Sob a direção de Felipe Hirsch, Fernando Catatau protagoniza espetáculo que centra a narrativa dos 20 anos de sua banda
Texto e fotos por Abonico R. Smith
Despertar. Incitar. Incentivar. Estimular. Convencer. Aconselhar. Todos estes são sinônimos possíveis, na língua portuguesa, para o verbo instigar. O que deixa ainda mais interessante o fato de alguém carregar, por duas décadas, a alcunha de Cidadão Instigado.
Fernando Catatau é este cara. Cantor, compositor, guitarrista e performercearense radicado há um bom tempo na selva de pedra paulistana, justifica o apelido, que também serve para a banda, sempre de formação livre e mutante, que o cerca e o acompanha em palcos e estúdios. Sob a direção de Felipe Hirsch, em um espetáculo nada convencional feito para comemorar os vinte anos de carreira, Catatau é irrepreensível. E depois de uma hora e meia acaba por deixar cada outro cidadão da plateia ainda mais instigado do que ele próprio.
Cidadão Instigado 20 Anos foi uma das atrações da edição 2018 do Festival de Teatro de Curitiba, considerado o principal evento dedicado ao gênero em todo o país. Ocupou por duas noites do primeiro fim de semana (31 de março e 1 de abril) o Teatro da Reitoria da UFPR e brindou a capital paranaense com algo que ela não costuma ver em shows que vive recebendo: uma apresentação tão visceral quanto intelectual dividida em vinte canções de influências e referências díspares, capazes de juntar, regionalismos e rock’n’roll, indo do melhor dos ritmos do Norte e Nordeste brasileiro à veia progressivo-psicodélica. Tudo através de uma ordem cronológicas de faixas pinçadas pelos cinco discos (quatro álbuns e um EP) lançados no decorrer de uma cultuada carreira artística.
Do começo ao fim é um frio na espinha só. De cara, os seis músicos (quatro oficiais, sendo mais dois convidados especiais; o baterista atual, Clayton Martin, não veio porque quebrou o braço) assumem bizarras personas com o look fantástico-artesanal inspirado nos papangus. Ficam por mais de um minuto em posição estática, no mais completo silêncio, para depois engatar uma lenta e hipnótica batida do maracatu cearense, que dá o pontapé inicial para a grande viagem musical proposta através da junção de versos, melodias e arranjos capitaneada por Catatau – que ora assume no palco seu lado rocker e de exímio guitarrista, ora se aproxima da plateia para entregar a ela uma inusitada performance com caras, bocas, poses e gestos sensuais (indo na melhor escola instaurada por Ney Matogrosso na música pop brasileira) e fortemente teatralizados, quase sempre com acompanhamento preciso de luzes que vão trocando de cores de acordo com o clima de cada música.
Ska, hard/heavy, synth pop, maracatu, folk, funk, bolero, guitarrada, gafieira, samba-canção, disco. Mudanças repentinas de ambientações. Evoluções de elementos que vão e voltam de um gênero a outro. Tudo isto serve como uma rica camada de textura musical para o Zé Doidim, à frente dos demais multi-instrmentistas (gente veterana, como Dustin Gallas ou Régis Damasceno, que ainda têm em paralelo outros grandes trabalhos no cenário da música alternativa brasileira), realizar confidências e desabafos acerca de sua própria trajetória pessoal/profissional ao microfone. Os sonhos, as ilusões, os perrengues, os delírios, as expectativas, as vitórias, as derrotas, os amores, os desamores. Um vai-e-volta intenso entre Fortaleza e São Paulo que já dura duas décadas e se estende das barreiras físicas e geográficas a um punhado de excitantes e desenvoltas canções que fazem voar o tempo e fazer 20 anos se passarem em noventa minutos.
Então, que venham mais novas canções, mais discos, mais espetáculos retroativos e autobiográficos. Um cidadão como Fernando Catatau será sempre instigado e irá sempre instigar uma plateia ávida por ouvi-lo.
Set List: “É o Fogo”, “Um Nordestino no Concreto”, “O Verdadeiro Conceito de um Preconceito”, “Parte IV (A Mente.Ira) – Zé Doidim”, “Parte III (Parte.Indo O Ser) – Minha Imagem Roubada”, “Você e Eu”, “Te Encontra Logo”, “O Pobre dos Dentes de Ouro”, “Calma!”, “Chora, Malê!”, “O Tempo”, “O Nada”, “Contando Estrelas”, “Homem Velho”, “A Radiação na Terra”, “Besouros e Borboletas”, “Perto de Mim”, “Dizem Que Sou Louco Por Você”, “Fortaleza”. Bis: “Quando a Máscara Cai”.