Movies

Anatomia de uma Queda

O abismo entre verdade objetiva e percepção subjetiva é brilhantemente tratado sem espetacularização neste longa francês

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Diamond Films/Divulgação

O vencedor da Palma de Ouro, prêmio máximo do Festival de Cannes, chegou ao Brasil e ao circuito internacional acumulando premiações e elogios. Destaque nas principais corridas do Oscar deste ano, que ocorrerá agora em março, Anatomia de uma Queda (Anatomie d’une Chute, França, 2023 – Diamond Films) conquista seu público ancorando-se a uma simples questão (que não promete resolver ao rolar dos créditos): ela matou ou não?

Isto porque a trama trata das circunstâncias da morte de Samuel (Samuel Theis), professor universitário e escritor frustrado cuja queda da janela do ático dá nome ao filme. Sua esposa, a bem-sucedida escritora Sandra (Sandra Hüller), é a única suspeita, mas alega que o marido teria tirado a própria vida. Defronte a um promotor inescrupuloso (Antoine Reinartz), ao júri e ao seu próprio filho Daniel (Milo Machado-Graner), ela vê sua vida escarafunchada e invadida em uma tentativa desesperada de livrar-se da acusação.

A suspeita não é infundada. A relação entre Sandra e Samuel sofrera muito nos últimos anos, afogada em culpa, rancor e frustração devido ao acidente que deixou Daniel permanentemente cego. Aqui, como em muitos relacionamentos, os campos pessoal e profissional se confundem: as discussões do casal variavam da falta de proporcionalidade dos afazeres domésticos ao “roubo” de uma ideia literária de Samuel por parte de sua companheira.

Todos esses pontos não ficam sem nó em um roteiro muito bem tecido por Justine Triet, que também assina a direção do filme, e Arthur Harari. Triet nos lança de cara no meio deste conflito conjugal na primeira e uma das melhores cenas do longa-metragem. Sandra recebe uma jovem entrevistadora e sua casa e, sem nem aparecer na tela, Samuel invade a conversa das duas com sua música ensurdecedora. Sua presença, assim como nessa perturbadora e ansiosa sequência, é sentida em todo o filme, primeiro como sombra e depois como fantasma. Por isso, seus poucos minutos (sempre flashbacks) são profundamente impactantes.

A protagonista Sandra Huller, por outro lado, carrega consigo o peso de ancorar a duração do filme e está presente em quase todas as cenas. Sua personagem, dividida entre o luto e a busca por uma defesa, é profundamente humana. Em meio à inquisição de sua vida, a difícil tarefa de assistir sua vida inteira resumida diante de um júri. Suas fraquezas amplificadas, suas qualidades dispensadas como notas de rodapé.

Esta é, talvez, a principal questão que Triet nos coloca ao longo de Anatomia de uma Queda. A queda é, claro, o ponto focal objetivo do caso. Por detrás dela, o exame completamente subjetivo das possíveis motivações de um assassinato ou um suicídio. Instaura-se o embate profundo de narrativas: uma disposta a condenar Sandra por seu passado, outra a sentenciar Samuel à desistência do próprio futuro. Neste jogo de tênis, a verdade se torna tão distante que é inalcançável, pois o fato em si mesmo jamais será capaz de conciliar tamanhas contradições. Não à toa, o plano que melhor ilustra todo o caso é a majestosa confusão de Daniel, que vira a cabeça num pingue-pongue que responde a duas vozes fora da tela debatendo seu depoimento: o advogado e antigo amigo de sua mãe, Vincent (o competentíssimo Swann Arlaud), e o promotor de acusação.

Assim como Daniel, o espectador se vê em conflito, buscando encontrar verdade e falsidade em reconstruções retóricas que não são capazes de abarcar a complexidade de uma vida a dois. Triet é muito sagaz em operar, nas cenas do julgamento, uma mise-en-scène muito mais errática, com uma câmera na mão que pincela zooms e movimentos bruscos, encontrando a composição certa no andar da carruagem; e primeiros planos com baixíssima profundidade de campo – as personagens sempre em foco, o ambiente judicial sempre num enorme borrão.

Mas, no choque de narrativas, nem o fato é tão relevante que esgota a divergência. Em dado momento, a acusação parte da obra ficcional de Sandra para imprimir nela uma personalidade cruel, fria. Lendo um de seus best-sellers ao júri, o promotor antagonista acende um debate de fundo que faz sucesso na crítica contemporânea: a personagem literária de Sandra é um espelho da escritora? Melhor colocando: é possível separar autora e obra? Triet parece assumir que sim, pois a dissimulação da acusação não nos deixa dúvidas quanto à índole de seus representantes. Assim como Sandra não é o áudio de uma única briga, gravada em segredo por seu marido, como poderia ser uma personagem que ela mesma anuncia ficcional, não obstante a similar situação em que ambas se encontram?

