Movies

Love Lies Bleeding – O Amor Sangra

Kristen Stewart e Katy O’Brian protagonizam um neonoir que flexiona os músculos, pinga sangue e expira paixão

Texto por Tais Zago

Foto: Synapse/Divulgação

Estamos no final dos anos 1980 e Lou (Kristen Stewart) é a gerente e faz-tudo de uma academia encardida nos confins do Novo México. O ambiente, frequentado principalmente por fisiculturistas, é austero e pouco convidativo. Suas paredes são forradas com frases de motivação no estilo no pain no gain, embarcando nos clichês divulgados em uma época em que os heróis de aventura nos cinemas eram Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone. Em sua rotina mundana, Lou funciona no piloto automático. Na vida pessoal, cultiva a solidão. Eventualmente ela se encontra com Daisy (Anna Baryshnikov) mais por insistência da mesma do que por vontade própria. 

Isso tudo muda com a chegada de Jackie (Katy O’Brian), uma jovem mochileira que está de passagem a caminho de um concurso de bodybuilding em Las Vegas. Ela começa a treinar na academia de Lou e já no primeiro dia as duas começam um caso amoroso. Jackie se muda para a casa da gerente e a ajuda a se preparar para a competição, com ajuda de (muitos) anabolizantes que a protagonista trafica na academia. A atração entre as duas mulheres parece aumentar com o ganho muscular de Jackie. Lou não esconde a fascinação pelo corpo da namorada. 

A relativa paz do casal é interrompida quando Lou descobre que Jackie está trabalhando como garçonete no Rancho de Treinamento de Tiros de Lou Sr. (Ed Harris), que além do rancho comanda o tráfico de armas da região. Para ficar ainda pior, Jackie envolveu-se brevemente com JJ (Dave Franco), o cunhado violento e abusador de Lou e parceiro de trabalho de Lou Sr. A tensão chega ao primeiro ápice quando a irmã de Lou, Beth (Jena Malone), é espancada por JJ e vai parar no hospital. Lou confessa a Jackie que gostaria de ver o cunhado morto.

A diretora Rose Glass, que debutou em 2019 com seu primeiro longa Saint Maud, também tem coautoria no roteiro de Love Lies Bleeding – O Amor Sangra (Love Live Bleeding, Reino Unido/EUA, 2024 – Synapse) junto com Weronika Tofilska. Já em Saint Maud, Glass nos mostrou que não é dada a romantizações desnecessárias e não suaviza os personagens para angariar simpatias. Suas mulheres são fortes e quebram tabus mesmo quando enquadradas como vilãs ou anti-heroínas. E isso é bastante claro nas escolhas que faz na direção desta obra mais recente. Em uma intricada mistura tarantinesca, ela nos oferece gore, sexo, paixão e crime. Os frames se alteram entre a realidade e fantasia tornadas palpáveis pelos olhos de Jackie e Lou. A adoração dos músculos salientes e besuntados de óleo, as cores fosforescentes do final dos anos 1980, o uso da luz como um determinante do caráter dos personagens se mistura ao drama e ao sangue que as escolhas das mesmas nos levam a ver jorrar sem timidez.

Glass é inspirada pela iluminação dura e pontual dos sexy thrillers das décadas de 1980 e 1990 e a sonoplastia é digna do melhor dos slasher movies. O drama é marcado pelo exagero e pelo absurdo, podendo nos arrastar à gargalhadas aparentemente involuntárias –  porém até essas risadas são calculadas e fazem parte da ambientação criada pela autora e diretora. A química na tela entre Kristen e Katy é incrivelmente sexual. O desejo de Lou é devorar e ser devorada e a fisicamente forte Katy, muitas vezes, é o elo frágil em suas mãos. Para completar a fórmula de sucesso a trilha sonora é espetacular, uma recorrência nas produções da A24 pelas mãos de Clint Mansell, compositor já consagrado pelos seus trabalhos junto ao cineasta Darren Aronofsky.

