Music

Pitty – ao vivo

Em show de aniversário do álbum de estreia, cantora se emociona com lembranças, se vê madura e poderosa e “ressignifica” o passado

Texto por Marcos Bragatto (Rock em Geral)

Foto de Amanda Respício (Rock em Geral)

Um riff de guitarra bem distorcido quebra o silêncio no palco. Um átimo de segundo depois, o mesmo riff e a mesma distorção que, com as luzes agora acesas, vê-se que vem de uma guitarra atravessada no tronco de uma garota. Não uma qualquer, mas A garota, dona da festa toda e de mais um pouco. Garotas com guitarras costumam seduzir aos borbotões e é assim que dois varões, um de cada lado, juntam-se a ela no meio do palco, ao passo que outro, atrás, espanca os tambores sem dó e assim se faz a mágica do riff no rock’n’roll, condutor principal da tal música. É assim que Pitty, a tal garota com guitarra, comanda o singelo começo de “O Lobo”, a tal música, na noite de 29 de abril, um sábado, em uma Fundição Progresso com gente jorrando pelo ladrão, no Rio de Janeiro.

É o show que marca o aniversário de 20 anos – olhe só, vejam vocês – do álbum de estreia da cantora, Admirável Chip Novo, e o plano é tocar todas as músicas dele e otras cositas mas. É uma turnê revivalista, sim, mas Pitty, dada a rebeldias e não é de hoje, trata logo de desfazer o conceito e dizer que a apresentação é “uma ressignificação, o Chip Novo hoje”. Olhando para o palco, com o cenário criado para essa turnê, dá pra entender. Passarelas laterais com uma outra atrás da bateria, um telão low profile com cortinas sobrepostas ao fundo que recebem efeitos de luz simples, mas bastante eficientes. No começo, a imagem da “garrinchinha de botas e pernas tortas” no telão dá lugar ao mulherão em que ela se converteu que surge já de guitarra em punho, atrás da banda, no alto, detonando em “Teto de Vidro”.

É a abertura do álbum com a tríade matadora que tem ainda “Admirável Chip Novo” e a entrada de bateria, agora conduzida por Jean Dolabella (do Ego Kill Talent e com o Sepultura no currículo), e “Máscara”, coisa de arrasar quarteirão. E é isso que acontece com o povaréu que não se incomoda nem um pouco em participar, em frenético pula-pula e cantando tudo a plenos pulmões. As músicas são intervaladas por trechos de conversas da pequena Pitty (em ligação a cobrar de Salvador para o Rio) para tratar do envio do material que se tornaria esse disco e ainda se impondo ante a interesses da gravadora, que não curtiu, à época, a vontade da cantora de que “Máscara” fosse o primeiro single do disco. O resto é história e é muita história que se passa na cabeça de quase todo mundo ali – há jovens e muitos jovens há 20 anos ou mais, quando Chip Novo saiu.

Assim Pitty se esforça para segurar o choro e suplantar e emoção em várias passagens. Honra seja feita, embora tenha saído dos cafundós de Salvador, foi no Rio, por força da sede da gravadora, que ela deu os primeiros passos na carreira, tocando em tudo o que é canto underground da cidade, muitas vezes para alguns gatos pingados e em condições bem acanhadas, para dizer o mínimo. Diferentemente do trio que a acompanha – além de Jean, tem o ótimo guitarrista Matin Mendonça e o baixista Paulo Kishimoto – ela viveu tudo isso, o que carrega o espetáculo com mais emoção ainda. Pena que, nesse show, não tenha entrado nenhuma citação aos guerreiros da época: o guitarrista Peu, falecido em 2013; o baixista Joe, desafeto depois de questões levadas à justiça trabalhista; e o batera Duda.

show de íntegra do disco segue o desafio de tocar músicas que podem não ser tão conhecidas assim e que não eram executadas com frequência ao vivo nem na época em que foram lançadas. E também de tocar ou não todas elas na ordem em que foram gravadas – porque uma coisa é bolar uma sequência de disco, outra é de como apresentá-las no palco. É claro que Pitty foi na decisão corajosa de manter a ordem do CD, respaldada pelo fato de nada menos que cinco singles terem sido lançados na época, todos com boas execuções radiofônicas, em um tempo em que isso fazia a diferença. E, no fundo, no fundo, ela sabe que fã da Pitty – fã de rock – é quase sempre do tipo que conhece tudo. É o que acontece com a cantoria comendo solta em praticamente todas as músicas, em umas mais, noutras menos. E ainda tinha aqueles esperando justamente as menos tocadas ao longo da carreira.

