Dois anos depois de lançar um disco só com obras cantadas e compostas por Marisa Monte capixaba traz a turnê para Curitiba
Texto, entrevista e foto por Janaina Monteiro
Com aquele sorriso que cativa a todos, Silva apareceu de braços abertos para o público. Trazia sua simpatia e calor humano para aquecer os corações dos fãs que lotaram a Ópera de arame naquela noite de 24 de agosto e retribuíram o carinho do artista ao cantar em uníssono “Ainda Lembro”, a primeira do álbum que gravou com apenas canções de Marisa Monte.
Apesar de se tratar de um trabalho de covers, o multi-instrumentista imprimiu seu tom autoral às versões, resgatadas do repertório mais pop de Marisa, de quem o cantor é fã desde a adolescência. Silva adapta a obra para seu timbre de voz, sempre afinada, respeitando sua sonoridade. Os arranjos minimalistas, contidos, conduzem as composições para uma estética mais sintética e intimista, mas nem por isso menos orgânica e delicada. O projeto, aliás, teve início quando Silva foi convidado a apresentar suas versões para o Canal Bis, assim como o Vanguart fizera com Bob Dylan e que rendeu também um disco de covers.
Na primeira metade do show, Silva permaneceu sentado diante de seus teclados, interpretando os maiores hits da cantora: “Na Estrada”, “Não É Fácil” (que dá vontade de dançar coladinho), a romântica “Beija Eu” (que ganhou uma roupagem sensual, com seu arranjo comedido, de poucos acordes, e intervenções pontuais de guitarra), “De Noite na Cama”, “O Que Me Importa”, “Tema de Amor”. Simpático, sempre dialogando com o público, Silva explicou que não estava 100%, por ter adoecido após o show da noite anterior. Para não cancelar a apresentação em Curitiba, afirmou que tomara uma injeção de analgésicos e de ânimo, com o perdão do trocadilho.
A única inédita em relação ao álbum (que tem uma versão ao vivo!) foi “Noturna (Nada de Novo na Noite)”, parceria de Silva com a “ídola” Marisa, indicada ao Grammy Latino de melhor canção em língua portuguesa. O cantor contou à plateia que a ideia da música veio por conta do medo de dormir compartilhado tanto por ele quanto pelo filho da cantora. “O filho de Marisa, quando era pequeno, tinha muitos pesadelos”, explicou. Talvez por isso a versão de “Sonhos” tenha sido escolhida a dedo para a metade do show. Silva abraçou seu violão e cantou a composição assinada por Peninha, se assemelhando a Caetano Veloso que regravou a canção no álbum Cores, Nomes.
Sob a interferência de vários pedidos de casamento feito por fãs, de vozes masculinas e femininas, Silva engatou “Bem Que Se Quis” e “Beija Eu”. Antes do bis, que teve “Vilarejo”, ele convidou o público a se levantar para cantar “Não Vá Embora” (que se transformou num reggae sedutor). Com todos de pé, um certo ar de protesto tomou conta da apresentação, mas antes que o coro dos descontentes fosse adiante, Silva pediu. “Sou uma pessoa muito tranquila. Vamos deixar isso de lado hoje”. Aplausos. Muitos aplausos.
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Seu álbum que homenageia a diva Marisa Monte foi lançado há algum tempo nas plataformas de streaming, mas só após dois anos que a turnê chegou a Curitiba. Como foi o processo de criação das releituras, sobretudo nos arranjos e adaptação da extensão vocal?
Foi um processo muito prazeroso. Fiz cada detalhe com muito carinho, para que as versões tivessem a minha cara. Foi uma experiência de intérprete que eu não havia experimentado. Sempre me dediquei ao meu trabalho autoral, mas foi muito enriquecedor poder me aventurar num repertório que não é meu.
Como Marisa influenciou sua carreira? Que canção dela mais te inspira?
Além do contato com a obra de Marisa, ter contato com ela com certeza continua a me acrescentar muito. Tenho muitas favoritas e não foi à tôa que gravei um disco inteiro dedicado a ela. Mas pensando nesse exato momento eu posso dizer que amo muito “Pecado é lhe Deixar de Molho”. Eu raramente gosto de uma música só por causa da letra. A composição tem que me pegar por inteiro. Melodia, letra, arranjo, tudo. Por isso acho que essa música me marca tanto.
Você coleciona um punhado de participações, principalmente de vozes femininas em seus trabalhos. O novo single, “Um Pôr de Sol na Praia”, traz a parceria com Ludmilla, numa batida que mescla samba e rap. No disco Brasileiro, você cantou com Anitta em “Fica Tudo Bem”. Fernanda Takai participou de seu segundo álbum, de 2014. Sem falar na Marisa, claro. Como você escolhe suas parcerias e qual a relevância da voz feminina na MPB? Cogita alguma parceria internacional?
Toda a relevância do mundo! Não consigo nem imaginar como seria sem Gal, Elis, Alcione, Marisa, Ivete e tantas outras tão incríveis. Eu não enxergo música com rótulos e barreiras. Deve ser por isso que consigo fazer tantas misturas numa música só. Gosto muito disso. Estou aberto a todo tipo de parceria.
Você é capixaba, da mesma terra de Roberto Carlos. Saiu do Espírito Santo para a Irlanda, onde formou uma banda com artistas de outras nacionalidades. Como essa vivência internacional influenciou na sua carreira como cantor e compositor de volta ao Brasil?
Viver em Dublin foi muito importante pra mim. Tinha 20 anos quando me mudei e voltei com 21, quase 22. Aprendi muito, compus minhas primeiras músicas e foi lá que surgiu essa vontade de cantar além de ser músico. Tocava violino numa banda de jazz, vi muitos shows e tive experiências que expandiram minha cabeça.
No Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira, o verbete Silva é definido como compositor multi-instrumentista (“toca piano, violino, guitarra”) formado em violino clássico e filho de uma professora de música. Ou seja, a música está no DNA da família. O quão é fundamental esse contato com a arte desde a infância tanto para o desenvolvimento cognitivo do ser humano quando para a formação de plateia?
Música ocupa um lugar muito único nas nossas vidas, difícil de ser preenchido por outras atividades. Por isso sou tão favorável a que esse contato seja feito o quanto antes. Sou daqueles que sugere insistentemente aos meus amigos com filhos a colocá-los em aula de iniciação musical.
No seu mais recente álbum, Brasileiro, você me lembra a forma com que Tom Jobim retratava o país, a natureza e a alma do brasileiro, conseguindo tecer uma crítica social de forma sutil e poética. A arte tem o poder de nos salvar desse mundo marcado por relações descartáveis, voláteis e pela intolerância?