O Amor Sangra pega Thelma & Louise (1991), Assassinos por Natureza (1994) e Ligadas Pelo Desejo (1996); joga tudo no liquidificador; coloca um casaquinho de tactel, um par de Reeboks e mullets; passa pelo filtro de Tarantino e depois adiciona uma pitada de Breaking Bad (2008), virando um neonoir de um casal de lésbicas que atua irracionalmente guiado pelos traumas de suas histórias familiares. O resultado é espetacular, o cast maravilhoso (menção honrosa para o “careca com rabinho de cavalo” Ed Harris) e visualmente delicioso. Para mim, já é um dos melhores filmes de 2024 e certamente tem grande potencial de entrar para o rol dos cult movies.

Movies, Music

Dorival Caymmi – Um Homem de Afetos

Documentário proporciona um olhar carinhoso para vida e obra do baiano que estabeleceu as bases do que se entende por música popular brasileira

Texto por Abonico Smith

Foto: Descoloniza Filmes/Divulgação

O próximo dia 30 de abril marcará os 110 anos de nascimento da pedra fundamental daquilo que todo mundo entende por música popular brasileira. Para celebrar a data, chega aos cinemas nacionais nesta quinta Dorival Caymmi – Um Homem de Afetos (Brasil, 2020 – Descoloniza Filmes), depois de ter sua première mundial na edição deste ano do festival internacional de documentários É Tudo Verdade.

Sob o comando de Daniela Broitman, que assina roteiro, direção e produção, Um Homem de Afetos é, como seu próprio título já entrega, um olhar carinhoso por todo o universo de vida e obra do cantor e compositor baiano. Disseca passagens curiosas, engraçadas e afetivas do artista, falecidos em 2008 aos 94 anos de idade. Traz depoimentos dos três filhos, pessoas que conviveram com muita proximidade a ele e fãs famosos como Gilberto Gil e Caetano Veloso. Apresenta também depoimentos e antigas gravações de Dorival em vídeo. Não pretende reinventar a roda, muito menos revolucionar narrativas e formatos. É um doc tradicional, mas que prima em pegar os espectadores pela emoção. E consegue, sem deixar aquela temida mácula de chapa-branca que contamina produções deste tipo. Louva o legado inovador e criativo de Caymmi mas também se propõe a apresentar pequenos deslizes comportamentais do homem por trás do ídolo. Detalhe: faz isso com a ajuda de Nana, Dori e Danilo, inclusive. E do próprio Dorival…

Sua intrínseca relação com o mar da Bahia vem desvendada logo no início. A ligação profunda, que marcou a passagem do “compositor por trás da imagem pública de Carmen Miranda em Hollywood” ao Dorival trabalhador boêmio das boates dos anos dourados de um Rio de Janeiro ainda capital federal, pode ser deliciosamente saboreada nas explicações particulares e históricas da vida do músico. Foram as águas do mar que banharam muitas de suas geniais criações lançadas por ele em disco no começo dos anos 1950 e construíram um universo temático tão rico e emocionante descrito em letras inigualáveis. Único também era seu jeito de tocar o violão e interpretar as próprias composições, o que leva a crer que Caymmi, ao menos no Brasil, foi o primeiro grande representante do termo cantautor (o famoso compositor que interpreta as suas canções), que viria a se popularizar décadas depois.

O período áureo da temática do mar – que antecedeu o estouro bossa nova mas nem por isso deixou de ser celebrado nos Estados Unidos, embora seja bem menos lembrado até hoje no Brasil – rende boa parte do documentário, inclusive com um engraçado trecho em que Caetano tece muitos elogios à maestria de encaixar a prosódia baiana nas melodias e letras. Há também um breve mergulho no Dorival músico e compositor, ainda por trás dos microfones, quando rendeu a Carmen Miranda todo o suporte para a imagem da baiana brasileira que encantou o mundo por meio do filtro do entretenimento estadunidense. Também ocupa parte generosa do roteiro a conturbada relação da esposa Stella Maris (com quem ficou casado por 68 anos, até a morte de ambos separada por questão de dias) com o cara que não conseguia suportar a convivência com barulhos mas não se afastava da fama de mulherengo.

