Music

Pitty – ao vivo

Em show de aniversário do álbum de estreia, cantora se emociona com lembranças, se vê madura e poderosa e “ressignifica” o passado

Texto por Marcos Bragatto (Rock em Geral)

Foto de Amanda Respício (Rock em Geral)

Um riff de guitarra bem distorcido quebra o silêncio no palco. Um átimo de segundo depois, o mesmo riff e a mesma distorção que, com as luzes agora acesas, vê-se que vem de uma guitarra atravessada no tronco de uma garota. Não uma qualquer, mas A garota, dona da festa toda e de mais um pouco. Garotas com guitarras costumam seduzir aos borbotões e é assim que dois varões, um de cada lado, juntam-se a ela no meio do palco, ao passo que outro, atrás, espanca os tambores sem dó e assim se faz a mágica do riff no rock’n’roll, condutor principal da tal música. É assim que Pitty, a tal garota com guitarra, comanda o singelo começo de “O Lobo”, a tal música, na noite de 29 de abril, um sábado, em uma Fundição Progresso com gente jorrando pelo ladrão, no Rio de Janeiro.

É o show que marca o aniversário de 20 anos – olhe só, vejam vocês – do álbum de estreia da cantora, Admirável Chip Novo, e o plano é tocar todas as músicas dele e otras cositas mas. É uma turnê revivalista, sim, mas Pitty, dada a rebeldias e não é de hoje, trata logo de desfazer o conceito e dizer que a apresentação é “uma ressignificação, o Chip Novo hoje”. Olhando para o palco, com o cenário criado para essa turnê, dá pra entender. Passarelas laterais com uma outra atrás da bateria, um telão low profile com cortinas sobrepostas ao fundo que recebem efeitos de luz simples, mas bastante eficientes. No começo, a imagem da “garrinchinha de botas e pernas tortas” no telão dá lugar ao mulherão em que ela se converteu que surge já de guitarra em punho, atrás da banda, no alto, detonando em “Teto de Vidro”.

É a abertura do álbum com a tríade matadora que tem ainda “Admirável Chip Novo” e a entrada de bateria, agora conduzida por Jean Dolabella (do Ego Kill Talent e com o Sepultura no currículo), e “Máscara”, coisa de arrasar quarteirão. E é isso que acontece com o povaréu que não se incomoda nem um pouco em participar, em frenético pula-pula e cantando tudo a plenos pulmões. As músicas são intervaladas por trechos de conversas da pequena Pitty (em ligação a cobrar de Salvador para o Rio) para tratar do envio do material que se tornaria esse disco e ainda se impondo ante a interesses da gravadora, que não curtiu, à época, a vontade da cantora de que “Máscara” fosse o primeiro single do disco. O resto é história e é muita história que se passa na cabeça de quase todo mundo ali – há jovens e muitos jovens há 20 anos ou mais, quando Chip Novo saiu.

Assim Pitty se esforça para segurar o choro e suplantar e emoção em várias passagens. Honra seja feita, embora tenha saído dos cafundós de Salvador, foi no Rio, por força da sede da gravadora, que ela deu os primeiros passos na carreira, tocando em tudo o que é canto underground da cidade, muitas vezes para alguns gatos pingados e em condições bem acanhadas, para dizer o mínimo. Diferentemente do trio que a acompanha – além de Jean, tem o ótimo guitarrista Matin Mendonça e o baixista Paulo Kishimoto – ela viveu tudo isso, o que carrega o espetáculo com mais emoção ainda. Pena que, nesse show, não tenha entrado nenhuma citação aos guerreiros da época: o guitarrista Peu, falecido em 2013; o baixista Joe, desafeto depois de questões levadas à justiça trabalhista; e o batera Duda.

show de íntegra do disco segue o desafio de tocar músicas que podem não ser tão conhecidas assim e que não eram executadas com frequência ao vivo nem na época em que foram lançadas. E também de tocar ou não todas elas na ordem em que foram gravadas – porque uma coisa é bolar uma sequência de disco, outra é de como apresentá-las no palco. É claro que Pitty foi na decisão corajosa de manter a ordem do CD, respaldada pelo fato de nada menos que cinco singles terem sido lançados na época, todos com boas execuções radiofônicas, em um tempo em que isso fazia a diferença. E, no fundo, no fundo, ela sabe que fã da Pitty – fã de rock – é quase sempre do tipo que conhece tudo. É o que acontece com a cantoria comendo solta em praticamente todas as músicas, em umas mais, noutras menos. E ainda tinha aqueles esperando justamente as menos tocadas ao longo da carreira.