Anatomia de uma Queda é um drama de peso, cuja recepção traduz muito bem a importância. O abismo entre verdade objetiva e percepção subjetiva é brilhantemente tratado sem espetacularização, mas com a perfeita ciência de seu peso. O olhar atento da diretora para mãe e filho enlutados, passando por um trauma sem tamanho, não precisa de certezas para construir algumas das personagens mais impactantes do cinema recente. Se nunca teremos acesso ao fato concreto, só nos basta o sentimento.

Movies

Vidas Passadas

Reencontro de sweethearts da adolescência após muitos e muitos anos derrete o nosso coração às vésperas do Oscar

Texto por Taís Zago

Foto: Califórnia Filmes/Divulgação

In-Yun é um conceito coreano difícil de ser traduzido em poucas palavras. Basicamente, ele representa a idéia de que todo mundo que encontramos nessa vida já fez parte de nossas vidas passadas. Nas reencarnações seguintes reencontramos todo mundo, quer seja em laços fortes de conexão como família, amigos e relacionamentos ou simplesmente aquele estranho com quem cruzamos ao atravessar a rua e que tocamos levemente no braço sem querer. A existência terrena significa uma repetição de figuras em posições diferentes em novas reencarnações. É sobre encontros e desencontros, aproximações e afastamentos.

A roteirista coreana-canadense Celine Song debuta como diretora nos cinemas mundiais com um filme peculiar e encantador que se apropria desse conceito milenar para conta a história de um amor de infância e seus desdobramentos nos 24 anos que se seguiram na vida dos dois personagens centrais. Ele se chama Vidas Passadas (Past Lives, EUA/Coreia do Sul, 2023 – Califórnia Filmes).

Hae Sung (Teo Yoo) e Na Young (Greta Lee) eram sweethearts na suas infâncias na Coreia. Young cogitava inclusive casar um dia com Sung. Mas os pais artistas dela tinham outros planos – estavam decididos a migrar para o Canadá, onde as duas filhas teriam uma educação acadêmica ocidental. A despersonalização de Na já começa no momento em que seus pais pedem para que ela adote o nome Nora para facilitar sua integração no pais estrangeiro. Na, agora como Nora, segue o caminho padrão da educação norte-americana e, assim como seu pai, passa a fazer roteiros. Já Hae permanece na Coreia e se torna engenheiro. 

Após 12 anos sem contato, os dois jovens se reencontram online via Facebook e Skype e reatam uma conexão intensa de amizade, carinho e desejo. Porém, planos de se encontrarem nunca se concretizam e Na e Hae acabam por interromper este contato. Ela conhece Arthur (John Magaro) em uma oficina de artistas, os dois acabam se casando. Enquanto isso, Hae se muda para a China para estudar mandarim e, consequentemente, também inicia um longo relacionamento.

Mais 12 anos se passam e Sung, após o termino de seu namoro, decide que chegou a hora de finalmente encontrar Yung, partindo para uma viagem de busca do passado até Nova York, onde Nora (Na), vive com Arthur em uma relação calma e estável. Os encontros que ocorrem entre os dois são preenchidos de momentos de ternura, nostalgia, lembranças e uma intimidade que se comunica apenas por olhares e pelo silêncio. 

Celine Song busca inspiração direta em Amor à Flor da Pele (In The Mood For Love, 2000), a obra prima de Wong Kar-Wai. As cenas são longas e contemplativas, as luzes e as sombras refletem o desejo entre os dois personagens, mesmo diante da impossibilidade de voltar no tempo e viver a promessa do romance. Os diálogos curtos e pontuais são suficientes, a comunicação entre Na e Hae, desde sempre, transcende as palavras. As atuações de Greta e Teo são comoventes e impecáveis: nós sentimos tudo com eles. Tudo que nunca foi dito, os arrependimentos, o desejo, a racionalização do status quo, o conflito que rasga ambos quase-amantes por dentro. 

Vidas Passadas é mais uma obras produzida pelas mãos da excelente A24, que nos últimos anos vem se tornando um selo de garantia de qualidade no cinema ao quebrar paradigmas e clichês e nos oferecer algo novo, fresco, multifacetado e multicultural. É um filme que nos remete à trilogia Antes (1995-2013), de Richard Linklater, e a Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), de Michel Gondry, que inclusive é citado por Nora em uma conversa com Hae. A criação de Song é uma pequena obra-prima do amor não consumado, da influência do tempo e do timing em nossas relações pessoais e do crescimento e amadurecimento dos personagens e suas mudanças. Quebra o nosso coração com o gosto agridoce do primeiro amor.

Esse longa-metragem deveria ter sido lançado no Brasil em agosto do ano passado, mas foi adiado para este mês de janeiro. Acaso? Claro que não. Estão de olho no Oscar. Como (admito!) é um dos filmes mais lindos a que assisti em 2023, as chances da obra abocanhar algum troféu na maior cerimônia da temporada do cinema é bem grande, visto o furor que causou após ganhar prêmios internacionais.

