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Indiana Jones e a Relíquia do Destino

Oito motivos para você correr ir ao cinema para assistir ao quinto e último filme da franquia clássica protagonizada por Harrison Ford

Texto por Abonico Smith

Fotos: Disney/Lucasfilm/Divulgação

Estreia hoje um dos títulos mais aguardados dos últimos anos pelos cinéfilos de plantão. Indiana Jones e a Relíquia do Destino (Indiana Jones and The Dial Of Destiny, EUA, 2023 – Disney/Lucasfilm) é a quinta aventura protagonizada pelo arqueólogo mais adorado da sétima arte. Fechando uma trajetória que já dura mais de quarenta anos (basta lembrar que o primeiro longa de Indy foi lançado no já longínquo ano de 1981), a história é encarada como uma despedida digna do personagem, já que a tentativa anterior, de quinze anos atrás, não foi lá muito bem sucedida e recebida por fãs e crítica. Por isso, aqui estão oito motivos para você ir correndo à sala de cinema mais próxima da sua ou, então, aquela melhor aparelhada tecnologicamente que você curte freqüentar.

Personagem icônico

Se ao longo dos anos 1980 o termo blockbuster ganhou popularidade, também se transformou em espécie de sinônimo de aventuras juvenis que encantavam com histórias empolgantes dignas de qualquer sessão da tarde (isto é, liberado para todas as idades de uma família). Com a direção de Steven Spielberg e a assinatura de George Lucas entre os roteiristas, Indy passou a figurar em um panteão hipercultado ao lado de nomes como E.T., Darth Vader e Marty McFly. Tudo isso, vale a pena ressaltar, muito antes do nicho dos super-heróis (leia-se DC e Marvel, praticamente) tomar conta da programação anual de lançamentos cinematográficos.

Harrison Ford

Só pelo fato de voltar a aceitar encarnar Indiana Jones prestes a completar 80 anos (idade à qual chegou em julho do ano passado), o ator já merece aplausos. Melhor ainda que sua filmografia de respeito está longe de se resumir somente ao arqueólogo e a uma só franquia. Em Star Wars, ficou marcado como o mercenário Han Solo (que carregava sempre a tiracolo um monstrengo chamado Chewbacca, também copiloto de sua nave). Em Blade Runner, foi o ex-policial e caçador de andróides Rick Deckard. Fora das sagas, teve papeis emblemáticos em filmes como A TestemunhaForça Aérea UmPerigo Real e ImediatoO Fugitivo, Jogos PatrióticosUma Secretária de Futuro e American Graffitti – Loucuras de Verão.

James Mangold

Não poderia ter havido uma escolha mais certeira para a direção do quinto longa de Indiana Jones. Nos últimos 25 anos, Mangold vem acertando a mão frequentemente em tramas de ação, aventura e drama. Em sua filmografia constam títulos como Walk The Line (a cinebio de do maior homem de preto do rock conhecido também como Johnny Cash); Garota, Interrompida e Ford vs Ferrari. Dez anos atrás, encheu Wolverine de adrenalina e emoção no cinema em um de seus filmes solo. Quatro anos depois assinou também a “despedida” de Logan como o selvagem X-man das garras de adamantium com um filme tocante e que fugia completamente da receita formulaica das adaptações às telas dos super-heróis dos quadrinhos. Aqui, com Indy, também carrega a parte dramática na dose certa, sendo capaz de até provocar choros discretos nas poltronas do cinema.

Cena inicial

Fazia tempos que um filme de ação e aventura não entregava uma cena inicial tão eletrizante. Assim, logo de início, em seguida da logomarca inicial da produtora, como um soco no estômago de quem está na sentado na poltrona, sem deixar voltar a respiração por muitos minutos. Assim começa A Relíquia do Destino, com um flashback do tempo da Segunda Guerra. Indiana Jones é capturado pelos nazistas e posto em um trem para ser levado à punição da prisão. No veículo ele reencontra seu fiel colega, também arqueólogo e professor universitário, Basil Shaw (interpretado por Toby Jones). Segue-se então muita correria, pancada e, claro, chicotada, para tentar ficar com a posse de um poderoso instrumento lá da Grécia Antiga. À frente do outro lado da disputa pela antícitera de Arquimedes, o germânico, está mais um docente, Dr. Voller (Mads Mikkelsen, tão contundente quanto em suas atuações em A Caça e Druk – Mais Uma Rodada). Vale destacar que a aparência rejuvenescida de Mikkelsen, Jones e sobretudo Ford mostrada nas telas é fruto de truques realizados por meio de um programa de inteligência artificial.

