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Tetris

Longa-metragem aborda a corrida de russos, americanos e ingleses pela patente de uma das criações mais famosas da história do videogame

Texto por Tais Zago

Foto: Apple TV+/Divulgação

Mais um filme sobre espionagem e Guerra Fria? Já não temos histórias suficientes, do ponto de vista ocidental, sobre como a URSS era a malvada anticapitalista a e os EUA os mocinhos do planeta? Poderia ser, mas Tetris (Reino Unido/EUA, 2023 – Apple TV+) se trata, em regra, de um jogo de gato e rato onde o pote de ouro no final do arco-íris são os direitos sobre um dos jogos mais famosos da história do videogame.

Alexey Pajitnov (Nikita Yefremov) é um programador russo, apaixonado por jogos e puzzles, servidor da ELORG (Elektronorgtechnica) estatal russa de tecnologia. Nas horas vagas, Alexey, usando o hardware e software disponíveis em seu trabalho, criou o que chamou de Tetris, baseado em um jogo de tabuleiro de origem grega chamado Pentominoes, no início dos anos 1980.

Henk Rogers (Taron Egerton) é um homem multifacetado. Nasceu na Holanda, tem ascendência indonésia e cidadania americana. Estudou no Havaí, onde conheceu a futura esposa Akemi (Ayane Nagabuchi), e passou a viver e trabalhar em Tóquio, no Japão. Henk era apaixonado por jogos e era programador. Após alguns tiros saírem pela culatra, decidiu concentrar os esforços em encontrar jogos ainda pouco conhecidos, comprar seus direitos e repassar para as grandes do mercado como a Nintendo.

Nessa área, Robert Stein (Toby Jones) já era um especialista. Ele revirava as salas de programação no leste europeu, principalmente na Hungria, na busca de novos sucessos para patentear. Ao ver uma versão pirata de Tetris, imediatamente entrou em contato com a empresa britânica Mirrorsoft, do magnata de mídia Robert Maxwell (Roger Allam), para quem ofereceu a intermediação com os russos pela sua patente. 

A partir daí vemos uma guerra de negociações, trapaças, fraudes e promessas não cumpridas entre russos, americanos e ingleses. Em 1988, no finalzinho da União Soviética, pouco antes da queda do Muro de Berlim em 1989, sob o governo de Mikhail Gorbachev (Matthew Marsh) e com resistência de políticos corruptos russos em busca de propina, um acordo é fechado para a distribuição mundial de Tetris.

Quem venceu a batalha? Para quem leu o livro The Tetris Effect (2016), do jornalista de tecnologia Dan Ackerman, a resposta já é sabida. Para o resto, temos essa produção do canal de streaming Apple TV+, dirigida por Jon S. Baird. Os verdadeiros Henk e Alexey leram previamente o roteiro de Noah Pink e afirmaram que é a versão hollywoodiana de sua história, mas bastante baseada nos fatos. Um exemplo de ficção é a personagem Sasha (Sofia Lebedeva), que trabalha como intérprete para Rogers. Ela nunca existiu na história oficial.

Baird nos apresenta o enredo em capítulos que mimetizam fases de jogos de videogame. Imagens pixeladas em 8 e 16bit e sonoplastia de sintetizadores se mesclam às imagens que dão o toque saudosista, junto, claro, à estética oitentista de gamers, nerds, consoles, arcades e do revolucionário Game Boy. E, como não poderia faltar, do lado soviético temos a estética comunista pelo filtro ocidental – frieza, pragmatismo, tecnologia obsoleta e perseguição. Adentramos um filme cheio de clichês, que poderia constar na longa lista de filmes norte-americanos que já trataram do tema Guerra Fria. Porém, também é uma obra repleta de referências para saudosistas que acompanharam desde cedo o mundo dos jogos, dos PCs e da evolução rasante na área de TI que ocorreu entre os anos 1980 a 2000.

