeu o filme a partir do momento em que se deparou com álbuns de fotografias antigas da família. Portanto, existe muito de autobiográfico no roteiro assinado por ela. 

Ao passo que o espectador é apresentado aos protagonistas, é possível perceber também que Charlotte busca uma certa inspiração na sua compatriota Lynne Ramsay, também conhecida por dirigir filmes complexos sobre as fraquezas humanas de uma outra perspectiva, como fez com o também avassalador Precisamos Falar Sobre Kevin

Aftersun é muito mais que uma história sobre a conexão entre pai e filha. É sobre o vazio, o desespero. Sobre ter de sorrir e zelar pela vida de outra pessoa enquanto se está dilacerado por dentro. Para traduzir essa relação delicada de afeto e dar pistas do estado mental de Calum, Charlotte nos brinda com muito plano detalhe, como na cena em que mãos de pai e filha se unem, e movimentos de câmera sutis, quando enquadra os livros de meditação dispostos em cima de uma estante.

Em início de carreira, Paul Mescal (o galã de Normal People) se mostra gigante quando de costas consegue representar com seu choro desesperador toda a agonia da personagem. Frankie Corio é a personificação de toda pré-adolescente, que faz suas descobertas e não tem papas na língua ao falar as verdades para o pai. 

Para contextualizar a época, a cineasta recorre a objetos e outros artifícios: a filmadora de Sophie, o walkman de Callum, as canções que marcaram a época, como “Tender”, da banda de britpop Blur. Assim, pouco a pouco, vamos nos guiando por fragmentos dessa viagem registrada pelos olhos de Sophie. E nos dando conta do sofrimento de seu pai e a luta dele para sobreviver. Seja quando ele diz para a ex-mulher, numa cabine telefônica, que ainda a ama (“Por que você disse eu te amo pra mamãe?”, pergunta Sophie logo em seguida). Seja na cena do karaokê em que a filha, ao contrário de todas as outras vezes, canta sozinha. E uma das cenas mais arrebatadoras do filme é, sem dúvida, a “última dança” de Callum ao som de “Under Pressure”.

Depois de Aftersun, será difícil ouvir a canção de David Bowie com o Queen sem se lembrar dessa estreia arrebatadora de Charlotte Wells. (JM)

Movies

Avatar: O Caminho da Água

O visual esplêndido não livra a longa sequência do clássico dirigido por James Cameron de se perder nas muitas inconsistências do próprio roteiro

Texto por Carolina Genez

Foto: Fox/Disney/Divulgação

Mais uma década depois do lançamento do primeiro filme, chega agora aos cinemas a sua continuação. Avatar: O Caminho da Água (Avatar: The Way Of Water, EUA, 2022 – Fox/Disney) não vem somente como sequência do anterior, mas também com a promessa de outros três longas (sendo estes já com o ano de lançamento previsto).

Na história atual, também com a direção de James Cameron, reencontramos Jake Sully (Sam Worthington) e Ney’tiri (Zoë Saldaña) anos depois dos eventos do primeiro longa, vivendo em paz com a natureza e formando uma família. A paz dos Na’vi, porém, é perturbada com a chegada de mais militares que querem explorar Pandora e tornar o planeta habitável para o chamado povo do céu.

Se em 2009 James Cameron já impressionava pelos aspectos visuais do mundo de Pandora, no novo Avatar o visual é realmente de cair o queixo. Esse é o tipo de filme que traz de volta o público ao cinema por causa de uma impecável experiência cinematográfica, que deve ser vista na maior tela existente e se possível em 3D. 

A maravilha de Pandora é criada em O Caminho da Água com tantos detalhes que torna quase impossível lembrar que o local não existe na vida real. O CGI dá show e mostra o que, de fato, é possível construir tudo com o uso dos efeitos especiais. Para além dos avatares, a natureza em si acaba se tornando um personagem pelo tanto de detalhes. A coloração das plantas, os movimentos dos animais e insetos e, claro, a água dentro do filme são simplesmente impressionantes. Além disso, no segundo Avatar o mundo se torna ainda mais palpável. Com a língua dos Na’vi ainda mais viva e expandida, a construção do mundo torna-se maravilhosa, mostrando ainda mais sobre as vivências e tradições daquele povo.