Arquimedes

Um dos principais nomes da ciência da Antiguidade Clássica, este italiano da região de Siracusa, na ilha da Sicília, é uma das peças-chave da trama. Físico, matemático, engenheiro, astrônomo e filósofo, ele inventou e descobriu muita coisa importante para civis e militares. No caso do filme, o foco está em uma aparelhagem chamada anticítera. Ok, o que se passa ali na tela do cinema é ficção e, segundo consta, isso é capaz de fazer o ser humano furar a bolha do continuum espaço-tempo e viajar para o passado e o futuro. No caso dos alemães, pode ser um grande trunfo para a perpetuação do nazismo como regime vigente pronto para ser expandido rumo a outras terras europeias. Só que, na realidade, a tal anticítera criada por Arquimedes no século 1 a.C. tinha a função de calendário e astrologia, além de poder prever eclipses e posições astronômicas. Por isso, tem a fama de “computador analógico” mais antigo do mundo. Todos os fragmentos conhecidos da traquitana estão no Museu Arqueológico de Atenas – e não em duas partes complementares, como no roteiro de A Relíquia do Destino. Outra coisa: não é só Indy que ganha uma homenagem neste filme. O faz-tudo também acaba tendo o seu reconhecimento em um roteiro fantástico (no sentido da fantasia) que, há de se convir, chega a forçar a barra na elasticidade da verossimilhança.

John Rhys-Davies

Não é só Harrison Ford que retoma um personagem classico da franquia neste novo filme. Quem também reaparece é o ator galês, fazendo novamente o grande amigo do protagonista Sallah, presente em Os Caçadores da Arca Perdida (1981) e A Última Cruzada (1989) e um tanto quanto desprezado em uma participação ínfima no anterior O Reino da Caveira de Cristal (2008). Aqui, o escavador egípicio volta para dar uma grande mão em momentos de mais tranquilidade vividos por Jones, que chega a conhecer seu casal de filhos. Não tem como não se deixar conquistar (de novo) pelo jeitão bonachão do agora pai de família Sallah Mohammed Faisel El-Kahir.

Phoebe Waller-Bridge

Esta, sim, a chave mágica do elenco principal de A Relíquia do Destino. Nome em ascensão em Hollywood depois de criar, escrever e atuar em séries britânicas (como Fleabag Crashing, ambas disponíveis em streaming no Brasil), Phoebe brilha em pé de igualdade com Ford neste filme depois de se destacar assinando o roteiro feito a oito mãos do ultimo James Bond, 007: Sem Tempo Para Morrer. A contribuição de Waller-bridge aqui é apenas atuando. Mas ela dá um show como o jovial alívio cômico introduzido para quebrar toda a sisudez do velho Indy. Sua ligação com Jones é um pai-e-filha disfarçado: sua Helena Shaw é doutoranda em arquelogia e filha de Basil. Só que não espera muita fidelidade ao padrinho: o negócio dela embarcar na procura pela outra metade da anticítera tem motivos mais escusos, porem não menos letais do que os dos nazistas.