As rápidas mudanças sociais e musicais promovidas no decorrer dos anos 1960 provocaram gradativamente a diminuição dos trabalhos inéditos de Dorival como cantor e compositor. Mas um curioso fato reacendeu a fama da idolatria… fora do país. Mais precisamente na extinta União Soviética, quando uma versão cantada em russo de “Suíte do Pescador” para a exibição do filme The Sandpit Generals (baseado na obra literária Capitães de Areia, de Jorge Amado rodado na Bahia, com produção norte-americana e censurado por aqui pelo regime ditatorial dos militares) tornou-se um hino que acabou por entrar para a posteridade por lá. Prova de que Caymmi pode ser coisa nossa mas o reconhecimento de seu talento ultrapassa barreiras geográficas e idiomáticas.

Difícil acabar de assistir a Um Homem de Afetos e não se afeiçoar ainda mais a Dorival Caymmi, o homem por trás da figura pública da música brasileira – sobretudo na hora em que o caçula Danilo aperta suas bochechas e brinca livremente com o pai coruja, com quem sempre teve muita proximidade de afeto. Para toda uma novíssima geração que acha ser a também baiana Ivete Sangalo o nome-mor da música brasileira (como mostrou-se em uma polêmica envolvendo a performance de Paulo Ricardo no mais recente BBB), pode ser um excelente canal para grandes descobertas e viagens no tempo.

Aliás, é para isso que servem documentários. Mais do que deleitar os iniciados em um assunto o grande papel de uma obra como esta é proporcionar expressões de estupefaciência em quem adora deixar-se surpreender. Certamente este Um Homem de Afetos pode e deve produzir isso em quem nem era nascido (ou ainda era bem pequeno) quando Dorival Caymmi faleceu.

Movies

Anatomia de uma Queda

O abismo entre verdade objetiva e percepção subjetiva é brilhantemente tratado sem espetacularização neste longa francês

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Diamond Films/Divulgação

O vencedor da Palma de Ouro, prêmio máximo do Festival de Cannes, chegou ao Brasil e ao circuito internacional acumulando premiações e elogios. Destaque nas principais corridas do Oscar deste ano, que ocorrerá agora em março, Anatomia de uma Queda (Anatomie d’une Chute, França, 2023 – Diamond Films) conquista seu público ancorando-se a uma simples questão (que não promete resolver ao rolar dos créditos): ela matou ou não?

Isto porque a trama trata das circunstâncias da morte de Samuel (Samuel Theis), professor universitário e escritor frustrado cuja queda da janela do ático dá nome ao filme. Sua esposa, a bem-sucedida escritora Sandra (Sandra Hüller), é a única suspeita, mas alega que o marido teria tirado a própria vida. Defronte a um promotor inescrupuloso (Antoine Reinartz), ao júri e ao seu próprio filho Daniel (Milo Machado-Graner), ela vê sua vida escarafunchada e invadida em uma tentativa desesperada de livrar-se da acusação.

A suspeita não é infundada. A relação entre Sandra e Samuel sofrera muito nos últimos anos, afogada em culpa, rancor e frustração devido ao acidente que deixou Daniel permanentemente cego. Aqui, como em muitos relacionamentos, os campos pessoal e profissional se confundem: as discussões do casal variavam da falta de proporcionalidade dos afazeres domésticos ao “roubo” de uma ideia literária de Samuel por parte de sua companheira.

Todos esses pontos não ficam sem nó em um roteiro muito bem tecido por Justine Triet, que também assina a direção do filme, e Arthur Harari. Triet nos lança de cara no meio deste conflito conjugal na primeira e uma das melhores cenas do longa-metragem. Sandra recebe uma jovem entrevistadora e sua casa e, sem nem aparecer na tela, Samuel invade a conversa das duas com sua música ensurdecedora. Sua presença, assim como nessa perturbadora e ansiosa sequência, é sentida em todo o filme, primeiro como sombra e depois como fantasma. Por isso, seus poucos minutos (sempre flashbacks) são profundamente impactantes.

A protagonista Sandra Huller, por outro lado, carrega consigo o peso de ancorar a duração do filme e está presente em quase todas as cenas. Sua personagem, dividida entre o luto e a busca por uma defesa, é profundamente humana. Em meio à inquisição de sua vida, a difícil tarefa de assistir sua vida inteira resumida diante de um júri. Suas fraquezas amplificadas, suas qualidades dispensadas como notas de rodapé.