Como por exemplo “Do Mesmo Lado”, rock enguitarrado dos bons, no qual Pitty canta “escondida” atrás de uma cortina branca e recebe focos de luzes coloridas, de modo que sua silhueta aparece distorcida e borrada, de acordo com os movimentos, em excelente efeito visual. Dá pra lembrar que “Só de Passagem” é uma pedrada nu metal das boas, e aí brilha Dolabella detonando na bateria; e a já citada “O Lobo” vira um rockão daqueles de obediência ao riff. Dentre os hits, vale destacar a lentinha “Equalize”, não pela música em si, mas por evidenciar uma Pitty bem resolvida com a sensualidade que parecia lhe incomodar. Se antes tinha dificuldade até para cantar uma letra mais de relacionamento/romântica, hoje desfila o corpo de modo soberano pelo palco e não só nessa música. E ainda recomenda ao público que “solte a pélvis”. É a tal da – repita-se – menininha convertida em mulherão.

O show é todo fechadinho em 1h40 e bolado para ser mesmo especial. É repartido em três blocos. Se o primeiro tem as 11 músicas do álbum Admirável Chip Novo, o segundo traz um complemento da época, com “Seu Mestre Mandou”, espécie de sobra, que se converte em nervoso hardcore dos tempos do Inkoma, e três covers, com destaque absoluto para “Love Buzz”, da banda holandesa Shocking Blue, eternizada na voz de Kurt Cobain, do Nirvana. No bis, é a hora da representatividade dos outros álbuns da cantora. Aí realçam “Memórias”, esticada com uma jam session em que cada músico é apresentado e sola em seu instrumento e tem Pitty refestelada no solo, e o arremate com “Me Adora”, a canção mais pop/colante dela e talvez a de maior sucesso, para terminar a altíssimo astral.

Em suma: o show é verdadeiro espetáculo planejado para uma ocasião especial e que tem vida própria. O que lhe dá, e antemão, o status de imperdível.

Set list: “Teto de Vidro”, “Admirável Chip Novo”, “Máscara”, “Equalize”, “O Lobo”, “Emboscada”, “Do Mesmo Lado”, “Temporal”, “Só de Passagem”, “I Wanna Be”, “Semana Que Vem”, “Seu Mestre Mandou”, “Sailin’ On”, “Love Buzz” e “Femme Fatale”. Bis: “Setevidas”, “Memórias”, “Na Sua Estante” e “Me Adora”.

Series, TV

The Last Of Us

Série adaptada de cultuado videogame empolga ao falar de relações humanas em tempos de solidão e desesperança pós-apocalíptica

Texto por Taís Zago

Foto: HBO Max/Divulgação

A primeira versão de The Last Of Us, uma série de jogos de videogame desenvolvidos para o console PlayStation da Sony, surgiu em 2013 e foi agraciada com uma chuva de prêmios e um extenso fã-clube, chegando a ganhar a eleição de um dos melhores jogos já desenvolvidos. O sucesso abriu o caminho para uma franquia que acompanhou todas as novas versões da plataforma PS desde então e que agora também está sendo lançada para Windows e Xbox. Além dos jogos, foram originados também um comic book em 2013 e um live show em 2014. Agora veio a adaptação para o streaming. Fica claro que a pressão e as expectativas em torno do resultado da série roteirizada por Neil Druckmann, que é o próprio criador do jogo original, e por Craig Mazin, que assina o roteiro para Chernobyl (2019), não eram poucas.   