A música e a arte cumprem vários papéis. Tem música para meditar, para dançar, outras para pensar… Tenho admirado muito aquelas que estão lutando pra levar um pouco mais de amor e generosidade nesses tempos tão sombrios. A gente não pode perder a esperança.
Vinte e cinco itens que, 25 anos após a morte de Kurt Cobain, constituem o legado da banda
Texto por Cristiano Viteck
Fotos: Reprodução
Goste ou não, você tem de concordar que o Nirvana foi a última grande banda de rock. Grande no sentido de suas músicas repercutirem muito além do mundinho da cultura pop, o que a transformou em fenômeno de massa como poucas vezes se viu.
A Nirvanamania saiu dos palcos das casas de shows, ganhou as ruas, chegou às passarelas da moda, virou dissertações de mestrado e teses de doutorado. O comportamento errático do grupo, em especial de Kurt Cobain, motivou debates na imprensa com psicólogos, médicos, religiosos, professores. Motiva até hoje algumas pessoas dedicarem suas vidas a colocar em dúvida se a morte do cantor foi mesmo suicídio ou assassinato.
O legado da banda continua a influenciar gerações nascidas no pós-Nirvana, que encontram naquela música a energia, o prazer, a raiva, as respostas ou pelo menos um ombro amigo para as angústias do dia-a-dia.
Entre aqueles que viveram a Nirvanamania no auge, além da nostalgia, ainda há que se pergunte “o que foi tudo aquilo”. Então, chovem mais livros, filmes e teses a cada ano buscando a explicação.
Neste primeiro fim de semana de abril, completam-se 25 anos do suicídio do compositor, cantor, guitarrista e líder Kurt Cobain. Especula-se que ele tenha morrido no dia 5, mas seu corpo só foi encontrado três dias depois, em sua casa em Seattle, onde passava uns dias sozinho, sem a presença da esposa Courtney Love. E como sempre acontece com astros que morrem muito cedo – e se for de forma trágica, mais ainda – o homem à frente do Nirvana teve sua imagem de jovem rebelde eternizada. Ele cheira a espírito adolescente e para sempre!
De uns tempos para cá, o rock parece cada vez mais música para gente velha. Mas o Nirvana, não. Como Kurt, a sua música também não envelheceu. Aquelas canções e letras, por mais difíceis de compreender, tratam de temas universais como o amor, o ódio, a culpa e o perdão (ou a falta dele). Por isso sempre encontrarão jovens dispostos a ouvi-la, como é natural para toda grande arte.
Os números não mentem. Um quarto de século após o fim, o Nirvana é uma força. No Spotify, seu “rival” do grunge (e ainda na ativa) Pearl Jam, soma 8 milhões de ouvintes. O Metallica, chega a 12,3 milhões. O Foo Fighters, liderado por Dave Grohl que tem presença quase diária nos portais de música com suas peripécias e projetos diversos, atinge 10 milhões de ouvintes. A rainha do pop Madonna, tem 9,4 milhões. O trio formado por Kurt, o baixista Krist Novoselic e o então baterista Grohl supera todos estes, com média de 12,5 milhões de ouvintes. Nada mal para uma banda liderada por alguém que está morto há tanto tempo.
Apresentamos, a seguir, uma lista de 25 itens (livros, discos, filmes, shows, exposição) que contribuíram para a permanência da banda e de Kurt Cobain no panteão dos deuses do rock e da cultura da rebeldia juvenil. Como toda lista, ela é incompleta. Mas serve de mapa para percorrer os caminhos trilhados até aqui pelo legado do Nirvana.
Unplugged In New York (1994)
Primeiro disco póstumo lançado, Unplugged In New York chegou às lojas em 1º de novembro de 1994. Retirado do show gravado quase um ano antes para a série Unplugged, da MTV, o registro é um dos momentos mais sublimes da carreira do Nirvana. Das 14 faixas, oito são versões de músicas da própria banda e, ainda assim, somente um hit massificado pelas rádios (“Come As You Are”, executada logo de cara). As demais foram covers do Vaselines (“Jesus Doesn’t Want Me For a Sunbeam”), David Bowie (“The Man Who Sold The World”), Meat Puppets (“Plateau”, “Oh Me” e “Lake of Fire”) e Leadbelly (“Where Did You Sleep Last Night”). Mesmo 25 anos depois, Unplugged in New York é um disco que incendeia a memória e emociona os fãs. Detalhe: há distorção no violão.
A estreia do Foo Fighters (1995)
Após o suicídio do amigo e companheiro de banda, o baterista Dave Grohl quase desistiu da música. Por sorte, mudou de ideia e seguiu em frente com um novo projeto, agora como vocalista, guitarrista e compositor. O álbum de estreia do Foo Fighters – que leva apenas o nome da banda – foi lançado em 4 de julho de 1995 pelo selo Roswell, criado pelo próprio Grohl. Foi ele quem tocou todos os instrumentos no disco. Este é o trabalho mais cru da carreira do Foo Fighters e aquele que mais se aproxima da sonoridade do Nirvana. Para o álbum foi resgatada a canção “Winnibago”, presente no álbum Pocketwatch, trabalho solo pouco conhecido que Dave Grohl lançou em 1990 sob o pseudônimo Late!, pouco antes de ocupar em definitivo a vaga de baterista do trio. Deste mesmo disco, o Nirvana gravara anteriormente “Colour Pictures of a Marigold”, mas batizada apenas como “Marigold”. A canção, única música cantada e de autoria de Dave Grohl no Nirvana, foi o lado B do single “Heart-Shaped Box”.
O primeiro disco ao vivo com guitarras (1996)
O segundo disco póstumo traz a banda no seu habitat natural. From The Muddy Banks Of Wishkah é uma coletânea de 17 canções gravadas em diferentes shows entre 1989 e 1994. A maior parte da compilação traz o Nirvana em sua melhor forma, quando a apatia e as drogas ainda não haviam roubado o brilho e a energia de Kurt Cobain no palco ou fora dele. A cereja do bolo deste repertório é a faixa ao vivo de “Spank Thru”, cuja versão oficial em estúdio havia sido lançada apenas na coletânea Sub Pop 200, de 1988.