Como por exemplo “Do Mesmo Lado”, rock enguitarrado dos bons, no qual Pitty canta “escondida” atrás de uma cortina branca e recebe focos de luzes coloridas, de modo que sua silhueta aparece distorcida e borrada, de acordo com os movimentos, em excelente efeito visual. Dá pra lembrar que “Só de Passagem” é uma pedrada nu metal das boas, e aí brilha Dolabella detonando na bateria; e a já citada “O Lobo” vira um rockão daqueles de obediência ao riff. Dentre os hits, vale destacar a lentinha “Equalize”, não pela música em si, mas por evidenciar uma Pitty bem resolvida com a sensualidade que parecia lhe incomodar. Se antes tinha dificuldade até para cantar uma letra mais de relacionamento/romântica, hoje desfila o corpo de modo soberano pelo palco e não só nessa música. E ainda recomenda ao público que “solte a pélvis”. É a tal da – repita-se – menininha convertida em mulherão.

O show é todo fechadinho em 1h40 e bolado para ser mesmo especial. É repartido em três blocos. Se o primeiro tem as 11 músicas do álbum Admirável Chip Novo, o segundo traz um complemento da época, com “Seu Mestre Mandou”, espécie de sobra, que se converte em nervoso hardcore dos tempos do Inkoma, e três covers, com destaque absoluto para “Love Buzz”, da banda holandesa Shocking Blue, eternizada na voz de Kurt Cobain, do Nirvana. No bis, é a hora da representatividade dos outros álbuns da cantora. Aí realçam “Memórias”, esticada com uma jam session em que cada músico é apresentado e sola em seu instrumento e tem Pitty refestelada no solo, e o arremate com “Me Adora”, a canção mais pop/colante dela e talvez a de maior sucesso, para terminar a altíssimo astral.

Em suma: o show é verdadeiro espetáculo planejado para uma ocasião especial e que tem vida própria. O que lhe dá, e antemão, o status de imperdível.

Set list: “Teto de Vidro”, “Admirável Chip Novo”, “Máscara”, “Equalize”, “O Lobo”, “Emboscada”, “Do Mesmo Lado”, “Temporal”, “Só de Passagem”, “I Wanna Be”, “Semana Que Vem”, “Seu Mestre Mandou”, “Sailin’ On”, “Love Buzz” e “Femme Fatale”. Bis: “Setevidas”, “Memórias”, “Na Sua Estante” e “Me Adora”.

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Coldplay – ao vivo

Plateia de Curitiba recebe a banda pela primeira vez e faz parte de um espetáculo com um universo próprio de cores, luzes e protagonismo

Textos por Janaina Monteiro e Carolina Genez

Foto: Coritiba Foot Ball Club/Reprodução

Nos minutos que antecederam o primeiro show da turnê Music Of The Spheres em Curitiba (21 de março último), o som de um sino ecoava pelo estádio Major Couto Pereira. Esse tilintar, que assume propósitos distintos em cada religião, traz um simbolismo em comum: representa a harmonia universal. 

“Ativar o sininho” antes do espetáculo era como se a banda inglesa Coldplay fizesse um convite para plateia entrar em sintonia e acompanhar o storytelling espacial da jornada que estava prestes a começar. E a missão seria cumprida com sucesso: ao longo das duas horas seguintes, todos alcançariam a mesma frequência e entrariam numa completa catarse. 

Quando Chris Martin, Jonny Buckland, Will Champion e Guy Berryman surgiram no palco B, as famosas e “caras” pulseiras luminosas entram em cena e mostram o poder que a multidão tem de abraçar uma banda que acaba de completar 23 anos de carreira fonográfica. Uma trajetória marcada por voos altos e rasantes, que explora diferentes ritmos mas com um denominador comum: olhe para as estrelas. 

Céus repletos delas, aliás, sempre estiveram presentes, de alguma forma, nas canções de Coldplay, até inspirarem esse álbum kubrickiano, em que as 12 canções formam um sistema solar próprio. O próximo, muito provavelmente, será sobre o lado brilhante da lua. E desde o big bang coldplayano é possível perceber esse embate entre luz e escuridão. Até que a luz decide tomar conta de tudo. Literalmente.   

A primeira canção do show, “Higher Power” já incendeou o estádio como uma bola de fogo. São mais de 43 mil pessoas presentes neste universo iluminado. Cada uma delas se tornou uma estrela. A estrela viva que brilha na vida de Chris Martin desde Parachutes, lançado em 2000. 

Predestinado ao sucesso, o britânico da Cornualha e filho do seu Anthony – que faz questão de acompanhá-lo na turnê ­ – previu no documentário Coldplay: A Head Full Of Dreams (lançado há seis anos, após sua separação da atriz Gwyneth Paltrow) que a sua odisseia terrestre começaria logo ahead. Em… 2002! E, de fato, nesse ano Coldplay trouxe ao mundo o disco que o catapultou ao status de uma das maiores bandas dos anos 00. A Rush Of Blood To The Head apresentava sucessos como “Clocks” e “The Scientist” (e seu videoclipe arrebatador, com a narrativa de trás para frente). No início do milênio, o bug não aconteceu e os britânicos conquistavam o mainstream com um som melódico, misturando guitarras elétricas ao piano. Foram três prêmios Grammy.