Aqui o protagonismo fica mais com os filhos do casal principal. Cada um deles pode apresentar personalidades muito interessantes e diferentes entre si, mas todos funcionam muito bem junto e entregamuma convincente família. Dentre os filhos biológicos há Neteyam (Jamie Flatters), mais velho e mais calmo e centrado, mas que ainda sim se rende as ideias do irmão do meio e impulsivo Lo’ak (Britain Dalton). Por fim, Tuk (Trinity Jo-Li Bliss) é a filha caçula. Completando a família e o destaque entre os filhos, entra Kiri (Sigourney Weaver). A filha da cientista Grace (também vivida por Sigourney Weaver), que morreu no primeiro filme, tem uma narrativa muito interessante dentro do longa, explorando as maravilhas de Pandora com a mesma admiração que o próprio espectador. Entre as crianças, o elenco apresenta Miles “Spider” Socorro. Com a saída do povo do Céu, ele acaba ficando, por conta da idade, com os cientistas que permanecem em Pandora. Spider é obcecado pelos Na’vi e mantém uma amizade muito bonita com os filhos de Jake e Ney’tiri.

O começo do longa mostra as vivências dessa família, quando acontece a chegada de mais militares. No primeiro filme, o objetivo era minerar o planeta. Agora, é torná-lo habitável para a vinda dos humanos, já que a Terra se encontra próxima do fim. Esta trama, porém, é abandonada na primeira uma hora de projeção, já que a narrativa é consumida por um desejo desesperado de vingança pelo Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang), que retorna como avatar (após uma explicação bem mediana para trazer de volta o vilão) e move diversos recursos (e praticamente montanhas) apenas para se vingar de Jake Sully. As motivações do personagem são bem fracas (até porque no filme anterior o personagem era mais coerente) e sem sentido dentro da atual narrativa, já que aqui matar Sully não elimina os outros Na’vi, que são tão guerreiros como ele.

Por isso, infelizmente, o maior inimigo de O Caminho das Águas revela ser a série de inconsistências de seu roteiro. A estrutura e os atos narrativos são idênticos ao primeiro filme, porém mais alongados. O filme também se segura muito para desenvolver algumas relações e eventos, que muito provavelmente serão explicados e desenvolvidos nas próximos produções. Com isso, entretanto, o segundo filme acaba perdendo muito ao entregar momentos genéricos, previsíveis e com explicações bem ruins.

Além disso, talvez um dos erros que mais impacta é a adição de fatos e regras ou a quebra destes sem grandes explicações desde o início – até porque o primeiro longa é finalizado sem grandes pontas para um segundo. Isso acaba acontecendo ao longo do filme todo. Não só a origem dos personagens da Kiri e Spider ou a volta do coronel, mas também as histórias, lendas e tradições dentro dos povos são explicadas muito de repente e acrescentadas sem dó, apenas para servir às necessidades dos personagens e conseguirem movimentar os mesmos. O objetivo destes também pode ser questionado em diversos momentos, gerando até mesmo a quebra de conexão entre espectador e história.

O Caminho da Água também traz diversas cenas em que nada acontece, até mesmo para que se possa contemplar ainda mais o visual. Tal decisão acaba o deixando extremamente longo, com mais de três horas de duração (trazendo incoerência em determinados momentos, já que de uma hora para outra o perigo deixa de ser iminente com facilidade). A montagem também deixa a desejar pelos cortes bruscos e cenas por vezes sem conexão com os takes seguintes. O final do filme traz uma cena de ação que supera o primeiro, é bem verdade. Só que sua resolução previsível não consegue deixar os espectadores na ponta de sua cadeira. Apesar disso, o longa traz uma melhora grande em relação ao primeiro e consegue terminar plantando curiosidade para as próximas sequências. Avatar: O Caminho da Água é aquela produção impecável e bela visualmente, ideal para ser vista dentro de uma sala cinema, mas peca pelo roteiro raso e genérico, com uma aventura mediana e aquela promessa de melhora para os próximos longas.