O arco da história pós-apocalíptica de The Last Of Us (EUA, 2023 – HBO Max) é aparentemente simples. Praticamente da noite para o dia grande parte da humanidade é dizimada via pandemia por um fungo da família do gênero Cordyceps – que realmente existe, mas no mundo real se limita a ser um endoparasita de artrópodes e que não chega a contaminar mamíferos, muito menos pessoas (até agora!). Os contaminados ou pessoas mordidas por contaminados perdem rapidamente a autonomia e passam a fazer parte de uma rede que serve a ele, que tem a única pretensão de se espalhar e sobreviver. Com isso os afetados se tornam uma espécie muito agressiva de zumbis canibalistas com mutações que lembram cogumelos pouco apetitosos e colônias do dito fungo. 

Depois de vinte anos, os poucos sobreviventes se dividiram em facções, cada qual com seus interesses específicos e formas de poder. Em comum, todos têm a hostilidade em relação a “intrusos” ou a intransigência na organização de suas comunidades. Ao momento da temporada – que já está chegando ao derradeiro capítulo – já fomos apresentados a alguns desses grupos. Os que mais se destacam são o FEDRA (Federal Disaster Response Administration, que se considera parte do governo dos EUA, tomou o controle como uma espécie de “milícia” após o desastre e se autointitula a principal autoridade em zonas de quarentena), o Firefly (Vagalumes em português, que é uma milícia antigovernamental surgida em resposta às ações autoritárias da FEDRA e que tenta encontrar uma cura para a infecção através de uma vacina) e os Contrabandistas (um grupo desorganizado que comanda o contrabando de materiais e suprimentos).

Joel (Pedro Pascal) e Tess (Anna Torv) fazem parte desse último grupo até receberem uma missão muito especial de alguns infiltrados dos Vagalumes: levar a menina Ellie (Bella Ramsey) até o grupo que busca a vacina, pois Ellie, aparentemente, é a única humana com clara imunidade ao fungo. Além disso, Joel ainda decide ir atrás do irmão Tommy (Gabriel Luna), que abandonara os Contrabandistas para se juntar aos Vagalumes, mas, sem explicação aparente, também largou esse segundo grupo. Joel, Tess e Ellie, iniciam então uma jornada de perigos entre humanos e não humanos.

Admito: apesar de já ter tido o PS 3 e 4, nunca tinha escutado falar do jogo The Last Of Us, pois meu interesse fica mais em torno de jump and runs coloridos com temas infantis. Então, contive minha empolgação ao iniciar a série mesmo sob a chuva de elogios emocionados do fã-clube. Invariavelmente minha primeira reação foi uma comparação imediata com as boas temporadas de The Walking Dead (2010-2022), a série produzida pela AMC, da qual me tornei uma fã fervorosa a ponto de possuir todos os volumes já lançados dos comics de Robert Kirkman e abandonei lá pela oitava temporada extremamente chateada após o roteiro da série desviar drasticamente do rumo do roteiro dos quadrinhos. 

Em The Last Of Us o nosso Rick Grimes é o Joel de Pedro Pascal. Pedro, que já é o nosso Mandalorian (outra série, iniciada em 2019, da franquia Star Wars da Disney+), aparentemente é a encarnação atual do lonely Soldier que Hollywood tanto adora: um sujeito com um pé no crime, sem amigos, carrancudo e amargo, mas que no fundo tem um coração de ouro e sabe atirar como ninguém. Ou seja, o novo Clint Eastwood ou o novo Charles Bronson do faroeste moderno pós-apocalíptico. Entretanto, de forma alguma menciono isso de forma pejorativa – a atuação de Pascal como Joel é impecável e a relação pai-filha que ele constrói aos poucos com a sapeca Ellie, interpretada com muita competência por Ramsey, já é uma promessa de momentos futuros espetaculares.

Outro ponto que não pode ser ignorado é a qualidade dos conflitos mostrados, bastante distantes da mera carnificina de monstros. Vemos relações reais e perigosas entre humanos. O comportamento de diferentes tipos humanos sob pressão, medo ou raiva. Um estudo sociológico de microcosmos inseridos num macrocosmo de uma catástrofe arrasadora. Temos até capítulos inteiramente dedicados ao backstory de personagens, como o maravilhosamente bem-produzido terceiro episódio, onde Nick Offerman como Bill e Murray Bartlett como Frank protagonizam um dos segmentos mais belos e sensíveis da série até agora. Aqui, excepcionalmente, não há o protagonismo da catástrofe, mas o dos sentimentos e das relações desenvolvidas em tempos de solidão e desesperança. A flor que renasce na terra devastada.