John Williams

O quinto filme de Indiana Jones não poderia deixar de fora o nome do maestro e compositor John Williams, presente em todas as produções anteriores com o nome do arqueólogo no título. Premiado por várias obras para o cinema, indicado 53 vezes ao Oscar e cultuado por uma legião de fãs que adora prestar atenção nas trilhas sonoras, Williams também apostou na nostalgia em formato de harmonias, melodias e arranjos desenvolvidos para A Relíquia do Destino. Resgatou a alquimia em criar sons para as imagens estreladas por Harrison e sua habilidade de fazer cenas que misturam drama e comédia, ação e aventura. Também fez uma bela contribuição compondo o tema de Helena Shaw para o brilho da execução da virtuosísima violinista alemã Anne-Sophie Mutter.  O resultado imprime à personagem de Phoebe Waller-Bridge um ar de diva dos áureos tempos dos estúdios de Hollywood (leia-se anos 1940 e 1950) que contrasta com seu espírito impulsivo e aventureiro mostrado nas telas. Claro a trilha sonora também foi lançada oficialmente pela Walt Disney Records em todas as principais plataformas de streaming

Movies

Longa recria toda a tensão da luta contra a ditadura e da história de resistência de militante morto pelo regime militar em 1973

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Divulgação

A história da ditadura militar brasileira foi, por muito tempo, particularmente oclusa. Num país que anistiou seus torturadores e assassinos, a história contada era a dos vencedores. Desde os anos 1990, pouco após o fim do regime, houve esforços em busca da verdade do desaparecimento de presos políticos, torturados e mortos pela repressão. Um deles foi José Carlos Novaes da Mata Machado, o Zé.

Vencedor de melhor direção de arte da mostra competitiva brasileira do 12° Olhar de Cinema, festival realizado há poucos dias em Curitiba,  (Brasil, 2023) é um drama de Rafael Conde sobre a história desse militante, dirigente da Ação Popular Marxista-Leninista morto em 1973 no Recife. Mineiro, assim como seu diretor, Zé (Caio Horowicz) se engaja com o movimento estudantil e, após o golpe de 1964, participa da luta clandestina de esquerda, quando se apaixona por Madalena (Eduarda Fernandes). Ambos passam a militar juntos, têm filhos e, no auge do regime, são traídos.

Arquitetando composições contidas e requintadas, Conde retrata essa tensa narrativa com um tripé sempre em mãos. A câmera prepara o palco em que o elenco, muito competente, nos contará as batidas da trama. Contará literalmente, pois o revolucionário protagonista nunca é retratado com as mãos na massa da resistência armada. Passamos de cenário a cenário ouvindo Zé reclamar da dificuldade de engajar na luta ou ouvindo de seus companheiros que o cerco está fechando. Mas a inação é soberana, e a mise-en-scène pacata não é capaz de expressar a intensidade da luta marxista contra a ditadura.

Por isso, a emoção certeira do elenco é sobrepujada pela sensação de que não estamos assistindo às personagens que deveriam estar sendo mostradas. Até mesmo Marighella (dirigido por Wagner Moura, de 2021), com todos seus problemas, faz um retrato mais enérgico da luta armada no país. Logo, a refinada direção de arte, a fotografia embelezante e as benesses técnicas do projeto não sustentam a projeção, que se perde entre passagens de Neruda e pretensos debates filosóficos sem lastro. É um filme que clama por liberdade,  embora insista em nos deixar presos à visão de um só ângulo, uma única abordagem quieta e estática.

Quando a ação aparece, é de viés repressor: ou Madalena grita por direitos para operárias apáticas que a ignoram, abafada pelo alto ruído do maquinário têxtil, ou assistimos à captura de militantes ou até mesmo à tortura de Madalena. A impressão que temos é que a luta é meramente retórica, utilizada como dispositivo para o filme engendrar conflitos pessoais em seu personagem principal. Em dado momento, Zé critica a atuação distanciada do povo que seus familiares tomam durante a ditadura, e sentimos que a crítica é direcionada ao próprio filme.

Uma grande sucessão de dispositivos expositivos, Zé pincela boas ideias em um retrato aterrador da luta armada brasileira. Nos assombra não por sua boa articulação discursiva, que expressaria os males da ditadura e a coragem dos que se organizaram contra o regime, mas justamente pela falta desta – é um filme seguro e pacato, que joga contra seu tema. É emblemático que um filme sobre um dirigente da luta armada brasileira sufoque tanto seu protagonista. Assim como os militares o fizeram.

