Music

Liniker – ao vivo

Cantora vai às lágrimas com o público curitibano cantando junto as letras do novo disco sobre amor próprio e sua história

Texto por Pilar Browne (com colaboração de Abonico Smith)

Foto: Pilar Bowne

Um espetáculo sobre entrega. Se tivesse que definir o show da Liniker na último dia 8 de junho, uma quarta-feira, no Teatro Guaíra, com uma palavra, seria essa. 

Após adiar a data curitibana prevista para maio por conta de ter sido diagnosticada com covid, ela lotou o teatro um mês depois. A espera foi mais que recompensada. Em uma apresentação intimista no quesito aconchego para com o público e ao mesmo tempo monumental em termos de presença de palco, Liniker emocionou todo mundo com músicas do seu novo álbum Índigo Borboleta Azul.

Criado em 2020 e lançado apenas em setembro do ano passado, o disco surgiu com o intuito de contar sua história e abordar o amor próprio da cantora. Tema que a levou às lágrimas emocionada, ao presenciar o Guairão inteiro cantando todas as suas letras. Letras de um álbum que expõe buracos causados pela pandemia e que ao mesmo tempo conforta, consola e preenche a artista por inteiro.

Como agradecimento ao amor e carinho entregue pelo público, ela trouxe também músicas antigas, em momentos de nostalgia. Eram canções de seu primeiro EP com a banda de apoio Os Caramelows, como “Sem Nome Mas Com Endereço”, “Calmô” e “Bem Bom”. Também apresentou “Zero”, seu primeiro trabalho, com uma nova versão – trazida como um ressignificado da antiga, mostrando como as letras e cifras podem ser interpretadas como algo vivo, que se movimenta e se transforma ao longo do tempo. Ao longo do concerto, entregou com primor os diferentes alcances e potência vocal. Apresentou “Azul da Cor do Mar”, hit de Tim Maia, fazendo o público inteiro de arrepiar com a semelhança no grave inicialmente e depois a fluidez do gogó, tornando esta uma releitura, mais uma vez, exponencial.

Por falar em fluidez, Liniker é uma voz que compõe um time da nova safra que ainda transcende toda e qualquer questão de gêneros musicais (vai com uma naturalidade incrível do samba ao funk, por exemplo), não só no discurso como também em questões de estética e sexualidade. O que vem dando um frescor ao pop de tintas verde e amarela. Algo novo e necessário nestes árduos e sombrios tempos de resistência social, política e cultural, mas que ficará para a História como um período de expurgo de uma perene alegria vindoura. Tal qual Índigo Borboleta Azul se pronuncia para os vindouros trabalhos da cantora.

Set list: “Clau”, “Antes de Tudo”, “Lili”, “Lua de Fé”, “Presente”, “Lalange”, “Psiu”, “Sem Nome Mas Com Endereço”, “Calmô”, “Bem Bom”, “Zero”, “Azul da Cor do Mar”, “Não Adianta”, “Baby 95”, “Vitoriosa”. Bis: “Brechoque” e “Diz Quanto Custa”. 

Music

Black Alien – ao vivo

Rapper comemora aniversário balançando as estruturas do Circo Voador e com a participação surpresa do Planet Hemp

Texto por Clara Ferrari

Foto: Guilherme Rondon

O último dia 7 de Junho foi o aniversário do rapper carioca Gustavo, conhecido nacionalmente pelo seu nome artístico Black Alien. Depois de uma longa e difícil recuperação da depressão pela morte do seu amigo e parceiro SpeedfreakS, Gustavo enfrentou duas overdoses (em 2010 e 2013) e depois este período obscuro teve a ideia de levantar uma campanha de crowdfunding que arrecadou dinheiro suficiente para sua recuperação e a consequente gravação do álbum Babylon By Gus – Vol. II: No Príncipio Era o Verbo. Sóbrio desde 2015 e após passar por diversos desafios na sua vida pessoal e profissional, ele compôs novas canções ao lado do DJ, produtor e beatmaker Papatinho, que entraram no disco Abaixo de Zero: Hello Hell, lançado em abril de 2019. Um novo Black Alien, com novos hits e uma nova forma de fazer rap mas sem perder a sua essência de Mr. Niterói.

Vestindo uma camiseta vermelha do Talking Heads, Black Alien retornou forte e com energia ao palco do Circo Voador para comemorar seu aniversário. O rapper, que teve o início da sua carreira como um dos integrantes do Planet Hemp, seguiu construindo sua imagem e base de fãs independentes. E deu um show de arrepiar, fazendo os cariocas vibrarem com seus hits antigos e faixas do mais recente álbum.

