Music

Arnaldo Antunes + Vitor Araújo

Oito motivos para você não perder a chance de ver ao vivo o show em conjunto do cantor e compositor paulista e o pianista pernambucano

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Fevereiro de 2020. Mês de lançamento do décimo segundo álbum de estúdio de Arnaldo Antunes. O Real Resiste, como diz o próprio título (além dos versos que compõem a letra da faixa que o batizou, servia como um contraponto para o autor. Sob um clima de meia-luz, harmonizando teclas e cordas e dispensando a parte rítmica de percussão e bateria, era um pretexto para uma retomada de ar de toda a loucura na qual o país mergulhara no ano anterior, com todos os bichos escrtos que saíram dos esgotos sob o comando do inominável presidente.

Mas eis que veio a pandemia da covid e o Brasil parou. O mundo parou. Isolamento radical e a mais completa falta de possibilidade de seguir em frente no meio artístico e cultural. Arnaldo foi pego em cheio por este tsunami planetário. Estava preparado para estrear a turnê que divulgaria e espalharia por diversas cidades o disco novo. Ainda mais porque a empreitada traria uma novidade: em vez de estar acompanhado por uma banda no palco, haveria apenas um músico ao seu lado. E não qualquer músico. O escolhido havia sido o pernambucano Vitor Araújo, enfant terrible dos pianos, que alguns anos atrás despontara como uma grande revelação da música brasileira ao se propor a experimentar novos caminhos e sonoridades em seu instrumento, indo além da convencional exploração das teclas pretas e brancas com os pedais.

O novo show virou apenas lives (Sesc Pompeia, Inhotim) e gravação para documentários (Arnaldo 60). O entrosamento estava tão grande, porém, que Arnaldo voltou para o mesmo estúdio situado em uma fazenda do interior de São Paulo, levando Vitor para criar mais um disco. De lá saíram nove faixas (algumas inéditas, outras já lançadas antes por Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Itamar Assumpção, Titãs e o próprio Arnaldo em carreira solo) registradas  no período de uma semana. A temática compreende  as instabilidades emocionais tão pertinentes àqueles dias (distanciamento, saudade, comunicação ruidosa, fim de relacionamento) e a participação do jovem pernambucano não se limita à condição de mero coadjuvante musical. Vitor revela-se tão intérprete quanto Arnaldo, desdobrando o seu piano em muitas camadas e climas, dando a impressão de estar se ouvindo mais gente colocada ali no aquário do estúdio durante a gravação.

Aos poucos, depois do lançamento do álbum Lágrimas no Mar em setembro de 2021 (portanto, ainda naquele clima de incertezas vivido pelo lento arrefecimento do lockdown), Arnaldo e Vitor vão levando à estrada o show que a pandemia insistiu em adiar, agora com um repertório de canções ainda maior por conta do trabalho em conjunto. Nesta sexta, 17 de maio, é a vez de Florianópolis (clique aqui para mais informações sobre local, horário e ingressos). No sábado, a dupla se apresenta em Curitiba (clique aqui para mais informações sobre local, horário e ingressos). E o Mondo Bacana preparou abaixo oito motivos para você não perder a chance de assistir ao perfeito entrosamento entre Arnaldo Antunes e Vitor Araújo ao vivo.

Som do silêncio

Uma das ideias de Arnaldo ao apostar no formato de piano e voz ao vivo – ainda mais com as intervenções autorais de Vitor Araujo – foi justamente chamar a atenção para o momento das pausas. O intervalo, o interim, o pequeno espaço entre um som e outro, seja a sua voz ou de algum instrumento. Então, fazer a audiência poder desfrutar dos curtos instantes de silêncio também passa a ser um requinte que poder realçar o valor de uma canção – algo que seria quase impossível se estivesse ali com o vocalista uma banda inteira.

Piano autoral

A presença de um nome como Vitor Araújo significa perceber as canções – do próprio Arnaldo ou as releituras – de uma outra forma. O pernambucano assina o arranjo de todas as músicas para seu instrumento e se multiplica de uma forma pouco vista no terreno da música pop. Também apresenta ao gênero o piano preparado, que consiste na montagem de peças introduzidas entre as cordas, de modo que quando a pressão das teclas as fazem ressoar sejam produzidos efeitos sonoros inusitados e diferentes. Henry Cowell e John Cage são os principais nomes desta técnica.

Spoken word

Além da música, Arnaldo sempre foi bastante ligado ao mundo da poesia, chegando a fazer instalações e brincadeiras visuais com palavras e letras de canções para algumas exposições. Quase despido da instrumentação convencional da música pop, encontra um terreno ideal para injetar a leitura de alguns poemas entre uma música e outra do set list. Mas não espere que haja só a declamação por meio de sua voz. Vitor o acompanha criando efeitos e sonoridades que transforma tudo em um breve happening, tão visceral quanto o momento das harmonias e melodias.

Duas vezes Titãs

Claro que aqui não poderia deixar de ter a presença de faixas assinadas por Arnaldo para o repertório de sua ex-banda. A tensão da harmonia de “O Pulso” combinada à lista quase declamada de doenças e distorções do corpo e da mente é um dos momentos mais vibrantes do show. O arranjo elaborado por Vitor dá um novo gás à canção que sempre foi uma das favoritas dos fãs dos Titãs e foi muito bem recebida no resgate da recente turnê de reunião de seus integrantes da formação clássica. Já “Saia de Mim” tem as dissonâncias harmônicas das teclas de Araújo muito bem casadas com o vocal raivoso e gritado de Arnaldo, que parece expelir, na hora de cantar, as excreções corporais relacionadas em sua letra (suor, peido, vômito, escarro, espirro, pus, porra, sangue, lágrima, catarro). Tudo para chegar ao fim com a exclamação “saia de mim a verdade”.

“Fim de Festa”

Na releitura deste blues de pura fossa de Itamar Assumpção, Arnaldo e Vitor injetam um certo ar soturno, com a exploração de timbres graves (a linha contínua do baixo mais o vocal-tenor quase falado do paulista) e uma repetição mântrica propícia para o pernambucano criar alguns barulhos estranhos no arranjo, manipulando diretamente as cordas do piano no interior da cauda. Vale lembrar que o resgate da canção é mais uma referência ao período da pandemia, quando vários casamentos e namoros chegaram ao fim por conta justamente da incompatibilidade de gênios, modos e pensamentos reforçada pela intimidade extrema do isolamento social. Outra curiosidade: a gravação original veio outro disco criado em parceria entre São Paulo (Itamar) e Pernambuco (Naná Vasconcelos), lançado em 2004, um ano após a morte do cantor e compositor. O videoclipe oficial da faixa registrada em Lágrimas no Mar tem Rubi, neta de Itamar, fazendo a performance de dança.