Krist Novoselic de volta à música (1997)
Este episódio faz parte da lista mais por ser o primeiro sinal de vida de Krist Novoselic pós-Nirvana do que propriamente pela importância do trabalho. Depois de Dave Grohl se dar bem com o Foo Fighters, em 1997 foi a vez de Krist Novoselic apostar suas fichas. Mas, diferentemente do primeiro, o baixista do Nirvana não foi bem-sucedido com o projeto Sweet 75. Tendo como parceira a cantora venezuelana Yva Las Vegas, o disco de estreia decepcionou os fãs do Nirvana e foi recebido friamente pela imprensa. Após este fracasso, veio outro. Em 2002, Krist lançou junto com Curt Kirkwood (Meat Puppets) e Bud Gauch (Sublime) o único disco do Eyes Adrift, que não teve destino melhor que o Sweet 75. O mais novo projeto do baixista é a banda Giants In The Trees, cujo disco de estreia foi lançado em 2017, também sem muito alarde. Mais interessantes são outros dois projetos dos quais Krist Novoselic participou. Em 2007, ele assumiu o baixo do Flipper, grupo de pós-punk que teve grande influência sobre o Nirvana. Com a banda Krist gravou dois discos: Love, com material inédito registrado em estúdio, e Fight, ao vivo, ambos lançados há dez anos. Menção honrosa também para a participação dele no No WTO Combo, que contava também com Jello Biafra (Dead Kennedys) e Kim Thayil (Soundgarden). A banda lançou um disco ao vivo em 2000, Live From The Battle Of Seattle, gravado um ano antes, nas manifestações que tomaram as ruas da cidade-berço do grunge, durante reunião de líderes da Organização Mundial do Comércio.
Kurt & Courtney (1998)
Em fevereiro deste ano estreou o primeiro documentário a ter grande repercussão, por defender a tese de que o líder do Nirvana fora assassinado. A suposta criminosa? A viúva, claro. Dirigido por Nick Broomfield, o filme foi exibido pela BBC. Chegou também a ter sua exibição agendada para o Festival de Sundance, mas os organizadores desistiram depois de serem ameaçados de processo por Courtney Love. Familiares e amigos de Kurt Cobain, autoridades policiais e alguns outros sujeitos sinistros de credibilidade questionável são ouvidos no documentário. Dylan Carlson, o amigo que comprou a arma com a qual Kurt teria tirado a própria vida (ou sido assassinado!), aparece também. O clímax é o depoimento do cantor punk El Duce, no qual afirma que Courtney teria lhe oferecido 50 mil dólares para matar o esposo. Ele também diz saber quem matou Kurt, mas que prefere deixar que o FBI descubra. Dois dias depois de ser entrevistado para o documentário, El Duce morreu atropelado por um trem. Portanto, prato cheio para quem gosta de teorias da conspiração. Atulamente, o filme está à disposição para ser visto pelos assinantes da Netflix no Brasil.
Mais Pesado Que o Céu (2001)
A década seguinte ao suicídio de Kurt Cobain foi marcada por uma enxurrada de lançamentos literários sobre a vida do músico e a banda, que começavam a ser revistos com o devido distanciamento histórico, que permite interpretar melhor a carreira e o legado do artista. E é isso o que faz a primeira grande biografia de Kurt Cobain, Heavier Than Heaver, lançada em 2001. Ela foi escrita pelo jornalista Charles R. Cross, que por 15 anos foi editor do The Rocket, jornal musical de Seattle publicado entre 1979 e 2000. Com ampla pesquisa de arquivo e muitas entrevistas com pessoas próximas a Kurt em todas as fases da vida do cantor, o biógrafo conseguiu fazer um retrato apurado do líder do Nirvana. O livro foi lançado por aqui em 2002, com o título Mais Pesado Que o Céu. Em 2014, quando se completaram 20 anos do fim trágico do Nirvana, Charles R. Cross lançou outro livro, Here We Are Now: The Lasting Impact On Kurt Cobain (no Brasil chamado Kurt Cobain: A Construção do Mito). Esta obra é um olhar atento sobre o que representava o Nirvana duas décadas depois de ter transformado a cultura pop mundial.
Nossa Banda Podia Ser Sua Vida (2001)
Seguindo a onda de excelentes publicações que começaram a surgir à época e que tinham o Nirvana como mote, neste ano também foi lançado o livro Our Band Could Be Your Life: Scenes From American Indie Underground 1981-1991, do jornalista Michael Azerrad. Ele mostra como o Nirvana e a explosão do rock alternativo no início dos anos 90 não aconteceu por acaso. Ao resgatar a história de 13 bandas – entre elas Black Flag, Mission Of Burma, Minor Threat, Dinosaur Jr, Sonic Youth, Beat Happening, Hüsker Dü e Replacements – Azerrad interliga cenas musicais diversas da década de 1980 nos Estados Unidos que, embora pequenas, foram influentes e deram a base de fãs necessária para que o Nirvana saltasse do underground ao mainstream com o álbum Nevermind, em 1991. Com tradução do título ao pé da letra, Nossa Banda Podia Ser Sua Vida ganhou edição brasileira no final do ano passado. Azerrad também é autor de Come As You Are: A História do Nirvana, a biografia oficial do Nirvana, de 1993. Uma longa entrevista de Michael Azerrad com Kurt também deu origem ao cultuado documentário About a Son – Retrato de Uma Ausência, de 2006.
“You Know You’re Right” (2002)
A última canção de estúdio gravada pelo Nirvana foi lançada em 2002, na coletânea também batizada Nirvana. Editada como single para promover a compilação de sucessos, “You Know You’re Right” levou o trio de volta ao topo das paradas da Billboard e teve ampla divulgação na MTV, deixando mais do que evidente que havia uma base gigante de fãs sedentos por material inédito. Quem acompanhava a carreira da viúva de Kurt Cobain, Courtney Love, logo lembrou que a composição inédita do Nirvana havia sido tornada pública pelo Hole em 1995, em show da banda para a série Unplugged MTV. A faixa foi apresentada pelo Hole com o nome de “You’ve Got No Right”. A versão do Nirvana foi gravada poucas semanas após o lançamento do álbum In Utero, no final de 1993.
Os diários de Kurt (2002)
Se o livro Mais Pesado Que o Céuapresentava uma visão ampla da vida e da carreira de Kurt Cobain, a publicação dos diários do músico mergulhou os fãs na intimidade e na mente do líder do Nirvana. Journals não ganhou edição em português, o que se justifica pelo fato de o livro ser a reprodução exata das centenas de páginas em que o músico registrou, através de escrita e desenhos, seus aspirações, alegrias e frustrações. Estão lá esboços de letras que se tornariam famosas, de capas de discos que foram ou não lançados pelo grupo, as famosas listas de preferências do vocalista. O que salta aos olhos na leitura dos diários é a transição do problemático jovem músico que sonhava em se tornar rockstarem uma estrela mundial deprimida pelo sucesso e o vício, que já anunciava a própria morte em seus cadernos íntimos.
