Music

Mogwai – ao vivo

Apresentação da banda escocesa em São Paulo prova que o etéreo pode estar em constante erupção

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Texto por Fábio Soares

Foto de Zazá ASF

Descobri o som do Mogwai um pouco tarde demais – há cerca de quatro anos. Em um primeiro momento, o classifiquei como “dream pop pesado”, um Cocteau Twins “modernoso” sem que esta definição lhe traga demérito algum. Para mim, o post rock sempre significou a tradução exata de nosso estado de espírito. Um liquidificador sonoro aonde ambientjazzsamples e guitarras equivalem-se, equalizando nosso humor através de estímulos sonoros variáveis. E poucos comandam este caldeirão de forma tão harmoniosa quanto este grupo escocês.

A máquina capitaneada por Stuart Braithwaite mais parece uma inesgotável engrenagem de criatividade e inspiração: em vinte anos de carreira já são onze álbuns de estúdio, um disco ao vivo, dezenas de compilações, EPs e participações em trilhas sonoras. Um objeto de culto com seguidores fiéis por onde passa e que na última terça-feira (8 de maio) teve seu terceiro capítulo em terras paulistanas. Como era de se esperar, o Tropical Butantã, local da apresentação, não lotou. Ainda bem. Uma das poucas casas em São Paulo aonde não se pratica a famigerada pista premium, propiciou aos mais fanáticos a oportunidade de acompanhar o gigante escocês bem próximo ao palco. Calculo que 600 ou 700 afortunados estavam presentes, prestes a embarcar numa viagem ímpar e inesquecível. Antes do show, o equipamento ali disposto já impressionava: amplificadores valvulados, guitarras Fender Jazzmaster e teclados Moog já davam a ideia do turbilhão sonoro que viria.

Com doze minutos de atraso, o capitão Stuart adentrou o palco acompanhado do baixista Dominic Aitchison, do tecladista/baixista Barry Burns, do também guitarrista Alex Mackay e da baterista Cat Myers, integrante da dupla Honeyblood e bendito invertido fruto entre os homens que, às pressas, substituiu Martin Bulloch, obrigado a abandonar a turnê em outubro passado por problemas de saúde.

O avião taxiou na pista ao som de “Crossing The World Material”, faixa do último álbum “Every Country’s Sun”, com algo que chamou a atenção: a luz do palco jamais focaria os integrantes, claramente entregando a intenção do grupo em enaltecer apenas a sua música. Iluminação irregular que levou fotógrafos ao desespero (eu, incluso) à procura do melhor átomo de segundo para um registro decente. A ordem para decolar ainda não viria com “I’m Jim Morrison, I’m Dead”. O piano de Burns chorosamente dialogava com a guitarra de Mackay acompanhados por uma quase fúnebre batida de Myers. Não deixou, porém, de ter um belo final antes da decolagem.

O voo propriamente dito teve início com “Party In The Dark”, com sua irresistível linha de baixo e a voz de Braithwaite entoando o pegajoso refrão “I, taken from those spirals be both kind/ Hungry for another piece of mind” Ninguém ficou parado durante maravilhosos quatro minutos e, àquela altura, a simbiose entre público e banda já estava completa. Após a cadenciadíssima (e melancólica) “Cody”, a espetacular “2 Rights Makes 1 Wrong” deu à audiência a exata noção da meticulosidade das composições do Mogwai. Fiquei imaginando por quantos meses a banda ensaiou esta canção antes de apresentá-la ao vivo, tamanha a complexidade de seu arranjo. A seguir, veio “Coolverine”, uma de minhas prediletas do último álbum, com marcação “quebrada” da bateria de Myers em contraponto ao teclado Moog de Byrons. Seis hipnotizantes minutos que encerraram a primeira parte do espetáculo, a qual batizei de “Etéreo” (coisa minha, nada official!). A lenda estava ali, viva à minha frente. Mas o melhor ainda estava por vir.

“Rano Pano”, do álbum Hardcore Will Never Die, But You Will, abriu a segunda parte da apresentação, a qual batizei de “Erupção” (novamente coisa minha, nada official!) com suas guitarras e baixo distorcidos à enésima potência em um imutável andamento durante toda a execução. Destaque para os teclados de Byrons que assumiram ares de piano de cauda na canção seguinte, “Friend Of The Night”, do álbum Mr. Beast. Trilha sonora adequada para um caos contido e que perfeitamente poderia fazer parte de Mellon Collie And The Infinite Sadness, dos Smashing Pumpkins.

“Don’t Believe The Fife” (outra faixa do último álbum) surgiu em seguida com atmosfera de ficção científica. E não é exagero algum afirmar que seu arranjo pode muito bem ter sido inspirado em “The Hall Of Mirrors”, do Kraftwerk (por que não?). Comparações à parte, seu final “casou” perfeitamente com a introdução de “Auto Rock” (mais uma faixa de Mr. Beast e que trazia a figura de Alex Mackay a auxiliar Byrons aos teclados, com Cat Myers ao fundo a esmurrar seu set de bateria), preparando o terreno para um verdadeiro terremoto sonoro chamado “Remurdered”. Um arrasa-quarteirão com fraseado de teclado pesadíssimo e linha de baixo idem. Novamente ficava escancarada a influência do Kraftwerk no som do Mogwai. Aos mestres, com carinho!

“Old Poisons” foi uma jam sessiondistorcida e ensurdecedora. Byrons largou o baixo e, juntamente com Stuart e Mackay, formou uma parede de guitarras altíssima com volume altíssimo. Impossível ficar parado e também não se impressionar com a performance de Myers durante a música. De éterea “Old Poisons” não tem nada. Nunca terá. Foi um “encerramento” digno para a pausa antes do bis.

Cinco minutos depois, a banda ressurgiu para “Every Country’s Sun”, faixa-título do último álbum. Grande performance de Braithwaite nas distorções de sua Jazzmaster. Na verdade, funcionou apenas como vinheta para um epílogo apoteótico.

Gostaria de encontrar palavras para definir o que foi a execução de “Mogwai Fear Satan” e a magnitude que esta composição transmite. Só que nada que escreva aqui, exemplificará com exatidão o que foi aquilo na noite de terça: andamento marcial e constante no início, guitarras distorcidas em alto volume na segunda parte, andamento longo e descompassado descambando para a lentidão… lentidão… mais lentidão… para só depois… muito tempo depois…. EXPLODIR NUMA ERUPÇÃO SONORA DEVASTADORA! Um momento único! Uma trilha sonora apocalíptica que encerrou com brilhantismo uma apresentação memorável.

Direi aos meus netos que vi o expoente de um estilo musical em sua plena forma abrir mão de um telão no palco para priorizar aquilo que sabe fazer de melhor. Fazer música. A sua música. Então, voltei para casa com a certeza de que o Mogwai não é somente uma banda. É o nome que se dá a um infinito mundo de possibilidades sonoras. Um combo sensorial que somente icebergs ignorarão.

Do etéreo à erupção, sempre. Que assim seja!

Set List: “Crossing The Road Material”, “I’m Jim Morrison, I’m Dead”, “Party In The Dark”, “Cody”, “2 Rights Make 1 Wrong”, “Coolverine”, “Rano Pano”, “Friend Of The Night”, “Don’t Believe The Fife”, “Auto Rock”, “Remurdered”, “Old Poisons”. Bis: “Every Country’s Sun” e “Mogwai Fear Satan”.

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