Music

Pato Fu

Grupo comemora 30 anos com álbum de músicas inéditas, EP ao vivo, turnê nacional e ainda levando o projeto Música de Brinquedo à TV

Texto e entrevista por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Sobreviver fazendo rock neste país é uma tarefa difícil para artistas profissionais da música. O gênero, após um período de glórias entre os anos 1980 e 1990, parece ter caído em desgraça mercadológica após a internet 2.0 ter mudado todo o consumo de comunicação e arte depois da virada do século. A briga por um lugar ao sol no gosto da população brasileira contra outras vertentes-medalhões vem sendo bastante desigual há um bom tempo e são bem poucos os nomes que, hoje, conseguem se manter apenas viajando pelo território nacional e lançando uma ou outra coisa nova. Pertence ao passado aquela engrenagem que envolvia gravadoras, meios de comunicação (emissoras e programas de rádio e TV voltados a este nicho, sobretudo) e uma molecada disposta a envolver seus recursos (indo desde o material ao abstrato, como o tempo). Há quem possa argumentar que novas plataformas digitais possibilitam novas coisas, como contato direto com fãs e a mola-mestra do DIY por mais tosco que seja, mas também o panorama é desolador: multiplicou a demanda e aumentou a concorrência pelos ouvidos e gostos de cada pessoa. Sem falar que, por aqui, o rock envelheceu e caducou, transformou-se em coisa voltada a gente mais velha e conservadora, de origem branca e com mais dindim no bolso. Basta dar uma olhada geral na plateia que circula entre grandes festivais e shows de arenas e estádios de futebol.

Sobreviver tanto tempo em uma mesma banda também é tarefa difícil. Esta sempre foi, na verdade. Quando se convive com frequência com mais de duas cabeças pensantes, fica complicado conciliar vontades, desejos, maneiras de se pensar, fazer e agir. É raro passar anos e anos segurando uma mesma formação, sobretudo quando são envolvidas mentes criativas e egoicas. Dá para contar nos dedos os grupos, tanto no Brasil quanto no exterior, que permanecem por mais de uma década com a mesma formação, seja a original ou aquela considerada clássica por crítica e público. Discordâncias frequentes quase sempre dão origem a rupturas inevitáveis mais cedo ou mas tarde.

Formado em Belo Horizonte em 1992 por Fernanda Takai (voz, guitarra e violão), John Ulhôa (guitarra, violão, voz e programações) e Ricardo Koctus (baixo e voz), o Pato Fu permanece vivo, atuante e esperneando. Mesmo que seus integrantes principais se dividam em outras atividades paralelas (Fernanda tem uma bem sucedida carreira solo, John é produtor e Ricardo possui uma pizzaria), o trio nunca parou de se apresentar ao vivo e disponibilizar novidades em áudio e vídeo para novos e velhos fãs. Nesta temporada de 2023, inclusive, vem proporcionando lançamentos que celebram o extenso currículo. Tudo pelo próprio selo da banda, o Rotomusic.

O primeiro deles foi surgindo aos poucos na internet desde o ano. O álbum 30 é o primeiro disco autoral de inéditas em nove anos. Nove também é o número de faixas. A curiosidade é que elas foram pipocando aos poucos nas plataformas, em três lotes de três músicas cada. Foi como se a banda fizesse três singles e agora os compilasse em um único disco, em uma metodologia semelhante a feita por artistas e selos lá no ínicio do rock’n’roll, nos anos 1950, quando os compactos eram a melhor forma de lançar novidades e testar a popularidade de uma canção. Além de uma caprichada versão em português para o clássico da musica popular italiana “Io Che Amo Solo Te”, os fus ainda oferecem um punhado de faixas com temáticas comuns a todos no Brasil nos últimos, como os reflexos da pandemia e o isolamento social, mais a política de horrores praticada pelo (des)governo que infestou os prédios públicos de Brasília entre 2019 e 2022. 

Além de Fernanda, John e Ricardo, o grupo tem novamente Xande Tamietti segurando as baquetas. Ele era integrante oficial quando os mineiros lançaram seus discos mais conhecidos, deu uma pequena saidinha e acaba de voltar. O tecladista Richard Neves, que já tocou com muita gente do primeiro escalão da nossa música (de Milton Nascimento a Ney Matogrosso), completa a atual formação de quinteto que agora roda o país com a turnê 30 Anos, que possui um repertório especial, misturando hits com vários lados B bastante queridos pelos fãs mais hardcore da banda – isto é faixas que não ganharam videoclipe na MTV Brasil nem tocaram nas rádios mas que são cantadas de cabo a rabo por muita gente. A escala deste final de semana ocorre em Curitiba – o quinteto se apresenta no tradicional Teatro Guaíra (para onde já levara quatro anos atrás o projeto Música de Brinquedo) hoje, dia 30 de setembro (mais informações sobre ingressos e horário você tem clicando aqui). O sábado seguinte, 7 de outubro, marcará o retorno à terra natal Belo Horizonte, com um show no Palácio das Artes (mais sobre este evento, aqui).

