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Eternos

Universo Cinematográfico Marvel começa nova fase com grupo de superseres, superelenco e direção da vencedora do Oscar deste ano

Textos por Leonardo Andreiko e Flavio Jayme (Pausa Dramática)

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

É difícil superar Thanos e o Ultimato dos Vingadores. Desde o encerramento do arco que se iniciou em 2008, há certa dificuldade em engajar a audiência com base na insistência no conflito catastrófico e em narrativas cujo final já está decretado antes mesmo do filme começar. Nesse sentido, Eternos (Eternals, Reino Unido/Estados Unidos/China, 2021 – Marvel/Disney) tenta trazer novidade ao Universo Cinematográfico Marvel apostando na diretora vencedora do Oscar Chloe Zhao (vencedora do Oscar neste ano por Nomadland). A veia autoral, mais intimista e contemplativa que o ritmo Marvel, é confrontada pela necessidade de comédia e ação incessantes que a empresa tanto gosta.

O roteiro é até mais grandioso que a maioria dos filmes do UCM. Os Eternos são um grupo de superseres que acompanharam, assistiram e ajudaram a evolução da humanidade mesmo sem poder tomar parte em seus conflitos. Liderados por Ajak (Salma Hayek) e depois Ikaris (Richard Madden) e Sersi (Gemma Chan), eles devem lutar contra outros superseres, os Deviantes, visto que ambos partilham o mesmo criador, o celestial (uma supermegarraça de criadores do universo) Arishem. A natureza genérica do roteiro é contornada pela necessidade de coesão dos Eternos dentro do já estabelecido universo em que se inserem – o longa é um entrecorte entre essa trama, suas reviravoltas, e flashbacks do tempo dos protagonistas na Terra, seja alavancando a engenharia na Babilônia ou assistindo ao genocídio dos povos ameríndios pelas tropas espanholas.

Em ambas linhas narrativas, diversas sequências se estendem sem necessidade, o que ajuda a explicar a longa duração desse filme, a segunda maior de todo o universo Marvel. O tempo que passa de fato é sentido em todo seu peso, pois a novidade da direção de Zhao não é tão nova assim. A diretora, evidentemente, traz sua abordagem contemplativa ao filme, mas além de planos compostos com certo requinte visual, sua voz parece diminuída por entre as demandas do estúdio – nesse ponto, cada longa deve adaptar-se a uma realidade distinta e preparar o solo para os próximos lançamentos da produtora em detrimento da liberdade criativa ideal para cada história. Os filmes da Marvel já não são filmes em si mesmos, mas peças de um gigante quadro maior em constante expansão.

Justamente por isso, esse universo, já num estado muito avançado de riqueza de detalhes e construção de lore, é incapaz de dialogar com o mundo real, seja pela implicação colossal dos eventos que já ocorreram ao longo dos anos ou pela isenção das megacorporações que o comandam, Marvel e Disney, sempre atentas para não perder seus mercados. O potencial discurso sobre o futuro da humanidade e seu “merecimento” enquanto espécie é abafado, dando lugar a um terceiro ato completamente despido de riscos aos olhos do espectador.

Contudo, como todo filme da saga, parte do brilho e da experiência é a entrega do elenco, que, aqui, é tão grandioso quanto a proposta fílmica. Se Salma e Angelina não têm tanto destaque quanto se imaginava, Madden e Chan estão excelentes em seus papéis. É evidente em cada segundo de Ikaris em tela o medo e respeito que o personagem inspira nos demais. Sersi tem a ternura e a personalidade certos para o papel que ocupa na trama. Já os tradicionais personagens de alívio cômico são dois extremos: enquanto Kumail Nanjiani interpreta Kingo, um egocêntrico unidimensional de humor meio pateta, Bryan Tyree Henry é Phastos, cuja motivação e relação pessoal com a humanidade lhe conferem um drama potente para balancear o humor, que parece muito mais intencionado e melhor trabalhado que o de Kingo.