Tetris é uma diversão – de alta resolução – para todas as idades. Mas, sobretudo, é um filme para agradar os fãs da história dos jogos eletrônicos. Aborda o primeiro programa que gerou hordas de pessoas completamente viciadas em seus elementos geométricos e bidimensionais, caindo em velocidade acelerada e que chegavam a nos acompanhar em sonhos. Ao soar da musiquinha baseada no clássico do folclore russo Korobeiniki (a palavra russa para “mascate”), que é oriunda de um poema de 1861 de Nikolay Nekrasov, já mergulhamos em lembranças da infância e adolescência.

Tetris nos acompanhou no console, no computador e hoje ainda é muito popular em aplicativos para smartphones. Suas inúmeras representações, inclusive as tridimensionais, foram o pontapé inicial para jogos como Candy Crush, que viraram mania em todas as faixas etárias. Eis o alívio da ansiedade por meio do pensamento lógico-matemático.

Music

Coldplay – ao vivo

Plateia de Curitiba recebe a banda pela primeira vez e faz parte de um espetáculo com um universo próprio de cores, luzes e protagonismo

Textos por Janaina Monteiro e Carolina Genez

Foto: Coritiba Foot Ball Club/Reprodução

Nos minutos que antecederam o primeiro show da turnê Music Of The Spheres em Curitiba (21 de março último), o som de um sino ecoava pelo estádio Major Couto Pereira. Esse tilintar, que assume propósitos distintos em cada religião, traz um simbolismo em comum: representa a harmonia universal. 

“Ativar o sininho” antes do espetáculo era como se a banda inglesa Coldplay fizesse um convite para plateia entrar em sintonia e acompanhar o storytelling espacial da jornada que estava prestes a começar. E a missão seria cumprida com sucesso: ao longo das duas horas seguintes, todos alcançariam a mesma frequência e entrariam numa completa catarse. 

Quando Chris Martin, Jonny Buckland, Will Champion e Guy Berryman surgiram no palco B, as famosas e “caras” pulseiras luminosas entram em cena e mostram o poder que a multidão tem de abraçar uma banda que acaba de completar 23 anos de carreira fonográfica. Uma trajetória marcada por voos altos e rasantes, que explora diferentes ritmos mas com um denominador comum: olhe para as estrelas. 

Céus repletos delas, aliás, sempre estiveram presentes, de alguma forma, nas canções de Coldplay, até inspirarem esse álbum kubrickiano, em que as 12 canções formam um sistema solar próprio. O próximo, muito provavelmente, será sobre o lado brilhante da lua. E desde o big bang coldplayano é possível perceber esse embate entre luz e escuridão. Até que a luz decide tomar conta de tudo. Literalmente.   

A primeira canção do show, “Higher Power” já incendeou o estádio como uma bola de fogo. São mais de 43 mil pessoas presentes neste universo iluminado. Cada uma delas se tornou uma estrela. A estrela viva que brilha na vida de Chris Martin desde Parachutes, lançado em 2000. 

Predestinado ao sucesso, o britânico da Cornualha e filho do seu Anthony – que faz questão de acompanhá-lo na turnê ­ – previu no documentário Coldplay: A Head Full Of Dreams (lançado há seis anos, após sua separação da atriz Gwyneth Paltrow) que a sua odisseia terrestre começaria logo ahead. Em… 2002! E, de fato, nesse ano Coldplay trouxe ao mundo o disco que o catapultou ao status de uma das maiores bandas dos anos 00. A Rush Of Blood To The Head apresentava sucessos como “Clocks” e “The Scientist” (e seu videoclipe arrebatador, com a narrativa de trás para frente). No início do milênio, o bug não aconteceu e os britânicos conquistavam o mainstream com um som melódico, misturando guitarras elétricas ao piano. Foram três prêmios Grammy.

