Music

Jethro Tull

Oito motivos para não perder a apresentação da icônica banda liderada por Ian Anderson em sua nova passagem pelo Brasil

Texto por Daniela Farah

Foto: Divulgação

Seven Decades é o nome oficial da nova turnê. Pode parecer muito. E, de fato, é. Pode parecer erro de cálculo, já que o vocalista e fundador, o escocês Ian Anderson, vai completar 77 anos de vida no próximo mês de agosto. Mas, de fato, não é. O Jethro Tull foi fundado em 1967, quando o músico ainda estava saindo da adolescência. Portanto, o período em atividade compreende justamente sete décadas, dos anos 1960 aos anos 2020. Mesmo com alguns pequenos períodos de pausa, provocada por afastamento entre os principais integrantes e remanescentes, certo é que a carreira permanece seguindo em frente.

A boa notícia para os fãs brasileiros é que esta turnê volta a trazer Anderson e seus músicos para o Brasil. Serão quatro apresentações nesta semana e a rota de escalas compreende Belo Horizonte (dia 9 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui), Porto Alegre (dia 10 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui), Curitiba (dia 12 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui) e São Paulo (dia 13 – para compra de ingressos e ter mais informações, clique aqui). O repertório trará grandes sucessos espalhados pela longeva trajetória com a adição de faixas do mais recente álbum de estúdio, RökFlöte, lançado há exatamente um ano.

Para celebrar a nova vinda de Anderson e seus asseclas para cá, o Mondo Bacana discorre sobre oito motivos para você não deixar de ver a banda em ação novamente aqui.

Raiz folk

Ainda que Ian Anderson tenha passado boa parte da sua vida na Inglaterra (mudou-se aos 12 anos), ele nunca deixou de lado suas raízes escocesas. Isso reverberou na sonoridade do Jethro Tull. Anderson achava que faltava algo que desse uma cara mais europeia para o seu som e foi buscar isso em suas raízes inglesas e escocesas. Vem daí, dessa vontade de ter seu ambiente representado na sua arte, que surgiu a pitada celta que faltava para completar o Jethro Tull. Diga-se de passagem, aliás, que essa proposta bucólica até combina muito bem com o nome, inspirado em um agricultor famoso. A banda ficou conhecida por levar essa representatividade da musicalidade celta para o mundo. Ou seja, é a possibilidade de assistir cara a cara o folk britânico em sua mais pura raiz criativa. E de uma maneira bem divertida!

Performance de palco

Ian Anderson é, por si só, uma figura controversa. Um escocês, apaixonado por blues, que resolveu fazer rock tocando flauta. E fez isso tão bem que em 1989, o Jethro Tull abocanhou o Grammy de Melhor Performance Hard Rock/Metal, tirando-o das mãos do Metallica e seu aclamado álbum … And Justice For All. Ian tem uma presença de palco cativante. Entrega tudo e um pouco mais, seja através de seus olhos que parecem interpretar cada nota da flauta, por suas danças peculiares, tocando em uma perna só ou dando pequenos pulos enquanto canta.

Idade avançada

Para os fãs é sempre uma benção ter a oportunidade de seguir acompanhando seus ídolos lançando novidades e realizando concertos e turnês. Entretanto, também chega a ser cruel pensar que a cada temporada que se vai, menos tempo resta para aproveitar as suas presenças neste plano. Para quem mora no Brasil, então, chega a ser pior quando o assunto são os grandes deuses do rock de todos os tempos. Já são bem menores as chances de todas as turnês chegarem à América do Sul por questões financeiras, de logística e de maior percurso territorial a ser enfrentando sobretudo para quem mora longe dos grandes centros urbanos para onde as datas dos concertos acabam sendo marcadas. Ian Anderson está com 76 anos e é um poucos pilares do rock dos anos 1960 e 1970 ainda em plena atividade, compondo, criando, gravando, tocando ao vivo, correndo o mundo.