Fragmentos de Uma Autobiografia (2002)
Também neste ano, o jornalista brasileiro Marcelo Orozco lançou um título sobre o líder do Nirvana. Kurt Cobain: Fragmentos de Uma Autobiografia, chegou às livrarias pela saudosa Editora Conrad. Na obra, Orozco se propôs a fazer aquilo que o próprio biografado desencorajou o público a tentar: atribuir significados biográficos às composições (“cansei de ver pessoas querendo por sentido em minhas letras”, disse uma vez Kurt). Em geral, percebidos como difíceis de decodificar, os versos do compositor continuam inspirando e desafiando os fãs ao longo dos anos. De um jeito ou de outro, Orozco consegue fazer em seu livro um apanhado razoável da vida de Cobain e a obra merece crédito por isso. O autor justificou sua motivação. “Em sua música, Kurt soltava raiva quando sentia raiva; era doce quando se sentia doce; despachava rancores e pedia desculpas quando magoava alguém; tinha tristeza e humor. Imperfeito, complexo, vivo. E transparente, mesmo quando os versos pareciam enigmas sem sentido para outras pessoas”, afirmou o jornalista.
De grunge e governo (2004)
Após o fim do Nirvana e com os novos projetos musicais que não deram certo, o baixista Krist Novoselic passou a se dedicar a causas sociais e, principalmente, políticas. Um dos temas que mais o motivam é a revisão do processo eleitoral dos Estados Unidos. Desde 2005, ele é um dos mais ilustres membros da FairVote, organização fundada em 1992 em defesa desta causa. Um ano antes de entrar para a FairVote, Krist Novoselic publicou o livro Of Grunge and Government: Let’s Fix This Broken Democracy. Na obra, sem tradução para o Brasil, o músico e ativista expôs suas críticas e propostas para modernizar as eleições naquele país. E também explicou o seu interesse tardio pela política: “Eu costumava acreditar na retórica punk que defendia o completo abandono das instituições, a lógica sendo que nosso governo é a fonte da injustiça, então ele é o problema. Meu erro foi confundir hipocrisia, abuso de poder e a exclusão alimentada pelo nosso sistema eleitoral falido com sistema democrático. De modo errado eu me separava do meu governo. Hoje em dia, muitos cidadãos estão cometendo o mesmo erro.”
With The Lights Out (2004)
Após batalhas judiciais que se estenderam por anos pelos direitos do espólio do Nirvana, foi lançado em novembro de 2004 o box With The Lights Out. Formado por três CDs e um DVD, este material deu caráter oficial a uma série de gravações ao vivo, demos e faixas lançadas de forma avulsa pelo Nirvana em tributos, trilhas sonoras e afins. São 61 faixas de áudio e outras 20 registradas em vídeo no DVD. É ainda a melhor antologia do Nirvana: cobre toda a carreira da banda, desde o começo em Aberdeen em 1987 até o seu final em Seattle, em 1994. Uma das faixas mais interessantes é o cover de “Seasons In The Sun”, do cantor Terry Jacks, presente no DVD. Gravada em estúdio no Rio de Janeiro, em 1993, tem Kurt Cobain no vocal e bateria, Krist Novoselic na guitarra e Dave Grohl no baixo. Com essa mesma formação, a banda também tocou a música na caótica apresentação do festival Hollywood Rock, em São Paulo.
Classic Album: Nevermind (2005)
Produzida pela Isis Productions e distribuída pela Eagle Rock Entertainment, Classic Albums é uma série de documentários para TV/DVD sobre discos que se tornaram legendários. Com entrevistas com músicos, produtores, jornalistas, empresários e quem mais puder contribuir para contar uma boa história sobre os registros destes álbuns, a série é um prato cheio aos aficionados em música pop. Em 2005, Nevermindfoi esmiuçado em um dos episódios. Krist Novoselic, Dave Grohl e o produtor Butch Vig deram seus depoimentos sobre os bastidores das gravações. Chama atenção como, mesmo depois de tanto tempo desde o lançamento, os três ainda se mostram surpresos com o tamanho do sucesso alcançado por Nevermind, registrado pela modesta quantia de 60 mil dólares. Dave Grohl: “eu não pensava que estávamos gravando um álbum clássico, apenas pensava que ele soava bem”. Krist Novoselic: “este disco é o que de melhor eu fiz na minha vida”.
Live At Reading (2009)
São muitos os que dizem, inclusive membros do Nirvana, que a melhor apresentação em toda a história do grupo foi a do Reading Festival, no dia 30 de agosto de 1992, época em que o Nirvana e o grunge eram fenômeno mundial. Junto a isso, os vícios e as overdoses de Kurt Cobain já alimentavam a imprensa, sendo as vidas dele, da esposa Courtney Love e da filha Frances Bean estampadas com frequência nas capas dos tabloides sensacionalistas britânicos. Quem não se lembra das reportagens que afirmavam que Courtney havia usado continuamente heroína durante a gravidez e que a filha do casal havia nascido viciada? Vivendo em um mundo onde caos pode ser a palavra definidora, muitos duvidavam de que Kurt apareceria para fechar a noite grunge do Festival. Até mesmo os membros do Nirvana estavam receosos sobre se conseguiriam fazer uma apresentação à altura da expectativa que havia sobre a “maior bando do mundo” na época. Dave Grohl: “Eu realmente pensei, ‘Isso será um desastre. Será o fim da nossa carreira’. E aí acabou sendo um show maravilhoso que nos curou por um tempinho”. Em 2009, Live At Reading foi lançado em áudio e vídeo para todos poderem ver e ouvir porquê esta ser considerada uma apresentação histórica. Além de músicas conhecidas, naquela o Nirvana antecipava outras que estariam em In Útero (“Tourette’s”, “All Apologies”) e fez versões de “The Money Will Roll Right In” (do Fang), “D-7” (do Wipers) além da já popular entre os fãs “Love Buzz” (do Schocking Blue). Não há como citar a entrada de Kurt no palco naquela noite, empurrado em uma cadeira de rodas e vestindo um jaleco de doente, fazendo piada com os rumores a respeito da própria saúde.
Os vinte anos de Nevermind (2011)
O 20º aniversário do disco Nevermind foi marcado pelo lançamento de um box supercaprichado, disponível em diversos formatos: vinil quádruplo, 4 CD + DVD ou CD duplo. Além do álbum “normal”, dependendo da versão que os fãs adquirissem, o material oferecia b-sides, versões inéditas, demos e faixas ao vivo. É verdade que boa tarde do material já estivesse disponível nos incontáveis bootlegs do Nirvana, mas não com a qualidade agora oferecida. Do material que marcou a efeméride, o mais interessante é a gravação da apresentação realizada em 31 de outubro de 1991. O show também foi lançado só em vídeo, com o título Live At The Paramount. A apresentação é o marco zero da Nirvanamania. Vale lembrar que o mesmo show havia sido dissecado pelo jornalista brasileiro André Barcinski no livro Barulho, lançado em 1992. Ele esteve lá, gostou muito do que viu e profetizou na época: “O legal do Nirvana é que eles ainda não têm uma história. Ela está sendo contada agora. Daqui uns dez ou vinte anos, a gente vai poder falar daquela ‘loucura do final de 91’”.