Nessa época, Chris Martin era um jovem frontman, ainda de espírito meio rebelde, impulsivo, que volta e meia aparecia na mídia sendo acusado de agredir fotógrafos, bem diferente de seu comportamento atual, e seu ritual de gratidão. Hoje, quem tem um celular nas mãos é um potencial paparazzo. Por isso, Chris, que sempre se mostrou arredio a esse tipo de coisa, foi de certa forma obrigado a fazer um “combinado” com a plateia antes de entoar seu hino “A Sky Full Of Stars”. Em cada apresentação, o vocalista lança aquele “xiiiiu” imponente, que faz parte da linguagem universal, sobretudo entre pais e filhos, para milhares de pessoas. Seja na sua terra natal ou no Brasil, onde é mais complicado pedir silêncio.

Educadamente, ele solicita que os presentes aproveitem apenas uma música sem fazer registros pelo celular. 99% do público obedece. Entre o 1% estava uma guria do meu lado. Por isso, fiz questão de colocar o braço na frente da câmera dela. Sorry, aê! Mas pedido do boss a gente obedece.

E foi assim, sem câmera e com um celular tijolinho, que fui ao show da turnê X&Y, em 2007. O terceiro álbum da banda, um dos meus preferidos. Local: Via Funchal, uma casa de concertos em São Paulo com capacidade para apenas três mil pessoas. Aliás, assim como na turnê Music of Spheres, os ingressos foram disputadíssimos. Graças ao meu PC 486 com conexão dial up, consegui garantir um par de entradas.  Mais tarde, assistindo ao mesmo documentário, soube que a gravação de X&Y foi conturbada por vários fatores, entre eles a saída do coprodutor do álbum, Ken Nelson. Ao contrário da explosão de cores da turnê atual, a banda se apresentou de preto nessa turnê. 

E aquele rock espacial com elementos eletrônicos de “Talk” (que traz um sample de “Computer Love”, do Kraftwerk), “Speed Of Sound” e, claro, “Fix You” me fisgou 100%. Depois desse show, o universo conspirou e consegui me aproximar de Chris Martin, mesmo com receio de sua fama de explosivo. “Você fez parte da cura”, disse a ele, mencionando “Clocks”, canção favorita da minha mãe quando tratava seu primeiro câncer de mama. Já, durante a pandemia, foi “Higher Power” que entrou na playlist da cura do meu carcinoma in situ

De volta a 2023, antes mesmo de o Coldplay aterrissar em São Paulo, a banda do contra já preparava terreno para eles. No mundinho das redes sociais, uma chuva de meteoros da magnitude haters invadia o meu feed. Era um bombardeio de textos, justificando que “a banda acabou no segundo disco”, “essa banda é pra fã que usa sapatênis” (bem, eu fui de tênis plataforma) e “Coldplay é uma banda coach”.  Enquanto uns seguem no “bla, bla, bla”, prefiro pegar carona no “ooh, ooh, ooh, ooh, ooh, ooooooh, oh” e viver a minha vida! 

Mesmo porque a banda dos contra sempre existirá. O que não existiu até agora foi um espetáculo tecnológico nessas proporções (que deixou o U2 nas Havaianas), com uma estrutura gigantesca em três palcos, aproximando a plateia do artista, e, o mais importante, que promove a inclusão, a sustentabilidade e torna o espectador o protagonista do espetáculo. 

Chris era, em Curitiba, como o maestro de uma orquestra, conduzindo suas estrelas, com sua mensagem clara como a luz da lua, sempre estampada no peito (“Love” e “Everyone is an alien somewhere”). Ele corria freneticamente pela passarela e aproveitava cada centímetro da megaestrutura, do palco principal até o palco B, onde cantou a belíssima “Viva La Vida”, do álbum de mesmo título produzido por Brian Eno e que representou um salto na carreira dos ingleses. De lá, entoaram também “Something Just Like This”, uma canção fofa, graciosa, sobre heróis da vida real e que, por sinal, era o sinal do recreio do meu filho na escola. No palco C, lá no fundo do estádio, surgiram para cantar “Magic”. Dessa vez, na versão aportuguesada, repetindo a performance do Rock In Rio em 2022 (concerto que fez a banda postergar a turnê brasileira para 2023, aliás). No Couto Pereira, não tivemos sandys, nem jorges, nem miltons. Mas tivemos “Every Teardrop Is A Waterfall”, do álbum Mylo Xyloto (2011). Inclusive, essa fora a segunda vez que a canção entra no setlist da turnê. No dia seguinte, para alegria dos fãs na capital paranaense, teve “Orphans”, do introspectivo Every Day Life.