Confusão de gêneros

É hard rock, heavy metal ou rock progressivo? Qualquer fórum de discussão sobre música na internet (os melhores!) possui um tópico sobre a sonoridade do Jethro Tull. A diversidade é tanta que fica difícil encaixar em uma só gavetinha. Mesmo que os mais xiitas (ou troo) concordem que o grupo não entra na categoria metal, é uníssono que o Jethro Tull é uma das bandas que exerceu uma influência muito forte nas principais bandas do gênero que vieram depois. A experimentação foi tanta (hard rock, blues, folk, clássico, etc) e deu tudo tão certo que estamos aqui falando deles em pleno ano de 2024. A questão é que vale a pena sair de casa por uma lenda como essa, que transformou, inspirou tantos músicos (dos quais você provavelmente é muito fã!) a seguir suas carreiras. Inclusive, Ian Anderson participa em quatro músicas do novo álbum do Opeth. Então, nada como beber diretamente da fonte, não é mesmo?

“Aqualung” (a música)

Se você acha que não conhece Jethro Tull, pare tudo o que está fazendo neste momento e coloque os primeiros minutos da música “Aqualung”. Ela soa familiar? A indústria do entretenimento usou e abusou bastante dessa introdução dos Simpsons aos Sopranos. E com razão: ela é genial. “Aqualung” fazia parte do álbum homônimo lançado pelo Jethro Tull em 1971. Nada convencional, como tudo que remete à banda. A letra, repleta de realismo, fala de um homem que é morador de rua e observa o mundo a partir de um banco de parque. “Aqualung”, tocada e cantada pelo próprio Ian Anderson, é o tipo de coisa que faz a gente querer sair de casa. Sempre.

“Locomotive Breath”

“Locomotive Breath” também faz parte do histórico álbum Aqualung e que também faz parte do repertório da atual turnê. A letra é pura loucura filosófica. Segundo Ian, lá em 1971, estávamos num trem de crescimento populacional e ninguém sabia onde ele iria parar. Mas a sonoridade, essa é para aplaudir de pé. As guitarras criadas de Martin Barre são um espetáculo à parte, provavelmente para descrever a velocidade do trem e a pressão contidas na narrativa. Não é à toa que bandas de metal como WASP e Helloween lançaram suas versões para essa música.

RökFlöte

Após ficar anos e anos  sem lançar material novo, Jethro Tull tem um novo álbum, seu 23º. Ian Anderson criou a sua versão sobre o Ragnarok, da mitologia nórdica, em RökFlöte. Desta vez ele contou com David Goodier (baixo), John O’Hara (teclados), Scott Hammond (bateria) and Joe Parrish James (guitarra). Mesma banda que vem com ele ao Brasil, exceto o guitarrista Joe, substituído por Jack Clark. E, sim, eles vão tocar músicas do novo trabalho ao vivo.

Sete décadas em um concerto

Sete é rico em simbolismos. Sete são as notas musicais e as figuras de tempo na música. O número também é o símbolo da vida eterna no Antigo Egito; e, se a numerologia considera um número divino, a aritmética o considera feliz. Mas sete décadas é um número absurdo. Chega a ser até impensável o quanto o mundo mudou nesse tempo. Só para citar os suportes do mercado fonográfico: vinil, fita cassete, compact disc, DVD, MP3 player, pendrive, streaming… E o Jethro Tull tem a árdua missão de trazer um pouco dessas décadas de criação e ação em um só show. A vantagem é que suas músicas continuam a fazer sentido mesmo com toda a passagem de tempo. Por isso é excepcional quando uma banda que atravessou todo este período se apresenta nos dias de hoje. Não é só música, é História.

Music

Francisco El Hombre – ao vivo

Grupo abre minitemporada em Curitiba incendiando a plateia com energia intensa e a sua típica mistura de sonoridades e referências latinas

Texto por Lucca Balmant e Diego Scremin

Foto: Lucca Balmant

Diminuir a distância entre os países da América Latina é o que o Francisco El Hombre vem fazendo há dez anos, quando o grupo foi fundado por dois irmãos mexicanos. Mateo (voz e violão) e Sebastian Piracés-Ugarte (voz e bateria) rodaram o mundo até se estabelecerem por aqui, mais precisamente na região de Campinas. Desde então, com a ajuda de outros músicos locais criaram uma ponte para diminuir a carência de troca musical afetada pelo idioma. Afinal, o mercado nacional não costuma absorver muito os artistas hermanos que cantam em espanhol e exploram sonoridades características das fronteiras vizinhas (ou quase).