Movies

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre

Novo filme fala sobre o luto pelo protagonista mas peca ao se estender em personagens demais e tramas paralelas subdesenvolvidas

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

“Só as pessoas mais feridas podem ser grandes líderes”

Sequência do grande sucesso de público e crítica Pantera Negra, de 2018, este Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (Black Panther: Wakanda Forever, EUA, 2022 – Marvel/Disney) deveria ser um um filme sobre Shuri, uma produção que se dedicasse a mostrar o crescimento da personagem interpretada pela atriz Letitia Wright, que se obriga a amadurecer após inúmeras perdas. Toda a tragédia em seu entorno daria consistência à jornada da heroína e seria enredo suficiente para um longa, tendo como mola-mestra o luto pela morte do irmão, o rei T’challa (Chadwick Boseman). Uma base lúgubre, triste, mas funcional e eficiente para situar a heroína no panteão de super-heróis que é o MCU (Universo Cinematográfico da Marvel). Porém, é Hollywood e Wakanda Para Sempre faz parte de uma safra de produtos que ultrapassou o nicho ao qual era destinada no passado. Não apenas os fãs de quadrinhos de super-heróis consomem esses filmes hoje em dia. Já há um tempo eles abrangem o público em geral.

Portanto, é necessário fanservice para agradar aos marvetes, introduzindo tudo o que for possível da mitologia dos quadrinhos; contextualizar esse fanservice para atingir os espectadores que não conhecem a base original; e, considerando que a Marvel Studios optou por não escalar um substituto para Boseman (falecido em 2020, vítima de um câncer de cólon) seja por carinho ao saudoso ator ou por preferir não despertar a fúria dos ardorosos fãs, em uma demonstração solene de respeito, compor uma obra cuja essência é o luto pelo rei T’Challa e um tributo a Boseman. Toda a história de sucessão protagonizada por Shuri tem esse sabor agridoce de despedida ao intérprete de Pantera Negra, além de ser intercalada por diversas tramas paralelas. O resultado é um longa sem unidade, que aponta para vários lados. É difícil dar coesão a todos os núcleos narrativos. O diretor Ryan Coogler não parece se esforçar muito para alcançar tal objetivo, contentando-se com épicas cenas de ação e profusas sequências de pesar pela perda de T’Challa. É grandioso na embalagem, porém razoável no conteúdo.   

O que fez Pantera Negra se destacar dentre os longas da franquia MCU nos cinemas, levando-o até mesmo a concorrer ao Oscar de melhor filme, era o equilíbrio do conjunto. Coogler apostou em uma lenda fascinante, com cenas de ação certeiras e uma crítica ao imperialismo americano. Em sua essência, a produção de 2018 era feliz e bem-sucedida ao construir nas telas uma mitologia convincente, envolvendo cerimônias ritualísticas e fortes representações culturais que fundamentam Wakanda sem dispensar as boas e velhas lutas coreografadas, explosões e perseguições que fazem a festa dos fãs de blockbusters e ainda trazia uma base política sólida ao discutir racismo e colonialismo. Wakanda Para Sempre apresenta todos esses elementos, mas de maneira desorganizada e totalmente over.

A homenagem a Chadwick Boseman tem início nos créditos de abertura, continua na bela sequência inicial que representa a cerimônia fúnebre e se estende por toda a história. Após a morte de T’Challa, a rainha Ramonda (Angela Bassett) faz o possível para proteger sua nação de poderosos líderes estrangeiros que buscam se apossar do vibranium (metal fictício encontrado em abundância em Wakanda, que possui a capacidade de absorver todas as vibrações em sua proximidade, bem como a energia cinética direcionada a ela e faz com que a terra natal do Pantera Negra seja rica e poderosa), ao mesmo tempo em que tem de lidar com o luto pela perda do filho e tentar uma conexão com a filha, Shuri, que parece ter se fechado em um casulo após a morte do irmão.