Os vinte anos de In Utero (2013)
As duas décadas de In Utero receberam tratamento semelhante ao 20º aniversário de “Nevermind”. O último disco de estúdio do Nirvana foi relançado em: vinil triplo, CD duplo e 3 CD + DVD. Da mesma forma, o material era formado pelo álbum normal, b-sides, versões e faixas ao vivo. Mas dois itens merecem destaque. Um deles é o vídeo, também lançado separadamente, com o show Live And Loud,que o grupo gravou em Seattle em 13 de dezembro de 1993 e originalmente exibido pela MTV como um programa especial. Outro material de destaque é a versão “2013 Mix” de In Utero, lançada em vinil duplo e capa diferente, com uma nova mixagem de Steve Albini, produtor original do disco e conhecido pela crueza de suas gravações. À época, a mixagem feita por ele foi motivo de uma pequena polêmica. A lenda é de que os diretores da gravadora detestaram o disco. Os membros do Nirvana também ficaram em dúvida quanto ao resultado. Por fim, acabou que a mixagem original de Albini ficou polida na masterização e duas das faixas de maior potencial radiofônico (“Heart-Shaped Box” e “All Apologies”) foram remixadas por Scott Litt, produtor identificado pelo seu trabalho de sucesso com o REM. A versão “2013 Mix” de Steve Albini mostra um In Utero mais áspero do que o original.
Hall da Fama do Rock and Roll (2014)
Na noite de 10 de abril de 2014, quando a morte de Kurt completava 20 anos, o Nirvana passou a fazer parte do Hall da Fama do Rock and Roll. A cerimônia, realizada em Nova York, marcou a primeira vez que Krist Novoselic, Dave Grohl e o agregado Pat Smear voltaram a se apresentar como Nirvana. Tocaram quatro músicas, todas cantadas por mulheres: Joan Jett (“Smells Like Teen Spirit”), Kim Gordon (“Aneurysm”), St Vincent (“Lithium”) e Lorde (“All Apologies”). O discurso de introdução ficou por conta de Michael Stipe (REM). Momento fofura da noite foi a reconciliação no palco entre Courtney Love e Dave Grohl, brigados desde sempre após o fim do Nirvana. As comemorações se estenderam noite adentro em um bar, com um show de 19 músicas tocadas pelo Nirvana com a participação das mesmas cantoras, entre outros convidados.
Fotos inéditas do corpo (2014)
Além de muitas homenagens, os vinte anos da morte de Kurt Cobain ficaram marcados pelo retorno das teorias de que ele fora assassinado. Isso motivou o Departamento de Polícia de Seattle a divulgar cerca de vinte fotos do local e de como Kurt Cobain foi encontrado, como forma de refutar a hipótese de assassinato. Apenas partes como o braço ou o pé de Kurt Cobain aparecem em algumas das imagens. Ainda assim, algumas fotos são bastante perturbadoras. Retratos da arma usada também foram tornadas públicas em 2016.
Sonic Highways (2014)
Depois de fazer, em 2013, o documentário Sound City, que conta a história do estúdio onde o Nirvana gravou Neverminde outras bandas também fizeram álbum clássicos, Dave Grohl lançou no ano seguinte a série de TV Sonic Highways, exibida nos Estados Unidos pela HBO e no Brasil pelo Canal Bis. O documentário é dividido em oito episódios, retratando oito cidades-chave na história da música estadunidense: Austin, Chicago, Los Angeles, Nashville, Nova York, Nova Orleans, Seattle e Washington. Grohl percorreu estas cidades e entrevistou músicos e produtores e visitou locais fundamentais de cada cena musical ali surgidas. O resultado é brilhante e não está descartada uma segunda temporada da série. Já o disco de áudio do projeto, lançado como apêndice do documentário e gravado nas mesmas localidades, é o mais fraco do Foo Fighters. A série foi lançada em DVD e blu-ray em 2015.
Soaked In Bleach (2015)
A teoria da conspiração de que Kurt Cobain fora vítima de assassinato ganhou um novo capítulo em 2015. Soaked In Bleach, documentário dirigido por Benjamin Stattler, questiona a versão oficial do suicídio. Tem depoimentos de autoridades que trabalharam no caso da morte de Kurt e principalmente do ex-detetive Tom Grant, contratado por Courtney Love para encontrar o marido dias antes dele ser achado morto. O próprio Tom reforça a suspeita de que a história de “suicídio” não passa de farsa. Soaked In Bleach é explícito na intenção de acusar Courtney como assassina ou mandante do “crime”.
Montage Of Heck (2015)
Um dos projetos mais importantes relacionados a Kurt Cobain. O filme/disco/livro Montage Of Heckfoi um mergulho nos arquivos do ex-líder do Nirvana, com o consentimento de Courtney Love e da filha Francis Bean. Dirigido por Brett Morgen, o carro-chefe do projeto é o documentário, que remonta a história de Kurt da infância até o suicídio. Tem imagens tocantes, como do músico feliz da vida quando criança brincando, fazendo “música” e se divertindo valer. Outras cenas são perturbadoras, como o músico chapadaço em um momento família: o primeiro corte de cabelo da filha. Morgen teve trabalho para pesquisar e dar um sentido ao material que tinha em mãos. Foram quase oito anos entre o início da produção e o lançamento de Montage Of Heck. O disco resultante já é menos interessante, até mesmo porque muito do arquivo musical de Kurt já havia sido explorado exaustivamente. Mas uma joia foi encontrada: uma gravação de “And I Love Her”, coverdos Beatles cantado e tocado no violão e registrado sem maiores pretensões por Cobain, que virou o single promocional do projeto. Menos repercussão teve o livro homônimo. Uma injustiça, pois ele reúne as entrevistas completas para o documentário com o avô Don Cobain, a mãe Wendy O’Connor e a irmã Kim, além das falas de Courtney Love, Krist Novoselic e a ex-namorada Tracy Marander. O livro é ilustrado com muitas fotos de Kurt e frames das animações de Stefan Nadelman e Hisko Hulsing que foram utilizadas em muitos momentos do documentário, quando não havia registros em vídeo para situações vividas por Kurt.