Sendo assim, a banda mistura, além das línguas, as influências da batucada e de outros ritmos da América Latina, criando uma mistura perfeita entre gêneros e olhares de outros países e a música popular brasileira. Esta proposta marcou a volta do Francisco El Hombre a Curitiba em uma série especial de seis apresentações no espaço da Caixa Cultural, divididas em dois finais de semana (23 a 25 de novembro e de 30 de novembro a 2 de dezembro). O grupo trouxe um repertório selecionado especialmente para sua comemorar a sua trajetória. A maioria era em espanhol e com discursos e vieses políticos, sempre como a intenção de demonstrar a luta antifascista e de apoio às comunidades feministas e LGBTQIA+, com muitos discursos individuais com tentativas muito bem sucedidas de se conectar e energizar o público mesmo em um teatro de pequeno porte.

O que mais chama atenção na primeira dessas seis noites foi realmente a performance do FEH e a intensidade com que a realizam. Desde a primeira música via-se Mateo puxando o público a se levantar dos assentos para os receberem com a devida energia. Desde então, não parava de encorajar danças, correrias e cantos aos gritos. Trazendo essa energia estava também Juliana Strassacapa (voz e percussão), sempre vindo até a frente do palco para conversar com as pessoas e puxar coreografias junto a Mateo em vários momentos do show. O quinteto transformou um pequeno teatro numa grande festa, concretizando a fala do próprio grupo durante o show (“Francisco El Hombre és pura fiesta!”)

Junto à energia de Mateo e Juliana, Sebastian quebrava a bateria acompanhado de ritmos da percussão, além de mostrar sua bela voz enquanto tocava ritmos complexos. Ainda havia no palco Helena Papini e Andrei Martinez Kozyreff, que não ficam nada atrás do resto do grupo. Mostrando toda a sua habilidade nas cordas, Helena trazia linhas calorosas de baixo, vindo até a frente do palco fazer festa enquanto solava e groovava. Andrei, um pouco mais acanhado, não passava despercebido com timbres e riffs marcantes na guitarra, com aquele toque psicodélico de Ave Sangria. Para completar as cordas, o próprio Mateo tocava o violão numa forma mais clássica e com muitos ritmos latinos, surpreendendo por mostrar uma performance tão boa no instrumento enquanto entretinha o público como frontman. De resto, efeitos modulares de synths chamavam a atenção de todos com sonoridades experimentais.

Em um teatro com capacidade para 125 pessoas e com cadeiras marcadas, a energia do FEH era surreal. Ela se espalhava pelo ambiente sem parar, fazendo todos levantarem dos assentos e, numa noite chuvosa e fria de quinta-feira, dançarem e suarem de um lado para o outro, mesmo no menor espaço possível. Este detalhe definitivamente não foi capaz de interromper nem conter a conexão e a pulsação da banda. Para marcar a noite de estreia dessa minitemporada na cidade, foi um show sensacional.

Set list: “Tá Com Dólar, Tá Com Deus”, “Como Una Flor”, “Arrasta”, “Loucura”, “Triste, Louca ou Má”, “Sincero”, “Calor da Rua”, “CHAMA ADRENALINA :: gasolina”, “CHÃO TETO PAREDE :: pegando fogo”, “Batida do Amor”, “Soltasbruxa” e “MATILHA :: cólera ou coleira”.

Movies

Longa recria toda a tensão da luta contra a ditadura e da história de resistência de militante morto pelo regime militar em 1973

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Divulgação

A história da ditadura militar brasileira foi, por muito tempo, particularmente oclusa. Num país que anistiou seus torturadores e assassinos, a história contada era a dos vencedores. Desde os anos 1990, pouco após o fim do regime, houve esforços em busca da verdade do desaparecimento de presos políticos, torturados e mortos pela repressão. Um deles foi José Carlos Novaes da Mata Machado, o Zé.