Seis músicas que estão no repertório desta turnê foram gravadas ao vivo e compõem o segundo disco deste ano, o EP gravado em parceria com o estúdio belorizontino Sonastério. O nome do disco, não por acaso, é Sonastério Ilumina Pato Fu. Aqui a ideia foi captar como a banda soa em shows, com arranjos menos eletrônicos e mais orgânicos, um pouco diferentes em relação às timbragens e sonoridades das gravações originais das composições mais antigas.

Engana-se quem pensa que os lançamentos irão parar por aqui. Vem ainda, em breve, um outro disco ao vivo, agora gravado em conjunto com a Orquestra Ouro Preto e batizado Rotorquestra de Liquidificafu. Por fim, para o ano que vem o canal por assinatura Nickelodeon estreará um programa que levará o projeto Música de Brinquedo para a TV. Já existem duas temporadas gravadas, com episódios que reunirão a banda, os monstros criados pelo Giramundo e as releituras de clássicos da música pop feitas somente com instrumentos infantis.

Mondo Bacana conversou com Fernanda e John, que falam do pulsante e prolífico momento atual do trintão Pato Fu. E ainda tenta solucionar um grande mistério que envolve o grupo e parece ignorar a sua longa trajetória como um dos principais nomes do rock nacional.

Qual o segredo do sucesso da manutenção por três décadas de um casamento musical? No caso de vocês, ainda há uma curiosidade nisso, já que dois terços do núcleo que começou a banda lá no início dos anos 1990 permanecem como um casal na vida real.

John: É uma fórmula que a gente pode até tentar estabelecer, mas dificilmente aplicar pras outras bandas. Acho que começa com aquele clássico “fizemos a coisa certa na hora certa”. Isso explica o sucesso inicial, mas pra durar 30 anos, acho que o principal ingrediente é o respeito e amizade entre os integrantes. Sempre fizemos escolhas consistentes na carreira, cuidamos bem dos fãs, procuramos parcerias de alto nível em som, vídeo, fotografias, tudo. Mas a gente não duraria tanto se o clima interno da banda fosse de brigas e discussões intermináveis. Sempre fomos amigos, continuamos sendo. E até o meu relacionamento com a Fernanda, é parte disso. Não sei se o Pato Fu teria dado certo sem nosso casamento. Ao mesmo tempo, não sei como seria nosso casamento sem esse projeto em comum, o Pato Fu. É mesmo uma fórmula de uso único.

O novo álbum tem nove faixas que foram lançadas de um modo diferente, em três lotes diferentes de três canções cada. O novo modelo de negócios no mercado fonográfico aponta mesmo a tendência de se abandonar a concepção de um álbum como uma peça inteira e básica. Vocês concordam? Como foi esta experiência com o Pato Fu?

John: Gostamos de álbuns. São parte do nosso modo de fazer as coisas. Podemos até lançar de outro modo, mas quisemos deixar aquele cheiro de “álbum” no ar. O LP em vinil está no forno, já já será lançado. Quando se faz um álbum, um monte de outras ideias se somam, a começar pelo projeto gráfico. Daí aquilo vai pro cenário da turnê e vai se multiplicando. Esse pessoal que não faz álbuns não sabe o que está perdendo…

O novo álbum parece ser a obra do Pato Fu em que é mais explícito o quanto o ambiente redor afetou vocês como músicos e cidadãos. As letras falam sobre pandemia, isolamento, desgoverno brasileiro, política de horrores. Foi intencional querer botar isso para fora?

John: Sim, claro! Esse ambiente obviamente nos afetou e isso transparece nas letras. Já podíamos notar coisas assim nos discos anteriores, mas acho que agora mesmo as questões mais pessoais passaram pela situação extrema que vivemos, são recados aos amigos, como “Fique Onde Eu Possa Te Ver”. Essa vontade de mandar um abraço aos amigos e ao mesmo tempo denunciar os absurdos que presenciamos foi realmente a tônica do álbum.

Uma curiosidade é a versão em português de “Io Che Amo Solo Te”, clássico da musica romântica italiana dos anos 1960, década em que o pop cantado naquele idioma era bastante consumido aqui pelas Américas. Como surgiu a ideia? A canção tem relação com a memória afetiva de vocês do tempo de crianças?