Taking Punk To The Masses no Brasil (2017)
Entre junho e dezembro de 2017, primeiro o Rio de Janeiro e depois São Paulo, receberam a exposição Taking Punk To The Masses. Foi a primeira vez que ela saiu de Seattle, onde estava sendo exibida desde 2011 no Museu de Cultura Pop da cidade. Com mais de 500 itens, muitos deles icônicos, a coleção é o maior acervo sobre Kurt Cobain e o Nirvana no mundo. Para o Brasil, o curador Jacob McMurrey selecionou cerca de 200 peças. Entre elas: a fita demo original gravada por Jack Endino em 1988, o contrato da banda com a gravadora Sub Pop, manuscritos originais de letras de músicas, pôsteres, roupas, instrumentos musicais, credenciais. O visitante pôde interagir ainda mais com o mundo do Nirvana, a partir de instalações interativas ou se perdendo na coleção de 21 discos de artistas diversos selecionados por Krist Novoselic. Coisa para fã nenhum botar defeito.
Batalha judicial (2018)
Após quatro anos de uma disputa judicial entre o jornalista Richard Lee e o Departamento de Polícia de Seattle, a Justiça decidiu que as fotografias do corpo morto de Kurt Cobain jamais poderão ser divulgadas. Sobre o processo Frances Bean, filha de Kurt, disse: “Liberar estas fotografias machucaria fisicamente a mim e minha mãe. Não posso imaginar o quão terrível seria saber que as imagens que o Sr. Lee procura seriam públicas, ou que eu ou qualquer uma das pessoas que amo, incluindo a mãe e as irmãs do meu pai, poderiam vê-las acidentalmente. A publicação destas fotos me chocaria e reforçaria o estresse pós-traumático de que sofro desde a infância”. Richard Lee foi um dos primeiros jornalistas a questionar a versão de suicídio. Há mais de duas décadas, ele foi o responsável pelo documentário amador Kurt Cobain Was Murdered, exibido pelo canal a cabo Seattle Public Access TV. Ele insiste até hoje nesta versão.
Cal Jam (2018)
Em 6 de outubro de 2018, Krist, Dave e Pat mais uma vez se apresentaram como Nirvana. A reunião aconteceu no Cal Jam, festival promovido pelo Foo Fighters na California. Para os vocais, mais uma vez Joan Jett foi convidada (“Breed”, “Smells Like Teen Spirit” e “All Apologies”), assim como John McCauley, membro da banda Deer Tick (“Serve The Servants”, “Scentless Apprentice” e “In Bloom”). Desde então, Krist e Dave têm considerado seriamente a possibilidade de uma pequena turnê do Nirvana. Os fãs aguardam ansiosamente!
Lembrando Kurt Cobain (2019)
Neste último dia 2 de abril, foi lançado nos Estados Unidos um novo livro de memórias: Serving The Servant: Remembering Kurt Cobain. Ele foi escrito por Danny Goldberg, empresário do Nirvana e um dos melhores amigos de Kurt entre o início de 1991 até o fim trágico em 1994. Goldberg esteve no olho do furacão durante o período mais famoso e turbulento da banda. Agora, 25 anos depois, ele compartilha suas lembranças, com a ajuda de outras pessoas próximas que também deram seus depoimentos para o livro. “Da forma que eu vejo, quem antecedeu o nível de Kurt em se conectar com a angústia adolescente não se encontra no cânone do rock and roll, mas na ficção de JD Salinger, particularmente em O Apanhador no Campo de Centeio. Como nesta clássica novela dos anos 1950, a arte de Kurt deu dignidade aos oprimidos”, comentou Goldberg. Ainda não exisye previsão de lançamento deste livro no Brasil.
Live At The Paramount, o vinil (2019)
E o mais recente item oficial da discografia é o lançamento, agora em vinil, do show Live At The Paramount. É a mesma apresentação de 31 de outubro de 1991, que já havia sido lançada oficialmente em vídeo e também em áudio (na edição superluxo comemorativa aos vinte anos de Nevermind). A data oficial de lançamento deste vinil é o próximo dia 12 de abril. O disco virá acompanhado de um pôster e uma réplica do ingresso daquele show.
Filme exalta a força da Rainha da Escócia (e, por direito, da Inglaterra) Mary Stuart, um dos maiores ícones da realeza britânica em todos os tempos
Texto por iaskara (História) e Abonico Smith (resenha)
Foto: Universal Pictures/Divulgação
História
Rainha desde o berço. Mary Stuart mal nascera (8 de dezembro de 1542) e já perdera o pai, o rei James V, seis dias depois, o que a fez herdar a coroa do reino da Escócia. Uma herança sombria ser uma Stuart e herdar a coroa da Escócia, pois sempre tiveram de lutar contra inimigos de fora, inimigos do país e contra si próprios.
Logo após a morte do pai, sua mão fora pedida pelo tio avô Henrique VIII, rei da Inglaterra e tio de James V, para o filho e herdeiro Eduardo. O objetivo era unir as duas coroas em uma só e governar a Grã-Bretanha com o desejo de supremacia mundial naquele momento.
Uma cláusula secreta do contrato feito por Henrique VIII dizia que, caso a criança morresse prematuramente, todos os domínios e propriedades do reino escocês passariam a ele. Logo ele, que já havia mandado cortar a cabeça de duas esposas e rompido com a Igreja Católica para fundar a sua própria igreja e mudando oficialmente a religião de seu reino para o protestantismo, inclusive se autodeclarando o líder religioso maior desta reforma. A mãe de Mary, católica fervorosa, recusou-se a enviar a filha a Londres para que fosse educada por “hereges protestantes”. Como vingança, Henrique VIII iniciou uma guerra interna, mandando tropas em busca da menina e com a ordem de destruir Edimburgo e outras cidades, saqueando e queimando tudo o que fosse encontrado pelo caminho.
Mãe e filha foram postas em segurança em um castelo e um novo acordo se estabeleceu com o rei inglês para que Mary Stuart fosse entregue a Londres com 10 anos de idade. Porém Henrique VIII morreu quando Mary estava com apenas 5. Apesar da exigência da entrega da pequena noiva, à força, diretamente para Eduardo, os escoceses não tinham mais interesse nesse acordo, sendo esmagados novamente em uma batalha com mãos de 10 mil mortos.
Mary foi escondida no convento de Inchmahome, na pequena ilha de Meinteth, até que a França entrou no cenário para impedir a Inglaterra de submeter a Escócia ao seu jugo. Henrique II, filho de Francisco I, rei da França, enviou uma armada forte e em seu nome pediu a mão de Mary Stuart para o filho do rei, o herdeiro do trono, Francisco II. Assim, ao invés de se tornar rainha da Inglaterra, de repente Mary foi destinada a se tornar rainha da França e, ainda aos 5 anos de idade foi enviada para Paris. Junto com ela embarcaram outras quatro meninas de nomes Mary como forma de proteção.