Se a qualidade for mantida, prevejo várias temporadas fervorosamente agradadas pelos velhos e também pelos novos fãs – aqui já me incluo – do complexo universo de The Last Of Us.

Music

Burt Bacharach

Homenagem ao autor de dezenas canções que viraram inesquecíveis clássicos da música pop do século 20

Textos por Abonico R. Smith

Foto de Leandro Delmonico/Mondo Bacana (show em Curitiba) e reprodução (com os oscars)

O final da manhã desta quinta-feira, dia 9 de fevereiro, trouxe a notícia de mais uma perda de um integrante estelar na história da música pop do século 20 nessas intensas semanas dos últimos três meses. Depois de Terry Hall (Specials), Thom Bell (produtor, criador do Philadelphia soul), Tim Stewart (cofundador da Stax), Vivienne Westwood (estilista, mentora do visual dos Sex Pistols), Alan Rankine (Associates), David Crosby (Byrds, Crosby Stills & Nash/Crosby Stills Nash & Young), Jeff Beck (Jeff Beck Group, Yardbirds) e Tom Verlaine (Television), chegou a vez deste plano espiritual se despedir de Burt Bacharach. O maestro, pianista, arranjador, compositor e cantor faleceu de causas naturais, aos 94 anos de idade, em Los Angeles, onde morava.

Bacharach e seu parceiro e letrista Hal David criaram centenas de canções a partir do final dos anos 1950 que os colocaram no panteão dos grandes times de compositores da música em todos os tempos. Em popularidade, talvez só tenham rivalizado com John Lennon e Paul McCartney.

Para homenagear este magistral artista, o Mondo Bacana reposta uma resenha de uma década atrás, que analisa como foi o concerto realizado por ele em terras curitibanas, durante sua última passagem pelo Brasil, em abril de 2013. Aqui estão descritos todos os porquês de sua genialidade, que residirá para sempre no inconsciente coletivo do cancioneiro internacional.

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>> Texto originalmente publicado pelo Mondo Bacana em abril de 2013

Burt Bacharach – ao vivo

O roteirista Charlie Kaufman escreveu o filme Being John Malkovich (1999), no qual se descobria um portal que levava para dentro da mente de um dos mais cultuados diretores e produtores das últimas décadas do cinema dos EUA. No fim da noite daquela terça-feira 16 de abril de 2013 muita gente deve ter saído do Teatro Positivo, em Curitiba, querendo achar uma entrada secreta para a cabeça de outro ícone do entretenimento americano: o maestro e pianista e arranjador e compositor e cantor Burt Bacharach.

Ele é um dos grandes gênios da canção do século 20. Entre as décadas de 1960 e 1980, compôs quase uma centena de músicas capazes de grudar no cérebro humano como um chiclete e de lá nunca mais sair em tempo algum. São melodias, riffs e letras (grande parte delas sobre o amor e suas variáveis) que qualquer pessoa que tenha prazer em ouvir música popular já escutou por aí na vida e nunca mais conseguiu se esquecer. Não adianta. Estão lá, guardadas em algum cantinho. Em algum momento você vai acabar se lembrando disso. Mesmo que não saiba quem é Burt Bacharach e que quem criou foi ele.

Burt está hoje com 84 anos de idade. Muito lúcido e surpreendentemente ainda na ativa. Não só viajando pelo mundo para apresentar ao vivo suas grandes criações. Mas ainda compondo, arranjando e gravando obras inéditas, como o musical Some Lovers, que estreou em um teatro de San Diego no ano passado. Atualmente ele trabalha ao lado do fã e discípulo Elvis Costello, um dos grandes nomes revelados durante a explosão do punk rock inglês na segunda metade dos anos 1970.

