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La Llorona

Remetendo a uma antiga lenda, filme da Guatemala mexe nas feridas históricas e políticas do país e leva o país às premiações da temporada

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Divulgação

Existe uma personagem discreta em La Llorona (Guatemala, 2020), porém crucial para entender por que é histórico o filme guatemalteco, premiado no festival de Veneza e primeiro do país candidato ao Globo de Ouro (e provavelmente ao Oscar). Rigoberta Menchú Tum é a ativista indígena do grupo Quiché Maia, agraciada com o prêmio Nobel da Paz, em 1992. Ela se tornou Embaixadora da Boa Vontade da Unesco e chegou a se candidatar à presidência da Guatemala em 2006.

No filme, dirigido de forma magistral pelo guatemalteco Jayro Bustamante e com a impecável direção de fotografia assinada por Nicolas Wong Diaz, Rigoberta assiste ao julgamento do general Enrique Monteverde (Julio Diaz) acusado de ordenar o massacre de camponeses maias, inclusive crianças, suspeitos de colaborar com guerrilheiros comunistas financiados pela União Soviética e Cuba. 

Os crimes aconteceram de fato, entre 1981 e 1983, durante a guerra civil na Guatemala, que durou 36 anos. O então chefe de Estado, Efraín Ríos Montt, foi condenado em 2013, mas teve a sentença anulada dias depois. Efraín viveu mais cinco anos, mas as cicatrizes do genocídio ainda persistem por lá. 

Para levar ao cinema essa história tão delicada e replicada em tantos países da América Latina que sofreram com guerras civis e ditaduras, Bustamante recorreu ao terror. Afinal, nada mais plausível que usar o gênero para trazer à tona um pesadelo, com seus fantasmas políticos ainda frescos na memória recente daquele povo.

No início, o espectador é apresentado ao general e seu núcleo familiar (mulher, filha e neta) mais o dos empregados, indígenas, responsáveis pela manutenção da casa. O passado de Enrique também condena sua família a viver cercada por seguranças. Com a saúde debilitada, o ex-militar não dispensa a dose de uísque e o cigarro, até que os demônios começam a atormentar suas noites na forma de um choro. Demência? Possessão? É o espírito da chorona, que dá nome ao filme e representa uma entidade folclórica mexicana, já levada às telas em produções de terror hollywoodianas, como A Maldição da Chorona, de 2019. 

Diz a lenda, cuja origem remonta ao século 16, no México, que em noite de lua cheia a chorona surge desesperada, em busca de seus dois filhos assassinados por ela. Quando a chorona descobriu que estava sendo traída pelo marido, decidiu dar fim aos frutos da união. Arrependida do crime, a mulher morre de depressão e seu fantasma – de vestido e véu branco – passa a assombrar os povoados. 

É assim, vestida de branco, que surge a protagonista. Alma (María Mercedes Coroy, atriz do premiado Ixcanul, filme que revelou Bustamante) é contratada depois que todos os funcionários da mansão pedem demissão, só restando a governanta. Aos poucos, a narrativa vai revelando quem é essa alma: a mãe que teve os filhos afogados pelos militares que ameaçaram matá-la se chorasse. Assim, ela acaba por materializar todas as vítimas da estupidez humana. 

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Tom & Jerry: O Filme

Clássicos personagens criados por Hanna-Barbera voltam aos cinemas e ganham um divertido longa-metragem para crianças de todas as idades

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Warner/Divulgação

As produções com a assinatura Hanna-Barbera são responsáveis pela alegria de crianças de diversas gerações. Os desenhos produzidos pela dupla atravessam o tempo e não perdem o encanto até hoje. Tom & Jerry – feito em curtas-metragens para exibição nos cinemas entre 1940 e 1958, quando William Hanna e Joseph Barbera deixaram o estúdio de animação da Mtero-Goldwyn-Mayer para abrirem o seu próprio – é uma das criações mais famosas dos animadores. A clássica história de gato e rato já ganhou outras versões para a TV, foi readaptada para a telona nos anos 1990 e agora acaba de ganhar uma nova obra. Em longa-metragem. Para os cinemas, novamente. Por isso, Tom & Jerry: O Filme (Tom and Jerry, Reino Unido/França/Alemanha/EUA, 2021 – Warner) é divertido e nostálgico. O tipo de filme que consegue conquistar as crianças e os adultos e faz isso sem ideias mirabolantes. 