Nessa época, Chris Martin era um jovem frontman, ainda de espírito meio rebelde, impulsivo, que volta e meia aparecia na mídia sendo acusado de agredir fotógrafos, bem diferente de seu comportamento atual, e seu ritual de gratidão. Hoje, quem tem um celular nas mãos é um potencial paparazzo. Por isso, Chris, que sempre se mostrou arredio a esse tipo de coisa, foi de certa forma obrigado a fazer um “combinado” com a plateia antes de entoar seu hino “A Sky Full Of Stars”. Em cada apresentação, o vocalista lança aquele “xiiiiu” imponente, que faz parte da linguagem universal, sobretudo entre pais e filhos, para milhares de pessoas. Seja na sua terra natal ou no Brasil, onde é mais complicado pedir silêncio.

Educadamente, ele solicita que os presentes aproveitem apenas uma música sem fazer registros pelo celular. 99% do público obedece. Entre o 1% estava uma guria do meu lado. Por isso, fiz questão de colocar o braço na frente da câmera dela. Sorry, aê! Mas pedido do boss a gente obedece.

E foi assim, sem câmera e com um celular tijolinho, que fui ao show da turnê X&Y, em 2007. O terceiro álbum da banda, um dos meus preferidos. Local: Via Funchal, uma casa de concertos em São Paulo com capacidade para apenas três mil pessoas. Aliás, assim como na turnê Music of Spheres, os ingressos foram disputadíssimos. Graças ao meu PC 486 com conexão dial up, consegui garantir um par de entradas.  Mais tarde, assistindo ao mesmo documentário, soube que a gravação de X&Y foi conturbada por vários fatores, entre eles a saída do coprodutor do álbum, Ken Nelson. Ao contrário da explosão de cores da turnê atual, a banda se apresentou de preto nessa turnê. 

E aquele rock espacial com elementos eletrônicos de “Talk” (que traz um sample de “Computer Love”, do Kraftwerk), “Speed Of Sound” e, claro, “Fix You” me fisgou 100%. Depois desse show, o universo conspirou e consegui me aproximar de Chris Martin, mesmo com receio de sua fama de explosivo. “Você fez parte da cura”, disse a ele, mencionando “Clocks”, canção favorita da minha mãe quando tratava seu primeiro câncer de mama. Já, durante a pandemia, foi “Higher Power” que entrou na playlist da cura do meu carcinoma in situ

De volta a 2023, antes mesmo de o Coldplay aterrissar em São Paulo, a banda do contra já preparava terreno para eles. No mundinho das redes sociais, uma chuva de meteoros da magnitude haters invadia o meu feed. Era um bombardeio de textos, justificando que “a banda acabou no segundo disco”, “essa banda é pra fã que usa sapatênis” (bem, eu fui de tênis plataforma) e “Coldplay é uma banda coach”.  Enquanto uns seguem no “bla, bla, bla”, prefiro pegar carona no “ooh, ooh, ooh, ooh, ooh, ooooooh, oh” e viver a minha vida! 

Mesmo porque a banda dos contra sempre existirá. O que não existiu até agora foi um espetáculo tecnológico nessas proporções (que deixou o U2 nas Havaianas), com uma estrutura gigantesca em três palcos, aproximando a plateia do artista, e, o mais importante, que promove a inclusão, a sustentabilidade e torna o espectador o protagonista do espetáculo. 

Chris era, em Curitiba, como o maestro de uma orquestra, conduzindo suas estrelas, com sua mensagem clara como a luz da lua, sempre estampada no peito (“Love” e “Everyone is an alien somewhere”). Ele corria freneticamente pela passarela e aproveitava cada centímetro da megaestrutura, do palco principal até o palco B, onde cantou a belíssima “Viva La Vida”, do álbum de mesmo título produzido por Brian Eno e que representou um salto na carreira dos ingleses. De lá, entoaram também “Something Just Like This”, uma canção fofa, graciosa, sobre heróis da vida real e que, por sinal, era o sinal do recreio do meu filho na escola. No palco C, lá no fundo do estádio, surgiram para cantar “Magic”. Dessa vez, na versão aportuguesada, repetindo a performance do Rock In Rio em 2022 (concerto que fez a banda postergar a turnê brasileira para 2023, aliás). No Couto Pereira, não tivemos sandys, nem jorges, nem miltons. Mas tivemos “Every Teardrop Is A Waterfall”, do álbum Mylo Xyloto (2011). Inclusive, essa fora a segunda vez que a canção entra no setlist da turnê. No dia seguinte, para alegria dos fãs na capital paranaense, teve “Orphans”, do introspectivo Every Day Life.

Como Chris Martin se movimentava na “velocidade do som”, é muito fácil perdê-lo de vista ao vivo. Isso explica o uso de bases pré-gravadas. Mesmo estando em plena forma, é difícil conseguir tanto fôlego assim. Enquanto o vocalista cantava e passeava pelo seu universo, durante boa parte das canções, Jonny, Will e Guy permaneciam em suas posições no palco principal, curtindo o próprio show, como se fossem músicos de apoio. 