Vencedor de melhor direção de arte da mostra competitiva brasileira do 12° Olhar de Cinema, festival realizado há poucos dias em Curitiba,  (Brasil, 2023) é um drama de Rafael Conde sobre a história desse militante, dirigente da Ação Popular Marxista-Leninista morto em 1973 no Recife. Mineiro, assim como seu diretor, Zé (Caio Horowicz) se engaja com o movimento estudantil e, após o golpe de 1964, participa da luta clandestina de esquerda, quando se apaixona por Madalena (Eduarda Fernandes). Ambos passam a militar juntos, têm filhos e, no auge do regime, são traídos.

Arquitetando composições contidas e requintadas, Conde retrata essa tensa narrativa com um tripé sempre em mãos. A câmera prepara o palco em que o elenco, muito competente, nos contará as batidas da trama. Contará literalmente, pois o revolucionário protagonista nunca é retratado com as mãos na massa da resistência armada. Passamos de cenário a cenário ouvindo Zé reclamar da dificuldade de engajar na luta ou ouvindo de seus companheiros que o cerco está fechando. Mas a inação é soberana, e a mise-en-scène pacata não é capaz de expressar a intensidade da luta marxista contra a ditadura.

Por isso, a emoção certeira do elenco é sobrepujada pela sensação de que não estamos assistindo às personagens que deveriam estar sendo mostradas. Até mesmo Marighella (dirigido por Wagner Moura, de 2021), com todos seus problemas, faz um retrato mais enérgico da luta armada no país. Logo, a refinada direção de arte, a fotografia embelezante e as benesses técnicas do projeto não sustentam a projeção, que se perde entre passagens de Neruda e pretensos debates filosóficos sem lastro. É um filme que clama por liberdade,  embora insista em nos deixar presos à visão de um só ângulo, uma única abordagem quieta e estática.

Quando a ação aparece, é de viés repressor: ou Madalena grita por direitos para operárias apáticas que a ignoram, abafada pelo alto ruído do maquinário têxtil, ou assistimos à captura de militantes ou até mesmo à tortura de Madalena. A impressão que temos é que a luta é meramente retórica, utilizada como dispositivo para o filme engendrar conflitos pessoais em seu personagem principal. Em dado momento, Zé critica a atuação distanciada do povo que seus familiares tomam durante a ditadura, e sentimos que a crítica é direcionada ao próprio filme.

Uma grande sucessão de dispositivos expositivos, Zé pincela boas ideias em um retrato aterrador da luta armada brasileira. Nos assombra não por sua boa articulação discursiva, que expressaria os males da ditadura e a coragem dos que se organizaram contra o regime, mas justamente pela falta desta – é um filme seguro e pacato, que joga contra seu tema. É emblemático que um filme sobre um dirigente da luta armada brasileira sufoque tanto seu protagonista. Assim como os militares o fizeram.

Music

Coldplay – ao vivo

Plateia de Curitiba recebe a banda pela primeira vez e faz parte de um espetáculo com um universo próprio de cores, luzes e protagonismo

Textos por Janaina Monteiro e Carolina Genez

Foto: Coritiba Foot Ball Club/Reprodução

Nos minutos que antecederam o primeiro show da turnê Music Of The Spheres em Curitiba (21 de março último), o som de um sino ecoava pelo estádio Major Couto Pereira. Esse tilintar, que assume propósitos distintos em cada religião, traz um simbolismo em comum: representa a harmonia universal. 

“Ativar o sininho” antes do espetáculo era como se a banda inglesa Coldplay fizesse um convite para plateia entrar em sintonia e acompanhar o storytelling espacial da jornada que estava prestes a começar. E a missão seria cumprida com sucesso: ao longo das duas horas seguintes, todos alcançariam a mesma frequência e entrariam numa completa catarse. 

Quando Chris Martin, Jonny Buckland, Will Champion e Guy Berryman surgiram no palco B, as famosas e “caras” pulseiras luminosas entram em cena e mostram o poder que a multidão tem de abraçar uma banda que acaba de completar 23 anos de carreira fonográfica. Uma trajetória marcada por voos altos e rasantes, que explora diferentes ritmos mas com um denominador comum: olhe para as estrelas. 