Curitiba foi a primeira das três cidades a receber a nova passagem de Bacharch pelo Brasil. Na capital paranaense, o show foi um pouco mais curto do que no Rio e em SP, já que o maestro chegara pouco tempo antes. Ele mesmo brincou a respeito disso em uma de suas conversas dirigidas à plateia: “música é bom para tudo nesta vida, até mesmo para fazer passar o jet leg”. Mesmo assim, o que se viu foi uma inacreditável sequência de 31 canções, quase todas com extremo poder para seduzir imediatamente quem as ouve. Afinal, não se cria à toa uma extensa coleção de prêmios como o Grammy (seis), Emmy (um), Globo de Ouro (dois) e Oscar (três).

À frente de sua competente banda de apoio formada por sete outros músicos e três vocalistas, o set list foi daqueles de deixar o espectador sem fôlego. Uma porrada atrás da outra, sempre com socos fortes e muitas vezes sem interrupção, chegando a emendar várias canções em um mesmo medley. Burt ainda pode se dar ao luxo de interpretar seus greatest hits não por inteiro, mas apenas através de seus trechos mais marcantes. E é impressionante também a precisão da distribuição dos instrumentos nos arranjos. O piano e os teclados cumprem o lado harmônico (vale lembrar que não há a presença das cordas da guitarra ou do violão) e o flugelhorn (sopro da família dos metais de trompetes) acaba sendo bastante privilegiado durante a execução de muitos riffs. Bateria e baixo assumem escancaradamente a função de cozinha e dão a cama rítmica que passeia entre a bossa nova, o rock, o jazz e outros grooves derivados dos negros norte-americanos.

No meio de tudo isso, Burt se concentra tanto em cada música que ele entra no espírito de cada uma dela durante a interpretação. E quando o momento é só seu, tocando piano e cantando sem qualquer acompanhamento como em “Alfie”, ele eleva o transe à plateia, que fica enfeitiçada e em silêncio absoluto só para curtir as emoções da viagem particular do astro da noite.

Este arsenal de hits planetários que ficaram célebres nas vozes de cantores como Dionne Warwick (sua principal e mais conhecida intérprete até hoje), Aretha Franklin, Dusty Springfield, Tom Jones, Walker Brothers, BJ Thomas, Barbra Streisand, Whte Stripes e Carpenters (e os Beatles!) ou trilhas sonoras de filmes de sucesso produzidos em Hollywood (Butch Cassidy & Sundance Kid; Alfie; Arthur, o Milionário; O que é que há, Gatinha?) foi quase todo assinado em parceria com o letrista Hal David, falecido em setembro de 2012, aos 91 anos de idade. Iniciada em 1957, a alquimia entre Hal e Burt se transformou em uma das mais bem-sucedidas crias do Brill Building, prédio nova-iorquino no qual compositores batiam ponto diariamente como trabalhadores e tinham como função a criação de obras musicais inéditas para serem gravadas, ali mesmo, por diversos cantores e grupos de pop e rock do final das décadas de 1950 e 1960.

Isso explica toda a classe e maestria das composições de Bacharach: o trabalho apurado de lapidação autoral e a adoção de uma rotina de labuta constante em busca da melhor resolução musical entre acordes, melodias e palavras para se encaixar na métrica. Ele diz que pensa em música em todas as horas e já criou hits até quando estava no trânsito. Deve ser mesmo algo fenomenal descobrir o que se passa – e o que já se passou nas últimas seis décadas – dentro de sua cabeça.

Set List: “What The World Need Now Is Love”, “Don’t Make Me Over”, “Walk On By”, “This Guy Is In Love With You”, “Save A Little Prayer”, Tranis & Boats & Plains”, “Wishin’ & Hopin’”, “Always Something To Remind Of”, “One Less Bell To Answer”, “I’ll Never Fall In Love Again”, “Only Love Can Break A Heart”, “Do You Know The Way To San José?”, “Anyone Who Had A Heart”, “I Don’t Know What To Do With Myself”, “Waiting For Charlie To Come Home”, “My Little Red Book”, “(They Long To Be) Close To You”, “The Look Of Love”, “Arthur’s Theme”, “What´s New, Pussycat?”, “The April Fools”, “Raindrops Keep Fallin’ On My Head”, “The Man Who Shot Valance”, “Making Love”, “Wives And Lovers”, “Alfie”, “A House Is Not A Home”, “That’s What Friends Are For”. Bis: “Every Other Hour”, “Hush”, “Any Day Now” e “Raindrops Keep Fallin’ On My Head”.