“Manhãs de Love”

Composta por Arnaldo Antunes e Erasmo Carlos gravada pelo Gigante Gentil no álbum que leva justamente seu segundo apelido como título, em 2014. Faz parte do renascimento artístico do Tremendão, com uma sucessão de álbuns nos quais ele abriu seu leque de parceiros, indo bem além do costumeiro amigo de fé e irmão camarada Roberto Carlos. Este movimento fez com que o artista se aproximasse de uma nova geração de fãs, algo que continuou até a sua morte há dois anos. Faz dupla com “Fim de Festa” na cota de momento bluesy de dor-de-cotovelo neste trabalho parceira com Vitor Araújo. O piano, executado de modo mais tradicional, acentua a melancolia da letra.

Como 2 e 2

Composta por Caetano Veloso, gravada originalmente por Roberto Carlos e também bastante conhecida na voz de Gal Costa, a canção foi recriada por Vitor e Arnaldo para o álbum Lágrimas no Mar. Feita durante o período de maior repressão da ditadura militar no Brasil, sua letra expressa, recorrendo à matemática e alterando metaforicamente as suas certezas (e, claro, fazendo referência direta ao estado totalitário imaginado por George Orwell para o clássico livro 1984), a imprevisibilidade das coisas, seja na expressão dos sentimentos de qualquer pessoa ou mesmo na vida perante a uma sociedade que muitas vezes se transfigura no horror ao qual não desejamos para a gente. A manipulação da verdade – aqui, no caso de somar dois e dois e dar cinco como resultado – anda bastante em voga hoje em dia, em um mundo cheio de distorções provocadas por uma enxurrada diária de fake news, grande imprensa bastante tendenciosa e um bando de políticos que agem e dizem tudo de acordo com seus interesses e conveniências.

O Real Resiste

“Autoritarismo não existe/ Sectarismo não existe/ Xenofobia não existe/ Fanatismo não existe/ Bruxa, fantasma, bicho papão/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Na fumaça de um rojão/ É só ilusão, não, não/ Deve ser ilusão, não, não/ É só ilusão, não, não/ Só pode ser ilusão/ Miliciano não existe/ Torturador não existe/ Fundamentalista não existe/ Terraplanista não existe/ Monstro, vampiro, assombração/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Múmia, zumbi, medo/ Depressão, não, não/ Não, não/ Não, não, não, não/ Não, não, não, não/ Trabalho escravo não existe/ Desmatamento não existe/ Homofobia não existe/Extermínio não existe/ Mula sem cabeça, demônio, dragão/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Com um estrondo de um trovão/ É só ilusão, não, não/ Deve ser ilusão, não, não/ É só ilusão, não, não/ Só pode ser ilusão/ Esquadrão da morte não existe/ Ku Klux Klan não existe/ Neonazismo não existe/ O inferno não existe/ Tirania eleita pela multidão/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Lobisomem, horror/ Opressão, não, não/ Não, não/ Não, não, não, não/ Não, não, não, não”. Esta é a letra toda da canção criada durante o primeiro ano de desgoverno do inominável. É preciso dizer mais alguma coisa depois disso tudo?

Music

Madonna

Oito motivos para não conter a ansiedade e ficar contando as horas até o início do megaespetáculo A Celebration Tour na praia de Copacabana

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução/Live Nation

O próximo sábado vai marcar uma data especial da música pop de todos os tempos: Madonna, enfim, subirá à megaestrutura de palco montada nas areias e Copacabana para fazer o maior show não só de toda a sua carreira como da história da música pop. A estimativa de público para a noite de 4 de maio pode chegar até dois milhões de pessoas naquela que é uma das praias mais conhecidas de todo o mundo.

Esta será a única escala do atual turnê de Madonna não apenas no Brasil mas como em toda a América do Sul. A Celebration Tour começou seu giro em Londres. Depois passou por outros países do centro-oeste europeu, Estados Unidos, Canadá e México. Entre 14 de outubro do ano passado e o último 26 de abril foram 80 apresentações realizadas. Cinco datas acabaram canceladas por motivos de logística e agenda. A princípio nosso país não estaria incluso na agenda, mas uma negociação com grandes atrativos de infra-estrutura e grana bancada por um banco gigante acabou colocando, meio que de última hora, o Rio de Janeiro no encerramento e todo o cronograma. Algo perfeito para um espetáculo que celebra a majestade adquirida pela cantora e compositora em quatro décadas de carreira. Desde seus primeiros videoclipes veiculados pela MTV até hoje, a soberania de seu reinado musical (e extramusical também) é incontestável.

O Mondo Bacana antecipa o concerto dando oito motivos para você não conter a ansiedade e ficar contando as horas até o início da apresentação neste próximo sábado. O objetivo aqui não é falar apenas da suprema importância da Madonna Louise Ciccone como artista e ícone pop, mas sim no que isso se cruza com os detalhes e particularidades as quase duas horas e meia deste concerto, que se estabeleceu como o maior e todos os megashows de um só artista em toda a História.

>> Leia aqui a matéria do Mondo Bacana com 60 curiosidades sobre Madonna, publicada no dia em que a cantora completou 60 anos de idade, em 2018

>> Leia aqui a matéria do Mondo Bacana com as 25 melhores e mais importantes músicas da carreira de Madonna

O maior espetáculo de todos os tempos

Não é exagero, nem empolgação. Basta uma rápida olhada nos números para se convencer disso. Cachê de 9 milhões de dólares e produção orçada em 60 milhões de reais. Três aviões de carga trouxeram ao Rio de Janeiro a popstar, sua trupe e o equipamento de 270 toneladas 45 baús de figurinos e adereços. Fazem parte da equipe oficial de Madonna 200 pessoas e 90 quartos foram ocupados no Copacabana Palace, cabendo à estrela a suíte do último andar, com piscina privativa e mordomo à disposição 24 horas por dia. Três academias e cinco salões foram disponibilizados pelo hotel para treinos e ensaios. O palco montado na praia terá 812 m2, o dobro do tamanho daquele que foi normalmente utilizado durante a turnê mundial. Foram espalhados pela faixa de areia de Copacabana 16 torres de som e 15 telões de led. Para garantir a visão das pessoas, a altura do palco será de 2,4 metros do chão. A economia do Rio prevê 300 milhões de injeção por parte de 150 mil turistas, que ocupam quase 100% da rede hoteleira da cidade. Quatro mil pessoas estão envolvidas na produção nacional do espetáculo. A Polícia Militar contará com 3,2 mil agentes para garantir a segurança, mais 12 câmeras de reconhecimento facial, 64 viaturas, quatro drones e 65 torres de observação.

Transmissão simultânea ao vivo

Você tem pavor de multidão ou não pode, por algum motivo, estar no Rio neste sábado? Não tem problema. A Rede Globo vai transmitir ao vivo e na íntegra a passagem d’A Celebration Tour por Copacabana, a partir das 21h45. O antes e o depois do show em si também poderão ser acompanhados em tempo real pela Globoplay (com sinal aberto para não assinantes) e o canal Multishow. Três das quatro cotas de patrocínio,orçadas em 17 milhões de reais já haviam sido vendidas pela emissora até o começo desta semana. Claro que o banco que financiou tudo isso é uma delas.

