Daniel Craig encabeça superelenco que revive as clássicas histórias de mistério com humor e elementos atuais de crítica política e social
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Paris Filmes/Divulgação
Nos últimos anos, o nome de Rian Johnson ganhou projeção meteórica. Infelizmente, não pelo melhor motivo: sua direção em Star Wars: Os Últimos Jedi dividiu fãs da saga ao redor do mundo. No jogo de “ame ou odeie”, ouve-se muito mais o ódio a Johnson que o amor. Entre Facas e Segredos (Knives Out, EUA, 2019 – Paris Filmes), que conta com um elenco de renome, pode ser a redenção de um talentoso diretor diante de uma camada furiosa de entusiastas do cinema.
A trama, roteirizada por Johnson, envolve um caso clássico de mistério: um aclamado escritor do gênero é encontrado morto, num aparente caso de suicídio com indícios de assassinato. Então, um igualmente aclamado detetive particular é contratado de forma anônima e, acompanhado da polícia, volta à cena do crime para investigar a fundo o possível homicídio. Essa investigação, no entanto, desvia-se em muito dos clássicos de mistério. A audiência acaba por descobrir na virada do primeiro para o segundo ato o que realmente ocorreu e o longa deixa de ser um mero filme de mistério para tornar-se algo mais.
A direção conduz o título brilhantemente por entre seus caminhos de mistério e humor, sem perder-se entre dois tons radicalmente diferentes. Johnson constrói sua mise-en-scène com primazia, astutamente dando pistas ao espectador, sem que, no entanto, acabe estragando as reviravoltas de sua trama. Entre Facas e Segredos é mais um filme sobre relacionamentos e, num certo nível, a discrepância de valores morais entre indivíduos e estilos de vida, que qualquer outra coisa, seja humor ou mistério – e a direção sabe muito bem disso. Portanto, o longa toma seu tempo para revelar os segredos (de linguagem e texto), estabelecer seus planos e desenvolver sua trama, sem que perca o ritmo, que por sua vez é brilhantemente orquestrado pelo editor Bob Ducsay.
Entre crosscuts, diálogos convencionais e jogos de câmera rebuscados, ora brincando com angulação, ora com profundidade de campo, a edição cria uma coesão narrativa que une perfeitamente a, talvez, mais complicada característica deste filme. Entre múltiplos interrogados, há múltiplas verdades – e Entre Facas e Segredos dinamiza essa variedade de narrativas, nunca deixando com que elas tomem conta e confundam seu espectador, mas dando-as espaço para respirar. É um belo exemplo da força do ditado de ouro do cinema: “mostre, não conte”.
Mas, justamente por ser algo focado no relacionamento de seus personagens, o fardo de carregar o filme cai não somente na equipe técnica, como também no elenco. Por sorte, a escolha dos atores é perfeita. Destacam-se os personagens com mais tempo em tela, como o Benoit Blanc de Daniel Craig, que se descola de James Bond para criar um personagem completamente novo; a Marta Cabrera de Ana de Armas, que assume o protagonismo com um misto de introversão e coragem, num arco belo e bem desenvolvido; e o cínico e manipulador Ransom Drysdale de Chris Evans. No entanto, todo o elenco está bem, desde a breve participação de LaKeith Stanfield como o policial Elliott ao também breve, porém de impacto tremendo; Harlan Thrombey de Christopher Plummer, a vítima que move o filme. Michael Shannon e Jamie Lee Curtis, que interpretam os irmãos Walt e Linda, também têm seus momentos para brilhar, entregando seus personagens de maneira divertida e não muito caricata.
A caricatura, entretanto, faz parte de cada personagem. Ainda que não seja o foco do filme (um ponto alto, aliás), há um forte comentário político, disseminado no discurso de cada personagem, em seu egoísmo que reverbera ao lado da xenofobia ou até, como é descrito um dos personagens mais jovens, para o nazismo e a trolagem da extrema direita. É aqui, então, que o nível de estereotipagem dos personagens faz sentido – no fim, acaba por adicionar camadas aos personagens, pois torna a crítica que Johnson quer fazer implícita nos próprios personagens sem transformar o tema do filme.
Assim, Entre Facas e Segredos chega como um dos melhores lançamentos do ano, com grandes chances de premiações na temporada que se inicia logo menos. Mais do que isso, ainda, estabelece-se como um filme de entretenimento inteligente, astuto, engraçado e misterioso, surpreendendo o espectador a cada passo do roteiro.