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A Nuvem Rosa

Longa brasileiro que se passa dentro de um apartamento tem história que antecipa as dificuldades pandêmicas 

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: O2 Filmes/Divulgação 

Quase como uma ironia do destino, o longa brasileiro A Nuvem Rosa retrata um casal que mal se conhece preso em casa por conta do aparecimento de uma tóxica e misteriosa nuvem assassina. Contudo, o que daria uma bela metáfora para explorar a pandemia da covid-19 foi curiosamente arquitetado anos antes – o filme fora rodado em 2017. 

De autoria (direção e roteiro) de Iuli Gerbase, que aqui assina seu longa de estreia, A Nuvem Rosa (Brasil, 2021 – O2 Filmes) orbita em torno, principalmente, dos dilemas e dificuldades de Giovana (Renata de Lélis). Presa apenas com o caso de uma noite só Yago (Eduardo Mendonça), seu arco é um que se assemelha com as dificuldades pandêmicas de 2020 em diante. A solidão entre desconhecidos passa a um relacionamento, que descamba em um casamento e até uma separação. Tudo dentro das quatro paredes desse apartamento, sempre de janela fechada.

Gerbase, em especial no início do filme, é bastante econômica com sua abordagem. Embora a mise en scène permaneça estática e contida, dando espaço para o trabalho de fotografia significar tudo com a sempre presente luminosidade rosa da nuvem, somos introduzidos à trama com uma economia em roteiro e montagem também. São poucos quadros, comumente às bordas de Giovana (pés, pernas), com poucos diálogos. Yago é, de fato, o estranho na casa ao início do filme, tanto que sua presença é pontual. Conforme a trama escala, a diretora o integra mais à estrutura de suas sequências e chega a torná-lo foco, protagonista junto de Giovana. 

A Nuvem Rosa é capaz de encapsular muito bem a sensação de solidão e impotência que muito se sentiu com o isolamento social. Em uma das melhores cenas do filme, Giovana fala a Yago que não quer perder sua liberdade mas recebe como resposta a questão que muito nos perguntamos: “que liberdade é essa que você acha que tem?”.

Contudo, com a difícil tarefa de fazer funcionar uma premissa simples em 1h40 com somente um cenário (afinal, o filme passa inteiro no isolamento), o ritmo de montagem torna-se um pouco maçante. Ao nos acostumar com as dinâmicas e até mesmo prever os acontecimentos, falta novidade suficiente para manter o engajamento. Ao menos, quando a sensação de arrasto vem, não dura, pois é rapidamente substituída por uma ou outra mudança na trama.

O maior desafio do espectador aqui, no entanto, é passar do primeiro ato sem enfezar-se com a natureza artificial dos diálogos e entregas de cada ator. O longa sofre do mal que Paulo Emílio já criticava no cinema brasileiro nos idos de 1950, essa falta de naturalidade constante em nossas interlocuções para o cinema. Se essa já é uma questão que deixamos para trás, não se pode dizer. Mas é evidente que os primeiros minutos de A Nuvem Rosa nos lembram dessa histórica dificuldade.

Assim, se aguentar os primeiros minutos, quem assiste percebe uma obra com atenção especial a suas personagens, com uma compreensão muito cândida do que aconteceria anos após. Justamente por isso, este é um filme muito sincero e próximo de seu espectador. Quem não passou por um pouco do que Giovana e Yago passaram, afinal? 

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