Bradley Cooper “apara as arestas” das polêmicas que envolveram Leonard Bernstein, um dos mais famosos regentes e compositores do século 20
Texto por Tais Zago
Foto: Netflix/Divulgação
Filho de imigrantes judeus russos, Leonard Bernstein foi muitas coisas em sua vida profissional: maestro, compositor, pianista, professor, autor. Foi um dos mais aclamados regentes dos EUA e o primeiro nascido no território norte-americano a conduzir – e ocupar o cargo de diretor musical – da Orquestra Filarmônica de Nova York. Era também um conhecido humanista e apoiador de lutas políticas e sociais de minorias – seu apoio, e de sua mulher Felicia Montealegre, ao movimento Black Panther virou notícia na época ou em protestos contra a guerra no Vietnam. Também se engajou ativamente contra o desarmamento nuclear e ajudou a levantar recursos para a luta contra a aids. Era um pacifista e defensor dos direitos humanos. Lenny ainda fez história na Broadway, ao criar a música para West Side Story (1957), e no cinema, com a trilha de Sindicato de Ladrões (1954), de Elia Kazan.
Esse é apenas um pequeníssimo resumo da obra de um workaholic inteiramente dedicado à sua paixão pela arte da música. Não há o que não esteja lá no extenso currículo de Bernstein. Mas o também múlti Bradley Cooper (diretor, roteirista, ator, produtor) resolveu colocar outro foco em sua biopic sobre o grande Leonard – o relacionamento com sua esposa Felícia. Bradley estreou como diretor em grande estilo e recebeu bastante atenção do público e da crítica com a readaptação de 2018 do clássico Nasce Uma Estrela, com Lady Gaga no papel que ficou famoso anteriormente com Judy Garland (1954) e Barbra Streisand (1976). Em seu segundo longa, ele segue interpretando personagens musicais enquanto ocupa também a cadeira de diretor. Desta vez foi além: criou o roteiro em conjunto com Josh Singer.
O resultado da empreitada, Maestro (EUA 2023 – Netflix) oscila em qualidade. Espertamente, Cooper filmou a primeira parte do filme em preto e branco, abusando do uso de sombras e de dramatização que lembra clássicos hollywoodianos dos anos 1930 e 1940. É nessa fase que Lenny (Bradley) conhece Felícia (Carey Mulligan), uma atriz de ascendência costarriquenha que fora a NY estudar piano. Em uma soirée musical na casa de seu professor ocorrem o encontro entre os dois e o amor à primeira vista. A partir daí vivemos alternadamente em uma sequência musical ou de longos e reflexivos diálogos entre os pombinhos.
Bradley não fez a opção por uma história cronológica explicadinha. As cenas e os acontecimentos das vidas de seus personagens, ocorrem de forma sutil, com pequenas insinuações e delineações de fatos da vida de Bernstein mais do que realmente nos convidar para nos aprofundarmos, e consequentemente nos engajarmos, na história contada. Essa opção de narrativa torna o conjunto da obra raso. As interpretações de Mulligan e Cooper são boas. Aliás, vemos que o esforço foi grande. A produção primorosa e a entrega de Cooper é completa. O ator certamente suou bastante para transferir para as telas o ritmo frenético da vida do inquieto Lenny.
Bradley aborta o fato da bissexualidade de Bernstein de forma muito tímida, não deixando espaço para que entendamos fatos de sua vida anteriores ao seu grande breakthrough em 1943, ao substituir de última hora o maestro adoentado Artur Rodziński em uma apresentação televisionada da Filarmônica. Não sabemos nada anterior a isso. Posteriormente, fora seus casos amorosos com alguns homens e seus conflitos com Felícia, acabamos vendo pouca coisa de uma vida que foi, sim, riquíssima em acontecimentos. Sobre uma figura que tinha um lado mais obscuro, torturado e conflituoso. Sobre suas criações artísticas sem que sejam sutilmente colocadas como pano de fundo do drama. Enfim, Bradley optou por “aparar” as arestas da vida de Bernstein. O resultado, apesar de extremamente belo do ponto de vista estético e de ter boas atuações de todo o elenco, acaba sendo enfadonho, principalmente quando a cor chega às telas na segunda metade do filme.
Um ponto de crítica que não pode deixar de ser mencionado é em relação à escolha do elenco. Felicia tinha mãe costarriquenha e Mulligan está longe de trazer essa representação para tela, assim como Bradley, um homem hetero, assume o papel de um compositor bissexual engajado na luta LGBT. Assim como não é possível ignorar o whitewashing da narrativa que oculta, por exemplo, as gravações de Lenny com Louis Armstrong. Bradley também fugiu da “polêmica” ao omitir completamente o engajamento de Bernstein com causas sociais e políticas.
Maestro, disponível na Netflix desde o final do ano passado, é um filme de Hollywood para Hollywood. Feito sob medida para tentar angariar indicações a premiações norte-americanas com mais uma história de um personagem branco de destaque. Infelizmente, a aposta de Bradley deverá dar em nada, pois nessa categoria ele concorre com o superior (pero no mucho) Oppenheimer.