Chloë Grace Moretz estrela o longa como a inteligente Kayla, que consegue um emprego em um hotel de luxo mentindo sobre seu currículo. Tal hotel é o ponto central da história: é lá que Jerry, recém-chegado em Nova York, decide instalar sua nova casa. Quando o ratinho é descoberto, a moça fica responsável por se livrar do intruso. Como solução, ela contrata Tom para caçar e se livrar de Jerry. O gato de crachá e chapéu de uniforme, inclusive, rende um visual divertido.

Todos os animais do filme são de CGI. Quase todos também falam, com exceção dos principais. O buldogue Spike, presença cativa nos antigos desenhos da dupla, também está na história. Mais musculoso do que nunca, o cão adiciona bastante força à clássica nuvem de poeira durante as brigas. Os clássicos ingredientes que fizeram do desenho uma unanimidade entre crianças dos anos 1940 para cá aparecem na telona: ratoeiras, portinhas no rodapé, as engenhocas caseiras do Tom, perseguições, quebra-quebra, galos gigantes, choque e aquela surrealidade deliciosa das brigas. Quem gosta de animação vintage vai vibrar com a pequena ponta que outro ser canino, Droopy, faz neste longa. Apesar de minúscula, ela é capaz de arrancar risadas. 

O enredo é simples. Não precisava ser diferente. O divertido, o que entretém, muitas vezes não precisa de um caminhão de mudanças. A reinvenção é importante, sim, mas existem clássicos que são atemporais. O diretor Tim Story soube aproveitar os pontos positivos do desenho e trazer a dupla para o século 21. A tecnologia entra aqui para somar na vida do gato e do rato. E a contemporaneidade lhes cai bem.

O longa não prima pela excelência, nem será algo que marcará profundamente o ano no cinema. Contudo, existe a ciência disso. Tom & Jerry: O Filme não procura ser o novo Uma Cilada para Roger Rabbit, que há pouco mais de trinta anos revolucionou a linguagem cinematográfica para adultos misturando animação e live action. O gato e o rato protagonizam um filme para eternas crianças. Não se leva a sério e diverte o público de todas as idades sem muito compromisso. 

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Mulher-Maravilha 1984

A amazona Diana retorna às telas em história bastante fraca e confusa, o que acaba por ameaçar as expectativas para o próximo filme da trilogia

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Warner/Divugação

Em 2017, Patty Jenkins apresentou ao mundo o primeiro filme solo da Mulher-Maravilha. O longa agradou público e crítica e criou altas expectativas para sua sequência. Depois de boatos e adiamentos, Mulher-Maravilha 1984 (Wonder Woman 1984, EUA/Reino Unido/Espanha, 2020 – Warner) estreou e, ao contrário do primeiro, passou longe de um consenso entre fãs e imprensa. O segundo filme da franquia é fraco, confuso e repete os mesmos erros do primeiro, mas sem o principal que fez o título de três anos antes gerar uma boa experiência: o carisma. 

A primeira cena do filme é um flashback da infância da protagonista, quando ainda vivia em Themyscira, em que ela trapaceia em um jogo com outras amazonas. Com isso, aprende a importância da verdade. É isso? Sim, é isso. Os visuais são muito bonitos e a ação entretém, mas o formato sermão é meio esquisito. A segunda cena mostra Diana (Gal Gadot) já adulta, nos anos 1980, salvando pessoas de ladrões em um shopping center. A amazona esconde sua identidade heróica e torna-se uma espécie de justiceira silenciosa. Sem uniforme, trabalha lidando com antiguidades.

Se não tivesse 1984 no título, seria difícil precisar em que época a história está situada. Tirando alguns momentos como a cena do shopping ou quando o personagem de Chris Pine prova roupas, a ambientação é genérica. Aliás, continuando o tópico do visual, os pôsteres podem ter contribuído muito para a decepção com o filme. O novo uniforme, dourado, grandioso, com asas, é extremamente mal utilizado. Aparece por tão pouco tempo que não dá para entender porque foi parte tão importante da divulgação. 