Revisionismo da carreira

Claro que todos estes números superlativos não foram obtidos ao acaso. Madonna soube construir uma carreira fonográfica gloriosas a partir de 1983 e a turnê, iniciada em outubro de 2023, celebra justamente todas estas quatro décadas recheadas de hits nas paradas não só dos Estados Unidos como também dos quatro cantos do planeta. Entre as marcas alcançadas por ela estão a de nome feminino que mais vendeu álbuns e singles em todos os tempos (ficando atrás na colocação apenas de Elvis Presley, Beatles e Michael Jackson); a popstar com o segundo, o terceiro e o quarto videoclipes mais caros de todos tempos (“Die Another Day”, “Express Yourself” e “Bedtime Story”), o que significa uma trinca de apostas milionárias em um tempo em que grandes gravadoras jorravam muita grana para produzir estas peças musicais publicitárias); a artista internacional que mais vendeu no mercado fonográfico brasileiro (3,6 milhões de cópias, com certificado emitido em 2021 pela Pró-Musica Brasil (antiga Associação Brasileira de Produtores de Discos); e a cantora que mais emplacou músicas no Top 40 da Billboard norte-americana em todos os tempos (foram 44 no total). Por tudo isso, é mais do que merecido que a celebração destes 40 anos de sucesso tenha um repertório longo, que celebre boa parte das canções históricas escritas e gravadas por Madonna. Claro que não dá tempo de entrar todas elas, mas para isso armou-se uma solução criativa: várias da músicas que não são entoadas pela cantora no palco aparecem brevemente citadas nos arranjos de outras e alguns interlúdios entre os sete atos que dividem a programação d’A Celebration Tour. Por isso, espere ouvir de quase um tudo que você mais conhece de Madonna, nem que seja só um pequeno e quase irreconhecível trechinho remixado e emendado em outras coisas.

Presente x passado

Desde 1983 você se acostumou a ver várias Madonnas em ação. Diferentes no figurino, nos cabelos, nas letras da músicas, nos videoclipes. Nada mais normal do que a celebração revisionista deste extenso e diversificado passado a colocasse ali, no palco, frente a frente com um certo toque de ficção científica. Algumas vezes a Madonna de hoje se conecta e encontra com aquela de ontem. Não apenas em imagens e vídeos projetados telões e nas roupas utilizadas no decorrer da apresentação, mas também “pessoalmente”. Chama muito a atenção o momento em que a popstar é beijada e sexualmente tocada por uma bailarina fantasiada de Madonna da virada dos anos 1990, aquela de aplique de grande rabo de cavalo loiríssimo e sutiã de cone assinado pelo estilista Jean Paul Gaultier. Mas também tem a transgressiva jovem das roupas justas e rendadas do início de carreira, a fase country do início dos anos 1990, a pegação geral dos tempos de Erotica e do livro Sex

“Live To Tell”

Na hora desta balada, um dos grandes hits radiofônicos de True Blue (1986), o terceiro álbum da cantora, Madonna se prende a uma barra de ferro e, dentro de uma cabine sem vidros, faz um grande voo panorâmica por sobre as cabeças de seus fãs. Ela sai do palco justamente para que o grande momento ocorra nele, com os telões gigantescos mostrando retratos em preto e branco de personalidades e amigos pessoais que faleceram em decorrência da aids. No primeiro grupo estão os cantores Freddie Mercury e Sylvester. No segundo, o fotografo Herb Ritts, o professor de dança Christopher Flynn, o designer Martin Burgoyne e o grafiteiro Keith Haring. Para a apresentação em Copacabana, a produção brasileira sugeriu ao estafe da cantora a inclusão de ícones nacionais como Betinho, Renato Russo e Cazuza. Madonna sempre foi uma incansável batalhadora pela propagação de informações a respeito da prevenção da doença e tudo mais que a cercava. No encarte do álbum Like a Prayer (1989), fez questão de publicar uma enorme cartilha a respeito do vírus HIV. Na subsequente turnê mundial Blond Ambition (1990), três dos seus sete bailarinos haviam sido diagnosticados com aids. Os grandiosos painéis somados à letra de “Live To Tell” emocionam até os corações mais empedrados. Afinal, a canção trata justamente da terrível experiência de passar por uma situação bastante difícil e sobreviver para poder conta-la depois. As pessoas mostradas neste momento de A Celebration Tour não tiveram esta chance.

“Vogue”

Na virada dos anos 1990, Madonna lançava em single uma de suas faixas mais famosas. Inspirada por uma dança famosa no underground gay de Nova York, em que os movimentos sugeriam poses fotográficas (daí o nome, retirado da famosa revista sobre moda e estilo e vida), a música tornou-se sucesso mundial por causa da alta rotação nas MTVs espalhadas pelos quatro cantos do planeta e seu estiloso videoclipe em preto e branco. A direção da obra era celebrado fotógrafo fashion David Fincher, que anos depois migraria para o cinema e acabaria se tornando um dos nomes mais cultuados de Hollywood neste século 21. No palco da atual turnê, Madonna recria o clima de improviso e diversão das pistas de dança de onde nasceu a vogue dance. É a deixa para criar um suposto concurso entre seus bailarinos e chamar celebridades para participar da encenação como jurados. No México, a atriz Salma Hayek participou caracterizada como Frida Kahlo. Em Nova York, Ricky Martin estava lá no palco distribuindo nota dez. No Rio, será vez de Pabllo Vittar.

Presença de Anitta

O mais recente álbum de estúdio de Madonna, Madame X (2019), concebido já com a popstar morando em Lisboa, trazia a participação especial da brasileira em uma faixa de nome em português (“Faz Gostoso”). Agora as duas estarão reunidas em um mesmo palco. Não se sabe ainda se haverá algum dueto, se Anitta cantará, dançará ou fará outra coisa. Isso ainda está sendo mantido em segredo, embora especule-se que também ocorra durante o “concurso” da música “Vogue”. Só vazou até agora uma condição imposta pela anfitriã: a aprovação prévia do figurino da convidada, algo bem normal por causa da conhecida rigidez da norte-americana em relação a todos os figurinos de seus concertos, clipes e fotografias desde sempre.

Prince e Michael Jackson

Tudo culpa da MTV. Se não fosse a emissora especializada em veicular videoclipes lá nos meados dos anos 1980, Madonna, Michael Jackson e Prince não teriam se tornado a santa trindade da música pop de todos os tempos. Os três foram os primeiros artistas a personificação a equidade da importância entre som e imagem para construir uma carreira sólida perante jovens e adolescentes. Quatro décadas se passaram, o consumo do videoclipe mudou bastante por causa da internet 2.0, a Music Television persiste até hoje mas trocando a música pelos reality shows e os dois “amigos” de Madonna morreram de forma precoce e inesperada. Nada mais justo do que a cantora, no show que celebra os 40 anos de sua carreira fonográfica, renda as devidas homenagens a ambos. A deidade púrpura é citada durante um solo de guitarra enquanto o eterno menino dançarino aparece em um belo duelo de sombras ao som de “Billie Jean” e “Like a Virgin”.