Music

Gross – ao vivo

Rock’n’roll, uma estrada deserta e nuances musicais: a noite de um show impecável do ex-guitarrista da Cachorro Grande

Texto e foto por Frederico Di Lullo

Era 18 de maio e passava das 20h30 quando peguei a estrada saindo da cidade de Palhoça com destino certo: a Dubai Brasileira. Também conhecida como Balneário Camboriú (ou até mesmo BC), a localidade iria receber a primeira data da turnê por Santa Catarina de Marcelo Gross, que também teria cidades como Joinville e Blumenau no roteiro. As Próximas Horas Serão Muito Boas, segundo álbum da Cachorro Grande, gravado no icônico estúdio Bafo de Bira lá em 2003 e lançado no ano seguinte encartado na “revista do Lobão”, foi a trilha sonora que balançou a trip semanal, numa espécie de culto do que estaria por vir naquela quinta-feira.

Após algumas paradas técnicas, cheguei ao local do show, a charmosa ArtHouseBC. Eu não conhecia o espaço artístico-cultural e fiquei surpreendido positivamente. No local funcionam cinema, auditório, coworking, bar, café, loja e estúdio… TUDO NO MESMO LUGAR E MEIO QUE AO MESMO TEMPO! O conceito é incrível e, por vez, depois de algumas cervejas, era possível fechar os olhos e se imaginar em algum local de Londres ou Amsterdam. Mas que bom que estávamos no sul do sul do mundo e prestes a assistir a um dos maiores músicos da contemporaneidade: o exímio compositor e eterno guitarrista da Cachorro Grande.

Passava das 23h, quando  a banda chegou ao ArtHouseBC e sem muitas firulas e iniciou com “Alô, Liguei” e “Me Recuperar”. Ambos são clássicos da carreira solo de Gross, que estão presentes em Chumbo & Pluma, trabalho de 2017. Com uma plateia ansiosa e em êxtase apesar de pequena, o trio era iluminado não só pela luz do palco mas sim pelo brilho que a banda como um todo emana, capitaneada pela guitarra e a voz de Marcelo. Isso sem mencionar o lendário baterista Julio Sasquatt e o baixista Lucas Chini, que atualmente formam a banda de apoio. Muito talento. Muita luz. Muita energia. Muito rock’n’rollbaby! E, sim, desde o primeiro acorde, desde a primeira nota, todos os presentes ficaram cativados.

Cabe destacar que o atual show de Gross, chamado Tour 50 Anos de Rock, é uma visita a todos os momentos da carreira do guitarrista. Por isso, o clima teve ares de nostalgia. Com isso, ao longo da apresentação, ficou cada vez mais nítida a habilidade excepcional dele na guitarra. Seus solos eram precisos e cheios de paixão. Sua voz rouca e marcante embalou “Eu Aqui e Você Nem Aí”, “Que Loucura”, “Lunático”, “Purpurina”, “Sinceramente”, “A Dança das Almas” e “O Novo Namorado”, dentre outras tantas músicas que viabilizaram o espetáculo. Aliás, a última faixa mencionada foi, pra mim, uma grande surpresa! Afinal de contas, Júpiter Maçã e os Pereiras Azuiz a lançaram em 1995 (mas isso é papo para outra resenha!).

Cada canção, meu amigo, era uma jornada musical repleta de saudosismo e acabou me envolvendo completamente. Em resumo, esta noite de maio em Balneário Camboriú foi uma verdadeira e honesta ode ao rock cantado em português (mesmo com uma cover dos Beatles encaixada no repertório). Performance impecável, presença de palco cativante, clima intimista, interação com o público e cerveja gelada foram os atenuantes de uma experiência memorável para todos os presentes.

No final, aplausos entusiasmados ecoaram na sala do ArtHouseBC. Isso só demonstrou o reconhecimento e o carinho do público. Marcelo Gross não precisava provar nada a ninguém, mas detém genialidade musical e carisma inegável. Sem sombra de dúvida, ele é um dos grandes nomes do rock. Não só o gaúcho, mas sim do Brasil todo.

