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Sertânia

Geraldo Sarno retoma o espírito do Cinema Novo e mostra os delírios de um jagunço na opressão do sertão no século 21

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Divulgação

Os entusiastas da sétima arte brasileira já, no mínimo, ouviram falar do diretor e roteirista Geraldo Sarno, autor de Viramundo (1968). Sua mais recente obra, Sertânia (Brasil, 2020), figurou na mais recente edição do Festival Ecrã e traz consigo o espírito do Cinema Novo à nova década do Século XXI.

Sarno escreve, com forte experimentalismo, os delírios de um jagunço, Antão, em seu leito de morte. Uma premissa íntima num longa bastante consciente de sua condição – Sertânia é produto e retrato de sua história. É na interseção entre religiosidade, folclore e história que Sertânia brilha, expondo a realidade contida na fantasia nordestina.

No entanto, esse retrato coloca a crueza social em seu segundo plano, enquanto decide explorar tal delírio íntimo de um jagunço de vida dura, que é relembrada na memória que, como imagina-se a confusão de um leito de morte, é despida de coesão espaço-temporal. Desta forma, grande parte do trunfo do filme é originada da (por que não?) delirante montagem. Um descolamento tal que floresce ao longo do tempo, atingindo as camadas mais inconscientes de um protagonista cuja vida não foi mais que sofrimento atrás de sofrimento.

Com uma estética que ecoa o Cinema Novo (que não é nenhum estranho do autor), o filme desenha um sertão cru, contrastado e estourado, muitas vezes em uma câmera na mão. O abuso da superexposição que acaba por prejudicar os quadros – embora haja lindas composições, muitas perdem a profundidade com tanto branco se mesclando. Ainda assim, a ausência de cor contribui em muito ao tom subjetivo que a direção de Sarno toma. 

O que vemos, não se pode esquecer, é produto da memória definhante de um personagem – talvez o motivo do enfoque do filme ser, justamente, seus conflitos, em detrimento da abordagem sociológica. Ainda que o contexto de crime e fome tenham forte impacto na solta trama do roteiro, tais elementos só têm força proporcional à impressão que deixam a Antão.

E é desta forma que, conduzidos pela direção de Geraldo Sarno, somos convidados a experimentar uma perspectiva alienígena à do Século 21, mas que lida com os mesmos problemas enfrentados por muitos enquanto eu escrevo e você lê: a fome, a opressão, a morte e todos os meandros em que estes convergem. De certa forma, e é uma das mensagens que finalizam o filme, o sertão fantástico de Lampião, Delmiro Gouveia e, agora, Antão Gavião. A nós, meros espectadores, só resta o agradecimento ao cineasta e a reflexão que, inevitavelmente, sua obra nos oferece.

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