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Ela Disse

Diretora Maria Schrader leva às telas a recente história que revelou a série de abusos e estupros cometidos por um figurão de Hollywood

Texto por Taís Zago

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Esta é a história de como as duas jornalistas do New York Times, Megan Twohey (Carey Mulligan) e Jodi Kantor (Zoe Kazan), pesquisaram e publicaram a primeira matéria sobre os crimes de estupro e abuso do figurão do cinema hollywoodiano Harvey Weinstein. Em Ela Disse (She Said, EUA, 2022 – Universal Pictures) Megan e Jodi passaram um sufoco enorme para conseguir penetrar no mundo dos acordos de silêncio pago, legiões de advogados, vitimas acuadas e amedrontadas, um infinito blacklisting e a cooperação de toda uma indústria com abusadores como Harvey.

Weinstein, como já é sabido pelo escopo do movimento global #metoo, foi apenas a ponta do iceberg de um machismo institucional e de uma cultura de assédio a atrizes, atores e funcionários de diversos setores da indústria norte-americana de entretenimento. O que Jodi e Megan iniciaram foi o estopim para uma avalanche de denúncias que transbordaram a fronteira cultural que deu início às denúncias. Nos meses e anos que se seguiram, milhares de mulheres se sentiram encorajadas e empoderadas o suficiente para reivindicar, em diversos setores e em diversos países, modificações de leis trabalhistas, fim da disparidade salarial entre homens e mulheres, melhores códigos de conduta nas empresas e políticas de repressão do assédio e do abuso em ambientes de trabalho. 

As atrizes Ashley Judd e Rose McGowan, junto a ex-funcionárias do estúdio Miramax, encabeçaram essa primeira onda de denúncias, apoiadas apenas no suporte do NYT e das mídias que repercutiram as reportagens. Perseguidas por advogados e cobradas por terem assinado um NDA (Non-Disclosure Agreement), essas mulheres foram achacadas e coagidas aos seus limites. Mesmo assim, não desistiram e seguiram contando os episódios horrendos que vivenciaram na mão daquele que se considerava acima da lei, e que em 2020 foi condenado a cumprir a pena de 23 anos de prisão por estupro e assédio (outros processos em Londres e na Califórnia ainda estão em andamento e podem aumentar a sentença inicial).

As ondas causadas pelo #metoo chegaram até mesmo ao Brasil, reverberando na cena cultural nacional e encorajando mulheres a falarem sobre os abusos que sofreram fora e dentro do meio artístico brasileiro. Um destes casos é o do ator e humorista Marcius Melhem, que, após a denúncia da então colega de Rede Globo Dani Calabresa, responde hoje por mais 12 casos de mulheres que o acusam de assédio. 

Seriam todas as denuncias ilibadas e corretas? Certamente não. Mas estamos exatamente diante de um assunto onde a exceção confirma a regra – no Brasil, um dos países campeões mundiais de violência contra as mulheres e comunidade LGBTQIA+, o medo de sofrer retaliações após denunciar agressores ainda é muito grande. A isso ainda juntamos a ineficiência de alguns órgãos de repressão à violência e a leniência legislativa e judiciária. A lei Maria da Penha foi uma grande conquista, mas ainda não dá conta de tapar todos os buracos cavados pelo patriarcado brasileiro.

O filme da diretora e atriz alemã Maria Schrader leva em consideração a seriedade do assunto. Com boas atuações de Mulligan e Kazan, o dia a dia tenso do jornalismo investigativo das duas nos captura. O filme é escuro, o humor soturno. Os diálogos englobam todo o cuidado e a delicadeza necessária ao tema sem apelação ou pathosexagerado. Não se esperaria algo diferente de Schrader: seu trabalho como atriz já era impecável e como diretora ela segue esse mesmo rumo.

Ela Disse é real, documental e honesto. Nos coloca diante de um espelho da masculinidade tóxica e de seus mecanismos de normalização do abuso. Um filme importante sobre um momento crucial na história do feminismo norte-americano contemporâneo.

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