Como Chris Martin se movimentava na “velocidade do som”, é muito fácil perdê-lo de vista ao vivo. Isso explica o uso de bases pré-gravadas. Mesmo estando em plena forma, é difícil conseguir tanto fôlego assim. Enquanto o vocalista cantava e passeava pelo seu universo, durante boa parte das canções, Jonny, Will e Guy permaneciam em suas posições no palco principal, curtindo o próprio show, como se fossem músicos de apoio. 

Quando revisitam os hits mais antigos e que catapultaram a banda ao estrelato, como “Yellow”, “The Scientist” e “Clocks”, os ingleses mostram que tocam de verdade. Na primeira, o coro da plateia chegou a emocionar Chris Martin, que dizia “beautiful”. Lindo mesmo foi poder ver Jonny dedilhando o riff a poucos metros de distância. Já na segunda, houve um problema na modulação das guitarras e foi preciso interromper a música. Em vez de voltar ao start, entretanto, seguiram da metade.

No final de toda essa viagem estelar, cheia de luzes, com direito a planetas infláveis (alguns deles voltaram pra casa de ônibus biarticulado, inclusive) e que reuniu um público tão diverso, de crianças a idosos, o que ficou foi a prova da evolução. As letras mais recentes do Coldplay podem até soar um pouco repetitivas. Mas talvez não estejamos acostumados a tamanha positividade e de uma banda que alcançou um séquito de fãs por mérito e não por ter caído de paraquedas. 

Claro que sempre haverá a turma do contra. O importante é saber conviver com ela. E isso o tal do Cristóvão João Antônio Martins parece ter aprendido direitinho. E isso é “Biutyful”! (JM)

***

A experiência do primeiro dos dois shows do Coldplay em Curitiba (21 e 22 de março) começou já na fila quilométrica para o estádio Major Antônio Couto Pereira. Os fãs cantavam as músicas e comemoravam a cada curva que os deixava mais próximos da entrada. Com a pulseira no braço, a noite foi aberta pelo trio escocês Chvrches. Mesmo com eles entregando a alma em sua performance, os fãs apenas chamavam os astros ingleses para o palco. Com o Couto lotado e quase nenhum espaço livre entre as mais de 40 mil pessoas, a banda entrou às 21h ao som da música “Flying Theme”, do filme E.T.– O Extraterrestre, de Steven Spielberg. Isso já deixava claro que a noite seria mágica.

set list apresentado pelos britânicos começou com “Higher Power”, Mesmo particularmente não gostando, a canção se tornou uma experiência inesquecível. Todo show  tem uma atmosfera mágica, capaz de transportar qualquer um para outra realidade durante as duas horas de duração. O Coldplay, porém, conseguiu subir o nível desta virtude artística. As pulseiras brilhantes se tornaram um espetáculo à parte ao iluminar todo o estádio de acordo com as batidas de cada música. De certa forma, o público virou parte da performance da banda. A noite ainda contou com fogos de artifício, balões em formato de planetas (fazendo referência ao novo álbum deles), luzes coloridas e muitos confetes que tornaram tudo ainda mais bonito e especial. É até difícil escolher um destaque máximo. Para mim, o grande espetáculo aconteceu durante “Clocks”, quando todo o estádio assumiu uma cor verde que brilhava acompanhando as notas dedilhadas ao piano  enquanto um show de luzes formava um céu também esverdeado e projetado em cima da plateia.

