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A Pequena Sereia

Live action de clássica animação da Disney traz 52 minutos adicionais, novas canções e Halle Bailey impressionando como Ariel

Texto por Carolina Genez

Foto: Disney/Divulgação

Ariel é a filha caçula do Rei Tritão, governante dos sete mares. Por ser a mais nova, a pequena sereia vive sob regras extremamente restritas que em principal a proíbem de ir até a superfície e interagir com os humanos. Curiosa, magoada pelo pai e determinada a conhecer o mundo acima da água, ela é seduzida pelas promessas da bruxa Úrsula, que oferece pernas em troca da voz da garota.

A primeira adaptação do conto de Hans Christian Andersen produzida pela Disney em 1989 teve um grande peso dentro da empresa, sendo responsável por salvar o departamento de animações do Mickey Mouse, que estava passando por um período difícil depois de fracassos comerciais entre os anos 1970 e 1980. Com uma princesa muito carismática e músicas animadas, o longa abriu portas para outras produções como A Bela e a Fera e O Rei Leão e chegou inclusive a ser indicado a três estatuetas do Oscar, levando duas para casa. Por causa da relevância e da qualidade do seu antecessor, as expectativas em cima do live action anunciado para chegar aos cinemas em 2023 estavam altas.

Eis que estreia nesta semana a nova versão de A Pequena Sereia (EUA, 2023 – Disney), agora com atores. O roteiro de ambos os filmes são bem similares, contando inclusive com alguns mesmos diálogos. Porém, com 52 minutos adicionais, o live action consegue acrescentar momentos e músicas, alem de desenvolver melhor cada um dos personagens de uma maneira que melhora e complementa a história mas ainda mantém a essência que o desenho trouxe para a narrativa. Essas mudanças foram aprovadas não só pelos fãs da animação como também pela atriz Jodi Benson, que deu a voz à princesa Ariel no longa de 1989.

O filme de 2023 abre com uma citação do próprio Hans Christian Andersen (“Uma sereia não tem lágrimas, assim ela sofre muito mais”), que fica com o espectador do começo até o final, principalmente nas cenas mais dramáticas. As novas músicas também se destacam ao longo da história, sendo acrescentadas de maneira orgânica e trazendo muito para dentro da narrativa. A trilha sonora original foi escrita por Alan Menken. Já para o live action, o compositor recebeu a ajuda do talentosíssimo Lin Manuel-Miranda.

Outra das mudanças positivas foi o melhor desenvolvimento da personalidade de Eric. Aquele de 1989, comparado com os príncipes encantados das outras princesas da Disney, tinha bastante personalidade mas não o suficiente para os dias de hoje. Agora Eric não só ganha uma música para chamar de sua, como também somos apresentados aos seus sonhos e vontades, similares às de Ariel (louco para explorar o mundo embora sua mãe queira que ele fique na proteção de seu palácio). Esse acréscimo, apesar de simples, permite com que os espectadores também se conectem com o personagem e faz com que o amor entre os dois personagens seja mágico porém mais natural.

 O romance dentro do filme também foi bem desenvolvido com esses minutos adicionais. Na animação isso já fora bem executado – apesar da intensidade de amor à primeira vista, por ter cedido sua voz, Eric não reconhece Ariel e assim acaba se apaixonando “novamente” pela garota de maneira gradual ao longo da história. No live action o foco na relação é grande, com diversas cenas em que os personagens percebem o quanto têm em comum e aproveitam a companhia um do outro – o que torna a narrativa ainda mais envolvente, também pela química dos atores.

Por falar em romance, durante o longa em diversos momentos é colocada de maneira clara a independência de Ariel, algo muito questionado ao longo dos anos. A princesa sempre quis conhecer a superfície e Eric e sua paixão foi apenas mais um motivo a mais. Dentro do filme, além de “Part Of Your World”, que já expressa as vontades da garota, a nova canção “For The First Time” mostra com perfeição a personalidade da sereia curiosa, determinada, querendo conhecer o novo mundo mas ainda assim assustada com as novidades. E tudo isso na voz potente de Halle Bailey.