Quando revisitam os hits mais antigos e que catapultaram a banda ao estrelato, como “Yellow”, “The Scientist” e “Clocks”, os ingleses mostram que tocam de verdade. Na primeira, o coro da plateia chegou a emocionar Chris Martin, que dizia “beautiful”. Lindo mesmo foi poder ver Jonny dedilhando o riff a poucos metros de distância. Já na segunda, houve um problema na modulação das guitarras e foi preciso interromper a música. Em vez de voltar ao start, entretanto, seguiram da metade.

No final de toda essa viagem estelar, cheia de luzes, com direito a planetas infláveis (alguns deles voltaram pra casa de ônibus biarticulado, inclusive) e que reuniu um público tão diverso, de crianças a idosos, o que ficou foi a prova da evolução. As letras mais recentes do Coldplay podem até soar um pouco repetitivas. Mas talvez não estejamos acostumados a tamanha positividade e de uma banda que alcançou um séquito de fãs por mérito e não por ter caído de paraquedas. 

Claro que sempre haverá a turma do contra. O importante é saber conviver com ela. E isso o tal do Cristóvão João Antônio Martins parece ter aprendido direitinho. E isso é “Biutyful”! (JM)

***

A experiência do primeiro dos dois shows do Coldplay em Curitiba (21 e 22 de março) começou já na fila quilométrica para o estádio Major Antônio Couto Pereira. Os fãs cantavam as músicas e comemoravam a cada curva que os deixava mais próximos da entrada. Com a pulseira no braço, a noite foi aberta pelo trio escocês Chvrches. Mesmo com eles entregando a alma em sua performance, os fãs apenas chamavam os astros ingleses para o palco. Com o Couto lotado e quase nenhum espaço livre entre as mais de 40 mil pessoas, a banda entrou às 21h ao som da música “Flying Theme”, do filme E.T.– O Extraterrestre, de Steven Spielberg. Isso já deixava claro que a noite seria mágica.

set list apresentado pelos britânicos começou com “Higher Power”, Mesmo particularmente não gostando, a canção se tornou uma experiência inesquecível. Todo show  tem uma atmosfera mágica, capaz de transportar qualquer um para outra realidade durante as duas horas de duração. O Coldplay, porém, conseguiu subir o nível desta virtude artística. As pulseiras brilhantes se tornaram um espetáculo à parte ao iluminar todo o estádio de acordo com as batidas de cada música. De certa forma, o público virou parte da performance da banda. A noite ainda contou com fogos de artifício, balões em formato de planetas (fazendo referência ao novo álbum deles), luzes coloridas e muitos confetes que tornaram tudo ainda mais bonito e especial. É até difícil escolher um destaque máximo. Para mim, o grande espetáculo aconteceu durante “Clocks”, quando todo o estádio assumiu uma cor verde que brilhava acompanhando as notas dedilhadas ao piano  enquanto um show de luzes formava um céu também esverdeado e projetado em cima da plateia.

O ânimo da banda também era contagiante. Consgeuia deixar todos alegres e animados do começo ao fim. Ajudava também o engajamento de Chris Martin com seus fãs. O cantor falou em português, leu diversos dos cartazes levados pelo público, pediu para a plateia completar as letras e cantar junto com ele durante músicas como “Paradise” e “Viva La Vida”. O que tornou a experiência ainda mais única foi na hora de convidar uma fã para tocar uma música com ele. O cantor ainda desceu do palco principal para se apresentar em um espaço menor disponibilizado no meio da plateia. Lá mandou “Sparks” e uma versão em nosso idioma de “Magic”. “Chamo de mágia”, começou, com aquele sotaque.

O final do show também foi maravilhoso. A performance de “FixYou”, penúltima do extenso repertório, ficará, com certeza marcada na mente de todos os fãs que estavam presentes naquela noite do Couto Pereira. Todas as pulseiras brilhavam em um amarelo dourado enquanto Chris, ainda com toda energia do mundo, cantava o refrão (“Lights will guide you home/ And ignite your bones/ And I will try to fix you”). Pouco depois,quando começou a gravação de “A Wave”, todos foram embora radiantes e “consertados” com toda aquela vibração transmitida pela banda. (CG)

Set list em Curitiba: “Music Of The Spheres” (intro), “Higher Power”, “Adventure Of A Lifetime”, “Paradise”, “The Scientist”, “Viva La Vida”, “Something Just Like This”, “Fly On”, “MMIX”, “Every Teardrop Is A Waterfall”/”Orphans”, “Yellow”, “Human Heart”, “People Of The Pride”, “Clocks”, “Infinity Sign”, “Hymn For The Weekend”, “Aeterna”, “My Universe”, “A Sky Full Of Stars”, “Sparks”, “Magic” (em português), Humankind”, “FixYou”, “Biutyful” e “A Wave” (outro).