Music

Jethro Tull

Oito motivos para não perder a apresentação da icônica banda liderada por Ian Anderson em sua nova passagem pelo Brasil

Texto por Daniela Farah

Foto: Divulgação

Seven Decades é o nome oficial da nova turnê. Pode parecer muito. E, de fato, é. Pode parecer erro de cálculo, já que o vocalista e fundador, o escocês Ian Anderson, vai completar 77 anos de vida no próximo mês de agosto. Mas, de fato, não é. O Jethro Tull foi fundado em 1967, quando o músico ainda estava saindo da adolescência. Portanto, o período em atividade compreende justamente sete décadas, dos anos 1960 aos anos 2020. Mesmo com alguns pequenos períodos de pausa, provocada por afastamento entre os principais integrantes e remanescentes, certo é que a carreira permanece seguindo em frente.

A boa notícia para os fãs brasileiros é que esta turnê volta a trazer Anderson e seus músicos para o Brasil. Serão quatro apresentações nesta semana e a rota de escalas compreende Belo Horizonte (dia 9 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui), Porto Alegre (dia 10 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui), Curitiba (dia 12 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui) e São Paulo (dia 13 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui). O repertório trará grandes sucessos espalhados pela longeva trajetória com a adição de faixas do mais recente álbum de estúdio, RökFlöte, lançado há exatamente um ano.

Para celebrar a nova vinda de Anderson e seus asseclas para cá, o Mondo Bacana discorre sobre oito motivos para você não deixar de ver a banda em ação novamente aqui.

Raiz folk

Ainda que Ian Anderson tenha passado boa parte da sua vida na Inglaterra (mudou-se aos 12 anos), ele nunca deixou de lado suas raízes escocesas. Isso reverberou na sonoridade do Jethro Tull. Anderson achava que faltava algo que desse uma cara mais europeia para o seu som e foi buscar isso em suas raízes inglesas e escocesas. Vem daí, dessa vontade de ter seu ambiente representado na sua arte, que surgiu a pitada celta que faltava para completar o Jethro Tull. Diga-se de passagem, aliás, que essa proposta bucólica até combina muito bem com o nome, inspirado em um agricultor famoso. A banda ficou conhecida por levar essa representatividade da musicalidade celta para o mundo. Ou seja, é a possibilidade de assistir cara a cara o folk britânico em sua mais pura raiz criativa. E de uma maneira bem divertida!

Performance de palco

Ian Anderson é, por si só, uma figura controversa. Um escocês, apaixonado por blues, que resolveu fazer rock tocando flauta. E fez isso tão bem que em 1989, o Jethro Tull abocanhou o Grammy de Melhor Performance Hard Rock/Metal, tirando-o das mãos do Metallica e seu aclamado álbum … And Justice For All. Ian tem uma presença de palco cativante. Entrega tudo e um pouco mais, seja através de seus olhos que parecem interpretar cada nota da flauta, por suas danças peculiares, tocando em uma perna só ou dando pequenos pulos enquanto canta.

Idade avançada

Para os fãs é sempre uma benção ter a oportunidade de seguir acompanhando seus ídolos lançando novidades e realizando concertos e turnês. Entretanto, também chega a ser cruel pensar que a cada temporada que se vai, menos tempo resta para aproveitar as suas presenças neste plano. Para quem mora no Brasil, então, chega a ser pior quando o assunto são os grandes deuses do rock de todos os tempos. Já são bem menores as chances de todas as turnês chegarem à América do Sul por questões financeiras, de logística e de maior percurso territorial a ser enfrentando sobretudo para quem mora longe dos grandes centros urbanos para onde as datas dos concertos acabam sendo marcadas. Ian Anderson está com 76 anos e é um poucos pilares do rock dos anos 1960 e 1970 ainda em plena atividade, compondo, criando, gravando, tocando ao vivo, correndo o mundo.

Confusão de gêneros

É hard rock, heavy metal ou rock progressivo? Qualquer fórum de discussão sobre música na internet (os melhores!) possui um tópico sobre a sonoridade do Jethro Tull. A diversidade é tanta que fica difícil encaixar em uma só gavetinha. Mesmo que os mais xiitas (ou troo) concordem que o grupo não entra na categoria metal, é uníssono que o Jethro Tull é uma das bandas que exerceu uma influência muito forte nas principais bandas do gênero que vieram depois. A experimentação foi tanta (hard rock, blues, folk, clássico, etc) e deu tudo tão certo que estamos aqui falando deles em pleno ano de 2024. A questão é que vale a pena sair de casa por uma lenda como essa, que transformou, inspirou tantos músicos (dos quais você provavelmente é muito fã!) a seguir suas carreiras. Inclusive, Ian Anderson participa em quatro músicas do novo álbum do Opeth. Então, nada como beber diretamente da fonte, não é mesmo?

“Aqualung” (a música)

Se você acha que não conhece Jethro Tull, pare tudo o que está fazendo neste momento e coloque os primeiros minutos da música “Aqualung”. Ela soa familiar? A indústria do entretenimento usou e abusou bastante dessa introdução dos Simpsons aos Sopranos. E com razão: ela é genial. “Aqualung” fazia parte do álbum homônimo lançado pelo Jethro Tull em 1971. Nada convencional, como tudo que remete à banda. A letra, repleta de realismo, fala de um homem que é morador de rua e observa o mundo a partir de um banco de parque. “Aqualung”, tocada e cantada pelo próprio Ian Anderson, é o tipo de coisa que faz a gente querer sair de casa. Sempre.

“Locomotive Breath”

“Locomotive Breath” também faz parte do histórico álbum Aqualung e que também faz parte do repertório da atual turnê. A letra é pura loucura filosófica. Segundo Ian, lá em 1971, estávamos num trem de crescimento populacional e ninguém sabia onde ele iria parar. Mas a sonoridade, essa é para aplaudir de pé. As guitarras criadas de Martin Barre são um espetáculo à parte, provavelmente para descrever a velocidade do trem e a pressão contidas na narrativa. Não é à toa que bandas de metal como WASP e Helloween lançaram suas versões para essa música.

RökFlöte

Após ficar anos e anos  sem lançar material novo, Jethro Tull tem um novo álbum, seu 23º. Ian Anderson criou a sua versão sobre o Ragnarok, da mitologia nórdica, em RökFlöte. Desta vez ele contou com David Goodier (baixo), John O’Hara (teclados), Scott Hammond (bateria) and Joe Parrish James (guitarra). Mesma banda que vem com ele ao Brasil, exceto o guitarrista Joe, substituído por Jack Clark. E, sim, eles vão tocar músicas do novo trabalho ao vivo.