John: Essa é o alívio romântico, versão inesperada, memória afetiva deslavada, essas coisas que sempre aparecem nos discos do Pato Fu. A gente já tinha citado essa música no finalzinho de “Vida Imbecil”, lançada em 1995 no álbum Gol de Quem?. Um dia desses, zapeando o streaming, nos deparamos com a versão da Rita Pavone. A gente vinha procurando uma música pra gravar com a Orquestra Ouro Preto, com quem estamos fazendo vários concertos. “Io Che Amo Solo Te” tocou muito na nossa infância, foi trilha de novela e foi um desses momentos tipo “por essa você não esperava!” que a gente vive perseguindo. Ruriá Duprat fez o arranjo de cordas e o resultado ficou lindo. Temos tocado essa ao vivo nos shows com a orquestra. É uma emoção.

O disco também trouxe de volta a parceria com o Dudu Marote, responsável pela produção de alguns dos discos mais populares da banda. Como surgiu a ideia do reencontro? Alguma mudança no modo de trabalhar entre passado e presente?

John: Nessa celebração dos 30 anos tentamos trazer de volta muitos conceitos e muita gente também. Pessoas que já trabalharam conosco em momentos importantes, achamos que seria legal tê-las por perto de novo. E o Dudu foi um desses. Produtor fundamental em nossa carreira. Ficou animadíssimo com o convite, veio nos visitar, ficamos todos pilhados e empolgados em trabalhar com ele de novo em duas das músicas. Dudu sempre foi um cara muito envolvente, e continua sendo. Ainda é seu estilo o artesanato pop, a busca do beat, do timbre exato, da colocação de voz perfeita. Aprendi muito com ele e essa foi mais uma chance pra eu aprender mais.

Outra faixa traz uma parceria com Climério Ferreira, poeta, cantor e compositor piauiense e também professor aposentado da Universidade de Brasília…

Fernanda: Climério é meu parceiro já em outras duas canções que eu tinha gravado em meus discos solo. Resolvi trazê-lo também pro Pato Fu, pois achava que a canção cabia na proposta de representatividade dos nossos lados líricos diversos. Vez por outra me pego lendo seus versos e pensando: “esse aqui daria um belo começo de música!”. Geralmente saio juntando várias linhas dele, encontrando um sentido entre as frases. Quando termino melodia e harmonia, mando pra ele reconhecer a paternidade.

A capa de 30 é baseada em traços de mangá. Esta é mais uma forte ligação do Pato Fu com a cultura pop japonesa. Como surgiram os bichos/personagens de cada faixa, que ilustram a capa e os vídeos de animações do YouTube?

Fernanda: Eu conheci o trabalho do Bruno Honda quando escolhi um quadro dele como recompensa num financiamento coletivo de livro. Junto veio uma outra ilustração dele com um recadinho dizendo que ele amava a música do Pato Fu. Isso deve fazer uns 4 anos… Quando fomos escolher entre vários artistas, apresentei os seus traços aos outros músicos, que acabaram votando por ele também. Ele gosta de desenhar bichos em funções humanas. Então perguntou quais os animais que poderiam ser usados para cada música. Demos nossas sugestões e ele foi exatamente em cima delas.

O álbum 30 não é a única novidade do Pato Fu. A banda também acaba de soltar um EP com seis faixas, gravado ao vivo, com algumas faixas clássicas inclusive tendo seus arranjos modificados. Este disco serviu como um laboratório para a nova turnê? Por quê modificar alguns dos hits mais conhecidos desta trajetória de trinta anos?

Fernanda: Eu acho que as gravações do Sonastério são bem fieis aos arranjos originais. A gente mudou muito quando fez o Ao Vivo no Museu de Arte da Pampulha. Essa leva agora só traz a pegada mais forte de banda mesmo. “Spoc”, por exemplo, só não tinha o Xande antes. Não modificamos a essência dos arranjos nos álbuns.

A turnê atual também recupera alguns “lados B” da banda. É importante para um artista não se fixar só no mainstream de seu repertório, ainda mais quando se trata de uma carreira longeva?

Fernanda: Pato Fu é justamente uma banda que tem essa dualidade de vários hits de FM, vídeos, novela, mas que possui uma base de fãs que gosta do lado mais ácido e experimental. A gente lida com isso de forma bem natural desde o início, pois gostamos disso também. Não conseguiríamos ser previsivelmente de um jeito só.

Falem um pouco dos próximos trabalhos da banda: o disco ao vivo com a Orquestra Ouro Preto (que já aparece em uma faixa do EP ao vivo), o Música de Brinquedo chegando à TV por meio do Nickelodeon…

Fernanda: Esse disco deve ser lançado no começo do ano que vem, John ainda vai mixar as faixas. Ele esteve dedicado ao sound design da série da Nick Jr, que ocupou bastante o tempo dele, assim como toda a preparação pra turnê, som e vídeos, trabalhando com a equipe do Batman Zavareze, que assina a direção de arte das projeções. Música de Brinquedo, a série, vai ao ar em episódios inéditos todo sábado, meio-dia e meia, com reprise durante a semana. Já temos duas temporadas gravadas. Tomara que siga em frente, pois é algo muito divertido, onde os monstros do Giramundo tem mais espaço pra brilhar!