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Tame Impala – ao vivo

Kevin Parker dribla uma fratura no quadril para guiar os fãs na Argentina em uma hora e meia de catarse psicodélica

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Reprodução

Algumas coisas na vida são inesquecíveis. Você, certamente, irá lembrar para sempre do seu primeiro dia de escola, daquela paixão que arrebatou seu coração ainda adolescente, de uma viagem com amigos ou até mesmo do fim de um relacionamento. Eu, por exemplo, irei me lembrar do show do Tame Impala no Lollapalooza Argentina para sempre. Aconteça o que que acontecer. E agora vou explicar o motivo nesta humilde resenha.

Cheguei no Hipódromo de San Isidro, em Buenos Aires, por volta das 17h do dia 18 de março de 2023 e logo me impressionei com o tamanho do festival. Tudo numa distância longa, com necessários vários minutos de caminhada. O sol estava começando a ficar mais fraco e a temperatura de 34ºC ia diminuindo com a ausência de luz natural. Após presenciar os concertos de Wallows, Jane’s Addiction, Catupecu Machu (uma parte), 1975 (outra parte) e ter tomado apenas duas cervejas por 1100 pesos cada (equivalente a 14 reais; sim, o festival permitia o consumo de apenas duas latas por dia!), chegou o momento de me posicionar defronte ao palco Samsung para poder presenciar pela primeira vez uma das minhas bandas favoritas.

Assim, sete anos depois e com Kevin Parker recentemente submetido a uma cirurgia no quadril fraturado, o Tame Impala voltava para a Argentina, reencontrando-se com um público em verdadeiro frenesi e euforia desmedida. Eram 20h45 em ponto e eu estava junto a dezenas de milhares de pessoas.

E os australianos deram, com toda certeza, um dos melhores espetáculos do Lollapalooza Argentina 2023. Após um vídeo introdutório distópico, no qual era apresentado Rushium, o medicamento psicodélico presente durante toda a turnê do álbum The Slow Rush, o frontman entrou auxiliado por muletas e recebeu uma estrondosa e merecida ovação. Sim, em tempos de cancelamentos repentinos e caprichosos cortes, a atitude de Kevin é louvável e necessária. Obrigado por não desistir de nós!

Assim, sob uma catarse de efeitos visuais, lasers coloridos, overdrives e distorções, o Tame Impala começou sua jornada naquela mistura de pop psicodélico, rock clássico, sintetizadores e indie rock. O set list veio com “One More Year” e, na sequência, “Bordeline”, talvez a música mais popular do seu quarto álbum.

Durante a apresentação da banda, tive diversas sensações e agitos sensorais. Um deles foi, sem dúvida, viajar através dos loops coloridos que a sequência de “Nangs”, “Breathe Deeper” e “Posthumous Forgiveness” proporcionou: uma repetição infinita, profunda e que parecia congelar o tempo. Mas o show continuava e depois rolaram os clássicos absolutos como “Elephant”, “Lost In Yesterday” e “Apocalypse Dreams”.

A física diz que não é possível estar acelerado e, ao mesmo tempo, pairando sem movimento nenhum. Contudo, Parker e companhia demostraram isso no momento de Mutant Gossip, quando todo mundo pareceu mover-se através das ondas que apareciam ao fundo, desaparecendo no oceano de psicodelia. E se diz o ditado popular  que“as águas calmas são profundas”, o que veio depois foi o mergulho absoluto ao abismo. Era tempo de “Let It Happen”, “Feels Like We Only Go Backwards”, “Eventually” e “One More Hour, que fechou a primeira parte do show e encontrou a comunhão de corpos dançando como se não houvesse amanhã.

Ainda houve tempo para um bis quiçá um pouco mais introspectivo, mas igualmente enérgico. Aqui foi tocado “The Less I Know the Better” e “New Person, Same Old Mistakes”. Assim, pontualmente às 22h15, o turbilhão colorido psicodélico chamado Tame Impala encerrou sua participação no Lollapalooza Argentina, deixando todos os fãs realmente em êxtase e com muita coisa para processar, entender e viabilizar. Do fundo do meu coração, espero ver novamente eles em breve.

Fumei um cigarro, respirei fundo e corri para assistir ao Twenty One Pilots. Mas essa história conto em outro momento.

Set list: Rushium Intro, “One More Year”, “Borderline”, “Nangs”, “Breathe Deeper”, “Posthumous Forgiveness”, “Elephant”, “Lost In Yesterday”, “Apocalypse Dreams”, Mutant Gossip, “Let It Happen”, “Feels Like We Only Go Backwards”, “Eventually” e “One More Hour”. Bis: “The Less I Know the Better” e “New Person, Same Old Mistakes”.