Esta é, talvez, a principal questão que Triet nos coloca ao longo de Anatomia de uma Queda. A queda é, claro, o ponto focal objetivo do caso. Por detrás dela, o exame completamente subjetivo das possíveis motivações de um assassinato ou um suicídio. Instaura-se o embate profundo de narrativas: uma disposta a condenar Sandra por seu passado, outra a sentenciar Samuel à desistência do próprio futuro. Neste jogo de tênis, a verdade se torna tão distante que é inalcançável, pois o fato em si mesmo jamais será capaz de conciliar tamanhas contradições. Não à toa, o plano que melhor ilustra todo o caso é a majestosa confusão de Daniel, que vira a cabeça num pingue-pongue que responde a duas vozes fora da tela debatendo seu depoimento: o advogado e antigo amigo de sua mãe, Vincent (o competentíssimo Swann Arlaud), e o promotor de acusação.

Assim como Daniel, o espectador se vê em conflito, buscando encontrar verdade e falsidade em reconstruções retóricas que não são capazes de abarcar a complexidade de uma vida a dois. Triet é muito sagaz em operar, nas cenas do julgamento, uma mise-en-scène muito mais errática, com uma câmera na mão que pincela zooms e movimentos bruscos, encontrando a composição certa no andar da carruagem; e primeiros planos com baixíssima profundidade de campo – as personagens sempre em foco, o ambiente judicial sempre num enorme borrão.

Mas, no choque de narrativas, nem o fato é tão relevante que esgota a divergência. Em dado momento, a acusação parte da obra ficcional de Sandra para imprimir nela uma personalidade cruel, fria. Lendo um de seus best-sellers ao júri, o promotor antagonista acende um debate de fundo que faz sucesso na crítica contemporânea: a personagem literária de Sandra é um espelho da escritora? Melhor colocando: é possível separar autora e obra? Triet parece assumir que sim, pois a dissimulação da acusação não nos deixa dúvidas quanto à índole de seus representantes. Assim como Sandra não é o áudio de uma única briga, gravada em segredo por seu marido, como poderia ser uma personagem que ela mesma anuncia ficcional, não obstante a similar situação em que ambas se encontram?

Anatomia de uma Queda é um drama de peso, cuja recepção traduz muito bem a importância. O abismo entre verdade objetiva e percepção subjetiva é brilhantemente tratado sem espetacularização, mas com a perfeita ciência de seu peso. O olhar atento da diretora para mãe e filho enlutados, passando por um trauma sem tamanho, não precisa de certezas para construir algumas das personagens mais impactantes do cinema recente. Se nunca teremos acesso ao fato concreto, só nos basta o sentimento.

festival, Music

I Wanna Be Tour

Oito motivos para não perder o festival itinerante que abraça a nostalgia do pop punk e do emo do começo dos anos 2000

Simple Plan

Texto por Frederico di Lullo

Fotos: Divulgação

Estamos em 2024, mas tranquilamente poderia ser 2001, 2003 ou 2007. Sim o evento chamado I Wanna Be Tour está próximo e, com ele, uma trupe de emoções para quem curtia as cenas do emo e do pop punk do começo do século. Numa impactante produção, o festival será realizado em março em cinco capitais (São Paulo, dia 2; Curitiba, 3; Recife, 6; Rio de Janeiro, 9; e Belo Horizonte, 10) e promete ser um marco para quem gosta da cena musical daquela época.

Por isso, o Mondo Bacana apresenta oito motivos para ninguém ficar de fora deste turnê nostálgica – mais informações sobre locais, horários, preços e outras particularidades de cada um destes cinco eventos você pode encontrar clicando aqui.

Se liga!