Mary foi recebida com pompa e como rainhazinha da Escócia (“reinette”) e assim deveria ser saudada por todas as cidades e aldeias, com as mesma honrarias de um delfim. A corte francesa era uma das mais brilhantes e grandiosas do mundo, voltada tanto para cultura como para as artes e a ciência. Mary foi educada para dominar com perfeição línguas clássicas como o grego e o latim bem como o italiano, o espanhol e o francês. Deveria dominar também a poesia, a literatura, a música e as artes. Seu desenvolvimento intelectual, além de precoce, tornou-se notável. Seu casamento foi apressado quando o delfim tinha somente 14 anos, por ele ter saúde frágil e também pelo interesse da França em assegurar o direito à coroa da Escócia e da Inglaterra, por Mary ser herdeira presuntiva deste trono. O casamento se deu em 1558, quando Francisco II recebeu, então, a coroa da Escócia e Mary, com quase 16 anos de idade, tornou-se herdeira da coroa da França.
No mesmo ano morreu Mary Tudor, primogênita de Henrique VIII e então rainha da Inglaterra. Como Eduardo já havia morrido, sua meio-irmã Elizabeth subiu ao trono, sendo que sua legitimidade era questionada, já que sua mãe Ana Bolena teve seu casamento com Henrique VIII anulado um pouco antes da decapitação desta. Isto tornava Elizabeth bastarda, restando o trono, por direito, à católica Mary Stuart. Restavam duas possibilidades: aos 16 anos de idade, Mary poderia ceder e reconhecer sua prima como legalmente rainha da Inglaterra e abdicar de seu próprio direito ou declarar que Elizabeth usurpou a coroa e determinar que exércitos da França e da Escócia derrubassem-na à força. Mas seus conselheiros escolheram um terceiro caminho e o pior deles: em vez de um golpe decidido contra Elizabeth, apenas reclamam publicamente o trono mas não o defendem. O casal real francês incluiu em seu brasão a coroa real inglesa e Mary se fez chamar publicamente de Regina Franciae, Scotiae, Angliae e Hibernae. Isso virou uma provocação. Nesse momento, Mary transforma a mulher mais poderosa do mundo em sua inimiga irreconciliável. Elizabeth passou a considerá-la sua rival e maior ameaça.
Em 1559, o rei da França se feriu mortalmente com uma lança em um torneio em Paris. Nesse momento, aos 16 anos, Mary foi coroada rainha da França. O destino foi implacável, pois Francisco II, o novo rei, estava doente e os médicos vigiavam-no dia e noite. Em dezembro de 1560, sua saúde se agravou e um infecção no ouvido levou-o à morte. Mary não perdia somente o companheiro generoso e bondoso, mas o seu grande amigo, a sua proteção na França e também a sua posição na Europa.
Catarina de Medici, sua sogra, revelou-se bastante hostil, arrogante e traiçoeira. Mary, por sua vez, com seu orgulho indomável, não quis ficar em nenhum lugar onde fosse apenas a segunda na hierarquia. Outras coroas(Espanha, Áustria, Dinamarca, Suécia) se anteciparam e enviados pediam a mão de Mary. Mas ela decidiu voltar à Escócia. Sua despedida da França foi difícil, pois esse lugar havia se tornado sua pátria nos últimos doze anos, com parentes de laços maternos e proteção. Enquanto na Escócia a esperavam duras provações.
Desde a morte de sua mãe, que como regente administrava sua herança, os lordes protestantes, seus piores inimigos, predominavam na corte e não escondiam a resistência de chamar de volta para o país uma católica seguidora de Roma. Ainda havia Elizabeth com um acordo entre escoceses e ingleses de reconhecê-la como herdeira legítima do trono. Este documento, quando levado à França, não foi assinado nem por Francisco II e nem por Mary, que colocou seu direito em segundo plano por questões políticas mas jamais renunciou ao direito à herança de seus antepassados.
Para voltar à Escócia, Mary precisava de um salvo-conduto para atravessar a Inglaterra, que fora negado por Elizabeth. Mary decidiu voltar pelo canal sem tocar na costa inglesa. Elizabeth se apressou e assinou um documento que chegou com dois dias de atraso. Mary já havia partido rumo à Escócia, chegando em Leith no dia 19 de agosto de 1561. É quando começa o filme lançado originalmente em 2018.
Para o biógrafo Stefan Zweig, o que é claro e evidente se explica por si próprio embora o mistério aja de maneira criativa. Por mais de quatro séculos, os mistérios que envolvem o drama ou a tragédia de Mary Stuart seduziu escritores e vem ocupando muitos pesquisadores, pois tudo que está difuso anseia por clareza e tudo que está escuro deseja a luz. Mistérios são descritos e interpretados de forma tão frequente quanto contraditória, não por falta de material mas pela sua abundância. Milhares de documentos, atas, protocolos, cartas e relatórios preservados. Com descreve Zweig, contra cada sim documentado existe um não igualmente documentado e contra cada acusação, uma absolvição. Até o século passado, os autores protestantes atribuíam toda a culpa a Mary Stuart; os escritores católicos, a Elizabeth. Nas narrativas inglesas, Mary quase sempre apareceu como culpada enquanto as escocesas colocavam-na como vítima. Não se pode esquecer que a História quase sempre é narrada pelos vencedores
Resenha
Toda essa explicação serve bem para contextualizar o “cenário de guerra” entre as primas que é retratado no filme Duas Rainhas (Mary Queen Of Scots, Reino Unido/Estados Unidos, 2018 – Universal Pictures). Na verdade, a história comandada pela veterana diretora teatral britânica Josie Rourke, estreando no cinema, é centrada nas lutas diárias da recém-chegada à Escócia Mary – e por isso o estapafúrdio título dado pela distribuidora no Brasil só serve para chamar a atenção do espectador para o fato de existirem duas jovens atrizes, ambas ascendentes em Hollywood, interpretando as rivais da monarquia. Este filme vai do dia 19 de agosto de 1561, quando Mary desembarca na Escócia, até a sua morte, aos 44 anos de idade, em 8 de fevereiro de 1587.
Saoirse Ronan acerta mais uma vez em cheio em papel e atuação. A jovem norte-americana descendente de irlandeses encanta com sua Mary indolente e atrevida, que chega com suas ideias e pensamentos revolucionários de uma França mais voltada às artes, à cultura e ciências. Aos poucos, contudo, vai esbarrando em vários obstáculos, entre eles a consequente insubordinação masculina diante da nova regência de uma mulher e, talvez o mais forte empecilho, a objeção do pastor protestante John Knox, ministro escocês. Assim, Mary passa a ser alvo de uma série de intrigas, mentiras e conspirações por parte de todos os lados. Da invejosa Elizabeth (aqui bem interpretada por uma coadjuvante Margot Robbie, australiana, ajudada por uma maquiagem tão belamente degradante ao longo da projeção que rendeu ao longa uma das três indicações ao Oscar da categoria neste ano) a Knox (David Tennant), passando por pretendentes a maridos e comandados da corte. O fim da história é sabido e contar aqui não vira spoiler: Mary é presa sob a acusação de conspiração ao trono e decapitada por ordem de Elizabeth.