Quando o show acabou, só restou achar um pico para bater um lanche, pegar a estrada, colocar La Máquina de Hacer Pájaros no bluetooth e depois descansar para acordar cedo e enfrentar o último dia útil da semana. Enfim, só sabia que aquelas próximas horas seriam muito boas.

Set list: “Alô, Liguei”, “Me Recuperar”, “Eu Aqui e Você Nem Aí”, “Que Loucura”, “Carnaval”, “Lunático”, “O Novo Namorado”, “Disfarça”, “Taxman”, “Bom Brasileiro”, “A Dança das Almas”, “Dia Perfeito”, “O Buraco da Fresta”, “Sinceramente” e “Purpurina”.

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Disco Boy

Drama europeu que encantou o Festival de Berlim traz uma trilha sonora eletrônica catártica casada a uma belíssima fotografia

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Além da Mostra Competitiva Brasileira, que estreou esse ano na intenção de valorizar a produção local, o 12° Olhar de Cinema contou com uma robusta seleção de lançamentos em sua Competitiva Internacional. Um deles, talvez o mais aguardado pelo público de Curitiba, foi Disco Boy (França/Itália/Bélgica/Polônia, 2023 – Pandora Filmes), drama que lotou salas no Cineplex Novo Batel e encantou o Festival Internacional de Berlim, a icônica Berlinale.

Na trama, Aleksei (Franz Rogowski) é um bielorrusso que aproveita uma partida de futebol para conseguir acesso à União Europeia e, junto de seu amigo Mikhail, planeja viajar clandestinamente para a França e entrar para a Legião Estrangeira. Lar de imigrantes de todo o mundo, essa divisão do exército francês garante moradia, emprego e até mesmo um novo nome aos seus legionários. Uma chance de recomeçar a vida. 

Em paralelo, no delta do Rio Niger, Jomo (Morr Ndiaye) é o líder de um grupo de resistência à exploração petrolífera na região de seu vilarejo, o MEND. Dotados de uma mística heterocromia, com um olho profundamente escuro e o outro num tom de âmbar, ele e sua irmã Udoka (Laetitia Ky) são figuras particulares em sua comunidade, e dançam juntos uma coreografia misteriosa e ritualística. No entanto, quando o grupo de Jomo sequestra um barco francês, o agora soldado Alex Dupont, novo nome de Aleksei, lidera um esquadrão de resgate que termina por unir os dois protagonistas em uma conexão espiritual obscura. 

Este longa-metragem do italiano Giacomo Abbruzzese, que esteve presente nas duas sessões do filme em Curitiba, tece uma trama propositalmente elíptica e calada. É preciso falar muito pouco e, como o nome pode aludir, a música eletrônica sequestra o ambiente sonoro com muita frequência e intenção. Junto à belíssima fotografia de Hélène Louvart, vencedora do Urso de Prata de Berlim por este trabalho, as composições originais do produtor francês Vitalic criam um ambiente opressivo e ao mesmo tempo catártico, que imerge todo o filme em uma profunda expressão do conflito e do suspense que o embebe. Disco Boy é, além de um drama, uma experiência sensorial audiovisual instigante.

Se, por um lado, a música não nos deixa respirar fora de tempo, acompanhando a pressão crescente na cabeça de Alex, é a fotografia de Louvart que aclimata a obra e lhe dota de texturas incríveis a cada momento. A frieza europeia é contrastada pelos cenários de devastação ambiental na Nigéria, um mundo destruído cujo delta é lar da sequência mais gutural e criativa vista no festival até então. Em meio à operação, tomamos a vista dos soldados e acompanhamos um conflito intenso por meio de uma câmera térmica. Os corpos quentes se escondem mergulhando nas frias águas do rio, e o resultado é surpreendente.