A atriz e cantora aqui entrega uma performance digna de longos aplausos, encarnando perfeitamente como Ariel e sendo o verdadeiro destaque dentro do filme. Bailey dá vida a uma protagonista muito corajosa e apaixonante, com muito da essência daquela de 1989, mas construindo a personagem à sua maneira. Desta maneira, impressiona e cativa desde o primeiro momento. E a voz potente da atriz engrandece todas as músicas do filme, desde aquelas que canta solo até as que acompanha em segundo plano. Halle também impressiona pela expressão corporal e performance nas cenas em que Ariel fica sem voz.

Assim como no primeiro filme, os coadjuvantes também não ficam para trás. Aqui a temida Úrsula é vivida pela carismática Melissa McCarthy, que traz uma performance exagerada (num bom sentido) e extremamente debochada. Sua atuação bem teatral fica perfeita para a personagem. Já os amigos de Ariel estão muito afiados, apesar de realistas demais. Linguado (Jacob Tremblay) é extremamente fiel a Ariel e traz divertidos momentos principalmente no começo do filme. Já Sebastião (o talentoso Daveed Diggs) é o braço-direito do rei Tritão e ajuda a princesa a sair de sua enrascada trazendo uma maravilhosa performance da música “Under The Sea”. Por fim, a dublagem de Sabichão acaba incomodando um pouco pela voz da atriz Awkwafina ser extremamente reconhecível. Ainda assim, traz engraçados momentos e recebe uma música só sua, “The Scuttlebutt”, com traços reconhecíveis das obras de Lin Manuel-Miranda.

A Pequena Sereia também ganha muito com os avanços tecnológicos e transporta os espectadores para um mundo mágico, tanto embaixo da água quanto na superfície. Sob o mar tudo é muito colorido e quase viciante de se olhar por causa de diversas criaturas e cenários maravilhosos. O CGI e a maneira natural como Ariel se movimenta também impressionam. Já em terra temos a chance de explorar mais do castelo e da cidade de Eric, ambos também recheados de cores e objetos interessantes. Isso faz entender ainda mais a curiosidade de Ariel.

Apaixonante, satisfatório e divertido, o novo filme consegue emplacar como uma das melhores adaptações feitas pela Disney nessa leva de live actions. Prende os espectadores do começo até o fim, melhorando a narrativa de 1989 e apresentando uma ótima performance de Halle Bailey.

Movies

Guardiões da Galáxia Vol. 3

Encerramento da trilogia do grupo de anti-heróis da Marvel conta a história do carismático guaxinim Rocket Raccoon

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

“Esta história sempre foi sua, você só não sabia disso”. O filme que encerra a trilogia da equipe mais disfuncional do MCU dá protagonismo ao carismático Rocket Raccoon e é um gigante megalômano com qualidades, defeitos e muito coração. Em suma, um filme muito humano.

Mesmo dentre os marvetes, há quem torça o nariz para os longas dos Guardiões da Galáxia. Mas a característica principal que sempre admirei nos filmes do grupo é o quão autossuficientes e independentes eles conseguem seguir do restante dos exemplares do MCU. Diferentemente dos demais, com seu caráter episódico, as obras dos Guardiões caminham mais com as próprias pernas, obviamente fazendo referências a toda estrutura Marvel nos cinemas, com citações e alusões a personagens e eventos ocorridos nos outros filmes da casa. Mas não é tão descaradamente um tie-in como seus pares, concentrando-se em contar uma história com começo, meio e fim, desenvolver seus personagens e trabalhar a dinâmica entre eles. Desse modo, esses longas têm o mérito (e em termos de MCU, é um mérito de fato!) de poderem ser curtidos independentemente de se ter visto as outras produções do estúdio ou não. O maior responsável por isso é o cineasta James Gunn, que assina a trilogia e é, seguramente, um dos poucos diretores autorais a assumir uma empreitada cinematográfica com o selo Marvel.