Sete décadas em um concerto

Sete é rico em simbolismos. Sete são as notas musicais e as figuras de tempo na música. O número também é o símbolo da vida eterna no Antigo Egito; e, se a numerologia considera um número divino, a aritmética o considera feliz. Mas sete décadas é um número absurdo. Chega a ser até impensável o quanto o mundo mudou nesse tempo. Só para citar os suportes do mercado fonográfico: vinil, fita cassete, compact disc, DVD, MP3 player, pendrive, streaming… E o Jethro Tull tem a árdua missão de trazer um pouco dessas décadas de criação e ação em um só show. A vantagem é que suas músicas continuam a fazer sentido mesmo com toda a passagem de tempo. Por isso é excepcional quando uma banda que atravessou todo este período se apresenta nos dias de hoje. Não é só música, é História.

Music

Placebo

Oito motivos para não perder o único show que será feito em março no Brasil durante a nova turnê de Brian Molko e Stefan Olsdal

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Demorou quase uma década mas, enfim, terminou o tempo de espera. Faltam poucos dias para o Placebo voltar a pisar e tocar no Brasil. Brian Molko e Stefan Olsdal – acompanhados por quatro músicos como apoio no palco, inclusive pelo baixista e tecladista Bill Lloyd, que acompanha a banda desde a os primeiros anos de carreira, também já tendo feito as vezes de tour manager e empresário – chegam por aqui em um momento muito especial. Afinal, em 2024 comemoram os trinta anos de uma carreira sólida e consistente, repleta de hits e marcada pela conquista de uma legião mundial de fãs bastante fiéis.

A nova passagem por aqui será um único show, marcado para São Paulo. Portanto, há apenas uma oportunidade para não perder o encontro com o grupo que, embora tenha sonoridade mais pesada e nem tão retrô quanto alguns de seus contemporâneos mais famosos, foi revelado no bojo da explosão do britpop nos meados dos anos 1990.

Por isso, o Mondo Bacana dispara aqui oito motivos pelos quais você precisa estar presente no Espaço Unimed na noite de 17 março vindouro (endereço, horários, ingressos e demais informações oficiais sobre o evento você pode ter clicando aqui).

Dupla dinâmica

Eles se conhecem desde a infância, quando estudavam simultaneamente (mas não interagiam, já que a diferença de idade de ambos é de dois anos) na Escola Internacional de Luxemburgo. O belga Brian Molko (guitarra, violão, teclados e vocais) e o sueco Stefan Olsdal (baixo, guitarra, violão, teclados e backings ao vivo) só passaram a trocar ideias mesmo quando, já bem crescidos e residindo em Londres, encontraram-se em uma estação de metrô. Conversa vai e conversa vem, não se separaram mais. Passaram a compartilhar o gosto em comum pela música, especialmente bandas alternativas norte-americanas como Nirvana, Sonic Youth e Pixies. Fundaram o Placebo em 1994 e já no ano seguinte apresentaram o primeiro single, com a canção “Bruise Pristine”. Ela foi incluída no álbum de estreia, que veio à luz meses depois. “Teenage Angst”, “Come Home”, “36 Degrees” e “Nancy Boy” também ganharam singles e se tornaram outros sucessos iniciais do então trio – revezavam-se nas baquetas o também sueco Robert Schultzberg e o inglês Steve Hewitt, que tornou-se membro fixo de Placebo (1996) até Meds (2006), quando foi “ejetado” por ter a relação com a dupla desgastada em demasia durante as gravações em estúdio.

Desajuste social

Se você não se sente inserido em padrões da sociedade, seja sexual, comportamental ou mesmo referente a questões da saúde mental, as letras escritas por Brian Molko certamente te representam. A cada disco, o vocalista parece ampliar ainda mais o leque de temáticas sobre distúrbios e a incapacidade de sentir uma pessoa “normal” e não sofrer, de alguma maneira, por isso. Talvez seja este, então, o grande segredo de sucesso e longevidade do Placebo. Afinal, a figura sempre andrógina do próprio Molko é a representação visual de seus versos, o que vem facilitando uma identificação muito rápida de novos fãs nestas três décadas de trajetória da banda.

Selected

Boa parte destas letras das canções foi compilada pelo próprio autor delas para o livro Selected, que recentemente teve disponibilizada a sua segunda edição (em capa dura) em comemoração pelos 30 anos de carreira da banda. São 156 páginas que incluem ainda uma foto, prefácio escrito pelo próprio Brian Molko e 18 novas faixas adicionadas à leva original, totalizando 92. Você tinha três opções de modelos para comprar: não  autografado, autografado (à mão) e personalizado para você (sim, com nominho e tudo escrito também à mão por Molko). Entretanto, as duas últimas opções já estão esgotadas. Custa 25 libras e a aquisição é diretamente pelo site oficial do Placebo (clique aqui).

Discos ao vivo

Depois de ficar um bom tempo sem fazer turnês, foi só cair na estrada de volta para trazer uma bela novidade aos fãs. O vinil branco transparente duplo Collapse Into Never: Placebo Live In Europe 2023 é, de fato, o primeiro disco gravado ao vivo por Brian e Stefan, capturando a atmosfera de palco da banda – a única experiência fonográfica anterior foi extraída de um especial Acústico MTV produzido especialmente para a filial europeia da emissora de televisão norte-americana. Traz, de cabo a rabo, a apresentação realizada em um festival espanhol no início do ano passado. Só que este álbum não é a única novidade vinda em dezembro agora. Placebo Live é um box formado por mais outros dois registros ao vivo, além de Collapse Into Never. Editado no formato blu-ray, This Is What You Wanted também veio da atual turnê – desta vez durante a passagem de Molko e Olsdal pela Cidade do México, também ocorrida em 2023. Já o terceiro, o CD Live From The White Room, saiu de faixas do último álbum executadas pela banda no Studio One do complexo de estúdios para audiovisual que fica em Twickenham, subúrbio do sudoeste de Londres (estes vídeos estão sendo utilizados pela banda como clipes oficiais, aliás). Então, quem não se importa com spoilers e gosta de saber com antecedência o que deverá encontrar no momento de assistir ao show aqui no Brasil, então, tem a chance de mergulhar fundo na antecipação e não se deparar com surpresas.

Never Let Me Go

O Placebo é uma banda metódica com relação a discos e turnês. Grava um novo álbum e sempre reserva um bom tempo para viajar divulgando as novidades – e por causa disso boa parte do repertório sempre vem da safra mais recente de canções. Molko e Olsdal não são muito de manter a banda na ativa com concertos sem pensar nos fãs e em dar novidades a eles. Lançado em 2022 e fruto do isolamento social antecedente, Never Let Me Go interrompeu o maior hiato entre uma obra e outra do grupo. Foram nove anos passados desde o título anterior. Reflexos de medos e inseguranças que vieram com a pandemia refletiram numa sonoridade bem mais pesada e pungente do que a apresentada em Loud Like Love (2013). E isso também se reflete na execução ao vivo. Por isso, a presença de oito ou nove faixas novas no set list deve ser celebrada e bem aproveitada. Quatro delas foram lançadas como singles: “Beautiful James”, “Sorrounded By Spies”, “Try Better Next Time” e “Happy Birthday In The Sky”.