Céus repletos delas, aliás, sempre estiveram presentes, de alguma forma, nas canções de Coldplay, até inspirarem esse álbum kubrickiano, em que as 12 canções formam um sistema solar próprio. O próximo, muito provavelmente, será sobre o lado brilhante da lua. E desde o big bang coldplayano é possível perceber esse embate entre luz e escuridão. Até que a luz decide tomar conta de tudo. Literalmente.   

A primeira canção do show, “Higher Power” já incendeou o estádio como uma bola de fogo. São mais de 43 mil pessoas presentes neste universo iluminado. Cada uma delas se tornou uma estrela. A estrela viva que brilha na vida de Chris Martin desde Parachutes, lançado em 2000. 

Predestinado ao sucesso, o britânico da Cornualha e filho do seu Anthony – que faz questão de acompanhá-lo na turnê ­ – previu no documentário Coldplay: A Head Full Of Dreams (lançado há seis anos, após sua separação da atriz Gwyneth Paltrow) que a sua odisseia terrestre começaria logo ahead. Em… 2002! E, de fato, nesse ano Coldplay trouxe ao mundo o disco que o catapultou ao status de uma das maiores bandas dos anos 00. A Rush Of Blood To The Head apresentava sucessos como “Clocks” e “The Scientist” (e seu videoclipe arrebatador, com a narrativa de trás para frente). No início do milênio, o bug não aconteceu e os britânicos conquistavam o mainstream com um som melódico, misturando guitarras elétricas ao piano. Foram três prêmios Grammy.

Nessa época, Chris Martin era um jovem frontman, ainda de espírito meio rebelde, impulsivo, que volta e meia aparecia na mídia sendo acusado de agredir fotógrafos, bem diferente de seu comportamento atual, e seu ritual de gratidão. Hoje, quem tem um celular nas mãos é um potencial paparazzo. Por isso, Chris, que sempre se mostrou arredio a esse tipo de coisa, foi de certa forma obrigado a fazer um “combinado” com a plateia antes de entoar seu hino “A Sky Full Of Stars”. Em cada apresentação, o vocalista lança aquele “xiiiiu” imponente, que faz parte da linguagem universal, sobretudo entre pais e filhos, para milhares de pessoas. Seja na sua terra natal ou no Brasil, onde é mais complicado pedir silêncio.

Educadamente, ele solicita que os presentes aproveitem apenas uma música sem fazer registros pelo celular. 99% do público obedece. Entre o 1% estava uma guria do meu lado. Por isso, fiz questão de colocar o braço na frente da câmera dela. Sorry, aê! Mas pedido do boss a gente obedece.

E foi assim, sem câmera e com um celular tijolinho, que fui ao show da turnê X&Y, em 2007. O terceiro álbum da banda, um dos meus preferidos. Local: Via Funchal, uma casa de concertos em São Paulo com capacidade para apenas três mil pessoas. Aliás, assim como na turnê Music of Spheres, os ingressos foram disputadíssimos. Graças ao meu PC 486 com conexão dial up, consegui garantir um par de entradas.  Mais tarde, assistindo ao mesmo documentário, soube que a gravação de X&Y foi conturbada por vários fatores, entre eles a saída do coprodutor do álbum, Ken Nelson. Ao contrário da explosão de cores da turnê atual, a banda se apresentou de preto nessa turnê. 

E aquele rock espacial com elementos eletrônicos de “Talk” (que traz um sample de “Computer Love”, do Kraftwerk), “Speed Of Sound” e, claro, “Fix You” me fisgou 100%. Depois desse show, o universo conspirou e consegui me aproximar de Chris Martin, mesmo com receio de sua fama de explosivo. “Você fez parte da cura”, disse a ele, mencionando “Clocks”, canção favorita da minha mãe quando tratava seu primeiro câncer de mama. Já, durante a pandemia, foi “Higher Power” que entrou na playlist da cura do meu carcinoma in situ

De volta a 2023, antes mesmo de o Coldplay aterrissar em São Paulo, a banda do contra já preparava terreno para eles. No mundinho das redes sociais, uma chuva de meteoros da magnitude haters invadia o meu feed. Era um bombardeio de textos, justificando que “a banda acabou no segundo disco”, “essa banda é pra fã que usa sapatênis” (bem, eu fui de tênis plataforma) e “Coldplay é uma banda coach”.  Enquanto uns seguem no “bla, bla, bla”, prefiro pegar carona no “ooh, ooh, ooh, ooh, ooh, ooooooh, oh” e viver a minha vida! 