Music

Arctic Monkeys + Interpol – ao vivo

Quinze anos depois britânicos retornam ao palco da Pedreira Paulo Leminski como uma das maiores bandas de rock do mundo

Texto e foto por Abonico Smith

Antes de entrar na resenha propriamente dita, vai aqui uma proposta de uma ligeira brincadeira que envolve imaginação, projeção e percepção sobre a vida. Pense em como você era e onde estava quinze anos atrás. Agora pense em você daqui a quinze anos, lá no ano de 2037. Muita diferença em relação ao você de hoje?

Pois bem, ver o Arctic Monkeys tocando na Pedreira Paulo Leminski no último dia 8 de novembro provocou este exercício de memória. Quando o quarteto inglês subiu ao palco da mais bela arena a céu aberto do sul do país esta não era a estreia em tal espaço. Alex Turner e seus fieis escudeiros já haviam tocado ali em novembro de 2017, com uma das atrações da etapa curitibana do falecido Tim Festival. Assim como nos dias de hoje um sideshow de um grande festival nacional.

Três dias antes eles haviam sido headliners do primeiro dia da primeira edição do Primavera Sound São Paulo. Um cenário diferente daquele primeira vinda à capital paranaense. Agora os Monkeys são uma das mais importantes bandas de rock do mundo. Uma década e meia atrás, com dois badalados e já grandiosos álbuns na carreira, eram a grande aposta da música britânica naquela época. As letras de Turner, bastante incensadas pela imprensa musical. Quatro garotos de vinte e poucos anos com um indie rock avassalador, pungente e urgente como um quase hardcore. Com o acréscimo de uma habilidade lírica pouco vista para moleques daquela idade. Tanto que, apesar de ainda estarem em início de carreira, já ocupavam na grade do line up daquele dia em Curitiba um espaço mais importante que a veterana Björk, por exemplo (a mesma que, por sinal, tocou horas antes dos ingleses no mesmo Primavera Sound SP).

Portanto, os astros que hoje se aproximam da quarta década da idade estão, se comparados com aqueles mesmos de uma década e meia atrás um tanto mais seguros do que são no momento e do lugar que ocupam dentro do mundo musical. Alex Turner tem presença de palco monstruosa, já um tanto liberto da obrigação de sempre tocar sua guitarra, transforma-se naquele rockstar marrento, exalando propositalmente sensualidade, para fazer os hormônios das teenagers e pós-adolescentes da plateia passarem do ponto de ebulição, gerando na plateia da Pedreira gritos constantes, típicos de uma juventude feminina diante de um ídolo do rock desde os tempos de Elvis Presley e dos Beatles.

No palco, Turner não só corresponde como também provoca e excita. Bastante. No figurino retrô, nas poses um tanto quanto teatrais, no jeito de se comportar no palco e se portar por trás do microfone. Parece muito concentrado em representar essa figura, o que suscita também um certo desconforto em quem quer de um show algo maior do que um mero jogo sexual entre ídolo e fã.

Musicalmente, Arctic Monkeys é sinônimo de uma grande banda. Primeiro pelo fato do quarteto nunca se prender a uma zona de conforto. Depois de alcançado o estrelato de forma até precoce, não se pode acusá-lo de comodismo. A cada novo disco, uma tentativa de se reinventar e trilhar por novos caminhos. Até chegar ao novíssimo álbum, disponibilizado nas lojas e plataformas de streaming na semana anterior da vinda da banda ao Brasil. Sétimo álbum em vinte anos de carreira, The Car é uma bela proposta de se chegar à excelência de um pop refinado, com pitadas de falsetes, grooves e orquestrações, na melhor tradição sixtie britânica. Uma evolução do predecessor, Tranquility Base Hotel + Casino, e direcionamento bem diferente dos outros anteriores, que flertavam com o stoner, o psicodélico, o hard rock e até mesmo o heavy metal.