O ânimo da banda também era contagiante. Consgeuia deixar todos alegres e animados do começo ao fim. Ajudava também o engajamento de Chris Martin com seus fãs. O cantor falou em português, leu diversos dos cartazes levados pelo público, pediu para a plateia completar as letras e cantar junto com ele durante músicas como “Paradise” e “Viva La Vida”. O que tornou a experiência ainda mais única foi na hora de convidar uma fã para tocar uma música com ele. O cantor ainda desceu do palco principal para se apresentar em um espaço menor disponibilizado no meio da plateia. Lá mandou “Sparks” e uma versão em nosso idioma de “Magic”. “Chamo de mágia”, começou, com aquele sotaque.

O final do show também foi maravilhoso. A performance de “FixYou”, penúltima do extenso repertório, ficará, com certeza marcada na mente de todos os fãs que estavam presentes naquela noite do Couto Pereira. Todas as pulseiras brilhavam em um amarelo dourado enquanto Chris, ainda com toda energia do mundo, cantava o refrão (“Lights will guide you home/ And ignite your bones/ And I will try to fix you”). Pouco depois,quando começou a gravação de “A Wave”, todos foram embora radiantes e “consertados” com toda aquela vibração transmitida pela banda. (CG)

Set list em Curitiba: “Music Of The Spheres” (intro), “Higher Power”, “Adventure Of A Lifetime”, “Paradise”, “The Scientist”, “Viva La Vida”, “Something Just Like This”, “Fly On”, “MMIX”, “Every Teardrop Is A Waterfall”/”Orphans”, “Yellow”, “Human Heart”, “People Of The Pride”, “Clocks”, “Infinity Sign”, “Hymn For The Weekend”, “Aeterna”, “My Universe”, “A Sky Full Of Stars”, “Sparks”, “Magic” (em português), Humankind”, “FixYou”, “Biutyful” e “A Wave” (outro).

Music

Arctic Monkeys + Interpol – ao vivo

Quinze anos depois britânicos retornam ao palco da Pedreira Paulo Leminski como uma das maiores bandas de rock do mundo

Texto e foto por Abonico Smith

Antes de entrar na resenha propriamente dita, vai aqui uma proposta de uma ligeira brincadeira que envolve imaginação, projeção e percepção sobre a vida. Pense em como você era e onde estava quinze anos atrás. Agora pense em você daqui a quinze anos, lá no ano de 2037. Muita diferença em relação ao você de hoje?

Pois bem, ver o Arctic Monkeys tocando na Pedreira Paulo Leminski no último dia 8 de novembro provocou este exercício de memória. Quando o quarteto inglês subiu ao palco da mais bela arena a céu aberto do sul do país esta não era a estreia em tal espaço. Alex Turner e seus fieis escudeiros já haviam tocado ali em novembro de 2017, com uma das atrações da etapa curitibana do falecido Tim Festival. Assim como nos dias de hoje um sideshow de um grande festival nacional.

Três dias antes eles haviam sido headliners do primeiro dia da primeira edição do Primavera Sound São Paulo. Um cenário diferente daquele primeira vinda à capital paranaense. Agora os Monkeys são uma das mais importantes bandas de rock do mundo. Uma década e meia atrás, com dois badalados e já grandiosos álbuns na carreira, eram a grande aposta da música britânica naquela época. As letras de Turner, bastante incensadas pela imprensa musical. Quatro garotos de vinte e poucos anos com um indie rock avassalador, pungente e urgente como um quase hardcore. Com o acréscimo de uma habilidade lírica pouco vista para moleques daquela idade. Tanto que, apesar de ainda estarem em início de carreira, já ocupavam na grade do line up daquele dia em Curitiba um espaço mais importante que a veterana Björk, por exemplo (a mesma que, por sinal, tocou horas antes dos ingleses no mesmo Primavera Sound SP).