Tears For Fears

Pragmatismo também faz parte da personalidade do Placebo. Quem acompanha a banda faz tempo sabe bem que em seus shows sempre aparecem covers bem interessantes – a ponto de dez deles terem sido compilados em um disco de mesmo nome lançado em 2023. A releitura preparada para a atual turnê homenageia outra dupla, o Tears For Fears. Sempre que voltam para o bis, Brian e Stefan entoam um dos hinos do pop britânico dos anos 1980. “Shout” começa com o disparo de uma percussão eletrônica similar à da gravação original de Roland Orzabal e Curt Smith. Em virtude da característica mântrica da canção, que repete várias vezes o curto e poderoso refrão, também faz com que o restante do arranjo também não seja tão diferente assim. A grande novidade fica no timbre peculiar da voz de Molko comandando a letra.

Kate Bush

“Running Up That Hill (A Deal With God)” foi gravada para ser a faixa de abertura do álbum Covers, que pinçava outras releituras extraídas de lados B de singles e DVDs, trilhas sonoras de filmes e alguns-tributos. A faixa, transformada em synthpop intimista, também foi lançada em compacto e também aparece no disco duplo A Place For Us To Dream (2016), com 36 das músicas mais conhecidas e celebradas do repertório do Placebo. Detalhe: tudo isso bem antes da série Stranger Things utilizar a clássica versão original de Kate Bush em sua trilha sonora e fazer a cantora virar febre, capas de revistas e número um das paradas nos EUA pela primeira vez na vida. O que já era cultuado na versão sussurrada por Molko, então, virou uma boa peça para a renovação de público e atrair como fãs uma horda de nerds mais novos espalhada pelos quatro cantos do planeta. Muitos deles que sequer tinham ouvido a banda anteriormente. E, claro, esta cover também está incluída no bis dessa turnê.

Big Special

Não é nada grande, não é nada especial. O antislogan utilizado por esta banda de abertura serve bem para ilustrar o bom humor desta dupla inglesa, escolhida a dedo pelo Placebo para fazer os concertos de abertura das escalas sul-americanas da atual turnê. E as performances são bastante cruas: contam só com o vocalista Joe Hicklin e o baterista Callum Moloney, também responsável pelos backings e pelo disparo das bases pré-gravadas com baixos distorcidos, guitarras e sintetizadores que completam o arranjo das músicas. A sonoridade percorre a crueza a visceralidade do punk com toques de spoken word. PostIndustrial Hometown Blues é o nome do álbum de estreia recém-lançado. No que depender de faixas como “This Here Ain’t Water”, “Shithouse” e “Desperate Breakfast” não tem como não sair impactado pela performance.

Music

Oficina de Música de Curitiba – ao vivo

Homenagem a Paulo Leminski e shows com Fernanda Takai, Maria Alcina, Criolo, Zélia Duncan, Edgard Scandurra, Relespública e Jovem Dionísio

Criolo

Textos por Abonico Smith, Diego Scremin e Janaina Monteiro

Fotos de Cido Marques/FCC (João Egashira + Fernanda Takai, Zélia Duncan + Estrela Leminski + Téo Ruiz, Edgard Scandurra + Relespública, Banda Sinfônica) , José Fernando Ogura/SMS (Jovem Dionísio) e Abonico Smith (Criolo)

Onze dias de incontáveis combinações de 12 notas na capital paranaense. Foram, ao todo, 120 cursos e 180 eventos (mais de uma centena com ingressos gratuitos) promovidos nesta última edição, a 41ª, da Oficina de Música de Curitiba. Entre os dias 25 de janeiro e 4 de fevereiro, números oficiais atestam que mais de 50 mil pessoas (sendo 2 mil só de alunos vindos de todos os lados do Brasil e também do exterior) fizeram parte da Oficina.

O Mondo Bacana esteve presente em sete dos concertos realizados no Teatro Guaíra e conta um pouquinho de como foi cada uma destas noites especiais.

Orquestra à Base de Cordas + Fernanda Takai e Sons Nikkei

Dentre os múltiplos projetos tocados ao mesmo tempo pela cantora e compositora do Pato Fu está o Sons Nikkei, grupo formado por músicos de Curitiba com o objetivo de pesquisar, tocar e espalhar a música de origem japonesa, seja ela do passado ou presente. Além dela e de João Egashira (cabeça da formação e diretor de toda a Oficina), estão outros músicos da capital paranaense. Flauta, shamisen e taikô são instrumentos que, ao se somarem às cordas ocidentais da Orquestra à Base de Cordas do Conservatório de MPB de Curitiba, compuseram um belo mix entre sonoridades orientais e um pequeno resumo da carreira da cantora. No repertório de canções gravadas por Fernanda, destaque para a estreia solo onde homenageava Nara Leão (“Ta-Hi”; “Trevo de Quatro Folhas”) e o disco mais recente (“Love Song”, parceria bilíngua do marido John Ulhoa com a ex-vocalista do Pizzicato Five Mari Nomiya; “Não Esqueça”, um afetuoso recado de pai para filha deixado por Nico Nicolaiewsky, músico gaúcho do duo Tangos & Tangédias) e um inusitado gran finale com a primeira reprodução já feita fora do Pato Fu de “Made In Japan”, prova de que isso não somente é possível como também a troca de timbragens eletrônicas por algo bem mais acústico. Na volta para o bis, a grande homenagem à pedra fundamental da música brasileira contemporânea, o marco zero fonográfico da bossa chamado “Chega de Saudade”. (AS)

Set list: “Oblivion”, “Ta-hi”, “O Ritmo da Chuva”, “Trevo de Quatro Folhas”, “Não Esqueça”, “A Paz”, “Arashi No Osoroshisa”, “Estúdio Nº 1/Melodia Sentimental/O Trenzinho do Caipira”, “The Path of the Wind/Summer”, “Tsugaru Yosare Bushi”, “Miagete Goran Yoru no Hoshi wo”, “Love Song”, “Menino Bonito”, “Odeon” e “Made In Japan”. Bis: “Chega de Saudade”.