Steve (Pine) é um dos personagens principais do longa de 2017. A escolha para trazê-lo novamente ao elenco é difícil de justificar. Ele é divertido, mas a forma como seu personagem “volta” não é convincente. Se no primeiro filme tínhamos uma Mulher-Maravilha que discursou sobre não precisar de homens, na sequência temos outra que está disposta a sacrificar a vida de uma pessoa e prejudicar o destino da humanidade por outro. Confuso, não é? A mudança repentina de personalidade da personagem é difícil de engolir, é abrupta. O sentimento de luto de Diana deveria ter sido tratado de maneira diferente.

O grande vilão do filme é o ambicioso Maxwell Lorenzano (Pedro Pascal), que encontra uma pedra realizadora de desejos. A relíquia é chamada neste filme como “pata do macaco” – o que significa que na mesma medida que ela dá, ela tira algo. É nessa lógica que os grandes acontecimentos do filme se desenrolam. Por mais que seja interessante, torna-se forçado. Ver Maxwell induzindo as pessoas a dizerem o que desejam não é sutil nem para uma ficção.

Falando em sutileza, Patty Jenkins teve zero disso ao conduzir uma cena da Mulher-Maravilha salvando crianças em um Egito oitentista e fruto do imaginário racista estadunidense. Gal Gadot nasceu em Israel e nunca escondeu suas posições a respeito da Palestina. Colocá-la falando árabe, tirando crianças da estrada para que não fossem atropeladas por outros “egípcios sem coração” é falta de noção. A escolha por um ator e um personagem latinos para emular a megalomania de Trump também é uma falta de tato sem tamanho. A sorte é que Pedro Pascal é ótimo ator. 

A primeira parte de WW84 (como o longa foi apelidado na internet) é muito abaixo do esperado. A química entre Pine e Gadot não se repete, a história ainda está se desenvolvendo e Pascal e Kristen Wiig acabam roubando a cena. A comediante, que manteve sua audição para o filme em segredo, interpreta a cientista Barbara Minerva, que torna-se a vilã Cheetah. Inicialmente tímida e desengonçada, após desejar a pedra mágica para ser mais igual a Diana adquire superpoderes. Como filmes de herói com dois vilões precisam balancear a história para não desperdiçar um destes personagens, infelizmente Cheetah é desperdiçada. Sua transformação chega tarde, dura pouco, não impressiona e deixa o desejo dela ter aparecido em outra obra. 

A Mulher-Maravilha de 2017 encantou por mostrar a amazona conhecendo um mundo novo e se apaixonando por um humano. A narrativa da vilania humana era um bom caminho, um bom espelho – uma pena que, no final, o roteiro escolheu transformar o vilão em um deus. A mudança repentina de tom se repete na sequência de 2020. Quando o clímax do filme chega, somos surpreendidos com mais um sermão. Lutas? Estratégias? Uso da nova armadura? Não, conversa-clichê com o público. Essa é a grande arma usada pela heroína. Ela palestra sobre a importância da verdade. Isso já seria questionável, considerando que o principal defeito do vilão não era mentir e sim ser ambicioso e inescrupuloso. Contudo, o papo meia-boca para salvar o mundo se parece mais com Gal Gadot cantando “Imagine” com outros artistas do que uma heroína salvando o mundo.

Jenkins é uma boa diretora, mas precisa aprender a editar suas ideias. Um filme menor, mais contido, seria certeiro. A história expõe fraquezas de roteiro, de atuação, de edição e de efeitos especiais (a cena do laço da verdade repelindo tiros é muito mal feita!). Quem sabe se o enredo fosse a busca pela amazona perdida Asteria o resultado seria mais empolgante. Na era dos filmes de super-heróis, o melhor pode ser mirar em tramas simples e que encantem pelo desenvolvimento.