Por que diabos o Pato Fu não é chamado para tocar nos principais festivais de música dos últimos anos no Brasil, como Rock In Rio, The Town, Lollapalooza e Primavera Sound?

Fernanda: Devem estar esperando a gente completar 40 anos de carreira! Mas há festivais só de música nacional também como o João Rock, por exemplo, que nunca nos chamou em 20 anos. The Town fiz como convidada do Terno Rei, já há uma esperança… Fizemos quase todos os grandes festivais do passado e temos feito ainda os festivais do circuito mais indie. Acho que somos sobreviventes a tantas ondas que a ideia é permanecer vivo, com saúde e tocando bem para quando for a hora de novo.

Music

Nenhum de Nós – ao vivo

Sem um integrante, banda apresenta em Curitiba uma acentuada veia rock’n’roll jamais vista em shows anteriores

Texto por Abonico Smith

Fotos de iaskara

Quando vou escrever o texto de alguma resenha procuro pensar numa ideia referente ao objeto da análise. Pode ser algo sobre o artista, a obra, o público-alvo, mas necessariamente precisa poder me dar algum assunto para discorrer sobre, defender alguma teoria – seja positiva ou negativa – a respeito disso. Quando solicitei o credenciamento para realizar a cobertura da recente passagem do Nenhum de Nós por Curitiba fiquei matutando a respeito do que iria ser a costura do texto.

Acabei me fixando em um ponto curioso. Ainda são várias as bandas que colocaram o rock no mainstream brasileiro a partir dos anos 1980 que permanecem em atividade. Isso que dizer que lá se vão entre três e quatro décadas continuas de shows e lançamentos de discos (no formato do momento do mercado fonográfico que fosse). Só quase todas sofreram com perdas pelo caminho. Mortes, desentendimentos, rompimentos e saídas dos integrantes de suas formações, se não a original, a clássica, aquela que ficou conhecida pelo grande público. Só para citar algumas que permanecem vivas: Blitz, Rádio Táxi, RPM, Barão Vermelho, Titãs, Ultraje a Rigor, Ratos de Porão, Mercenárias, Replicantes, Ira!, Capital Inicial, Biquíni, Inocentes, Plebe Rude, Legião Urbana (ops, essa não pode, judicialmente, nem utilizar o próprio nome durante as turnês!). Se o panorama se estender para os anos 1990, outra década de ouro do gênero no Brasil, temos Raimundos, Nação Zumbi, mundo livre s/a, Planet Hemp, Natiruts, Relespública, Sepultura e por aí vai. Caso você queira estender o panorama aos anos 1970, dá para adicionar dois heróis da resistência bem famosos, que mais recentemente decidiram retomar a trajetória como conjunto: Mutantes e Novos Baianos.

São poucos os exemplos quem sobreviveu ao desmonte mantendo o mesmo time clássico de músicos. Pode-se começar por aquelas exceções graças a curiosidades. O Los Hermanos só volta a se reunir em turnês esporádicas a cada três ou quatro anos. O Skank permaneceu unido até o começo deste ano até, enfim, dar adeus aos palcos. O Pato Fu iniciou como um trio que está lá até hoje na linha de frente, embora outros instrumentistas (teclados, bateria, percussão) tenham ido e vindo na formação. Dá para contar nos dedos de uma mão aqueles que permanecem intocáveis: Jota Quest, Racionais MCs (ainda mais para quem defende a teoria de que o rap é o novo rock), Paralamas do Sucesso (que inclusive montaram um show baseado no trio-que-vira-quarteto, com o tecladista que toca com eles desde sempre) e, o foco deste texto, Nenhum de Nós. Muitos músicos dizem que fazer parte de uma banda é como manter um casamento, quase sempre com mais de duas pessoas envolvidas. Por isso dar continuidade ao relacionamento acaba virando algo difícil quanto com o passar dos anos. Sem falar no sempre eterno Made In Brazil.

O Nenhum de Nós é um caso interessante quanto a isso. Começou em Porto Alegre em 1986 como um trio (Thedy Corrêa, baixo e voz; Carlos Stein, guitarra; Sady Homrich, bateria) e nos anos seguintes gravou os dois primeiros discos, já com três grandes hits  nacional (“Camila, Camila”, “Eu Caminhava” e “O Astronauta de Mármore”). O terceiro, de 1990, indicou um crescimento tanto no direcionamento sonoro (a incorporação de timbres e instrumentos que flertavam com a música tradicional gaúcha) e o acréscimo de Veco Marques para se dividir entre os violões e a segunda guitarra. Em 1996, já no sexto disco, o quarteto virou oficialmente um quinteto, com o músico de apoio João Vicenti (teclados e acordeon) virando membro fixo. Já na primeira década do novo século, Thedy passou a se dedicar mais à função de frontman sem ter de estar sempre tocando algo com as mãos. Por isso, deixou o baixo a cargo de Estevão Camargo, que desde então acompanha o grupo nos concertos sem, contudo, figurar na formação oficial. Portanto, é um trio que virou quarto, transformou-se em quinteto e hoje viaja como sexteto. Mas o mais importante é que quem entrou para o time não saiu mais. Nunca mais. Pelo menos até agora. Ou não?