O desfecho da trilogia, Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Guardians Of The Galaxy Vol. 3, EUA/Nova Zelândia/Frnça/Canadá, 2023 – Marvel/Disney) narra a história do misterioso personagem Rocket Raccoon (Bradley Cooper), que sempre carregou consigo uma revolta pela sua condição mas nunca explicitou, de fato, os motivos que o levaram a ser como é. Ele sempre optou por omitir detalhes sobre a origem de sua natureza adulterada, embora deixasse evidente o rancor consequente das modificações genéticas sofridas. Enfim, temos acesso a esse background e nos deparamos com uma história trágica que envolve experimentos científicos cruéis e desumanos com animais e, posteriormente, crianças. O responsável por isso, denominado Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), intenta criar uma raça superior em um mundo perfeito. Já cegado pela sua obsessão, tomado pela ganância e completamente desprovido de qualquer traço altruísta, ele sequer enxerga as falhas em seu plano que resultaram no fracasso e tende a repetir o mesmo trajeto e conclusão de modo sucessivo. Sem se aprofundar muito nas temáticas mais espinhosas, Guardiões da Galáxia Vol. 3 é uma metáfora das próprias falhas da humanidade e do mau uso da ciência e tecnologia, que ultrapassa os limites éticos e morais, e da utilização de animais como cobaias para experimentos genéticos vis em laboratórios. No entanto, essas discussões se restringem a um plano mais superficial, em ordem de privilegiar a diversão e os efeitos especiais – marca registrada de qualquer filme da Marvel.

O longa abre com a toada melancólica de “Creep”, do Radiohead, em versão acústica, que Raccoon ouve no MP3 player de Peter Quill (Chris Pratt) enquanto este se embriaga pelo sofrimento da ausência de Gamora (Zoë Saldaña). A música, acompanhada pela voz martirizada de Raccoon, reflete sua própria natureza, bem como a cena ilustra a essência dos Guardiões da Galáxia no cinema: emocional e bem-humorado. Até agora, todos os filmes da equipe se comprometeram a arrancar risadas e lágrimas dos espectadores, com igual intensidade. E não é diferente neste terceiro exemplar.

Após o ataque súbito de um inimigo desconhecido – mais tarde identificado como Adam Warlock (Will Poulter) – a Luganenhum (QG, refúgio e cenário habitual das aventuras do grupo), Rocket acaba severamente atingido e, devido a um dispositivo letal presente em sua estrutura, não há meios de socorrê-lo. Na correria para salvar sua vida, os Guardiões devem unir a banda toda novamente, inclusive a Gamora da linha temporal ramificada e alternativa que emergiu em Vingadores: Ultimato – rebelde, impulsiva, egoísta, sem um traço da estoica que fora sacrificada por Thanos em Guerra Infinita e que não apresenta um resquício de sentimento por Peter Quill, rendendo sequências verborrágicas do autodenominado Senhor das Estrelas, que não hesita em expressar toda a sua mágoa e ressentimento. Obviamente, essa Gamora não possui qualquer interesse em salvar o guaxinim. Ela entra nessa para um objetivo específico dos Saqueadores, grupo espacial de criminosos chefiado por Stakar Ogord (Sylvester Stallone), ao qual se uniu após a morte de seu pai, Thanos (Josh Brolin).

Juntos novamente, os Guardiões precisam partir para o perigoso território do “criador” de Rocket e se infiltrarem na Orgocorp, uma empresa intergaláctica de bioengenharia fundada pelo Alto Evolucionário. Enquanto permanece desacordado e com a vida por um fio, toda a trajetória do guaxinim vai passando por sua mente e tomando a tela por meio de flashbacks. Há de se destacar o quão expressivos e tridimensionais são Raccoon e seus amigos do passado, também vítimas de modificações genéticas – mais do que muitos heróis que protagonizam as produções da casa, convém dizer.

Um dos pontos fracos dos filmes da Marvel Studios está em criar sólidos vilões, sempre apresentando nêmesis descartáveis para seus heróis (exceto por Thanos, que foi bem construído). Neste Guardiões não é muito diferente, mas pelo menos a performance do ator garante um inimigo deliciosamente histriônico pelo tempo em que acompanhamos a narrativa. Mais uma vez, uma produção do MCU exagera no CGI e na megalomania (maior e mais intensa a cada novo longa lançado). É realmente tão difícil assim criar uma boa história de super-herói sóbria e sem tantos excessos? Não. O último Batman nos provou isso, mas parece que Kevin Feige e sua turma não estão muito interessados nessa conversa. Outro ponto em que o filme peca é nos excessos musicais, nas tiradas cômicas e nas criaturas estranhas.

