A vida e o ativismo de corpo e alma do organizador de um dos mais famosos protestos contra a segregação nos EUA dos anos 1960
Texto por Tais Zago
Foto: Netflix/Divulgação
Bayard Rustin não veio ao mundo para brincadeira. É possível que se alguém procurar num dicionário estadunidense o significado da palavra ativista provavelmente iria encontrar uma foto sua já de cara. Ou talvez não. Rustin gostava de atuar no background, mobilizando, organizando, angariando fundos e produzindo protestos que deram palco para outros personagens da luta do povo negro norte-americano brilharem, entre eles o reverendo Martin Luther King. King ainda era um bom amigo pessoal do furacão Bayard.
Rustin nasceu em 1912, na Pennsylvania, sob a pecha do filho ilegítimo. Foi criado pela avó Julia, que era da religião quaker mas frequentava, por causa do marido, uma igreja metodista episcopal africana. Julia também era um membro ativo da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People), organização fundada em 1909 com o objetivo de avançar a busca pela igualdade racial e social para os afro-americanos. Podemos assim dizer que Rustin já fora politizado quase que no “berço” e seguiu, a partir de seus anos de universitário, uma carreira extremamente engajada na causa dos direitos humanos e das minorias raciais segregadas nos EUA. Bayard também era abertamente homossexual, o que, na época, o colocava ainda mais na mira do escrutínio público e da violência do Estado –a homossexualidade era considerada crime nos EUA até os anos 1960.
Mesmo com tantas adversidades, Rustin escolheu o caminho do pacifismo. Sua mobilização era calcada em protestos pacíficos, em diálogo e em esclarecimento. Isso mesmo em uma época em que os brancos norte-americanos pareciam apenas entender a linguagem da violência e do ódio irracional.
O diretor George C. Wolfe escolheu apresentar em Rustin (EUA, 2023 – Netflix), como recorte da vida desse grande personagem, os acontecimentos em torno da organização da famosa marcha em Washington DC em 28 de agosto de 1963. O evento mobilizou um total de 250 mil participantes, vindos de todos os cantos dos Estados Unidos para protestar contra a discriminação racial e mostrar apoio e exercer pressão sobre o governo de Kennedy e congresso para que a nova legislação dos direitos civis fosse finalmente votada e aprovada. Bayard tinha pouco mais de dois meses para fazer toda a organização do evento e viabilizar o protesto, que teria seu ponto alto em um dos discursos mais históricos de Martin Luther King.
De antemão, portanto, já se sabe que o ritmo será acelerado. Com jazz como pano de fundo as cenas e os cortes são rápidos e os diálogos, pontuais. Isso dá ao filme uma dinâmica própria que é carregada com louvor pelo maravilhoso Colman Domingo (que também participou do elenco do novo A Cor Púrpura) no papel de Bayard Rustin. O roteiro de Julian Breece e Dustin Lance Black alterna cenas da vida pessoal do portagonista, seus amores e seus amigos, e da corrida maluca contra o tempo para realizar a marcha. Domingo ofusca os outros personagens com sua atuação magnifica e nos faz querer levantar e militar pelas coisas que acreditamos. O ator conseguiu transpor para as telas a figura inspiradora de Rustin e sua grande capacidade de mobilização e de realização em uma época em que tudo o que a elite branca queria era dificultar manifestações por igualdade. Uma tarefa hercúlea em uma sociedade anacrônica.
Rustin nos contagia com sua energia e empolgação, mas também nos oferece uma janela para o mundo pessoal e os sacrifícios de quem busca grandes objetivos. Apesar de considerado protocolar por parte da critica, o filme se faz necessário e é um importante documento histórico homenageando um personagem de valor e destaque. Não é à toa que a produção saiu da casa de produções audiovisuais Higher Ground, do casal presidencial Barack e Michelle Obama. Disponível no canal de streaming Netflix, Rustin também abocanhou uma indicação a melhor ator do Oscar 2024. Como muita gente, fiquei de dedos cruzados por Colman Domingo naquela noite.