Nesse ínterim, entidades do governo descobrem que Wakanda não é o único lugar a possuir vibranium, identificando-o também no fundo do oceano por meio de um detector construído especificamente para rastrear o elemento. A matéria é proveniente do reino submarino governado por Namor (Tenoch Huerta), um mutante com poderes extraordinários derivados de sua herança genética incomum, com fisiologia anfíbia, força sobre-humana, supervelocidade e pés alados que garantem a ele a capacidade de voar. Ao tomar conhecimento do detector de vibranium, Namor entra em contato com Wakanda a fim de solicitar apoio para que capturem a cientista responsável pela invenção. Riri Williams (Dominique Thorne) é uma jovem universitária que não faz ideia que é o principal alvo dessa caçada. Em meio a tudo isso, Shuri precisa encontrar seu lugar entre as lideranças de Wakanda, digladiando com o próprio rancor e sentimento de vingança que a consome.

O elenco numeroso e as diversas tramas paralelas centradas em diferentes personagens tornam os já eloquentes 161 minutos de Wakanda Para Sempre insuficientes para trabalhar tanto material. Por isso mesmo, várias discussões interessantes acabam exploradas de maneira superficial, alcançando um nível muito raso de debate. É o caso, por exemplo, da tão alardeada (ao menos nos materiais de divulgação!) liderança feminina, que ganha pouca substância. Outros temas trabalhados com pouca profundidade neste exemplar afrofuturista da Marvel são justamente a questão racial e o imperialismo americano. Há muita coisa acontecendo na tela e, ainda assim, o roteiro peca ao não se aprofundar em nenhuma delas: a tentativa de focar em Shuri, as introduções de Namor e Riri Williams e o plot envolvendo o agente Everett Ross (Martin Freeman). Todas essas tramas socadas em um único longa tornam o enredo desequilibrado.

Entendo que Wakanda Para Sempre ocupa uma posição difícil na franquia dos Vingadores. O longa tinha a ingrata função de “substituir” o herói de forma nobre, sem ferir seu legado. Mas toda essa construção aliada à introdução de duas personagens importantes transforma o longa em um bolo de noiva e é justamente o desenvolvimento de Shuri que acaba ofuscado. É até irônico, pois, mesmo sem querer, a personagem já acenava para essa possibilidade desde o ritual de desafio no primeiro longa. A pedra angular deste longa-metragem deveria ser a preparação do terreno para que, aos poucos, Shuri ganhasse protagonismo.

Há um momento em que a princesa pergunta a Namor o porquê de estar lhe contando tudo isso. E eu não resisti e respondi mentalmente: porque filmes hollywoodianos têm a mania de serem expositivos demais e contar origens por meio de flashbacks manjados. A insistência da indústria em subestimar a inteligência do público se baseia na crença de que o espectador não vai ser capaz de acompanhar uma história na tela se tudo não for devidamente explicado.

Se já não bastasse o excesso de tramas que incham o longa, a montagem vacila em diversos momentos, especialmente ao mostrar os desdobramentos de lutas tão definitivas, intercalando ambas e tirando o impacto do desfecho das duas. Como tradição dos filmes do estúdio, este não foge à regra de apresentar embates corporais repletos de cortes secos e abruptos. O design de produção continua primoroso e as cenas pirotécnicas que se desenrolam tanto em terra firme como no mar são empolgantes, embora o longa peque pela falta de contrastes, especialmente nas cenas que se passam no reino de Namor, Talokan. A trilha sonora é composta de vários temas interessantes, mas o conjunto da obra é deveras saturado. Há todo um cuidado em retratar a cultura dos wakandanos, explorando seus costumes e a mitologia dos povos que ocupam aquele território. O mesmo não acontece com os talokans. Mas nem vou reclamar nesse quesito, porque, além da certeza de que Namor regressará, isso só tornaria a produção ainda mais longa e modorrenta. Por falar nisso, a guerra entre as duas nações é maniqueísta e bidimensional, abusando de um artifício muito raso para deflagrar o conflito.

O filme que encerra a fase mais criticada do MCU também é um reflexo da mesma, composta de filmes muito apoteóticos em suas intenções, mas inchados ou apáticos em seus resultados. Wakanda Para Sempre é emocional em diversas passagens, especialmente ao rememorar T’Challa. É conceitual, ao abordar o luto cinematograficamente, mostrando como cada figura do elenco lida com a morte do personagem, do ator e do amigo. Mas não é funcional, não possui um fim, um objetivo. Um demérito irreparável quando nos referimos a obras cinematográficas. Eis um tributo a Chadwick Boseman que não faz a devida justiça a seu homenageado.