Documentário faz homenagem à icônica banda recorrendo à aura visual da nada hippie contracultura nova-iorquina dos anos 1960

Texto por Taís Zago
Fotos: Apple TV+/Divulgação
Lou Reed sempre foi um adolescente estranho, não se encaixava em nenhum formato, era a preocupação da família. Era precoce. Logo cedo já frequentava um bar gay de sua hometown por achar que ali estavam as pessoas mais interessantes. Na primeira aula de guitarra queria aprender rock’n’roll e, diante da negativa, resolveu aprender sozinho. Lá do outro lado do Atlântico, John Cale também se sentia incompreendido, no caso pela sua forma pouco ortodoxa de enxergar o processo de composição musical. Treinado em instrumentos clássicos, era um virtuose das cordas (viola) e teclados (piano).
A colisão desses dois astros não poderia ocorrer na época em outro lugar senão a Nova York dos anos 1960, onde o movimento monocromático beatnik da east coast era um contraste radical aos hippies coloridos e com flores nos cabelos que surgiam na west coast. Reed e Cale (mais tarde se juntariam a eles a baterista Moe Tucker e o guitarrista Sterling Morrison) criaram o Velvet Underground inspirados pelos textos beat de Allen Ginsberg (Howl, 1956), William S. Burroughs (Naked Lunch, 1959) e Jack Kerouac (On The Road, 1957) e por toda a efervescência artística que tomava conta da Lower East Side da época, onde John e Lou dividiam um apartamento.

O sucesso do grupo era modesto até o pop artist Andy Warhol e sua entourage de avant-gardistas (entre eles o cineasta Paul Morrissey, a atriz Mary Woronov, o poeta Gerard Malanga e a performer Candy Darling) descobrissem o quarteto e o tornassem uma presença constante na Factory, uma collab de artistas que orbitava ao redor da figura de Warhol. Portanto, Andy não criou o Velvet, como muita gente erroneamente afirma, mas foi apenas o sponsor (como ele mesmo se definia) e maior apoiador da banda. Warhol também foi responsável pela inclusão na trupe de Nico, uma modelo, atriz e poeta alemã, de voz bastante peculiar e grave. Lou e o resto demoraram a aceitar Nico e o trabalho em conjunto se desfez no segundo disco. Nico logo foi nadar em outras águas como artista e Reed assumiu como frontman, pavimentando o caminho para sua carreira solo.
O documentário The Velvet Underground (EUA, 2021 – Apple TV+), disponibilizado em outubro passado em streaming, é dirigido por ninguém menos que Todd Haynes, que fez Velvet Goldmine (1998) e I’m Not There (2007), ambos excelentes dramas musicais semifictícios sobre ídolos reais – no caso Bowie e Dylan respectivamente. Portanto, o resultado não poderia ser nada menos do que uma estética impecável, ainda mais com a grana bancada pela Apple, que é uma empresa famosa por prezar pelos visuals de seus produtos. Haynes domina a arte de transpor a aura sessentista para as telas, quer seja com glam rock ou veia beatnik. Não economiza em split screens, cortes, montagens e projeções. Para desavisados pode parecer um tanto turbulento (tem até aquele aviso clássico no começo atentando ao perigo de convulsões), mas as composições fazem sentido, não sendo supérfluas, meros floreios. Bem pelo contrário: as imagens dialogam entre si e se complementam. Uma salva de palmas para o trabalho primoroso de edição que arremata essa bela obra.
The Velvet Underground é entretenimento de qualidade para ouvidos e olhos treinados. Especialmente feito para iniciados na jornada da banda e no contexto cultural em que se os músicos se inseriam. Já para um leigo pode parecer apenas um emaranhado de imagens e takes de entrevistas com sobreviventes do caos cultural nova-iorquino dos anos 1960. Está longe de ser documento didático sobre a banda. É um patchwork, uma collage, uma sobreposição, uma homenagem. Assim como uma obra de Warhol.