Portanto, os astros que hoje se aproximam da quarta década da idade estão, se comparados com aqueles mesmos de uma década e meia atrás um tanto mais seguros do que são no momento e do lugar que ocupam dentro do mundo musical. Alex Turner tem presença de palco monstruosa, já um tanto liberto da obrigação de sempre tocar sua guitarra, transforma-se naquele rockstar marrento, exalando propositalmente sensualidade, para fazer os hormônios das teenagers e pós-adolescentes da plateia passarem do ponto de ebulição, gerando na plateia da Pedreira gritos constantes, típicos de uma juventude feminina diante de um ídolo do rock desde os tempos de Elvis Presley e dos Beatles.

No palco, Turner não só corresponde como também provoca e excita. Bastante. No figurino retrô, nas poses um tanto quanto teatrais, no jeito de se comportar no palco e se portar por trás do microfone. Parece muito concentrado em representar essa figura, o que suscita também um certo desconforto em quem quer de um show algo maior do que um mero jogo sexual entre ídolo e fã.

Musicalmente, Arctic Monkeys é sinônimo de uma grande banda. Primeiro pelo fato do quarteto nunca se prender a uma zona de conforto. Depois de alcançado o estrelato de forma até precoce, não se pode acusá-lo de comodismo. A cada novo disco, uma tentativa de se reinventar e trilhar por novos caminhos. Até chegar ao novíssimo álbum, disponibilizado nas lojas e plataformas de streaming na semana anterior da vinda da banda ao Brasil. Sétimo álbum em vinte anos de carreira, The Car é uma bela proposta de se chegar à excelência de um pop refinado, com pitadas de falsetes, grooves e orquestrações, na melhor tradição sixtie britânica. Uma evolução do predecessor, Tranquility Base Hotel + Casino, e direcionamento bem diferente dos outros anteriores, que flertavam com o stoner, o psicodélico, o hard rock e até mesmo o heavy metal.

O que faz chegar ao ponto exato para se costurar um repertório fantástico passeando por todos os sete álbuns da carreira e criando um belo mosaico do que são esses vinte anos de trajetória. Na Pedreira foram 21 canções distribuídas de forma nada desigual. Forma cinco dos dois primeiros álbuns, da série de arranjos quase como um rolo compressor hardcore com os instrumentos atuando juntos e sem dar muito tempo para a respiração ao acompanhar os vocais urgentes de Turner. Outras cinco da etapa seguinte, quando a banda embarcou nas viagens quase solitárias do deserto californiano para gravar mais dois discos com uma psicodelia que nunca seria encontrada no velho continente europeu. Mais cinco só de AM, o disco divisor de águas da carreira, aquele capaz de fornecer sucessos avassaladores, daqueles de fazer qualquer arena cantar em uníssono e entrar em transe enquanto isso. Aliás, este é aquele disco que diz muito sobre o set list de uma banda. Afinal, normal é deixar, hoje em dia, hits lá do início da trajetória, mas é impossível subir ao palco sem tocar clássicos como “Arabella” (com direito a final emulando o riff contagiante de “War Pigs”, do Black Sabbath), “R U Mine?” ou “Do I Wanna Know?”. Do período mais recente, requintado e luxuoso, seis canções foram pinçadas para completar a noite: os dois singles doTranquility Base Hotel + Casino mais pérolas complexas que ainda estão para ser digeridas pelo público (ainda mais quando executadas ao vivo, com o apoio de mais três músicos recrutados para a turnê) como “Sculpture Of Anything Goes”, “Body Paint”, “There’d Be A Mirrorball” e a faixa-título.