Não é injusto dizer que Mulher-Maravilha 1984 é decepcionante – pode-se falar muito de um filme quando sua melhor cena é a que vem após créditos. E mais um título já está confirmado, criando novas esperanças de uma história como a de 2017, mas mantendo o medo de uma como a de 2020. Fica a expectativa de uma aventura digna da heroína e que explique o porquê, em Batman Vs Super Homem, dela não ter qualquer lembrança de seu passado. 

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Relatos do Mundo

Tom Hanks e o diretor Paul Greengrass fazem um road movie de faroeste mas não se arriscam a sair da zona de conforto hollywoodiana

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Netflix/Divulgação

Volta e meia um cineasta decide adotar convenções de gênero historicamente estabelecidas para, em novos tempo e conjuntura, avaliar sua eficiência. Conhecido por Ultimato e Supremacia Bourne (e aquele confuso estilo de ação), Paul Greengrass embarca no trem do faroeste ao desenvolver um road movie em seus moldes em Relatos do Mundo (News Of The World, EUA/China – Netflix).

O roteiro, escrito por seu diretor, Paulette Jiles e Luke Davies (de Lion e Querido Menino), gira em torno do Capitão Kidd, um ex-militar que ganha a vida lendo os jornais de cidade em cidade, trazendo informação e divertimento às comunidades distantes e, muitas vezes, analfabetas do Texas pós-Guerra Civil. Em uma dessas viagens, Kidd (Tom Hanks) encontra uma garota perdida, Johanna (Helena Zengel, de apenas 12 anos), que embora de descendência europeia, viveu desde bebê com uma tribo Kiowa e só entende a língua indígena. Assim, o veterano sente-se moralmente impelido a levá-la de volta a sua família em uma vila alemã e, com isso, o filme se permite tomar seu tema principal: o que é uma família. 

O tema, lugar-comum na história cinematográfica, é costura eficiente para o percurso desse road movie – isto é, um filme que gira em torno de uma viagem, com a ilustração simbólica do trajeto emocional das personagens ao longo da trama. Em termos mais práticos, evitando os spoilersRelatos do Mundo utiliza o deslocamento para estreitar o relacionamento entre Kidd e Johanna. Nesse sentido, privilegiando a abordagem emocional, Greengrass opera com a paciência e a cautela necessárias, conduzindo Hanks e Zengel em sua química e respeitando o espaço de suas atuações. Contudo, ainda nessa leitura fílmica, a moralidade que permeia a premissa trabalhada é muito simplista.

Explico: os antagonistas enfrentados são muito maus, enquanto ambos os protagonistas são muito bons. Esse preto no branco, que a princípio não seria problemático, torna-se tal à medida que, no subtexto da obra, anteriormente até mesmo à questão familiar, há uma exposição antropológica complicada, que abordarei sem spoilers a seguir.

Johanna é, num primeiro momento, uma garota “selvagem”. Alheia aos costumes e a linguagem de suas contrapartes texanas, ela é animalesca e acuada. Em sua primeira aparição, os indígenas vistos à distância são sobre-humanos, quase espectros vislumbrados em meio à névoa. No entanto, assim como a visão de Kidd se desvencilha dos preconceitos da época com a população originária da região, Johanna vai sendo humanizada em comparação com seus trejeitos anteriores. 

Existe, ainda, uma rejeição natural à ideia de que a garota preferisse voltar à tribo Kiowa, em vez de ser levada a uma família cuja cultura há muito tempo perdeu. O que, a princípio, é um artifício de identificação gradual do espectador com a igualdade indígena, toma caminhos perigosos de assimilação deste povo a um outro não-humano. Contudo, Greengrass corrige o problema eminente na cena mais bonita do filme, quando subverte as relações que havia estabelecido.

Dotado de fotografia, montagem e trilha sonora perfeitamente competentes, não obstante, este é um longa-metragem que não se destaca pelo uso da linguagem como meio de amplificar o discurso. Ele é efetivo, de fato, mas não há nada particularmente bom. Dessa forma, Relatos do Mundo se coloca em uma zona de conforto hollywoodiana, em uma aparente forma de visibilizar seu elenco e angariar alguns prêmios sem se arriscar demais – tal é a tônica de muitos filmes lançados nessa época do ano.