Pedro Almodóvar assina a direção de curta-metragem com monólogo de Tilda Swinton, sobriedade e flerte com o teatro

Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Divulgação
De algumas ideias despretensiosas surgem interessantes obras na história do cinema. Autores da Nouvelle Vague, por exemplo, têm diversos curtas e filmes cujo elenco é composto por seus amigos, também nomes do movimento. Em paralelo, é difícil não sentir uma energia de singela despretensão em A Voz Humana (The Human Voice, Espanha, 2020), mais recente trabalho do consagrado diretor Pedro Almodóvar.
Baseado livremente na peça homônima de Jean Cocteau, lendário autor francês, o curta-metragem de Almodóvar é um monólogo em que Tilda Swinton agoniza, nutre esperanças e as tem demolidas ao longo de trinta minutos. Simples em seu argumento, o é também em sua execução: Swinton passa a esmagadora maioria da duração dentro de um apartamento-set. As paredes são tapadeiras, montadas como se para uma produção. A varanda, as portas e janelas dão para as paredes de um galpão industrial.
Assim, Almodóvar se permite experimentar com a mescla entre as linguagens do cinema e do teatro. Sua abordagem está a quilômetros de distância daquela que se torna cada vez mais comum: a mera reprodução de uma peça enquanto ela é gravada, sem espaço para a inventividade e o aprimoramento do discurso por meio do uso da linguagem cinematográfica. Pelo contrário, a direção do espanhol constantemente significa implicitamente o melodrama de sua história.
Essa é, sem dúvidas, uma de suas marcas autorais; toda sua filmografia ecoa as preferências melodramáticas e suas dinâmicas. Aqui não é diferente – o ritmo e a atmosfera são devidamente o que se espera do diretor. Contudo, o condicionamento a uma estrutura completamente distinta (há de se lembrar que as gravações se iniciaram após a pandemia da covid-19!) induz frescor à obra, e nos permite experimentar um Almodóvar despido seus excessos em virtude de uma aproximação à protagonista.
Tilda é, sem dúvidas, o pivô desse experimento, entregando uma forte atuação em cada microexpressão – visto que há uma predominância de planos fechados em momentos-chave da breve trama. A também consagrada atriz parece plenamente confortável em seu papel, construindo uma personagem que, embora com um arco curto e resoluto, intriga a cada frase.
A Voz Humana é um bem humorado experimento, intrigante e fresco. À medida que suas estrelas são gigantes da indústria do cinema, é um curta que se permite ter a criatividade e a leveza de uma produção enxuta e de muita textualidade sagaz. Com uma pergunta central permeando seu espaço e sua personagem, Almodóvar brinca com o espectador e injeta uma sobriedade que pode atrair alguns de seus detratores.