O que importa neste longa-metragem, porém, é como Rourke e o roteirista Beau Willimon contam essa batalha íntima de Mary contra todos a seu redor. Willimon consegue encaixar momentos de ironia (como nos casos do relacionamento íntimo de Mary com o músico gay italiano David Rizzio ou na hora em que a rainha escocesa manda seu novo marido a fazer sexo oral nela) e outros de violência – a cruel execução de Rizzio pode provocar náuseas em espectadores mais sensíveis. Já Rourke brinda os olhos com belas imagens em paisagens e castelos escoceses sem se furtar a se arriscar em movimentos de câmera que possam, de vez em quando, sair do convencional.
Sem muitas pirotecnias na narrativa ou na montagem, Duas Rainhas retrata a força feminina de quase meio milênio atrás através de sua bela e ousada protagonista. Uma mulher que não teve medo de enfrentar quem estivesse pela frente justamente para reivindicar o que era seu de direito. Uma mulher cuja maior afronta era ser ela mesma diante daquilo que não lhe representava em sentimentos e ideias. Uma mulher com alma e cérebro em pleno Século 16. E, o mais importante, uma mulher preparadíssima para exercer o comando de um dos maiores reinos do mundo se tivesse a oportunidade.
Novo romance adolescente a chegar às grandes telas traz o amor impossível provocado pelo tênue limite entre a vida e a morte
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Paris Filmes/Divulgação
Amor proibido é um tema bastante explorado pela sétima arte. A tragédia de Romeu e Julieta, personagens de Shakespeare que pertenciam a famílias rivais, sem dúvida é a história de amor impossível mais adaptada para a telona. Tem também o musical Amor, Sublime, Amor (West Side Story, 1961). Em Algum Lugar do Passado (Somewhere in Time, 1980), com o saudoso e eterno superman Christopher Reeve, é outro exemplo de relação amorosa utópica e que ultrapassa a noção de tempo.
Apesar de todas as barreiras, os amantes, nesse caso, conseguem externar o desejo, a paixão por meio do contato físico, do toque, da carícia, do carinho. Antes de seu destino trágico, Romeu passa uma noite de amor com Julieta. Estar perto e não poder tocar a pessoa amada, aí sim vira uma das sensações mais devastadoras e angustiantes que alguém pode sentir. É como quase parar de respirar. E é assim que vivem os protagonistas de A cinco passos de você (Five Feet Apart, EUA, 2019 – Paris Filmes), que estreou nesta quinta-feira nos cinemas de todo o Brasil.
O casal de adolescentes Stella Grant (interpretada por Haley Lu Richardson, de Fragmentado) e Will Newman (Cole Sprouse, da série de TV Riverdale), tem fibrose cística, doença genética crônica (também conhecida como Doença do Beijo Salgado ou Mucoviscidose). Ela afeta principalmente os pulmões, pâncreas e o sistema digestivo e atinge 70 mil pessoas em todo o mundo (segundo dados do Instituto Unidos Pela Vida, de Curitiba). Os dois se apaixonam à primeira vista e, por conta do risco de um contaminar o outro com bactérias, precisam necessariamente ficar a seis passos de distância (no decorrer do filme, o espectador entenderá porque o título diz cinco passos).
Haley e Cole (que emagreceu dez quilos para viver Will) se doam ao papel como se tivessem nascido para interpretar as personagens e conseguem transmitir a sensação paradoxal de angústia e leveza ao encarar cada dia como se fosse o último. Na primeira cena do filme, em que Stella aparece cercada de amigas, o enquadramento do diretor Justin Baldoni (conhecido por seu papel na série Jane, a Virgem) é tão perspicaz que o espectador não percebe, num primeiro momento, que a garota está num quarto de hospital. Esse é, na verdade, a casa de Stella, Will e os demais pacientes prisioneiros da fibrose.
A garota tem quase 17 anos e está na lista de espera de um transplante de pulmão. Para passar o tempo no hospital, alimenta um canal no YouTube, onde relata sua rotina com a doença: “nós produzimos muco em excesso” e “respiramos ar emprestado”, explica ela sempre de modo positivo. Stella conhece o hospital como a palma da mão e lá fez amizade com todos. Até que se depara com um paciente novo: Will (“vontade”, em inglês) Newman (“novo homem”). Os dois se conectam instantaneamente. Stella, toda metódica e organizada, começa a ajudar Will que se rebela contra o tratamento (ela mistura comprimidos ao iogurte, como se fossem flocos de milho).
É nítido como ambos enxergam a vida de maneira distinta. Stella tem como passatempo preencher uma to do list (como estudar a obra de Shakespeare ou aprender francês). Will só queria poder viajar o mundo e se entretém fazendo caricaturas. E quanto mais tempo os dois passam juntos, mais a química aumenta junto com o desejo de violar as restrições. Para diminuir essa distância de seis passos, que se transformam em cinco, Stella e Will se comunicam frequentemente pelo celular e laptop, fazendo vídeos fofos. Tão perto e tão longe.
Ao contrário de A Culpa é das Estrelas, baseado no best-seller de John Green, A cinco passos de Você fez o caminho inverso e originou o livro homônimo. Mesmo sendo um tema triste, pesado, que emociona e arranca lágrimas, o roteiro do casal Mikki Daughtry e Tobias Iocanis é leve e divertido – afinal são adolescentes descobrindo o mundo – assim como a trilha sonora repleta de canções indie – como “Medicine” (Daughter) e a música que embala o trailer, “Remind Me To Forget”, do produtor musical DJ Kygo e na voz do cantor Miguel. Uma das cenas mais poéticas e delicadas ocorre quando Stella e Will têm um encontro amoroso na beira da piscina e discutem sobre morte. Ele é cético: morrer é dormir um sono profundo. Stella acredita em vida após a morte.
A angústia, porém, aumenta à medida que o filme se aproxima do final. Os clichês também começam a surgir. Mas a vida e a morte são assim, como clichês. O que não deveria ser lugar comum é o uso da tecnologia para substituir o contato físico entre pessoas saudáveis e que estão a poucos metros de distância. A vida é frágil, curta demais, e ninguém tem controle sobre a morte, estando ou não doente.