De volta à França, Alex lentamente perde a cabeça, abrindo um espaço cada vez maior para sua relação transcendental com Jomo e sua irmã, que reaparece em Paris para um clímax memorável. A atração magnética de Alex e o casal de irmãos nigerianos se resolve em uma sequência de eventos que escancaram a contradição do âmago de seu protagonista, interpretado com uma robustez e contenção belíssimas de Rogowski. Um homem quebrado com um passado traumático, sua personalidade ameaçadora o faz a personagem perfeita para a jornada que Disco Boy propõe, amparada pela subjetividade da pulsão contemporânea da música eletrônica.

Aleksei esperava abandonar seu passado e virar francês “pelo sangue derramado”, como clama a poesia escrita nas paredes de seu quartel, mas os eventos traumáticos no continente africano o tornaram algo completamente distinto e inesperado. A conclusão dessa transformação, embora não muito oclusa, merece ser descoberta por cada espectador envolvido pela obra.

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Quando Eu Me Encontrar

Dupla de diretoras do Ceará estreia com filme sobre os sentimentos do luto que chega após a perda de uma pessoa bem próxima

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Divulgação

Lidar com a perda é, possivelmente, uma das mais difíceis experiências de nossas vidas. É uma das poucas que é universal: chega para todos e fica cada vez maior, à medida em que os entes queridos e conhecidos falecem ou somem para nunca mais voltar. Esse segundo caso, ao que parece, é o mais dolorido, e é o mote do longa-metragem Quando Eu Me Encontrar (Brasil, 2023), das estreantes de Fortaleza Amanda Pontes e Michelline Helena.

O filme, mais um concorrente exibido na Mostra Competitiva Brasileira do 12° Olhar de Cinema, retrata como a fuga de Dayane muda a vida de sua mãe Marluce (Luciana Souza), sua irmã adolescente Renata (Pipa) e seu noivo Antônio (David Santos). A cantora Di Ferreira interpreta Cecilia, amiga de Dayane e a única que talvez saiba seu paradeiro. Começamos a projeção com um plano da cidade à noite, o mar batendo contra as rochas da praia de Fortaleza. Em off, Marluce e Dayane (de quem só ouvimos a voz) cantam “Preciso Me Encontrar”, o clássico samba de Cartola que tão bem imprime a melancolia brasileira.

Essa escolha musical é, no entanto, o componente mais brasileiro da forma do filme, que não parece certo da história que pretende contar. A abordagem de Pontes e Helena é de uma mise-en-scène estática, competentemente iluminada e que trata os cenários como atos de uma peça, em que conflitos se encerram com uma das personagens se retirando enquanto a outra permanece em cena, imóvel e em silêncio. Não há closes que explorem o rosto das ótimas atrizes e atores do longa, muito menos movimentos de câmera que adicionem materialidade aos eventos de Quando Eu Me Encontrar. A história que nos é contada soa, muitas vezes, plástica, falsa.

Uma decupagem minimalista, é certo, não significa ausência de qualidade ou mesmo preguiça. Tudo depende da história que se quer contar e uma narrativa como essa, que planeja focar nos sentimentos e paixões de três personagens distintas, não é favorecida pela escolha de um olhar tão distanciado à câmera. O poder da imagem é tolhido por uma direção descritiva, que não adiciona discurso às imagens que fotografa. Vez após outra, assistimos a conversas que não parecem reais estampadas sobre cenários que não parecem vividos, que por sua vez são iluminados sem criatividade. Um mundo sem textura, em que todo e qualquer conflito se torna monótono. Há narrativa, há até intenção, mas embaçadas pela falta de expressão da direção.

No entanto, é inegável a potência da atuação do trio de protagonistas, Luciana Souza, Pipa e David Santos. Se há materialidade em Quando Eu Me Encontrar, está na atuação contida de Souza, na raiva juvenil e ressentimento de Pipa, na entrega de um homem que nem sequer percebe o relacionamento que tinha por Santos. É uma pena que não pudemos assisti-los de perto, interpretando falas e comportamentos que lhes entregassem mais densidade, ao invés de retirá-la em nome de uma abordagem superficial de um conflito tão profundo.