Madrugada de 17 de setembro deste ano. Perto da uma da manhã, o Nenhum de Nós está sendo aguardado por uma plateia ávida por rock cantado em português. A banda gaúcha era a atração principal da noite no White Hall Jockey Eventos, que lançava a edição deste ano do Prime Rock Festival em Curitiba, evento anual que reúne grandes nomes do segmento durante um dia todo na Pedreira Paulo Leminski – informações sobre atrações, ingressos e tudo mais do próximo dia 9 de dezembro você encontra clicando aqui). Chego quase em cima da hora do início do show e me posiciono bem na cara do palco, mas na lateral direita. Era uma área reservada para ingressos vip. Dali, bem na grade, enxergava com perfeição a frente toda. Mas pouco via a bateria colocada ali ao fundo.

Entraram os músicos. Thedy, Carlos, Veco, Sady, Estevão… Mas cadê João? Me dirigi em direção ao centro e só então caiu a ficha: não havia nada de teclas disposto no palco. Nada da sanfona, nenhum teclado sequer. Atrás dos guitarristas e do vocalista, apenas o kit de Homrich e o pedestal com microfone para o baixista fazer os backings. O que teria acontecido com Vicenti? Espero alguma informação dita entre as músicas a respeito da ausência. Nada. Teria saído do grupo?

Lembro rapidamente que horas antes havia procurado na internet NdN informação mais recente sobre a banda. Algum lançamento, algum anúncio. Afinal, já fazia um tempinho que não sabia nada a respeito de novidades. Para minha surpresa, um comunicado dizia que o site oficial está em fase de reconstrução e em breve estará novamente ativo. Fui às redes sociais do NdN e também nada de novo encontrei por lá. Enquanto isso, as primeiras canções seguiam e Thedy continuava sem se pronunciar a respeito da “nova formação” de quinteto.

Passou mais um filme ligeiro em minha cabeça. O de que jornalistas também passam por perrengues em suas coberturas externas. Muitas vezes o cenário encontrado no local pode não bater com as informações prévias que existem sobre aquela pauta. Me peguei ficando surpreso e ansioso por alguma peça que ainda faltava no quebra-cabeça. Acompanho a trajetória ao vivo do NdN com regularidade desde 1988, quando assisti em um palquinho armado no Parque Barigui ao lançamento do primeiro álbum deles (e na sequência fui entrevistá-los no microônibus estacionado nos bastidores). Na foto utilizada nas peças promocionais da apresentação do White Hall o tecladista estava presente. Cadê João Vicenti e por quê ele não estava lá eram as perguntas que se repetiam em marteladas na mente. Havia ainda espaço para mais outras duas: será que todo o mote previamente pensado para escrever este texto teria simplesmente desabado em questão de segundos e eu teria de me virar para achar um fio condutor ali, meio que do nada, enquanto as músicas eram tocadas?

Um certo nervosismo tomou conta depois de um punhado delas. Fui observando como estavam os arranjos sem piano, teclado e acordeon. Percebi que Thedy empunhou mais vezes o violão, tecendo o fundo das bases harmônicas. Percebi também que o volume das guitarras de Veco e Carlos estavam mais alto do que o de outros shows anteriores em que estive presente. Com mais peso e distorções também. Puxava na cabeça a lembrança das gravações em discos de estúdio. Tinha momentos em que eles (às vezes um, às vezes outro, às vezes os dois juntos) substituíam os riffs tocados nas teclas pretas e brancas ali nas ligas metálicas que formam as seis cordas. Aos poucos ia criando um plano B para poder fazer a resenha enquanto ainda esperava alguma fala sobre a ausência da noite. Criatividade e improviso também são recursos de última hora que podem (e devem) ser utilizados durante o exercício do jornalismo.