Mesmo porque a banda dos contra sempre existirá. O que não existiu até agora foi um espetáculo tecnológico nessas proporções (que deixou o U2 nas Havaianas), com uma estrutura gigantesca em três palcos, aproximando a plateia do artista, e, o mais importante, que promove a inclusão, a sustentabilidade e torna o espectador o protagonista do espetáculo. 

Chris era, em Curitiba, como o maestro de uma orquestra, conduzindo suas estrelas, com sua mensagem clara como a luz da lua, sempre estampada no peito (“Love” e “Everyone is an alien somewhere”). Ele corria freneticamente pela passarela e aproveitava cada centímetro da megaestrutura, do palco principal até o palco B, onde cantou a belíssima “Viva La Vida”, do álbum de mesmo título produzido por Brian Eno e que representou um salto na carreira dos ingleses. De lá, entoaram também “Something Just Like This”, uma canção fofa, graciosa, sobre heróis da vida real e que, por sinal, era o sinal do recreio do meu filho na escola. No palco C, lá no fundo do estádio, surgiram para cantar “Magic”. Dessa vez, na versão aportuguesada, repetindo a performance do Rock In Rio em 2022 (concerto que fez a banda postergar a turnê brasileira para 2023, aliás). No Couto Pereira, não tivemos sandys, nem jorges, nem miltons. Mas tivemos “Every Teardrop Is A Waterfall”, do álbum Mylo Xyloto (2011). Inclusive, essa fora a segunda vez que a canção entra no setlist da turnê. No dia seguinte, para alegria dos fãs na capital paranaense, teve “Orphans”, do introspectivo Every Day Life.

Como Chris Martin se movimentava na “velocidade do som”, é muito fácil perdê-lo de vista ao vivo. Isso explica o uso de bases pré-gravadas. Mesmo estando em plena forma, é difícil conseguir tanto fôlego assim. Enquanto o vocalista cantava e passeava pelo seu universo, durante boa parte das canções, Jonny, Will e Guy permaneciam em suas posições no palco principal, curtindo o próprio show, como se fossem músicos de apoio. 

Quando revisitam os hits mais antigos e que catapultaram a banda ao estrelato, como “Yellow”, “The Scientist” e “Clocks”, os ingleses mostram que tocam de verdade. Na primeira, o coro da plateia chegou a emocionar Chris Martin, que dizia “beautiful”. Lindo mesmo foi poder ver Jonny dedilhando o riff a poucos metros de distância. Já na segunda, houve um problema na modulação das guitarras e foi preciso interromper a música. Em vez de voltar ao start, entretanto, seguiram da metade.

No final de toda essa viagem estelar, cheia de luzes, com direito a planetas infláveis (alguns deles voltaram pra casa de ônibus biarticulado, inclusive) e que reuniu um público tão diverso, de crianças a idosos, o que ficou foi a prova da evolução. As letras mais recentes do Coldplay podem até soar um pouco repetitivas. Mas talvez não estejamos acostumados a tamanha positividade e de uma banda que alcançou um séquito de fãs por mérito e não por ter caído de paraquedas. 

Claro que sempre haverá a turma do contra. O importante é saber conviver com ela. E isso o tal do Cristóvão João Antônio Martins parece ter aprendido direitinho. E isso é “Biutyful”! (JM)

***

A experiência do primeiro dos dois shows do Coldplay em Curitiba (21 e 22 de março) começou já na fila quilométrica para o estádio Major Antônio Couto Pereira. Os fãs cantavam as músicas e comemoravam a cada curva que os deixava mais próximos da entrada. Com a pulseira no braço, a noite foi aberta pelo trio escocês Chvrches. Mesmo com eles entregando a alma em sua performance, os fãs apenas chamavam os astros ingleses para o palco. Com o Couto lotado e quase nenhum espaço livre entre as mais de 40 mil pessoas, a banda entrou às 21h ao som da música “Flying Theme”, do filme E.T.– O Extraterrestre, de Steven Spielberg. Isso já deixava claro que a noite seria mágica.