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Burt Bacharach

Homenagem ao autor de dezenas canções que viraram inesquecíveis clássicos da música pop do século 20

Textos por Abonico R. Smith

Foto de Leandro Delmonico/Mondo Bacana (show em Curitiba) e reprodução (com os oscars)

O final da manhã desta quinta-feira, dia 9 de fevereiro, trouxe a notícia de mais uma perda de um integrante estelar na história da música pop do século 20 nessas intensas semanas dos últimos três meses. Depois de Terry Hall (Specials), Thom Bell (produtor, criador do Philadelphia soul), Tim Stewart (cofundador da Stax), Vivienne Westwood (estilista, mentora do visual dos Sex Pistols), Alan Rankine (Associates), David Crosby (Byrds, Crosby Stills & Nash/Crosby Stills Nash & Young), Jeff Beck (Jeff Beck Group, Yardbirds) e Tom Verlaine (Television), chegou a vez deste plano espiritual se despedir de Burt Bacharach. O maestro, pianista, arranjador, compositor e cantor faleceu de causas naturais, aos 94 anos de idade, em Los Angeles, onde morava.

Bacharach e seu parceiro e letrista Hal David criaram centenas de canções a partir do final dos anos 1950 que os colocaram no panteão dos grandes times de compositores da música em todos os tempos. Em popularidade, talvez só tenham rivalizado com John Lennon e Paul McCartney.

Para homenagear este magistral artista, o Mondo Bacana reposta uma resenha de uma década atrás, que analisa como foi o concerto realizado por ele em terras curitibanas, durante sua última passagem pelo Brasil, em abril de 2013. Aqui estão descritos todos os porquês de sua genialidade, que residirá para sempre no inconsciente coletivo do cancioneiro internacional.

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>> Texto originalmente publicado pelo Mondo Bacana em abril de 2013

Burt Bacharach – ao vivo

O roteirista Charlie Kaufman escreveu o filme Being John Malkovich (1999), no qual se descobria um portal que levava para dentro da mente de um dos mais cultuados diretores e produtores das últimas décadas do cinema dos EUA. No fim da noite daquela terça-feira 16 de abril de 2013 muita gente deve ter saído do Teatro Positivo, em Curitiba, querendo achar uma entrada secreta para a cabeça de outro ícone do entretenimento americano: o maestro e pianista e arranjador e compositor e cantor Burt Bacharach.

Ele é um dos grandes gênios da canção do século 20. Entre as décadas de 1960 e 1980, compôs quase uma centena de músicas capazes de grudar no cérebro humano como um chiclete e de lá nunca mais sair em tempo algum. São melodias, riffs e letras (grande parte delas sobre o amor e suas variáveis) que qualquer pessoa que tenha prazer em ouvir música popular já escutou por aí na vida e nunca mais conseguiu se esquecer. Não adianta. Estão lá, guardadas em algum cantinho. Em algum momento você vai acabar se lembrando disso. Mesmo que não saiba quem é Burt Bacharach e que quem criou foi ele.

Burt está hoje com 84 anos de idade. Muito lúcido e surpreendentemente ainda na ativa. Não só viajando pelo mundo para apresentar ao vivo suas grandes criações. Mas ainda compondo, arranjando e gravando obras inéditas, como o musical Some Lovers, que estreou em um teatro de San Diego no ano passado. Atualmente ele trabalha ao lado do fã e discípulo Elvis Costello, um dos grandes nomes revelados durante a explosão do punk rock inglês na segunda metade dos anos 1970.

Curitiba foi a primeira das três cidades a receber a nova passagem de Bacharch pelo Brasil. Na capital paranaense, o show foi um pouco mais curto do que no Rio e em SP, já que o maestro chegara pouco tempo antes. Ele mesmo brincou a respeito disso em uma de suas conversas dirigidas à plateia: “música é bom para tudo nesta vida, até mesmo para fazer passar o jet leg”. Mesmo assim, o que se viu foi uma inacreditável sequência de 31 canções, quase todas com extremo poder para seduzir imediatamente quem as ouve. Afinal, não se cria à toa uma extensa coleção de prêmios como o Grammy (seis), Emmy (um), Globo de Ouro (dois) e Oscar (três).

À frente de sua competente banda de apoio formada por sete outros músicos e três vocalistas, o set list foi daqueles de deixar o espectador sem fôlego. Uma porrada atrás da outra, sempre com socos fortes e muitas vezes sem interrupção, chegando a emendar várias canções em um mesmo medley. Burt ainda pode se dar ao luxo de interpretar seus greatest hits não por inteiro, mas apenas através de seus trechos mais marcantes. E é impressionante também a precisão da distribuição dos instrumentos nos arranjos. O piano e os teclados cumprem o lado harmônico (vale lembrar que não há a presença das cordas da guitarra ou do violão) e o flugelhorn (sopro da família dos metais de trompetes) acaba sendo bastante privilegiado durante a execução de muitos riffs. Bateria e baixo assumem escancaradamente a função de cozinha e dão a cama rítmica que passeia entre a bossa nova, o rock, o jazz e outros grooves derivados dos negros norte-americanos.

No meio de tudo isso, Burt se concentra tanto em cada música que ele entra no espírito de cada uma dela durante a interpretação. E quando o momento é só seu, tocando piano e cantando sem qualquer acompanhamento como em “Alfie”, ele eleva o transe à plateia, que fica enfeitiçada e em silêncio absoluto só para curtir as emoções da viagem particular do astro da noite.