Nessa noite quem foi ver os britânicos ainda foi brindado com a oportunidade de ter uma grande banda como atração de abertura. Quem tocou também foi o Interpol, formação de carreira já tão longeva quanto os Monkeys e com o mesmo número de álbuns na discografia. Coube ao trio americano (que vira quinteto ao vivo) dar o pontapé inicial da noite com um repertório calibrado de 13 peças. Três delas retiradas do mais novo álbum (The Other Side of Make-Believe, lançado no meio deste ano) e oito dos incensados dois primeiros discos (entre estas, “Untitled”, “Evil”, “C’Mere”, “PDA”  e “Slow Hands”). Tocando sabiamente numa dimensão espacial mais reduzida de palco (os músicos todos lá na frente, bem próximos uns dos outros, como se fosse em um clube indie do Brooklyn nova-iorquino, de onde a banda saiu para conquistar o planeta) e com uma atmosfera soturna proporcionada pela combinação de muita fumaça e predominantes luzes azuis e vermelhas, nem parecia que os guitarristas Paul Banks e Daniel Kessler mais o baterista Sam Fogarino encaravam uma Pedreira Paulo Leminski numa noite muito fria de primavera.

O Interpol mandou ver um puta show de abertura, digno de qualquer outra noite em local fechado e de capacidade bem menor. O que enaltece ainda mais a grandiosidade do Arctic Monkeys nos dias de hoje. Muito provavelmente algo que Alex Turner, Jamie Cook (guitarra), Matt Helders (bateria e backings) e Nick O’Malley (baixo e backings) não poderiam sequer imaginar há quinze anos.

Set List Arctic Monkeys: “Sculptures Of Anything Goes”, “Brainstorm”, “Snap Out Of It”, “Crying Lightning”, “Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair”, “Why’d You Only Call Me When You’re High?”, “Body Paint”, “Four Out Of Five”, “Arabella”, “Potion Approaching”, “The Car”, “Cornerstone”, “Do I Wanna Know?”, “Tranquility Base Hotel + Casino”, “Pretty Visitors”, “Do Me a Favour”, “From The Ritz To The Rubble” e “505”. Bis:  There’d Better Be a Mirrorball”, “I Bet You Look Good On The Dancefloor” e “R U Mine?”.

Set list Interpol: Untitled, “Toni”, “Evil”, “Fables”, “C’mere”, “Narc”, “Passenger”, “The Rover”, “Rest My Chemistry”, “Obstacle 1”, “The New”, “PDA” e “Slow Hands”.

Music

Michael Bublé – ao vivo

Em Curitiba, canadense mostra na voz toda a gratidão por ter superado as adversidades enfrentadas pela família desde um pouco antes da pandemia

Texto e foto: Janaina Monteiro

Existe uma fórmula simples para constatar o caminho da nossa evolução: traçar paralelos. Feche os olhos e assista à sua vida em retrospectiva. Eu, por exemplo, era tímida, com baixa autoestima e, ingênua, acreditava em príncipe encantado. Ou seja, bem diferente da minha versão atual. 

Portanto, se o tempo serve pra alguma coisa – além de nos botar rugas na cara – é nos permitir comparar o passado e o presente, sobretudo em relação ao modo como enfrentamos as adversidades, os furacões, os tsunamis da vida. Porque num piscar de olhos, o chão pode ruir. O cantor e compositor canadense, Michael Bublé, que esteve no Brasil recentemente com a turnê denominada An Evening With…, sabe muito bem como lidar com esse cenário apocalíptico e cair na fenda provocada por um terremoto.  

A vida de Bublé virou de cabeça para baixo antes mesmo da pandemia. Em 2016, seu primogênito Noah foi diagnosticado com câncer no fígado aos 3 anos de idade. Para ele, esta notícia significou muito mais que um soco no estômago. Abalou o contagiante bom humor e por pouco custou sua carreira. Tanto é que o artista prometeu a si mesmo que só retornaria aos palcos quando o menino se curasse. 