A trilha sonora dos longas dos Guardiões continua sendo a melhor da Marvel. Contudo, neste terceiro volume nem sempre as faixas surgem organicamente; ainda que pontuais e correspondentes a cada momento, é muito tempo desperdiçado com música embalando cenas que poderiam durar metade do tempo, enquanto diversos subplots são desfavorecidos. Nem todas as piadinhas funcionam, pois algumas soam por demais forçadas e com timing errado diante da necessidade de colorir o longa de humor. Quanto às criaturinhas que invadem a tela… Bem… A estética de sci-fi B dos anos 1970 e 1980 que os Guardiões da Galáxia evocam é sempre deliciosa de se apreciar e mostra que não há muito compromisso de se levar a sério demais, existindo com o propósito pleno de diversão. Nisso, este filme, bem como os demais, é honesto em suas intenções e carregado de despretensão. Mas o terceiro volume, em particular, exagera na concepção visual. De qualquer forma, tem um fundamento, afinal é de forma a alicerçar toda a estética de espaço exterior já introduzida nos episódios anteriores. E, como dito anteriormente, não é para se levar a sério.

Ainda no que se refere ao visual, a cinematografia por vezes vacila ao não valorizar a batalha das cenas com movimentos muito rápidos de câmera, embora no que concerne aos planos estáticos haja muito primor na composição dos frames, especialmente no que diz respeito ao jogo de luz e sombras (em perfeita alusão aos quadrinhos). Também há falhas visíveis e gritantes na montagem, com cortes muito secos e abruptos, que deixam os espectadores desnorteados em vários momentos. Mas o maior pecado do longa é o fato de transformarem Adam Warlock em um bobalhão… O personagem que, nas HQs, já conseguiu derrotar o poderoso Thanos, dá as caras pela primeira vez no MCU e se converte em uma enorme decepção, surgindo não apenas deslocado na narrativa, como estupidamente infantilizado.

Os méritos, ainda bem, se apresentam em muito maior número: além de focar sua narrativa no cativante Rocket Raccoon, preocupar-se em contar uma história com início, meio e fim, e proporcionar uma excelente, ainda que curta, batalha em plano-sequência (uma das mais divertidas e memoráveis do filme), Gunn se arrisca ao investir em mais violência e cenas de horror que tornam louvável o malabarismo do diretor em manter o longa no PG-13.

Guardiões da Galáxia Vol. 3 não é tão emocionante quanto Vingadores: Ultimato, como alguns exagerados afirmaram por aí. É um ótimo filme, superior a Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, e que deve agradar especialmente aqueles que já curtiram os Guardiões nas obras anteriores. Destaca-se como uma das gratas surpresas de uma safra tão esquálida como foram a Fase 4 da Marvel e o início da Fase 5, com o último longa do Formiga. James Gunn é um cineasta vaidoso, excêntrico e, por vezes, caprichoso. Mas sabe como administrar bem um elenco numeroso e contar uma boa história com coração e humanidade nas telas. Sobretudo, nutre evidentes carinho e paixão pelo marginalizado grupo de anti-heróis que ficou incumbido de transportar para o cinema. E só isso já o torna uma das maiores aquisições e uma das mais sentidas perdas para o MCU, já que provavelmente, ele não retornará mais ao posto de diretor de um filme da franquia (não sei se vocês sabem, mas James virou um dos chefes da rival, DC Studios). Mas esperamos que seu exemplo seja seguido.

Music

Evan Dando – ao vivo

De bem com a vida em São Paulo, o cérebro do Lemonheads faz o que sabe de melhor para exorcizar seus fantasmas

Texto e foto por Fabio Soares

Sempre sonhei em ver os Lemonheads. Nas três vezes em que a banda esteve no Brasil (1994, 1997 e 2004) não fui aos shows por diversos fatores, sendo o financeiro o principal. Após a desastrosa passagem do vocalista por terras brasileiras, ocorrida há 19 anos, a chance de enfim ver o grupo ao vivo (ou ao menos o seu líder) tornava-se algo quase impossível. Acompanhando as redes sociais do cabeça à frente dos limões, percebia-se que um retorno à América do Sul era um sonho cada vez mais distante.