Turnê nos moldes internacionais

Presente em cinco cidades brasileiras, I Wanna Be Tour chega em março nos moldes dos festivais itinerantes americanos, focados na geração criada pela MTV e voltada à cena musical do começo dos anos 2000. Por isso, se espera um espetáculo visualmente impactante, com luzes, cenários, efeitos especiais e dois palcos que tornarão cada concerto único na vida de quem for, até lá. As atrações serão as bandas Simple Plan, A Day To Remember, All-American Rejects, All Time Low, Used, Asking Alexandria, NX Zero, Pitty, Boys Like Girls, Mayday Parade, Plain White T’s e Fresno. Quem será louco de perder esta escalação?

Nostalgia emo

I Wanna Be Tour é, sem sombra de dúvidas, a oportunidade perfeita para voltar no tempo e reviver os dias em que o emo dominava as mentes dos jovens e programações das rádios rock de norte a sul, de leste a oeste deste país. Com isso, a geração que cresceu nos anos 2000, justamente quando o emo bombava, está agora lá pelos 20 e tantos anos (ou 30 e poucos). Em outras palavras, é a geração que não pensa duas vezes antes de pagar por aquilo que deseja tanto consumir.

Simple Plan

Este grupo é uma importante parte integrante da cultura pop mundial desde sua formação, em 1999, na cidade canadense de Montreal. Vendeu mais de 10 milhões de álbuns em todo o mundo, arrebatou vários prêmios e se apresentou durante as olimpíadas de inverno em 2010. Ainda são detentores de hinos inesquecíveis como “Welcome To My Life”, “Perfect” e “I’m Just a Kid”. Juntas, essas três músicas somam mais de 720 milhões de audições mensais – isso apenas no Spotify.

Used

Extremamente popular no começo do século neste sul do sul do mundo, a banda que surgiu em Utah em 2000 atualmente conta em sua formação com Bert Mccracken (vocais), Quinn Allman (guitarra), Jepha Howard (baixo) e Dan Whitesides (bateria). Quem hoje está entre os 25 e 35 anos com certeza se emocionou escutando músicas como “The Bird And The Worm”, “The Taste Of Ink” e “Buried Myself Alive” nos players de mp3 de 128 ou 256 mb.

Fresno

Na ativa desde 1999, a banda gaúcha brilhou na época de ouro do emo. Não bastasse, continua na estrada, fazendo o que mais gosta: viver em cima de um palco. Com dez álbuns de estúdio e outros trabalhos ao vivo, o Fresno promete fazer shows históricos justamente no ano em que comemora um quarto de século de atividade. Simplesmente imperdível, não?

NX Zero

Com sua mistura única de rock alternativo e letras cativantes, cada apresentação da banda é uma experiência única. Vindo de recente turnê pelo Brasil após um longo tempo de hiato, o NX Zero continua tocando para sua árdua legião de fãs. Por isso, promete mais um concerto que irá marcar a memória de todos.

Pitty

Diva do Rock Nacional desde o início dos anos 2000, Pitty irá trazer o álbum Admirável Chip Novo – o primeiro da carreira, tocado na íntegra – diretamente para os fãs. O respertorio, depois, contará com outros sucessos como “Na Sua Estante” e “Me Adora”.

Restam poucos ingressos à venda

Não perca tempo, pois a tendência é que eles se esgotem ainda em janeiro. Seja ligeiro, garanta a sua entrada, independentemente da cidade, e venha reviver os anos 2000 como nunca antes presenciado no Brasil. Ainda mais com esse monte de bandas estrangeiras juntas no mesmo dia. Quem vamos?

Music

Killing Joke

Um relato próximo de quem conheceu a banda de perto e se tornou amigo do guitarrista Geordie Walker, cuja “harpa dourada” silenciou para sempre

Youth, Coleman, Ferguson e Walker: o Killing Joke em 2022

Texto por Guto Diaz

Fotos: Divulgação (banda) e Guto Diaz (banda ao vivo e selfie com Geordie)

No último dia 26 de novembro, um domingo, às 6h30 da manhã, a “harpa dourada” silenciou para sempre. Kevin “Geordie” Walker, guitarrista e um dos fundadores do grupo pós-punk britânico Killing Joke, faleceu em sua casa, na cidade tcheca de Praga. Ele tinha 64 anos e sofreu um AVC. 