Depois dessa rasteira, ele afirmou que a pandemia foi capaz de unir ainda mais sua grande e linda família (hoje Michael tem quatro filhos com a atriz argentina Luisana Lopilato). Por isso, quem sobe ao palco hoje com a turnê baseada no álbum mais recente, Higher, não é mais aquele rapaz boa-pinta, capaz de arrancar suspiros de multigerações. Quem sobe ao palco não é um crooner, aquele sucessor dos clássicos natalinos eternizados por Frank Sinatra. É, nitidamente, um artista que evoluiu. E nenhuma canção seria mais apropriada para iniciar a apresentação em Curitiba, realizada em 8 de novembro último na Arena do Athlético Paranaense, do que “Feeling Good”. Bublé não só demonstra sentir-se bem consigo mesmo e com seus fãs cada vez mais apaixonados – muitos deles de longa data, aliás – como mostra encarar a vida de outro jeito.

A confiança e a gratidão transbordam da sua voz e da sua performance, acompanhada de uma animada orquestra (formada boa parte por jovens e músicos locais). Bublé entretém, dança, “se joga” na plateia, faz piadas e atende ao pedido de um fã para cantar um trechinho de “Me and Mrs. Jones”, faixa que, aliás, não estava no roteiro. “Ainda bem que você escolheu uma que eu sabia”, brincou. Humilde, agradece à plateia por ter pago ingressos caros e confessa: “Quando eu vou dormir, rezo e agradeço a Deus por ter essas pessoas lindas na minha vida. Sentirei falta de vocês”. 

 Entre o “hi” e o “goodbye”, emenda um clássico no outro, temperando o set list com suas composições autorais como “Haven´t met you yet”, “Everything”, “Home” e “Higher”. Essa última, além de batizar o disco mais novo, foi composta em parceria como filho Noah. Bublé mostra ainda completo domínio da voz, sem cometer excessos, sem ao menos tomar água para refrescar a garganta. Tirando o terno violeta (um pouco justo), tudo é sob medida em sua apresentação. Sua voz, seus passos de dança aprimorados por conta da participação no programa Dancing With The Stars. A sintonia também aparece na interação com a plateia, com os músicos e o maestro da orquestra. 

Entre o palco principal e o secundário, ele desfila na passarela, olhando nos olhos das fãs (inclusive tem um apelo enorme com o público masculino!), que arremessam seus lenços e echarpes, emulando um ritual ao estilo de Elvis. Do ídolo de Memphis, emociona ao interpretar “Always On My Mind” e “Can´t Help Falling In Love”, que surge no meio de um medley com “You´re The First, The Last, My Everything”, famosa na voz potente de Barry White, e “To Love Somebody”, clássico dos Bee Gees. Sua nova roupagem para “Smile”, de Charlie Chaplin, arrepia.

Enfim, esse canadense, romântico inveterado, é capaz de costurar um repertório eclético, com arranjos modernos e sofisticados, esbanjando nostalgia, como se nessa salada só existissem as melhores frutas da estação. Tanto é que em seus 20 anos de carreira, gravou versões que vão de Queen, George Michael, Eric Clapton, Marvin Gaye e Stevie Wonder a, claro, Frank Sinatra. 

Agora, observando a vida em retrospectiva: se este show fosse realizado há três anos, quando minha mãe pediu para que eu comprasse as entradas (bem lá na frente), provavelmente um outro Bublé subiria ao palco. Provavelmente uma outra eu assistiria ao espetáculo. Mesmo porque nós duas também enfrentamos nosso próprio câncer.

Por isso, quando vou dormir, rezo e agradeço a Deus por ter acompanhado a dona Silvia nesta noite. Um espetáculo de show.

Set list: “Feeling Good”, “Haven´t Met You Yet”, “L-O-V-E”, “Such a Night”, “Sway”, “When You´re Smiling”, “Home”, “Everything”, “Higher”, “To Love Somebody”, “Hold On”,“Smile”, “I´ll Never Not Love You”, “Fever”,  “One Night”, “All Shook Up”, “Can´t Help Falling In Love”, “You´re The First, The Last, My Everything”,  It´s a Beautiful Day”, “Cry Me a River”, “How Sweet It Is (To Be Loved By You)”, “Save The Last Dance For Me” e “You Are Always On My Mind”.