Distante até dezembro de 2022. Em uma publicação na página oficial dos Lemonheads, Evan Dando aparecia numa belíssima foto, tocando violão. Mas o que mais chamaria a atenção foi o seu check in: ele estava na Serra da Cantareira, em São Paulo. Um amigo virtual logo veio me avisar: “Ele namora a filha do Renato Teixeira”. Numa rápida busca no Google descobri que Evan é namorado de Antônia, filha do lendário músico e compositor brasileiro, e que ele estava no Brasil para um período de férias. A partir daí, foi visto em São Paulo nas mais inusitadas situações. De idas ao dentista no Bairro da Liberdade a uma loja de instrumentos na capital paulista, passando por um set acústico para três gatos pingados na Vila Madalena, o dândi indie sente-se em casa em São Paulo. E o amor por Antônia é o principal fator para exorcizar seus fantasmas.

Quando foram duas apresentações de Evan no minúsculo teatro do Sesc Avenida Paulista, deu-se um verdadeiro pandemônio à procura de ingressos, que se esgotaram em minutos. E a sexta-feira 3 de março representou, para muitos dos 180 afortunados presentes à primeira das duas noites de Dando tocando em Sampa, a materialização da trilha sonora de suas adolescências.

Abrindo a solitária apresentação com voz e violão com “Outdoor Type”, a viagem aos anos 1990 teve início da maneira mais emocionante possível com corações disparados para “Into Your Arms”. Irriquieto, alterou o andamento da canção. Ninguém reclamou. Com a letra da canção na ponta da língua, a audiência não titubeou ao entoar seu refrão a plenos pulmões.

Como já era de se esperar, várias covers fizeram parte do set list com a dobradinha “My Idea”, de Chris Brocaw, e “Speed of the Sound of Loneliness”, de John Prine. Pano de fundo para a avassaladora tríade com “Hospital”, a antológica “My Drug Buddy” e a não menos emocionante “Ride With Me”. Problemas técnicos nos microfones poderiam ofuscar uma noite de jogo já ganho, porém nada disso abalou a disposição da plateia. A atmosfera era de uma grande festa de apartamento com um ilustre convidado e o visitante não decepcionou: mandou Victoria Williams (“Frying Pan”), Michael Nesmith (“Different Drum”) e até Ten Years After (“I’d Love To Change The World” a capella), transformando o Sesc numa cápsula do tempo que ganhou aura de colosso atemporal com a inesquecível “It’s a Shame About Ray” (que seria hino do Planeta Terra caso eu fosse o dono do mundo).

No final, a maravilhosa “Stove” deu números finais a um emocionante encontro entre Evan Dando e seus já quarentões fãs. Ele não mais precisa se esconder. Está feliz! Limpo! Sorrindo! Sabe que os dias pesados passaram, que é um sobrevivente e que talvez a vida esteja lhe dando uma última chance aos 56 anos.

E tudo por causa do amor. Sempre o amor…

Set list: “The Outdoor Type”, “Into Your Arms”, “Hard Drive”, “My Idea”, “Speed Of Sound Of Loneliness”, “Break Me”, “Hospital”, “My Drug Buddy”, “Ride With Me”, “She’s a Whore”, “How Will I Konw”, “Frank Mills”, “Rudderless”, “Snow Don’t Fall”, “Panch And Lefty”, “Different Drum”, “Confetti”, “Frying Pan”, “Being Around”, “It’s A Shame About Ray”, “Mrs Robinson”, “I’d Like To Change The World”. Bis: ”Stove”.

Music

Imagine Dragons – ao vivo

Dan Reynolds bota Curitiba para lavar a roupa com água da chuva em seu tanquinho

Texto e foto por Luciana Penante (Bora Curitiba)

Dois de março de 2023. Pedreira Paulo Leminski, Curitiba. Dez minutos para o show ter início, a atração de abertura, OutroEu, deixando o palco, surgem os primeiros pingos de chuva. Uma algazarra de capas plásticas começa a se formar. Casais, famílias inteiras – com muitas crianças, inclusive – e um extrato bem diversificado de curitibanos aguardam Dan Reynolds e companhia.

Pontualmente, às 20h30, o Imagine Dragons sobe ao palco e mostra a que veio. Logo percebe-se que a água que cai do céu não é impedimento para a diversão de ninguém ali. O que se segue é uma explosão. “Thunder”. De hits e também de suspiros pelo tanquinho à mostra do vocalista, que prova que quem está na chuva é para se molhar.