Walker nasceu dia 18 de dezembro de 1958, em Chester-le-Street, distrito de Durham, no nordeste de Inglaterra. Quando tinha 14 anos, a família mudou-se para o distrito de Bletchley, em Buckinghamshire. Foi nessa época que ele adquiriu o apelido Geordie, devido ao forte sotaque do norte. Desde cedo mostrou uma obsessão pela guitarra. Fechava-se no seu quarto, após a escola, para praticar durante longas horas. Foi para Londres para estudar arquitetura e tornou-se membro fundador do Killing Joke quando respondeu a um anúncio enigmático colocado pelo cantor Jaz Coleman e pelo baterista Big Paul Ferguson na edição da Melody Maker de 24 de fevereiro de 1979.A dupla procurava por um guitarrista e um baixista. Esse anúncio trouxe, além de Walker, o baixista Martin “Youth” Glover. Com esta formação foi dado início às atividades do Killing Joke. 

Seu estilo pouco ortodoxo, caracterizado por melodias angulares, harmonias dissonantes, experimentação e o jeito de tocar sem esforço e ao mesmo tempo produzindo um som monstruoso, tornou-se a pedra angular do Killing Joke e foi amplamente aclamado por nomes como Jimmy Page, James Hetfield e Dave Grohl. Esta sonoridade, muitas vezes descrita como “atmosférica” e “visceral”, foi alcançada através de uma combinação de pedais de efeitos, afinações não convencionais e a utilização de uma guitarra semiacustica, a Gibson ES-295 (carinhosamente chamada pelos fãs de “harpa dourada”), com uma afinação inteira num tom abaixo (DGCFAD), tornando a tensão do encordoamento mais confortável com o benefício adicional de deixar a guitarra mais pesada.

Este modelo Gibson ES-295, que se tornou seu instrumento principal a partir de 1982, desempenhou papel fundamental em todas as gravações subsequentes, até o último álbum, Pylon, lançado em 2015. A abordagem da guitarra de Walker era tão enigmática que influenciou artistas como Ministry, Faith No More, My Bloody Valentine, Metallica, Helmet, Prong, Nirvana, Soundgarden e, inclusive, meus projetos primal…, Secret Society e OUTONO, que misturam perfeitamente elementos de rock, industrial e música de vanguarda.

Geordie, Youth, Coleman e Ferguson: o Killing Joke em 1980

Meu primeiro contato com a música do Killing Joke foi na metade dos anos 1980, com os álbuns NightTime (1985) e Brighter Than A Thousand Suns (1986), que tiveram lançamentos em território nacional. Tudo mudou pra mim quando ouvi o álbum What’s This For! (1981) na casa da empresária da comunicação Moema Zuccherelli (na época empresária do meu grupo, o Epidemic). Desde então, eles se tornaram minha banda preferida, abrindo a mente para outras possibilidades sonoras, além do espectro do heavy e do thrash metal que eu escutava na época. 

A primeira vez que assisti ao Killing Joke ao vivo foi nos dias 29 e 30 de setembro de 2008, em Bruxelas (Bélgica), na turnê de reunião da formação original. Foram diversos concertos pela Europa, com eles tocando duas vezes seguidas em cada cidade, executando na integra os álbuns Killing Joke (1980), What’s This For! (1982) e Pandemonium (1994), além de singles e lados B. Na primeira noite, encontrei pessoalmente diversos gatherers (nome dado à legião de fãs do quarteto espalhada pelo mundo). Eram pessoas que eu já conhecia através da internet e das antigas mailing lists. Após o show fui convidado para ir até um pub, onde eles iriam receber alguns fãs. Fui apresentado aos integrantes. Todos foram extremanente cordiais comigo. Ficaram admirados por eu ter saído do Brasil só para vê-los. Tiramos fotos juntos e fui convidado para, no dia seguinte, assistir à passagem de som. Daí em diante criou-se uma relação muito bacana entre nós. Nos anos seguintes segui trocando mensagens com eles por e-mail, inclusive mostrando alguns de meus trabalhos musicais.