Embora não tenha nada de péssimo, Eternos também não oferece nada de brilhante a ser adicionado ao Universo Marvel. Os próximos passos são previsíveis, como a introdução cada vez maior do universo cósmico dos quadrinhos – que, espero, não significar um proporcional distanciamento dos conflitos humanos e, assim da empatia do público. Se há humanidade em certos personagens, ela parece apenas pano de fundo para batalhas de alienígenas sem motivação engajante e alienígenas humanoides.

Sendo assim, este é um filme morno, cuja duração é cansativa e sua ação sem impacto. A falta de frescor e abuso da fórmula Marvel já eram esperados, mas acompanham um gosto especialmente amargo por reduzir a influência de uma diretora cuja expressão é distinta e tem muito a oferecer – aliás, situação contrária à de Taika Waititi em Thor Ragnarok, que pareceu ter muito mais liberdade. É melhor que a média da Marvel, certamente. Só que não empolga. (LA)

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Faz quase 15 anos que o MCU chegou aos cinemas com Homem de Ferro. Não dá pra ignorar a importância dos filmes, tanto para o cinema quanto para a cultura pop. Mas da mesma forma, não dá pra ignorar o fato de que a Marvel parece sempre ter se preocupado mais com forma que com conteúdo.

Com raríssimas exceções, seus personagens têm a profundidade e a complexidade de uma poça d’água. E isso sempre deixou os filmes meio infantis. Casos ainda mais visíveis acontecem em longas multicoloridos, com piadas nível quinta série e exagerados como Guardiões da Galáxia, por exemplo.

Mas tudo fazia parte de um plano maior, então perdoamos um deslize aqui e outro ali para chegarmos na obra-prima que foi Vingadores: Ultimato, este sim um filme adulto, com complexidade, drama e ação na medida certa, que encerrou um ciclo de maneira perfeita. E, ainda nem sabíamos, abria as portas para uma nova era.

Primeira grande produção da fase 4 do MCU, Eternos chega aos cinemas carregado de peso: no elenco, nomes com passagem pelo Oscar como Angelina Jolie e Salma Hayek e caras conhecidas do público como Kit Harring, Richard Madden, Gemma Chan, Kumail Nanjiani e Brian Tyree Henry. No comando, uma das diretoras mais celebradas da atualidade, vencedora do Oscar de direção e filme em 2021 por Nomadland, Chloe Zhao. Natural então que, com toda essa bagagem, viesse muita expectativa.

Um grupo novo de heróis, desconhecido do grande público que não consome os quadrinhos, os Eternos são seres meio divinos mandados para a Terra há mais de 5 mil anos para proteger os humanos dos deviantes, umas criaturas semelhantes a animais monstruosos que ameaçam a raça humana desde sempre. Os Eternos não morrem, não adoecem e não envelhecem. Permanecem com a mesma aparência por todos os 5 mil anos, passando pelas evoluções da humanidade como “ajudantes” em impérios como o egípcio e o babilônico.

Eternos – o filme – desagradou muita gente. E acredito que sei o porquê: é um filme muito mais adulto do que se esperaria de uma produção da Marvel. Filosófico, reflexivo, plasticamente deslumbrante, de ritmo mais lento e com mais tempo para desenvolver seus personagens, o longa certamente desagradou quem esperava uma cena de batalha a cada três minutos. Por mais que elas existam (e sejam espetaculares), estão lá para ajudar a contar a história. E não o contrário, como de costume.

Claro que, além de tudo isso, temos o fato de que, pela primeira vez, temos um elenco de variadas etnias, raças e até orientações sexuais em um filme da Marvel. Sim, as produções levaram quase 15 anos para amadurecer e evoluir e, embora pareça que os fãs não tenham evoluído junto, Eternos abre as portas para um novo universo no mundo de super-heróis: onde há espaço para todos. Afinal, poder se ver na tela em um filme de super-herói, seja você oriental, negro, indiano, latino ou gay, faz sim toda a diferença do mundo.

No fim, fica a sensação de que os fãs da histeria comum da Marvel não estão prontos para um filme mais reflexivo como Eternos. E que, talvez e justamente pela mudança de rumo, ele seja um dos melhores filmes de super-heróis já feitos. (FJ)

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