O cantor está realmente inspirado e passa quase todo o show na passarela que percorria a área central da pista Premium. Bastante comunicativo, Reynolds diz muitas vezes que ama seu público e conta de sua infância, que curiosamente teve momentos bem brasileiros, como assistir futebol e beber guaraná, graças ao pai, que trabalhou em nosso país.

Em outro momento tocante, o cantor aborda o tema saúde mental, falando da importância da terapia na vida dele. Segundo o próprio, é graças a ela que ele está vivo hoje. Logo após dizer que “sempre vale a pena viver”, a banda emenda “Demons”. O público canta junto, acompanhado pelo violão delicado de Daniel Wayne Sermon.

Empolgante, a apresentação teve alguns pontos altos, como quando o cantor desceu do palco e interagiu com a fila do gargarejo em “I Bet My Life”. E quando a banda performou a sempre potente “Radioactive”, na qual a luz vermelha do palco irradiou pela plateia maravilhada.

Embora tenha impressionado o físico de Reynolds (fruto de exercícios para vencer a espondilite anquilosante, uma doença autoimune que atinge as articulações e pode ser amenizada com uma musculatura forte), não é ele que explica o sucesso com os firebreathers (termo dado a quem pertence à fanbase da banda). Fica nítida a devoção e o carinho desses fãs, que a todo momento apareciam no telão cantando, com destaque para um menininho que aparentava ter menos de 10 anos. Nos ombros do pai, ele sabe as letras de cor.

Boa parte da chuva, durante o show, também é de papel picado com algumas cores. Isso acaba por criar uma cena bastante interessante no final de tudo: um mar de capas de chuva transparentes salpicadas em vermelho, azul, branco e dourado. É uma bela metáfora. Afinal, vamos todos embora da Pedreira mais coloridos.

Set list: “My Life”, “Believer”, “It’s Time”, “I’m So Sorry”, “Thunder”, “Birds”, “Follow You”, “Natural”, “Next To Me”, “Amsterdam”, “Wrecked”, “I Bet My Life”, “Whatever It Takes”, “Sharks”, “Enemy”, “Bad Liar”,  “Demons”, “On Top Of The World”, “Bones”, “Radioactive” e “Walking The Wire”.

Movies

Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania

Longa-metragem que leva aos cinemas o novo vilão da franquia MCU peca por insistir na saturada fórmula dos filmes da Marvel

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

O filme que abre a Fase Cinco da Marvel Studios é também o 31º a integrar a franquia MCU e o terceiro blockbuster estrelado pelo herói. Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (Ant-Man and the wasp: Quantumania, EUA/Austrália/Canadá, 2023 – Marvel/Disney) já enfrentou críticas desde muito antes de seu lançamento, ainda no final de 2020, quando uma notícia caiu como uma bomba na comunidade nerd: a de que a atriz Emma Fuhrmann, que interpretou Cassie Lang, a filha de Scott Lang (Paul Rudd) em uma breve passagem de Vingadores: Ultimato seria substituída por Kathryn Newton, pegando a todos, inclusive a própria Emma, de surpresa. A substituição repentina e sem prévio aviso atiçou a fúria no Twitter. Com o filme chegando aos cinemas na primeira metade de fevereiro, nem dá para dizer que as críticas prematuras foram infundadas. A garota comum mas que conseguiu emocionar o público com segundos de tela em Ultimato se converteu em uma rebelde estilosa GenZ que segue os passos do pai em passagens pela polícia, apresentando toda uma nova personalidade. E é defendida por Newton com uma apatia de causar incômodo. Digamos que, se uma certa franquia de filmes baseada em uma série literária que narra o romance entre um vampiro e uma humana fosse produzida nos dias de hoje, Kathryn seria escalada para viver a mocinha, tamanha a inexpressividade da atriz.

No filme da Marvel, que explora especialmente o conceito de família e a relação entre pai e filha em um universo repleto de superpoderes e seres e acontecimentos extraordinários, Cassie Lang é a chave que impulsiona a narrativa, uma vez que a garota prodígio desenvolve uma tecnologia capaz de se comunicar com o Reino Quântico, onde Janet van Dyne, a Vespa original (Michelle Pfeiffer), ficou aprisionada por vários anos e de onde Scott Lang foi libertado acidentalmente por um rato em Ultimato.