Em 2018 a banda anunciou sua primeira turnê pela america latina, com passagens pelo México, Peru, Chile, Argentina e Brasil. Fui a dois shows (São Paulo e Buenos Aires) e dessa vez eu que recebi e acompanhei alguns gatherers no Brasil, levei eles em uma churrascaria e bares em São Paulo. Viajamos juntos e ficamos hospedados nos mesmos hotéis. Eu tive acesso livre às passagens de som e ao camarim, ganhei presentes da banda e passei momentos inesquecíveis junto dos meus ídolos. Passeamos de taxi por Buenos Aires, fomos a uma churrascaria típica argentina, participei de festas no hotel após as apresentações, com queijos e vinhos – uma certa tradição no universo Killing Joke.

Mas o grande momento de todos foi quando Jaz Coleman nos convidou para ouvir com exclusividade em seu quarto de hotel, ao novo álbum Magna Invocatio, com releituras orquestradas de músicas do Killing Joke e gravado com a Filarmônica de São Petersburgo, que estava prestes a ser lançado. Foi uma experiência surreal: todos em silencio, ouvindo com atenção, enquanto o vocalista, de olhos fechados, regia a obra com batutas imaginárias. Após a audição, Jaz fez questão de saber a opinião de todos que lá estavam (éramos em quatro pessoas: os britânicos David “Diamond Dave” Simpson e David Molyneux, o francês Stephane “Frenchy Frenzy” Bongini e eu).

>> Leia na íntegra este diário de bordo de 2018 com o Killing Joke clicando aqui

Guto Diaz e Geordie Walker

Em 2022 o quarteto anunciou uma pequena turnê de cinco showsFollow The Leaders, que aconteceria em março de 2023 na Inglaterra, culminando num grande evento no Royal Albert Hall. Entrei em contato com meus amigos Molyneux e Bongini e contei que estava seriamente pensando em ir. Eles me disseram que, caso eu fosse mesmo, haveria algumas surpresas: eu só precisaria garantir a minha ida até Londres. Dia 6 daquele mês embarquei em mais uma incursão para assistir ao Killing Joke. Quando cheguei à capital inglesa, David e Stephane estavam me aguardando no aeroporto de Heathrow para darmos início à nossa aventura. Fomos de carro e acompanhamos três warm up gigs: dia 7 de março em Colchester, 9 em Londres (onde o Killing Joke se apresentou pela primeira vez no mítico 100 Club), 10 em Wolverhampton. Depois, finalmente o grandioso evento no Royal Abert Hall, dia 12, novamente em Londres. 

Nesses quatro dias eu tive acesso geral a tudo. Assisti a todas as passagens de som, podendo acompanhar de perto o processo de montagem de equipamento e o soundcheck. Permitiram o acesso aos camarins antes e após os concertos. Foi simplesmente inacreditável. Na primeira noite após o show em Colchester, enquanto acontecia a famosa festa dos queijos e vinhos, pude conversar bastante com eles e com a equipe. É claro que dessa vez fui preparado, com presentes para cada um. Levei duas garrafas de cachaça, uma para Geordie e outra para Big Paul; uma caixa de charutos especiais brasileiros para Jaz e discos para Youth (Da Lama Ao Caos, do Chico Science e Nação Zumbi; A É Concavo B É Convexo, dos curitibanos do ruído/mm; e Realce, de Gilberto Gil). 

No dia seguinte, voltamos para Londres para o show no 100 Club. Esta é uma casa de shows icônica e minúscula, localizada no porão de um prédio na Oxford Street, no centro de Londres (lembra o antigo 92 Graus, em Curitiba). Pelo  100 Club já passaram grandes nomes do jazz e artistas como Muddy Waters, Bob Dylan, Rolling Stones, Paul McCartney, Oasis, Blur. Lá também foi onde Siouxsie & The Banshees fizeram sua estreia nos palcos. O show do Killing Joke foi catártico. O lugar é pequeno e estreito. O público fica praticamente esprimido entre a parede e o pequeno palco. A banda foi sublime nesta noite. Eles tocaram visceralmente e num volume extremamente alto. O local parecia um caldeirão de tão quente. 