set list apresentado pelos britânicos começou com “Higher Power”, Mesmo particularmente não gostando, a canção se tornou uma experiência inesquecível. Todo show  tem uma atmosfera mágica, capaz de transportar qualquer um para outra realidade durante as duas horas de duração. O Coldplay, porém, conseguiu subir o nível desta virtude artística. As pulseiras brilhantes se tornaram um espetáculo à parte ao iluminar todo o estádio de acordo com as batidas de cada música. De certa forma, o público virou parte da performance da banda. A noite ainda contou com fogos de artifício, balões em formato de planetas (fazendo referência ao novo álbum deles), luzes coloridas e muitos confetes que tornaram tudo ainda mais bonito e especial. É até difícil escolher um destaque máximo. Para mim, o grande espetáculo aconteceu durante “Clocks”, quando todo o estádio assumiu uma cor verde que brilhava acompanhando as notas dedilhadas ao piano  enquanto um show de luzes formava um céu também esverdeado e projetado em cima da plateia.

O ânimo da banda também era contagiante. Consgeuia deixar todos alegres e animados do começo ao fim. Ajudava também o engajamento de Chris Martin com seus fãs. O cantor falou em português, leu diversos dos cartazes levados pelo público, pediu para a plateia completar as letras e cantar junto com ele durante músicas como “Paradise” e “Viva La Vida”. O que tornou a experiência ainda mais única foi na hora de convidar uma fã para tocar uma música com ele. O cantor ainda desceu do palco principal para se apresentar em um espaço menor disponibilizado no meio da plateia. Lá mandou “Sparks” e uma versão em nosso idioma de “Magic”. “Chamo de mágia”, começou, com aquele sotaque.

O final do show também foi maravilhoso. A performance de “FixYou”, penúltima do extenso repertório, ficará, com certeza marcada na mente de todos os fãs que estavam presentes naquela noite do Couto Pereira. Todas as pulseiras brilhavam em um amarelo dourado enquanto Chris, ainda com toda energia do mundo, cantava o refrão (“Lights will guide you home/ And ignite your bones/ And I will try to fix you”). Pouco depois,quando começou a gravação de “A Wave”, todos foram embora radiantes e “consertados” com toda aquela vibração transmitida pela banda. (CG)

Set list em Curitiba: “Music Of The Spheres” (intro), “Higher Power”, “Adventure Of A Lifetime”, “Paradise”, “The Scientist”, “Viva La Vida”, “Something Just Like This”, “Fly On”, “MMIX”, “Every Teardrop Is A Waterfall”/”Orphans”, “Yellow”, “Human Heart”, “People Of The Pride”, “Clocks”, “Infinity Sign”, “Hymn For The Weekend”, “Aeterna”, “My Universe”, “A Sky Full Of Stars”, “Sparks”, “Magic” (em português), Humankind”, “FixYou”, “Biutyful” e “A Wave” (outro).

Music

Black Crowes – ao vivo

Maduros, os irmãos Robinson voltam ao Brasil depois de 27 anos e mostram que seguem precisos como relógios suíços

Texto por Fabio Soares

Foto: Rafael Strabelli/Divulgação

A São Paulo de 2023 está muito diferente daquela que os irmãos Chris e Rich Robinson encontraram 27 anos atrás. Em janeiro de 1996, eles tocaram num sábado com Pacaembu lotado na mesma noite em que Jimmy Page e Robert Plant foram as atrações principais na derradeira edição do (posteriormente extinto) festival Hollywood Rock, um dos únicos benefícios que o consumo de cigarros trouxe ao Brasil. Hoje, o Pacaembu já não mais existe como estádio de futebol, destruído pela iniciativa privada, e a capital paulista está abandonada sob o “comando” de um prefeito tão fantasma que se ele entrar num elevador ninguém na cabine o verá.

Mas corta pra 2023! Os Robinson estão de volta para a turnê comemorativa de 30 anos do álbum de estreia dos corvos, Shake Your Money Maker, de 1990, atrasada em dois anos por conta da pandemia. O Espaço Unimed (antigo Espaço das Américas) não estava com sua lotação completa naquela noite de terça-feira 14 de março – o que foi ótimo porque cerca de quatro a cinco mil privilegiados poderiam ter sua festinha particular. E acabou que foi muito mais que isso.