Ao mostrar sua invenção para o pai, para a madrasta Hope “Vespa” van Dyne (Evangeline Lilly) e para os sogros de Scott, a quem ela agora chama carinhosamente de “avós”, Dr. Hank Pymm, o Formiga original (Michael Douglas) e Janet, Cassie encara a relutância desta última. Embora a misteriosa personagem tenha mantido em segredo o que viveu durante os anos em que esteve presa no Reino Quântico, escondendo a experiência até mesmo de seu marido e filha, ela está prestes a revelar algo que parece ter sido um episódio traumático quando todos são sugados repentinamente para dentro do próprio Reino Quântico. E é neste universo que se desenrola todo o filme. Enquanto Vespas e Formigas tentam escapar do Reino, se deparando com toda a sorte de perigos e criaturas bizarras, temos acesso, por meio de flashbacks, ao background da personagem Janet e descobrimos a razão pela qual ela não queria retornar àquele universo de jeito nenhum.

O longa ainda introduz nos cinemas os vilões Kang, o Conquistador (Jonathan Majors), e Modok (Corey Stoll). Kang já havia dado as caras na série original Loki, da plataforma Disney+, que também integra o MCU. Já no caso do grotesco Modok, trata-se de sua primeira aparição live action. A trama recicla um personagem de Homem-Formiga de 2015, o ex-pupilo de Hank, Darren Cross que se tornou vilão já naquele filme e agora mostra seu terrível destino como um ser aprimorado ciberneticamente e que possui uma enorme cabeça. Assim como em Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, que apresenta ao público Talokan, o reino submarino onde vive Namor, Quantumania insere na já vasta mitologia do MCU novos cenários e novas nações, o que expande as possibilidades para o futuro da franquia além de respeitar o legado da mídia original do herói, os quadrinhos.

O grande porém é que o filme dirigido por Peyton Reed (o mesmo dos dois longas anteriores do Formiga) insiste na fórmula saturada da Marvel Studios e se apresenta como uma produção perfeita para a geração TikTok, imediatista, com ânsia de ação ininterrupta e clímax instantâneo e constante. Uma sucessão de rápidos eventos potencialmente grandiosos toma a tela, mas roteiro e direção não se preocupam e nem se esforçam muito em desenvolver uma história, o que torna o conjunto da obra quase esquecível. Lá pelo final do filme, nem lembramos que Bill Murray fez uma participação no longa. E quem se lembra da presença do veterano ator de Os Caça-FantasmasFeitiço do TempoEncontros e Desencontros e outras obras celebradas, pergunta-se apenas o que ele estava fazendo ali, pois seu personagem, Krylar, surge e sai de cena completamente deslocado. Também, pudera: nos quadrinhos, Krylar é pouco conhecido e nem mesmo pertence às histórias do Homem-Formiga.

O resultado é um longa com cara de episódio regular de uma série genérica da Marvel/Disney. A grande batalha final, por exemplo, é entediante, por mais que os investimentos em CGI tenham a pretensão de torná-la apoteótica. A narrativa não se serve dos efeitos especiais – muito pelo contrário, parece ter sido concebida apenas com o objetivo de empregá-los. Quanto à ação, não há senso de urgência, há piadinhas em excesso na vã tentativa de transformar este novo exemplar do Formiga em um filme divertido e familiar, com alto teor de fantasia e sci-fi, só que o longa não tem identidade. Não há nada que o destaque entre seus pares. Para completar, Modok é sempre desnecessário. O ponto positivo é o fato de a Marvel Studios estar, cada vez mais, explorando o conceito de multiverso, que é a tônica das fases quatro, cinco e seis do MCU, compondo, desse modo, a Saga do Multiverso.

Uma curiosidade é que em Quantumania podemos enxergar paralelos entre o MCU e Star Wars. Os seres bizarros apresentados neste filme remetem às criaturinhas esquisitas que vimos especialmente em O Retorno de Jedi. Toda a construção visual do Reino Quântico, de fato, lembra muito o pai dos blockbusters. O próprio Peyton Reed afirmou em entrevistas ser um grande fã do trabalho de George Lucas – portanto, as referências visuais não são à toa. Contudo, outra similaridade entre as obras não é assim tão empolgante: assim como Star Wars, o MCU vem sofrendo um desgaste contínuo e pecando pelo excesso.