Adaptação de série de HQs lançada pela Vertigo se perde na montagem ansiosa e roteiro pretensamente empoderador
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Warner/Divulgação
Desde Homem de Aço, a Warner/DC tenta emplacar sucessos filmográficos de público e crítica com adaptações de suas inúmeras histórias em quadrinhos. Ano após ano, falhas foram entremeadas por leves acertos, como seu último lançamento, Shazam. Agora, adaptando a série da Vertigo The Kitchen, a Warner lança uma história pé no chão com elenco de peso. Mas será que deu certo?
O primeiro impulso é dizer um sonoro “não”, embora sejam necessárias reflexões. A direção de Andrea Berloff, a princípio de conversa, é competente. Não é muito única e acaba na sombra dos problemas do filme. O roteiro, também assinado por ela, não cumpre seu papel tão fortemente. O primeiro problema de Rainhas do Crime é sua sucessão de cenas e o conteúdo textual: nada parece ter um sólido intuito para existir no filme, além de uma convenção rasa de intenção. Isso faz com que as cenas tenham diálogos desconexos e, causa de forte confusão, sejam desconexas das cenas anteriores e predecessoras. Aliado ao principal defeito do filme (entrarei em detalhes mais tarde neste texto), o roteiro cria uma história entediante – por sua falta de coesão e estrutura de atos – e de ritmo extremamente rápido.
O que nos leva à montagem de Christopher Tellefsen. A cada duas sessões de diálogo (afirmação/resposta/afirmação/resposta), a cena acaba. Ou seja, não se constrói um texto – ou espaço de respiro para a atuação – forte o suficiente para o desenvolvimento eficiente de um arco imersivo em qualquer uma das várias tramas que percorrem o filme. Assim, além de performances danificadas extremamente pela ansiedade da montagem, o filme perde sua coesão – mesmo ponto abordado no roteiro – pela sucessão sem sentido dessas cenas rápidas. Chega a ser comparável com a falha tremenda que permeia Bohemian Rhapsody. Enquanto o roteiro não tem um manejo consistente da passagem de tempo, a montagem faz com que qualquer tentativa de obtê-lo seja apagada. É difícil entender, pelo menos por enquanto, quão danoso foi o peso do estúdio na finalização do material. Mas isto não apaga a confusão que Rainhas do Crime estabelece.
Sendo assim, se nos dispusermos a ignorar tais problemas, algumas atuações são capazes de salvar o longa-metragem. Melissa McCarthy e Elizabeth Moss entregam certo nível de dimensão a suas personagens, em polos completamente opostos – enquanto uma é a “mãezona”, a outra é uma vítima de violência que nela se escora para obter poder. Domhnall Gleeson se ressalta pouco, numa atuação competente e emotiva, mas, infelizmente, que se distancia muito de seus melhores trabalhos. O elenco de apoio relacionado à gangue, incluindo os maridos das protagonistas, é completamente unidimensional e Common não traz sentido algum ao filme. Infelizmente, duas afirmações que se estendem à personagem de Tiffany Haddish, a protagonista Ruby. Sua interpretação soa desconfortável, reproduzindo estereótipos que não parecem a intenção da atriz, sim do texto que lhe foi entregue. Além disso, a constante indecisão referente à motivação e consequências desta na personagem e em sua relação às demais protagonistas gera uma compreensão afetada da semântica por trás de seu trabalho. Este problema se estende à infinidade de arcos mal resolvidos e consequências inexistentes para estas resoluções, fator que permeia todo o desenvolvimento do filme.
Por fim, a música de Bryce Dessner (ou escolhida pelo integrante do National para figurar o longa) é literal demais, anulando a capacidade imersiva que a banda sonora exerce sobre uma obra. Este é um erro comum às obras da produtora, que parece insistir na decisão óbvia com motivações que não tenho capacidade para compreender. Acredito que o efeito que se desenvolve de uma letra que exprime exatamente o sentido semântico que a cena tenta transmitir é justamente o oposto do esperado: ao invés de emoção amplificada, ocorre um achatamento desta na cena.
Rainhas do Crime parece um filme desesperado por um nicho, apostando de forma confusa em um roteiro pretensamente empoderador que cai por terra. Confuso em montagem, trama e subtramas, seu efeito é entediante, o que faz com que o público saia da sessão se perguntando se o material vindo da fonte era capaz de algo melhor.