Contando também com DJs e performance, primeira edição do festival Saliva incentiva o diálogo através das artes em Curitiba
Letrux
Texto por André Mantra (Cena Low-Fi)
Fotos: Hay Ramos/SLV/Divulgação
Na noite de 29 de novembro de 2018, nas dependências do curitibano Hermes Bar nasceu o Festival Saliva – concebidos pelo trio ativo e criativo formado por Carol Scabora, André Gosmma e Vini Buzze. O conceito é o de incentivar o diálogo através das artes, embora a música seja a protagonista. Na programação, as DJs Adri Menegale (Misturi-C) e Barbara Oeiras (Um Baile Bom) colocaram o público (formado por pessoas na média dos 25 anos, comunicativas e baladeiras) para cantar e dançar durante o festival, exceto, obviamente, nos momentos em que o palco era devidamente ocupado por artistas: três bandas, todas com mulheres envolvidas, e a performer, também do gênero feminino.
Quem deu início aos trabalhos no palco do Hermes Bar foi o agora duo Subburbia – banda veterana e de um nome bastante concorrido, tanto que no caso deles a grafia é diferenciada. Após dez anos de fundação e algumas mudanças, desta vez a redução para uma dupla, o que poderia facilitar a sua apresentação e audição ao menos naquela apresentação, deu ruim. Nem havia tanta gente naquela altura (por volta das 22h30). Até aí, tudo bem – a proposta deles Marina (voz + guitarra) e E1000 (synth+ voz) nunca foi ser acessível, pop ou facilmente rotulável. Todavia, vale salientar que a ausência de boa acústica do local e de uma provável apresentação sem passagem de som, mesmo através de um set simples (dois microfones + guitarra + amp + sample) não estava com uma boa saída de som nos PAs (caixas cuja intenção principal é o som destinado ao público). Isso fez da apresentação uma experiência estranha.
Após alguns minutos de som das DJs, veio a santista Geovana Mantovani ao lado dos produtores e instrumentistas Aércio de Souza (bateria) e Guilherme Miranda (baixo + samples). O trio Geo realizou uma apresentação correta e já era perceptível a melhora da qualidade do som no ambiente. O projeto musical centrado na vocalista foi iniciado apenas em 2017 mas isso não o impediu de ser notado em pouco tempo, pois há certo frescor na sua proposta musical – tanto que ainda é possível arriscar como sintetizar sua sonoridade através de gêneros musicais. No palco, Geo apresenta-se como uma espécie de personagem binário (robô). Sim, ela investe muito numa apresentação bastante (audio)visual através do seu make combinado a versos que abordam relacionamentos mal sucedidos e bases eletrônicas acompanhadas da “cozinha” (baixo e bateria) e um canto técnico, sem excessos. O início do sucesso no YouTube ocorreu covers e uma vida musical bem nutrida de boas referências interpessoais e fonográficas.
A sua segunda aparição pública na capital paranaense foi repleta de novidades no set list: “Nós”, “Acrílico” e “Monstro” deram o tom do que deve ser seu primeiro álbum, que virá após alguns singles muito bem sucedidos. Este foi um dos grandes acertos da produção, sem dúvidas, embora as pessoas estivessem muito ansiosas por Letícia Novaes, agora simplesmente Letrux. Vale salientar que Geo ainda não lançou um álbum (o primeiro está previsto para fevereiro) e no decorrer do ano terá muito mais visibilidade e participação dos seus ouvintes in loco. É certamente uma das revelações nacionais para os próximos meses lotar os inferninhos e baladas do cenário independente brazuca.
Geo
Antes da principal atração da primeira edição do Saliva, houve espaço para a obra performática de Mariana Barros – uma apresentação de cerca de 20 minutos com colagens de depoimentos e trechos de músicas que iam de Hebe Camargo a MC Kevinho e teve seu ápice em “Capim Guiné”, do grupo BaianaSystem (Titica + Margareth Menezes). Foi uma espécie de strip tease que dialogava com a plateia através do seu corpo, numa apresentação de conceito “meu corpo é político”. Talvez tenha sido a atuação que mais alcançou a meta de interação ou burburinho através da arte de forma espontânea.
Então, por volta de 1h20m da madrugada de sexta, entrou em cena estrela Letrux. Ela veio acompanhada por Arthur Braganti (teclados e synths), Martha V (guitarra, percussão e MPC), Natália Carrera (guitarra, synths e programações), Lourenço Vasconcellos (bateria e percussões) e Thiago Rebello (baixo), todos tão experientes quanto Letícia, artistas da música, compositores e produtores fonográficos como ela, uma verdadeira superbanda do cenário indie carioca em atividade desde o início da década passada. A expectativa não cabia no Hermes, lotado e pulsando. Não é surpresa afirmar que os hits “Ninguém Perguntou Por Você”, “Vai Render”, “Noite Estranha, Geral Sentiu” e “Que Estrago” foram catárticos, já que esta era simplesmente a primeira apresentação do projeto Letrux na capital paranaense. A metrópole curitibana é mal acostumada a receber, antecipadamente, os espetáculos artísticos em relação às demais regiões “fora do eixo” do território nacional, ainda mais se for um projeto musical premiado e hypado (naquilo que o cenário musical autoral independente compreende).
Justamente por proporcionar este e outros encontros e interações, aliás, que o Festival Saliva teve em seu debut um saldo muito positivo. Entretanto, é nosso dever apontar, também, o que precisa ou deveria ser melhorado/revisto. O Hermes Bar tem a localização e o “tamanho” interessante para um evento com “os pés no chão” só que sempre exige da produção de cada evento adaptações para receber artistas e imprensa caso necessite de demanda acima da cobertura jornalística parceira, além de não oferecer espaço físico para que a atração se acomode no local. O “camarim” deve ter uns três metros quadrados de largura e comprimento: tem muita cozinha de apartamento que comporta melhor duas bandas formadas por três integrantes. Essa característica inibe o artista a interagir com qualquer fã antes ou depois de uma apresentação. A sonorização também é sempre polêmica, pois os ouvidos mais experientes sabem que as frequências se perdem no local, principalmente os graves. Se corrigidas estas questões, o Hermes mudará de patamar de forma muito consistente, até porque não temos na região opções superiores disponíveis e com a mesma localização, centralizada, em Curitiba.
Também é preciso reforçar que se tratou da primeira edição de um festival que tem um papel importantíssimo no mercado local: realizar encontros como esses relatados para um nicho de mercado cultural da cidade. Curitiba não possui população do porte do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, por exemplo, embora econômica e culturalmente o seu potencial seja muito mais próximo das nossas maiores megalópoles. Sim, é uma missão árdua e que felizmente teve apoio de empresas e microempresas atentas ao público que o Saliva atende.
Rumores já circulam dizendo que a próxima atração do evento tem ligação forte com a Letrux, reside no Rio de Janeiro embora seja pernambucana e esteja igualmente forte nos ouvidos e corações das pessoas que compareceram ou gostariam de estar na primeira edição do Festival Saliva. “Força na peruca” aos envolvidos e seguimos aguardando boas novas.