Assim que os portões do Circo se abriram às 22h, já deu para observar o que estaria por vir. Foi notória a quietude e silêncio das pessoas antes do show. Em ritmo lento, naquele jeito pós-pandêmico, as pessoas foram se espalhando pelos espaços daquele local que, há décadas, é palco de inúmeros concertos consagrados. Antes houve algumas apresentações de DJs, que foram intercalando discos de hip hop e lo-fi até a entrada do Black Alien no palco.

Exatamente às meia-noite e quarenta, o set list iniciou com a primeira música do disco Abaixo de Zero: Hello Hell: a faixa chamada “Área 51”, de nome inspirado na antiga base militar norte-americana que é famosa por seus segredos e teorias conspira a respeito disso. Foi impressionante a energia que pairou sobre as pessoas com a entrada de Gustavo. Se então havia silêncio e calmaria entediante, isso foi substituído por vozes ecoando muito alto dentro das lonas, dando a impressão de estremecer as arquibancadas. Inevitável ficar quieto ou calado – até quem não sabia as letras ao menos tentava acompanhar a plateia cantando. Foi de arrepiar. Durante o show também foi notável a presença de um intérprete de libras traduzindo as letras e tudo o que Black Alien conversava com a plateia, mostrando a consideração e humildade de um artista preocupado com a inclusão de pessoas – algo básico, mas um ponto em que muitos grandes nomes deixam a desejar.

Após algumas músicas e os fãs vibrando alto, pode-se notar também uma certa frustração de Black Alien por esquecer a letra de algumas músicas. O que não foi problema algum para a plateia, que manteve a energia alta e cantou as partes que o artista não sabia. No decorrer do show e quando menos se esperava entraram dois caras de boné e roupas largas cantando parabéns para Gustavo. Custei a acreditar, mas eram os próprios Marcelo D2 e BNegão. Após os parabéns, a dupla de MCs do Planet Hemp prosseguiu cantando o clássico “Queimando Tudo” com a (breve) participação de Black Alien, que se mostrou mais uma vez frustrado por não se lembrar dos versos.

Quando D2 e BN saíram do palco, depois de mais dois mísseis do Planet Hemp, Black Alien deu continuidade ao set cantando os seus últimos hits. Na derradeira música, agradeceu mais uma vez aos fãs pelo carinho e de forma breve se despediu e se retirou. Poucas pessoas pediram o seu retorno, mas quem estava com muita adrenalina acabou sentindo falta de uma saída mais calorosa. Quem sabe em um próximo show

Set List: “Área 51”, “Chuck Berry”, “Vai Baby”, “Carta Para Amy”, “Caminhos do Destino”, “Babylon By Gus”, “Sangue de Free”, “Take Ten”, “Queimando Tudo”,  Zerovinteum”, “Contexto”, “Au Revoir”, “Como Eu Te Quero”, “Aniversário de Sobriedade”, “Na Segunda Vinda”, “Pique Peaky Blinders”, “Jamais Serão” e “Que Nem o Meu Cachorro”.

Movies

Ted Bundy – A Confissão Final

Dinâmica e química entre os atores Luke Kirby e Elijah Wood são o ponto alto de toda a tensão mostrada em novo filme sobre o famoso serial killer

Texto Por Tais Zago

Foto: Synapse/Divulgação 

No top 10 do Hall of Fame dos serial killers mais famosos da História, Ted Bundy só fica atrás do notório Jack, o Estripador. Praticamente todos os aspectos dos seus terríveis assassinatos já foram esmiuçados em inúmeros livros sobre profilingpodcasts de true crime, séries, filmes e programas de TV. Uns mais sensacionalistas, outros mais perto do que poderia ser a verdade. Porque em se tratando de um psicopata, ocupante do ponto mais extremo no espectro do transtorno de personalidade narcisista/antissocial, a verdade é sempre relativa e vai mudar conforme o humor, a vaidade e a necessidade de atenção do sujeito oportunista.

Ted era bonito, culto, sociável, simpático e charmoso. Com a mesma desenvoltura que encantava a todos que com ele conviviam ou trabalhavam, picotava moças – e até mesmo crianças – após abusar sexualmente delas. Um verdadeiro monstro escondido atrás de uma máscara social perfeita, com emprego, amigos e um relacionamento estável. Uma das obras que mais impressiona sobre esse comportamento convincente do assassino (e que eu recomendo muito) é o livro The Phantom Prince: My Life With Ted Bundy, escrito por Elizabeth Kloepfer, publicado em 1981 e depois reeditado com outras impressões de Liz. Ela foi a companheira de Bundy durante boa parte do tempo em que ele cometeu seus horrendos crimes. Seu sofrimento, perplexidade, tristeza e sentimento de culpa diante da verdadeira personalidade do namorado são dolorosos demais. É uma obra, apesar de assustadora, bastante elucidante – qualquer um, mesmo aquele que nos parece acima de qualquer suspeita, pode ser um assassino. O livro serviu de base para muitas obras ficcionais: a melhor (e ao mesmo tempo a mais atual) delas é Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal (2019, Netflix – leia aqui a resenha publicada pelo Mondo Bacana), com Lily Collins no papel de Liz e Zac Efron no papel de Theodore Bundy.