Este arsenal de hits planetários que ficaram célebres nas vozes de cantores como Dionne Warwick (sua principal e mais conhecida intérprete até hoje), Aretha Franklin, Dusty Springfield, Tom Jones, Walker Brothers, BJ Thomas, Barbra Streisand, Whte Stripes e Carpenters (e os Beatles!) ou trilhas sonoras de filmes de sucesso produzidos em Hollywood (Butch Cassidy & Sundance Kid; Alfie; Arthur, o Milionário; O que é que há, Gatinha?) foi quase todo assinado em parceria com o letrista Hal David, falecido em setembro de 2012, aos 91 anos de idade. Iniciada em 1957, a alquimia entre Hal e Burt se transformou em uma das mais bem-sucedidas crias do Brill Building, prédio nova-iorquino no qual compositores batiam ponto diariamente como trabalhadores e tinham como função a criação de obras musicais inéditas para serem gravadas, ali mesmo, por diversos cantores e grupos de pop e rock do final das décadas de 1950 e 1960.

Isso explica toda a classe e maestria das composições de Bacharach: o trabalho apurado de lapidação autoral e a adoção de uma rotina de labuta constante em busca da melhor resolução musical entre acordes, melodias e palavras para se encaixar na métrica. Ele diz que pensa em música em todas as horas e já criou hits até quando estava no trânsito. Deve ser mesmo algo fenomenal descobrir o que se passa – e o que já se passou nas últimas seis décadas – dentro de sua cabeça.

Set List: “What The World Need Now Is Love”, “Don’t Make Me Over”, “Walk On By”, “This Guy Is In Love With You”, “Save A Little Prayer”, Tranis & Boats & Plains”, “Wishin’ & Hopin’”, “Always Something To Remind Of”, “One Less Bell To Answer”, “I’ll Never Fall In Love Again”, “Only Love Can Break A Heart”, “Do You Know The Way To San José?”, “Anyone Who Had A Heart”, “I Don’t Know What To Do With Myself”, “Waiting For Charlie To Come Home”, “My Little Red Book”, “(They Long To Be) Close To You”, “The Look Of Love”, “Arthur’s Theme”, “What´s New, Pussycat?”, “The April Fools”, “Raindrops Keep Fallin’ On My Head”, “The Man Who Shot Valance”, “Making Love”, “Wives And Lovers”, “Alfie”, “A House Is Not A Home”, “That’s What Friends Are For”. Bis: “Every Other Hour”, “Hush”, “Any Day Now” e “Raindrops Keep Fallin’ On My Head”.

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BNegão – ao vivo

MC do Planet Hemp recria obra praieira de Dorival Caymmi com a participação de Danilo Caymmi e da Orquestra à Base de Sopro de Curitiba

Texto e foto por Abonico Smith

Bernardo Santos teve uma epifania na adolescência, nos anos 1980, deitado no chão do quarto, ouvindo o vinil Canções Praieiras, de Dorival Caymmi. Durante a audição das quatro faixas do lado A, seu corpo tremia todo, a cabeça alucinava com as imagens propostas pelas letras. Quando a agulha chegou ao sulco central do long play, bateu aquele medo de virar o disco. Se a metade inicial já provocara todo esse rebuliço nele, arriscar as outras quatro faixas finais logo de cara passava a ser algo temeroso a se fazer de imediato.

Esta pequena lembrança de sua adolescência foi contada logo após o início do show BNegão Canta Dorival Caymmi com a Orquestra à Base de Sopro de Curitiba, a principal atração do último dia 27 de janeiro da tradicional Oficia de Música de Curitiba que há 40 edições enche de harmonias, melodias, cantos e instrumentos a capital paranaense. No Teatro Guaíra, BNegão voltava a receber seu fiel escudeiro neste projeto, o violinista Bernardo Bosisio, para recriar as tradicionais canções registradas na fase “praieira” de Dorival Caymmi, majoritariamente gravadas no formato voz e violão. Juntos, algumas vezes já se apresentaram algumas vezes nos últimos anos para celebrarem este período todo especial da obra desta divindade que representa um período de ligação entre os sambas-canção da era de ouro do rádio no Brasil (todos os anos 1940) e o surgimento da bossa nova (final dos 1950). Desta vez, porém, trouxe novidades.