O que faz chegar ao ponto exato para se costurar um repertório fantástico passeando por todos os sete álbuns da carreira e criando um belo mosaico do que são esses vinte anos de trajetória. Na Pedreira foram 21 canções distribuídas de forma nada desigual. Forma cinco dos dois primeiros álbuns, da série de arranjos quase como um rolo compressor hardcore com os instrumentos atuando juntos e sem dar muito tempo para a respiração ao acompanhar os vocais urgentes de Turner. Outras cinco da etapa seguinte, quando a banda embarcou nas viagens quase solitárias do deserto californiano para gravar mais dois discos com uma psicodelia que nunca seria encontrada no velho continente europeu. Mais cinco só de AM, o disco divisor de águas da carreira, aquele capaz de fornecer sucessos avassaladores, daqueles de fazer qualquer arena cantar em uníssono e entrar em transe enquanto isso. Aliás, este é aquele disco que diz muito sobre o set list de uma banda. Afinal, normal é deixar, hoje em dia, hits lá do início da trajetória, mas é impossível subir ao palco sem tocar clássicos como “Arabella” (com direito a final emulando o riff contagiante de “War Pigs”, do Black Sabbath), “R U Mine?” ou “Do I Wanna Know?”. Do período mais recente, requintado e luxuoso, seis canções foram pinçadas para completar a noite: os dois singles doTranquility Base Hotel + Casino mais pérolas complexas que ainda estão para ser digeridas pelo público (ainda mais quando executadas ao vivo, com o apoio de mais três músicos recrutados para a turnê) como “Sculpture Of Anything Goes”, “Body Paint”, “There’d Be A Mirrorball” e a faixa-título.

Nessa noite quem foi ver os britânicos ainda foi brindado com a oportunidade de ter uma grande banda como atração de abertura. Quem tocou também foi o Interpol, formação de carreira já tão longeva quanto os Monkeys e com o mesmo número de álbuns na discografia. Coube ao trio americano (que vira quinteto ao vivo) dar o pontapé inicial da noite com um repertório calibrado de 13 peças. Três delas retiradas do mais novo álbum (The Other Side of Make-Believe, lançado no meio deste ano) e oito dos incensados dois primeiros discos (entre estas, “Untitled”, “Evil”, “C’Mere”, “PDA”  e “Slow Hands”). Tocando sabiamente numa dimensão espacial mais reduzida de palco (os músicos todos lá na frente, bem próximos uns dos outros, como se fosse em um clube indie do Brooklyn nova-iorquino, de onde a banda saiu para conquistar o planeta) e com uma atmosfera soturna proporcionada pela combinação de muita fumaça e predominantes luzes azuis e vermelhas, nem parecia que os guitarristas Paul Banks e Daniel Kessler mais o baterista Sam Fogarino encaravam uma Pedreira Paulo Leminski numa noite muito fria de primavera.

O Interpol mandou ver um puta show de abertura, digno de qualquer outra noite em local fechado e de capacidade bem menor. O que enaltece ainda mais a grandiosidade do Arctic Monkeys nos dias de hoje. Muito provavelmente algo que Alex Turner, Jamie Cook (guitarra), Matt Helders (bateria e backings) e Nick O’Malley (baixo e backings) não poderiam sequer imaginar há quinze anos.

Set List Arctic Monkeys: “Sculptures Of Anything Goes”, “Brainstorm”, “Snap Out Of It”, “Crying Lightning”, “Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair”, “Why’d You Only Call Me When You’re High?”, “Body Paint”, “Four Out Of Five”, “Arabella”, “Potion Approaching”, “The Car”, “Cornerstone”, “Do I Wanna Know?”, “Tranquility Base Hotel + Casino”, “Pretty Visitors”, “Do Me a Favour”, “From The Ritz To The Rubble” e “505”. Bis:  There’d Better Be a Mirrorball”, “I Bet You Look Good On The Dancefloor” e “R U Mine?”.

Set list Interpol: Untitled, “Toni”, “Evil”, “Fables”, “C’mere”, “Narc”, “Passenger”, “The Rover”, “Rest My Chemistry”, “Obstacle 1”, “The New”, “PDA” e “Slow Hands”.