No dia seguinte marcamos de nos encontrar bem cedo em frente ao hotel, porque teríamos de dirigir alguns bons quilômetros de Londres até Wolverhampton, que fica ao norte, próximo a Birmigham. Logo que desci encontrei com Stephane que me disse: “tenho uma surpresa para você hoje, aguarde”. A surpresa era que levariamos o guitarrista Geordie conosco no carro até Wolverhampton, pois ele não queria ir no ônibus de turnê, junto com a banda e a equipe. Foi uma das experiências mais surreais da minha vida viajar no mesmo carro ao lado do meu maior ídolo. Antes da partida, quando nos encontramos, Walker agradeceu novamente a cachaça e confessou ter dado um talagaço logo cedo. Daí ensinei a ele a receita da clássica caipirinha brasileira. Durante a viagem, as conversas foram bem triviais: família, cigarros, café, esportes, pescaria (um hobby dele!). É claro que Geordie também contou algumas histórias da estrada com o Killing Joke. Chegando em Wolverhampton, a gig foi no KK’s Steel Mill, casa de shows do guitarrista do Judas Priest, com grande porte e uma estrutura impecável. Mais uma vez eles entregaram uma performance arrebatadora. Voltamos na madrugada, de carro, mas desta vez Geordie veio dormindo por todo o trajeto.

Killing Joke ao vivo durante sua última turnê, em março de 2023

Finalmente chegou o grande dia, 12 de março de 2023. O Killing Joke faria uma apresentação sold out no emblemático Royal Albert Hall, teatro para mais de cinco mil pessoas inaugurado em 1871. O lugar é simplesmente magnífico. Faltam palavras pra descrever a sua beleza e opulência. Acompanhei a passagem de som inteira e os preparativos para a gravação (a noite foi registrada para um futuro álbum ao vivo) e depois fui convidado a ficar com eles nos camarins. Caminhar pelos corredores do Royal Albert Hall foi uma experiência incrível. Um pouco antes do início do show me dirigi até a plateia, pois eu queria assistir a tudo de frente. A apresentação foi magnífica. Eles entregaram toda sua fúria e intensidade de modo sublime. Logo depois teve uma festa só para convidados dentro dos bares do Royal Albert Hall, salões de uma beleza indescritível. Conheci ali inúmeras pessoas de diversos lugares do mundo e me diverti muito. Estava ainda em êxtase, absorvendo tudo que tinha acontecido em menos de uma semana.

Em todos os quatro shows em que estive presente tive a oportunidade de rever algumas pessoas que já havia encontrado em Bruxelas em 2008 e também conhecer pessoalmente uma infinidade de outros fãs dos quatro cantos do mundo – alguns que já conhecia pelas redes sociais e outros a quem fui apresentado pela primeira vez. Essa é uma das coisa mais legais sobre os gatherers: eles fazem você se sentir como se fosse parte de uma grande família, uma congregação de fãs com a mesma paixão e admiração pelo Killing Joke. 

Como tudo tem um fim, chegou a hora de ir embora. No dia seguinte me de despedi de meus amigos e retornei ao Brasil. Quando entrei na sala de espera do aeroporto, inesperadamente, a última pessoa que encontrei antes de embarcar foi o Geordie (que estava voltando para Praga!). Conversamos brevemente e na hora do adeus ele me disse “safe travels”. 

Quem poderia imaginar que menos de nove meses depois ele estaria deixando este plano? Agora é minha vez de dizer adeus e desejar “safe travels, my friend”. Escrevendo esse relato estou tomado de uma imemsa tristeza, como se tivesse perdido um irmão ou um amigo muito próximo. Obrigado por sua obra, inspiração e todo legado que deixou. Você nunca será esquecido. Honor The FireAbsent Friends Shall Live By Love!

Geordie era de longe o mais quieto e o membro mais difícil de se conhecer do Killing Joke. Sempre ficava no seu canto sem chamar a atenção, evitava dar entrevistas e não era muito receptivo às súplicas febris de fãs. Apesar disso, nunca se comportava como uma celebridade ou uma estrela do rock. Assim que se quebrava essa barreira inicial, ele se mostrava uma pessoa extraordinária. Um componente integral e insubstituível do som característico da banda na qual ele tocou continuamente por mais de 46 anos.

Ouso dizer que sem ele este é o fim de uma era chamada Killing Joke.