Dois convidados ilustres da cidade também participaram do concerto. Veio primeiro Orquestra à Base de Sopro de Curitiba, criada há 25 anos e com extenso currículo de concertos e presenças na Oficina, veio primeiro. Com doze instrumentistas de sopro (um deles seu regente e diretor artístico, Sergio Albach) e mais o acompanhamento de bateria, percussão, contrabaixo acústico e piano. Preencheu alguns dos arranjos com uma sofisticada orquestração que em vários momentos não só relembrou a sofisticação do pop dos anos 1960 como também o tempo em que as canções pré-praieiras de Caymmi era executadas pelos muitos músicos contratados para trabalhar diariamente no auditório da Rádio Nacional no Rio de Janeiro. Isto é, tempos em que a música popular, fosse nacional ou estrangeira, apresentava uma riqueza de possibilidades analógicas que maravilhavam todo e qualquer ouvido. E já na metade final do repertório, Danilo Caymmi, um dos filhos do homenageado (e que também mora em Curitiba há alguns anos), ocupou a cadeira do outro lado de BNegão para dividir com ele os vocais de algumas das principais composições do pai. Por fim, o set list de 16 canções apontou para o que o artista carioca irá apresentar em seu próximo álbum, o primeiro efetivamente solo, que será gravado no decorrer deste ano (e muito provavelmente com o acompanhamento não só de Bosisio mas também da própria orquestra curitibana).

O que se viu durante cerca de uma hora de concerto foi um BNegão extremamente emocionado por estar no comando de versos poderosos de Caymmi, que exaltam as belezas, alegrias, tristezas e perigos do mar mais todo o universo que gravita ao redor das ondas: o vento, os peixes, as jangadas e canoas, a praia, as mulheres dos pescadores e também a soberana rainha das águas, Iemanjá. A afinação mais grave do violão usado por Caymmi nas gravações estava reproduzida por Bosisio. O vozeirão tonitruante de Danilo, por sua vez, incorporou a principal característica de seu pai enquanto intérprete. Já o também MC do Planet Hemp, por sua vez, justificou de cabo a rabo a “herança espiritual” daquele repertório. Fala mansa, timbre menos grave do que o de Dorival porém não tão longe assim para se encaixar perfeitamente nas canções, reverência constante ao mestre e ainda um ligeiro quê de esperteza e malemolência para dar brilho à interpretação das obras escolhidas para aquela noite. Do início, sossegado e na brisa de “O Vento” às várias saudações a Iemanjá (“Dois de Fevereiro”, “Promessas de Pescador”, “Morena do Mar” e “Rainha do Mar”), passando por flertes com o PH, como no canto falado da work song “Pescaria (Canoeiro)” ou nos versos violentamente trágicos e impactantes de “A Jangada Voltou Só”.

E não poderia ser algo diferente o final de toda aquela celebração que não com “Canção da Partida”. De vinheta de abertura do álbum Caymmi e o Mar (pertencente a uma história narrada com prosa e músicas entremeadas), a marchinha transformou-se em hino, daqueles de serem cantados a plenos pulmões. Tanto que, segundo contou Danilo no palco daquela noite, tornou-se um grande hit na Rússia de Vladimir Putin. Tudo por conta de uma adaptação do cinema norte-americano (rodada inteiramente na Bahia e falada em inglês) do livro Capitães de Areia, de Jorge Amado. The Sandpit Generals, de 1971, foi fracasso de bilheteria em território norte-americano, mas fez tanto sucesso quando exibido na então União Soviética, com a canção na voz de Dorival na trilha sonora. Se no Brasil pouco se soube sobre a produção, já que ela fora censurada pela ditadura militar, os jovens russos adotaram a melodia, que depois até ganhou uma versão em russo e se transformou em símbolo da entrada no mundo adulto no comunismo da era anterior a Leonid Brejnev, que liderou o Soviete Supremo de 1977 até morrer em 1982). Vale lembrar que aquele período ficou conhecido como era da estagnação. Muitos dos recrutas dispensados de servir ao país durante a Guerra do Afeganistão (que duraria de 1979 a 1989) não encontravam oportunidades de estudar nem trabalhar e viram na obra do baiano o manifesto perfeito para quem se encontrava às margens da sociedade e via o ingresso em organizações mafiosas daquele país como a única tábua de salvação para continuar tocando a vida.

No Guaíra, a pequena multidão não vinha de Moscou e arredores e nem devia saber da existência do tal filme mas reagiu tal qual aquela juventude russa distante dos anos de 1971 (o filme) ou 1957 (Caymmi e o Mar). Quando o arranjo acabou, a alternativa para os cantores e instrumentistas ali no palco foi retomar a música imediatamente, de tanto entusiasmo e efusividade. Sinal de toda a contemporaneidade de Dorival Caymmi, afinal grande parte da plateia do teatro era formada por pós-adolescentes, jovens e jovens adultos que também não eram nascidos no tempo da produção fonográfica praieira de Caymmi ou quando The Sandpit Generals foi rodado. E tal como BNegão, tiveram uma epifania – agora coletiva – naquela noite ao som da obra do baiano que cantou como ninguém o mar (e sem saber nadar, aliás!). 

Set list: “O Vento”, “Noite de Temporal”, “Quem Vem Pra Beira do Mar”, “Pescaria (Canoeiro)”, “Dois de Fevereiro”, “O Bem do Mar”, “Promessa de Pescador”, “Morena do Mar”, “Rainha do Mar”, “Itapoã”, “O Mar”, “A Jangada Voltou Só”, “É Doce Morrer no Mar”, “A Lenda do Abaeté”, “Saudade de Itapoã” e “Canção da Partida”.