Outra obra muito usada com base é o livro de Ann Rule The Stranger Beside Me, de 1980. Ann é uma policial e escritora que trabalhou e foi amiga de longa data de Ted. O comum entre ambas as obras, de Liz e de Ann, é a facilidade que Bundy tinha de encantar, aproximar-se e ganhar a confiança das mulheres, algo pelo qual ele se gabava – adorava dizer que nunca precisou pegar nenhuma “à força”, o que sabidamente se revelou ser mentira para uma boa parte de suas vítimas. Ted assassinou 20 mulheres, mas afirmava que o número chegava na verdade a 30. Dizia ainda que de muitas ele nem lembrava o nome.

Ainda de 2019, também da Netflix, temos as fitas de Ted Bundy na série Conversations With a Killer: The Ted Bundy Tapes. Aqui ouvimos sua voz e depoimentos enquanto aguardava a execução na prisão, além de vários testemunhos de quem trabalhou no seu caso, como o agente do FBI e analista Bill Hagmeier, um dos precursores do profiling de assassinos em série e membro-fundador da Behavior Analysis Unit (BAU).

Assim chegamos em Ted Bundy – A Confissão Final (No Man Of God, EUA, 2021 – Synapse), onde acompanhamos Bill Hagmeier (Elijah Wood) durante os anos em que passou visitando Ted Bundy (Luke Kirby) na prisão do Estado da Flórida, onde o assassino passou seus últimos nove anos até ser executado na cadeira elétrica em janeiro de 1989. Cristão praticante e com formação em psicologia, Bill sonhava em ser assistente social. Sempre se interessou pelos motivos que levavam assassinos a cometer seus crimes e nos EUA dos anos 1970 e 1980 estava diante de um prato cheio. Em uma reunião com colegas, onde a tarefa era a de estudar os criminosos presos para tentar montar perfis e conseguir confissões e pistas sobre as vítimas, sobrou para Bill encarar Ted – ou ele fora o único que se candidatou à tarefa ingrata, já que Bundy não fazia segredo da sua aversão a agentes do FBI. 

Elijah (nosso eterno Frodo!) se sai bem no papel do agente íntegro, cuja intenção, aparentemente, é estudar e tentar entender a mente perturbada de Ted. De forma genuína, ele nos convence com seus enormes olhos azuis sempre arregalados e sua fala mansa. O Bill de Elijah passa confiança mesmo que o homem Bill não pareça, muitas vezes, saber direito como agir diante do terreno, à época, pouco explorado da psicologia forense. Kirby (o rebelde Lenny Bruce da série The Marvelous Mrs. Maisel) nos deixa com os cabelos da nuca em pé e sentados na beira do sofá. O Ted dele é sensacional, indo do mais agradável e dócil ao mais violento e assustador. 

Esteticamente não há muito o que comentar: o filme poderia muito bem ser uma peça de teatro. Os cenários são, em sua maioria, dependências da State Prison com alguns cortes para a academia de treinamento do FBI em Quantico ou para um quarto de hotel barato na Florida. É um two man show, por vezes até uma parceria que pode beirar a amizade, mas mais frequentemente um jogo de gato e rato no qual Ted testa em Bill todas as suas técnicas de manipulação. Bill por sua vez mergulha no lodo da mente doentia de Ted. Uma viagem pouco saudável como suas olheiras nos mostram nos momentos finais do filme.

Também não somos apresentados a nenhum novo fato: quem já leu a respeito e conhece bem a história de Ted Bundy não vai ser surpreendido com qualquer revelação. O roteiro, bastante protocolar, é baseado em gravações e em consultas com Bill Hagmeier. O ponto alto aqui é a dinâmica e a química entre Elijah e Luke. Os diálogos são intercalados com silêncios ensurdecedores e a música, muito bem colocada, contribui para esta crescente tensão – como, por exemplo, na cena do close lento na assistente de um pastor que entrevista Ted em suas horas finais. Já um estranhamento maior causam as montagens de imagens reais que volta e meia intercalam as cenas. Esse pot-pourri de cenas vintage é bastante ambicioso, mas esteticamente destoou da intenção intimista do filme beirando o caricato.

No final, o que realmente nos deixa de queixo caído é a atuação de Luke Kirby, mais ainda do que a de Elijah Wood. Ele faz valer muito essa experiência em papel para ser lembrado e, espero, premiado.