João Egashira + Fernanda Takai

Orquestra à Base de Sopros + Zélia Duncan + Estrela Leminski + Téo Ruiz

Dentre as várias atividades exercidas por Paulo Leminski as mais celebradas são de poeta e escritor. Só que ele também deu valorosa colaboração para a música paranaense e curitibana. Instrumentista autodidata e letrista parceiro de muita gente boa, da cidade e de outros estados, que tocava pela capital paranaense nos anos 1970 e 1980, ele teve canções gravadas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Ney Matogrosso, A Cor do Som, Guilherme Arantes, Itamar Assumpção, Zelia Duncan, Arnaldo Antunes e tantos outros nomes de peso da MPB. Por isso seu nome foi o grande homenageado desta 41ª edição da Oficina de Música. Um dos concertos realizados em memória de Paulo e suas obras recebeu no palco do Guairão no sábado 27 de janeiro a Orquestra à Base de Sopro do Conservatório de MPB local mais uma trinca especial de intérpretes: Estrela Leminski, seu parceiro de vida e melodias Téo Ruiz e mais Zélia Duncan. Revezando combinações ao microfone, a trinca mandou transformada em melodias toda a elegância verborrágica do pai de Estrela, como na trinca “Dor Elegante”, “Verdura” e “Sinais de Haikais”, programada ainda para a metade inicial. Esta, por sua vez, revelou-se uma boa mestre de cerimônias, com pequenas intervenções sem deixar o humor de lado (“Ainda penso em fazer uma tatuagem, talvez na testa, com ‘Verdura não foi feita pelo Caetano Veloso’ escrito”, mandou, referindo-se ao intérprete que eternizou a canção). Zélia, segundo Estrela “a pessoa que mais gravou músicas do Paulo”, ainda aproveitou a gentileza de uma brecha na homenagem para cantar duas outras não leminskianas de seu repertório (“Arnaldo Antunes não teria escrito os versos se ‘Alma’ se Leminski não houvesse existido”, disparou, sabiamente). E a noite que começou com dois momentos instrumentais da Orquestra à Base  de Sopros do Conservatório de MPB de Curitiba (duas obras assinadas pelo também paranaense Waltel Blanco, sendo uma chamada… “Estrela”) acabou com outras duas pérolas do homenageado: “Promessas Demais” (canção de abertura de uma novela da Globo na voz de Ney) e “Baile do Meu Coração” (sucesso de Moraes em seu auge pós-Novos Baianos). (AS)

Set list: “Anjos e Vampiros”, “Estrela”, “Dor Elegante”, “Verdura”, “Sinais de Haikais”, “Milágrimas”, “A Você, Amigo”, “Se Houver Céu”, “Luzes”, “Vou Gritar Seu Nome”, “Alma”, “Promessas Demais” e “Baile no Meu Coração. Bis: “Dor Elegante”.

Estrela Leminski + Zélia Duncan + Téo Ruiz

Relespública + Edgard Scandurra

O trio curitibano nunca escondeu que sua influência máxima no rock nacional sempre foi o Ira! Então, a oportunidade de voltar ao palco do Guairão durante a programação de concertos da Oficina de Música também foi a grande chance de rever o grande mestre em cima do palco. Scandurra aceitou e se uniu aos discípulos como o grande convidado daquela noite de 29 de janeiro, uma segunda-feira. No repertório, a grande surpresa: um grande desfile de lados B da carreira do guitarrista (seja com sua clássica banda ou em sua carreira solo discográfica) que, de uma maneira ou de outra, marcam um momento especial de sua vida naqueles anos da metade final da década de 1980. Claro que houve também espaço para um punhado de hits radiofônicos compostos por Edgard e registrados pela voz de Nasi. Na parte autoral que cabia a Moon, Ricardo Bastos e Fabio Elias, um começo matador com os grandes sucessos da Reles emendados logo de cara e sem dar tempo para a plateia respirar (“Dê Uma Chance Pro Amor”, “Nunca Mais”, “Garoa e Solidão”) e algumas canções de performance dividida com o paulistano que tenham a sua mão (“A Fumaça é Melhor que o Ar”, por exemplo, foi lançada em disco apenas pela Reles) ou predileção (“Sol em Estocolmo”, de Fábio, volta e meia é citada por ele como uma faixa que gostaria de gravar) ou participação em disco da Reles (“James Brown”). O set ainda reservou espaço para duas canções sixties do Who, reverência máxima de todos os quatro velhos mods. No fim de tudo, uma apresentação uma tanto quanto contida em jogo de cena, mas esbanjando sentimento em forma de técnica disposta em cada um dos instrumentos. Tanto que o encerramento se deu ao som da instrumental “Rumble”, lançada em 1958 por um dos primeiros heróis da guitarra no rock (Link Wray, considerado o pai dos power chords e do uso de distorção nas seis cordas). Uma curiosidade: nesta noite quem também brilhou foi a tradutora de libras no canto esquerdo do palco. Kerolyn Costa, que também trabalhou como coordenadora de uma equipe de 12 profissionais que esteve presente em mais de 40 apresentações, também era fã assumida da reles e do Ira!. Protagonizou um show à parte ao não economizar na atuação de caras, bocas e gestos para interpretar visualmente os versos cantados ao microfone. (AS)

Set list: “Dê Uma Chance Pro Amor”, “Nunca Mais”, “Garoa e Solidão”, “Minha Menina/Oraçao de um Suicida”, “Minha Mente Ainda é a Mesma”, “Sol em Estocolmo”, “James Brown”, “Capaz de Tudo”, ‘Saída”, “Casa de Papel”, “A Fumaça é Melhor que o Ar”, “O Girassol”, “Manhãs de Domingo”, ”So Sad About Us”. “Our Love Was”. “Abraços e Brigas”, “Ninguém Entende um Mod”, “Envelheço na Cidade”, “Eu Quero Sempre Mais”, “Núcleo Base”. Bis: “Dias de Luta” e “Rumble”.

Edgard Scandurra + Relespública

Banda Lyra + Maria Alcina

Ela saiu da Zona da Mata de Minas Gerais há pouco mais de meio século para subverter a ordem da música brasileira. Desafiando limites de gênero e a elasticidade de ritmos musicais, sua carreira sofreu com a implacável censura do regime militar lá no início e nesses últimos anos, entretanto, vem renascendo com uma série de CDs e DVDs ao vivo e de estúdio lançados por selos independentes. Às vésperas de completar 75 anos de idade e ganhar um longa-metragem biográfico no cinema, ela chegou à Oficina de Música como convidada da Banda Lyra e acabou chacoalhando as estruturas do Guairão e fazendo, na noite de terça, 30 de janeiro, um dos concertos mais intensos desta edição. Flutuando com leveza entre samba, choro, tango, rock, MPB e até polca, revisitou faixas gravadas nos dois primeiros álbuns, a fase oitentista de letras de duplo sentido, relembrou o discurso sociopolítico afiado de Caetano Veloso e, claro, terminou levantando alucinadamente a plateia com uma dobradinha de louvação rubro-negra de um então chamado apenas Jorge Ben. (AS)

Set list: “Piazzolla no Choro”, “Bonfiglio à Casa Torna”, : Um Chorinho em Cochabamba”, “A Voz da Noite”, “Eu Sou Alcina”, “Tome Polca”, “Como Se Não Tivesse Acontecido Nada”, “Kid Cavaquinho”, Fora da Ordem”, “Tropicália”, “Romeu e Julieta”, “Alô Alô”, “Chica Chica Boom Chic”, “Bacurinha”, “Prenda o Tadeu”, “Kataflam”, “Camisa 10 da Gávea” e “Fio Maravilha”.