set list do Nenhum de Nós em versão quinteto acabava surpreendendo. Nunca havia visto os gaúchos em uma performance tão (com o perdão do trocadilho besta para um artista que já lançou alguns discos acústicos!) elétrica. A veia pop que sempre permeou aquela extensa coleção de hits que o grupo costuma tocar ao vivo nunca havia soado tão rock’n’roll como ali, naquele instante. Várias vezes me peguei olhando o figurino escolhido pelo vocalista para se apresentar na capital paranaense. Uma jaqueta jeans trazia vários signos do rock entre o cult e ounderground. O slogan básico rock’n’roll, uma caveira, uma cruz, um enorme rosto de David Bowie do look raio colorido no rosto enfeitava as nas costas, um X bem grande na lateral frontal (que poderia remeter tanto à negação e à ruptura propostas pelo gênero como também à histórica banda punk X, de Los Angeles). Por baixo da jaqueta, uma camiseta com a estampa onde se lia o nome original do livro Espere a Primavera, Bandini. Publicada em 1938, a primeira obra de John Fante fala sobre o típico sentimento de inadaptação durante a adolescência, o fato de se sentir deslocado em relação à família, escola e sistema vigente. O protagonista Bandini nada mais era do que o alter ego do autor, que depois viria a escrever o clássico Pergunte ao Pó e se tornar um dos nomes mais cultuados da literatura underground norte-americana do século 20. Sei que Thedy é um consumidor voraz de livros e HQs. Estaria ali na camiseta dele um recado discreto sobre a “nova fase” do NdN?

Conforme o show se encaminhava para o final sentia o que em inglês se chama de mixed emotions. Gosto demais do terceiro álbum, Extraño, de 1990, no qual o Nenhum de Nós passou a incorporar elementos e influências da música regional do sul do país, criando uma identidade própria que passou a diferenciá-la de outros grupos locais de sua época – inclusive incluí o disco na minha votação feita para o recentemente lançado livro sobre os cem maiores álbuns do rock gaúcho. Com o tempo e a rápida consolidação do então músico de apoio João Vicenti na formação oficial, o NdN foi desenhando uma sólida discografia em conjunto com grande fanbase em todo o país. Saiu de uma grande gravadora, pipocou por vários selos menores e/ou independentes, voltou a uma major, retornou à independência (estacionando em 2009, enfim, no do it yourself do selo ligado à própria produtora de shows que sempre esteve com a banda). Tudo isso sem diminuir o volume de convites, viagens, lançamentos e fãs. Como assim, de uma hora para outra, depois de três décadas, poderia haver uma nova adaptação sonora tão repentina?

Ao mesmo tempo, a garra e o afinco mostrados ali, sem João e com muita segurança, possibilitaram que, sim, poderiam servir como um alívio imediato (com o perdão do trocadilho que faz uso do nome de uma música de outros gaúchos, os Engenheiros do Hawaii!) para um possível imediatamente “novo” NdN. Ao vivo já resolvido. Talvez em estúdio preparando novidades e surpresas para logo.

set list foi chegando ao final com os refrões dos diversos hits cantados a plenos pulmões e algumas covers adicionadas estrategicamente no repertório – afinal o evento era para promover o vindouro festival que celebra o rock nacional. Teve, então, “O Segundo Sol” (de Nando Reis mas muito famosa na voz de Cassia Eller), “Gita”(de Raul Seixas, de quem eles já regravaram “Tente Outra Vez”), “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo” (de Lô Borges e lançado no histórico álbum Clube da Esquina) e “Toda Forma de Amor” (de Lulu Santos). As duas últimas, aliás, os gaúchos regravaram em Outros, disco de intérprete dedicado ao repertório alheio, lançado em 2012). E o encerramento (por que não?) do bis ficou com “O Astronauta de Mármore”, a consagrada versão em português para “Starman”, de David Bowie. Contudo, nenhum palavra proferida a respeito de João Vicenti não estar ali. 

Depois de cerca de uma hora e quinze de apresentação, saí do White Hall ainda encafifado mas com uma ideia simples e básica: mandar uma mensagem para Thedy perguntando o porquê da ausência de João. A resposta chegou no meu whatsapp horas depois, dando, enfim, uma conclusão para o mistério: ele sequer embarcara para Curitiba, pois havia sentido uma indisposição. Menos mal. O Nenhum de Nós não perdera um membro. O desfalque era apenas momentâneo e a sonoridade com a mistura de elementos da música gaúcha não fora descartada. Lado positivo: quem esteve ali na casa pode ver um raro show do NdN em que ele voltava às origens guitarreias pré-Extraño, porém com muito mais peso e barulho. E o fim definitivo dessa incógnita ainda possibilitou uma saída robusta para a tarefa de escrever o texto sobre o concerto: transformá-lo em misto de resenha, relato pessoal da noite e crônica gonzo.

Set list: “Paz e Amor”, “Notícia Boa”, “Eu Caminhava”, “Amanhã ou Depois”, “Eu Não Entendo”, “Das Coisas Que Eu Entendo”, “O Segundo Sol”, “Sobre o Tempo”, “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, “Diga a Ela”, “Gita”, “Julho de 93”, “Você Vai Lembrar de Mim”, “Vou Deixar Que Você Se Vá” e “Camila, Camila”. Bis: “Toda Forma de Amor” e “O Astronauta de Mármore”.