Pontualmente às 21h30 os primeiros acordes da gravação de “Are You Ready”, do Grand Funk Railroad, deram as caras nos autofalantes, enquanto o grupo adentrava o palco para suas posições. Brian Griffin na bateria, Sven Pipien no baixo, Erick Deutsch e Joel Robinow nos teclados e os Robinson, então, iniciaram a execução da íntegra de Shake Your Money Maker com “Twice as Hard” e o inevitável acontecendo: a péssima equalização de som do Espaço Unimed! A dificuldade de se desfrutar um show com boa qualidade técnica no Brasil beira a incredulidade. Passada a frustração da canção de abertura, a segunda pôs a pista inteira para dançar: “Jealous Again” permanece maravilhosa mesmo após 33 anos de seu lançamento. Banda afiadíssima sentindo-se em casa, visivelmente se divertindo e com a plateia entoando os versos a plenos pulmões. Que momento!

“Sister Luck”, “Could I’ve Been So Blind” e “Seeing Things”, escancaram as influências da banda: blues rock embebecido em álcool e setentismo. O simples que muitos insistem em complicar. Sem firulas, sem telões, sem luzinhas piscando.

O balanço da cover de “Hard To Handle” também merece destaque: a canção de Otis Redding permanece viva, atemporal e transformaria um cemitério numa festa-baile. Aquecimento mais que especial ao ponto alto de Shake Your Money Maker – “She Talks To Angels” é o emocionante bálsamo que precisávamos trazendo um importantíssimo aspecto: a voz de Chris Robinson permanece impecável! Muito bom constatar que os excessos cometidos pelo cantor nos anos 1990 (e atire a primeira pedra quem também não os cometeu) não afetaram seu principal instrumento de trabalho. Nessa música, mais uma vez, o refrão foi cantado em uníssono pelo público. 

A arrasa-quarteirão “Stare It Cold”, encerrou a execução da íntegra do primeiro disco e o entrosamento da banda impressionava sob o comando de seu capitão. Ao contrário do despojamento do vocalista, Rich Robinson empunhava sua guitarra como um sagrado ofício a ser executado. Nada de sorrisos, apenas a forma precisa de riffs poderosos que alçaram a banda ao panteão da história do rock.

Abrindo a segunda parte da apresentação, dedicada ao restante do repertório, um particular soco em meu estômago. “Sometimes Salvation” (que não havia sido tocada nas mais recentes apresentações da turnê) possui um dos videoclipes mais perturbadores da história, sobretudo a quem foi dependente de drogas nos anos 1990 (este que vos escreve, incluso). Por isso, sua execução nesta noite será algo que guardarei na memória por muito tempo. Chris esgoelando-se à frente da banda a executando como um ato episcopal foi algo que explodiu corações dos presentes. O show poderia muito bem ter acabado ali mas faltava algo.

Com sua inconfundível introdução, “Thorn In My Pride” segue estremecendo sistemas nervosos a granel: redonda, coesa, sem sustos e fazendo a cama perfeita para “Remedy”. O maior hit da banda fez brotar uma cambada de red pills na pista (sim, eles existem!). Destaque às backing vocals, assim como no clipe, assim como no disco, assim como sempre!

“Virtueand Vice”, faixa que fecha o álbum By Your Side, de 1999, também encerrou os trabalhos da noite. Noventa minutos sem cenários tridimensionais, tendo apenas a música como pano de fundo. Mesmo com os problemas técnicos, os Black Crowes personificaram naquela terça a expressão “trator sonoro”. Ainda bem! Só tomara que este trator não mais demore quase três décadas para retornar ao Brasil.

Set list: “Twice As Hard”, “Jealous Again”, “Sister Luck”, “Could I’ve Been So Blind”, “Seeing Things”, “Hard To Handle”, “Thick n’ Thin”, “She Talks To Angels”, “Struttin’ Blues”, “Stare It Cold”, “Sometimes Salvation”, “WIser Time”, “Thorn In My Pride”, “Sting Me” e “Remedy”. Bis: “Virtue And Vice”.