Documentário disseca as origens sonoras e autorais do movimento que colocou Belo Horizonte no primeiro escalão da música brasileira
Texto por Abonico Smith
Foto: Vitrine Filmes/Divulgação
Importantes movimentos musicais estão intrinsecamente ligados a certos detalhes da geografia de sua cidade natal. A contracultura dos hippies de San Francisco, por exemplo, gravitava ali no eixo Height-Ashbury. O punk nova-iorquino foi concebido nos muquifos underground do East Village. O grunge de Seattle se aproveitou da efervescência do circuito universitário da vizinha Olympia. No Brasil, a Tropicália explodiu em 1968 na zona central de São Paulo. Já em Belo Horizonte, uma turma de músicos, cantores e compositores fazia de um determinado cruzamento de duas ruas do bairro de Santa Teresa o seu peculiar Clube da Esquina. Uma esquina, aliás, com referências celestiais: a das ruas Paraisópolis e Divinópolis.
É exatamente esta última referência o foco central de um pulsante documentário que acaba de chegar aos cinemas de todo o país. Nada Será Como Antes – A Música do Clube da Esquina (Brasil, 2024 – Vitrine Filmes) explica como se deu a formação do movimento musical que colocou Belo Horizonte no primeiro escalão da música brasileira ali naquele início dos anos 1970. A diretora Ana Rieper, sabiamente, dribla a falta de imagens suficientes da época (tanto fotografia como filmes) com um resgate de memórias e depoimentos daqueles integrantes/testemunhas que permanecem vivos – sorte que a grande maioria continua por aí para ainda contar casos e particularidades de sua adolescência e juventude
Vemos, então, cantores e/ou compositores (Lô Borges e seus irmãos Marcio e Marilton, Beto Guedes, Milton Nascimento, Flavio Venturini, Tavinho Moura, Ronaldo Bastos) mais músicos tarimbados (Wagner Tiso, Nivaldo Ornelas, Robertinho Silva, Toninho Horta) ampliarem o foco para muito além do celebrado álbum duplo homônimo e fazerem um grande retrato daquele período, incluindo a sólida influência dos cinemas novos (tanto o nosso como o francês) e do movimento estudantil ligado à esquerda. E uma abertura de olhos para os nem tão iniciados assim: a de que o Clube da Esquina ia muito além do rock absorvido lá de fora (psicodélico, progressivo, Beatles) e da influência da música popular brasileira, sendo uma grande justaposição de gêneros, incluindo, por exemplo, toda a sorte de riqueza sonora trazida pelo jazz e os ritmos oriundos das religiões de origem africana. Ou ainda uma versatilidade instrumental e habilidades que ultrapassavam o campo musical.
A concepção de várias canções que se tornaram símbolos do movimento das esquinas divinas de Santa Teresa também é devidamente dissecada em quase oitenta minutos deste documentário. “Para Lennon e McCartney”, “O Trem Azul”, “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo” e “Travessia” são exemplos de canções que permanecem intactas em sua magia até os dias de hoje – tanto que Clube da Esquina, o álbum, não sai das cabeças de listas e votações de títulos mais significativos do nosso mercado fonográfico em todos os tempos. Acrescentando à audição o fato de você conhecer de onde elas vieram só enriquece ainda mais essas obras de arte belorizontinas.