Maria Alcina

Jovem Dionísio

O quinteto que há dois anos tomou de assalto a internet com o megahit “Acorda Pedrinho” teve na Oficina de Música uma grande oportunidade de mostrar que não é apenas uma one-hit band. Jogando literalmente em casa, já que os músicos são de Curitiba, o grupo ainda teve a oportunidade de estrear no Guairão na noite de quarta 3 de janeiro e demonstrar toda a sua energia quando faz um show. O começo se deu com uma projeção de carga emocional, que mostrava a trajetória até aqui por meio de programas de TV e matérias jornalísticas. Depois, o telão usou e abusou de efeitos e filtros mais a própria iluminação do palco. As performances eram muito dançantes, instigando a ginga e o requebrado. Mas no canto esquerdo do mesmo palco estava montada uma salinha, com mesinha e sofá, para dar aquela quebrada e instaurar uma aura mais intimista com arranjos acústicos para “Aguei” (colab com a dupla Anavitória, que, para a decepção de muitos dos presentes, não estava na capital paranaense para fazer aquele feat tão esperado) e “Pontos de Exclamação” (canção responsável pela popularização do grupo, ainda em 2020, iniciada por um momento solo e de improviso do tecladista Ber Hey). Claro que o encerramento se deu com “Acorda, Pedrinho”, uma homenagem ao recém-falecido muso inspirador da letra. O Guairão, todo de pé, não hesitou: jogou-se na dança e cantou em uníssono. (DS)

Set list: “Amigos Até Certa Instância”, “Belnini”, “É Osso”, “Tu Tem Jeito de Quem Gosta”, “Invisível/Não Dá Mais”,  “Copacabana”, “Cê Me Viu Ontem/Pastel”, “Aguei”, “Não Posso Dizer Que Te Amo”, “Algum Ritmo”, “Romance Frito”, “Por Dentro e Por Fora”, “Risco”, “Pontos de Exclamação” e “Acorda, Pedrinho”.

Jovem Dionísio

Classe de Banda Sinfônica

Uma noite de pura nostalgia (para adultos) e magia (para crianças). Foi assim a apresentação da noite de 2 de fevereiro. Sob a regência do maestro e professor Marcelo Jardim, quase 100 jovens talentos participantes dos cursos de Regência e de Prática de Banda se apresentaram para um Guairão lotado. No repertório, clássicos das animações vintage do cinema (sobretudo da Disney, incluindo Branca de Neve), até produções mais recentes do mesmo estúdio (A Bela e a Fera, O Rei Leão, O Corcunda de Notre Dame, Aladdin, Fantasia 2000 e Frozen). Também fizeram parte do programa algumas das chamadas Silly Symphonies (que compuseram uma série de 75 curtas-metragens em animação produzidos por Walt Disney entre 1929 e 1939), obras da Pixar e temas clássicos da TV (Simpsons, Flintstones). Claro que não poderia faltar também “A Pantera Cor-de-Rosa (composição esta que é atribuída a Herny Mancini, mas que teve um bom dedo do paranaense Waltel Branco, na época assistente do americano), popularizada nos anos 1960 pelas aberturas da franquia de filmes protagonizados pelo Inspetor Clouseau. Antes de iniciar o concerto, o maestro Marcelo Jardim destacou a relevância das animações. “Os desenhos tiveram uma grande importância para a qualidade sonora do cinema”, afirmou. Depois, onze alunos conduziram a orquestra, revezando-se na regência com Jardim, que também participou do concerto. A média de idade dos músicos impressionava, com jovens talentos de apenas 20 e poucos anos demonstrando a qualidade e o potencial da formação musical proporcionada pela Oficina de Música de Curitiba. E na penúltima música, “Os Pinheiros de Roma”, a plateia foi surpreendida com músicos posicionados nos balcões, fazendo com o som da orquestra ecoar literalmente por todo o teatro. (JM)

Set List: “Cartoons Overture”, “Disney Fantasy”, “Os Flintstones”, “A Pantera Cor-de-Rosa”, “Os Simpsons”,”A Bela e a Fera”, “Aladdin”, “Os Sinos de Notre Dame”, “O Rei Leão”, “O Pássaro de Fogo”, “Desenhos da Pixar”, “Os Pinheiros de Roma” e “Frozen”.

Classe de Banda Sinfônica

Orquestras da Oficina de Cordas e Sopros + Criolo

Emocionante é pouco para descrever o show de encerramento dos cursos da Oficina de Música. Teve até estudante que participou das orquestras no palco se debulhando em lágrimas ao final da apresentação. Também pudera. Com Kleber Cavalcante Gomes não poderia ser diferente. De fala baixinha e mansa, bom humor extremo e um carisma dos píncaros, Criolo acertou quando, logo no início, declarou que aquele seria um show para ser vivido intensamente e ter cada segundo aproveitado ao máximo. “A batida do coração desse povo vai ajudar na cadência”, disparou lá pelo meio, antes da execução de um dos clássicos mais bonitos do samba, “As Rosas Não Falam’. Por falar nisso, o rapper, que nos últimos anos vem se dedicando a interpretar esse outro gênero em seus concertos, sentou-se à frente e ao centro de alunos escolhidos e regidos pelos maestros João Egashira (cordas) e Paulo Aragão (sopros) para comandar um repertório de excelência no território do samba. Clara Nunes, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, Cartola, Pixinguinha, Adoniran Barbosa, Nelson Sargento, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa e Demônios da Garoa estavam entre os autores e intérpretes homenageados no decorrer do set list. A parte das execuções instrumentais, quando Criolo não estava no palco, abriu espaço também para choro e polca, com obras de Jacob do Bandolim (que ressignificou o instrumento de origem europeia que lhe deu parte do nome artístico), Radamés Gnatalli e Ernserto Nazareth. O convidado especial da noite ainda foi agraciado com arranjos especiais para duas de canções autorais e também não conseguiu a emoção por conta disso. No fim da apresentação, um medley com três dos maiores hits do bairro paulistano do Bixiga levantou todo mundo da cadeira e transformou aquele restinho de Oficina em uma grande celebração em uníssono. Mas ainda era pouco: na volta para o bis, um matador gran finale com “Carinhoso” mostrou que certa estava a saxofonista hermana que tentava enxugar as lágrimas a todo instante. Foi não só de arrepiar a interpretação de Criolo. Foi também de fazer chorar. (AS)

Set list: “Pra Naná”, “Canto das Três Raças”, “Menino Mimado”, ”Barracão”, “Palpite Infeliz”, “Vibrações”, “Remexendo”, “Ameno Resedá”, “Agoniza Mas Não Morre”, “Folhas Secas”, “As Rosas Não Falam”, “Dilúvio de Solidão” e “Saudosa Maloca/Tiro ao Álvaro/Trem das Onze”. Bis: “Carinhoso”.