Bradley Cooper “apara as arestas” das polêmicas que envolveram Leonard Bernstein, um dos mais famosos regentes e compositores do século 20
Texto por Tais Zago
Foto: Netflix/Divulgação
Filho de imigrantes judeus russos, Leonard Bernstein foi muitas coisas em sua vida profissional: maestro, compositor, pianista, professor, autor. Foi um dos mais aclamados regentes dos EUA e o primeiro nascido no território norte-americano a conduzir – e ocupar o cargo de diretor musical – da Orquestra Filarmônica de Nova York. Era também um conhecido humanista e apoiador de lutas políticas e sociais de minorias – seu apoio, e de sua mulher Felicia Montealegre, ao movimento Black Panther virou notícia na época ou em protestos contra a guerra no Vietnam. Também se engajou ativamente contra o desarmamento nuclear e ajudou a levantar recursos para a luta contra a aids. Era um pacifista e defensor dos direitos humanos. Lenny ainda fez história na Broadway, ao criar a música para West Side Story (1957), e no cinema, com a trilha de Sindicato de Ladrões (1954), de Elia Kazan.
Esse é apenas um pequeníssimo resumo da obra de um workaholic inteiramente dedicado à sua paixão pela arte da música. Não há o que não esteja lá no extenso currículo de Bernstein. Mas o também múlti Bradley Cooper (diretor, roteirista, ator, produtor) resolveu colocar outro foco em sua biopic sobre o grande Leonard – o relacionamento com sua esposa Felícia. Bradley estreou como diretor em grande estilo e recebeu bastante atenção do público e da crítica com a readaptação de 2018 do clássico Nasce Uma Estrela, com Lady Gaga no papel que ficou famoso anteriormente com Judy Garland (1954) e Barbra Streisand (1976). Em seu segundo longa, ele segue interpretando personagens musicais enquanto ocupa também a cadeira de diretor. Desta vez foi além: criou o roteiro em conjunto com Josh Singer.
O resultado da empreitada, Maestro (EUA 2023 – Netflix) oscila em qualidade. Espertamente, Cooper filmou a primeira parte do filme em preto e branco, abusando do uso de sombras e de dramatização que lembra clássicos hollywoodianos dos anos 1930 e 1940. É nessa fase que Lenny (Bradley) conhece Felícia (Carey Mulligan), uma atriz de ascendência costarriquenha que fora a NY estudar piano. Em uma soirée musical na casa de seu professor ocorrem o encontro entre os dois e o amor à primeira vista. A partir daí vivemos alternadamente em uma sequência musical ou de longos e reflexivos diálogos entre os pombinhos.
Bradley não fez a opção por uma história cronológica explicadinha. As cenas e os acontecimentos das vidas de seus personagens, ocorrem de forma sutil, com pequenas insinuações e delineações de fatos da vida de Bernstein mais do que realmente nos convidar para nos aprofundarmos, e consequentemente nos engajarmos, na história contada. Essa opção de narrativa torna o conjunto da obra raso. As interpretações de Mulligan e Cooper são boas. Aliás, vemos que o esforço foi grande. A produção primorosa e a entrega de Cooper é completa. O ator certamente suou bastante para transferir para as telas o ritmo frenético da vida do inquieto Lenny.
Bradley aborta o fato da bissexualidade de Bernstein de forma muito tímida, não deixando espaço para que entendamos fatos de sua vida anteriores ao seu grande breakthrough em 1943, ao substituir de última hora o maestro adoentado Artur Rodziński em uma apresentação televisionada da Filarmônica. Não sabemos nada anterior a isso. Posteriormente, fora seus casos amorosos com alguns homens e seus conflitos com Felícia, acabamos vendo pouca coisa de uma vida que foi, sim, riquíssima em acontecimentos. Sobre uma figura que tinha um lado mais obscuro, torturado e conflituoso. Sobre suas criações artísticas sem que sejam sutilmente colocadas como pano de fundo do drama. Enfim, Bradley optou por “aparar” as arestas da vida de Bernstein. O resultado, apesar de extremamente belo do ponto de vista estético e de ter boas atuações de todo o elenco, acaba sendo enfadonho, principalmente quando a cor chega às telas na segunda metade do filme.
Um ponto de crítica que não pode deixar de ser mencionado é em relação à escolha do elenco. Felicia tinha mãe costarriquenha e Mulligan está longe de trazer essa representação para tela, assim como Bradley, um homem hetero, assume o papel de um compositor bissexual engajado na luta LGBT. Assim como não é possível ignorar o whitewashing da narrativa que oculta, por exemplo, as gravações de Lenny com Louis Armstrong. Bradley também fugiu da “polêmica” ao omitir completamente o engajamento de Bernstein com causas sociais e políticas.
Maestro, disponível na Netflix desde o final do ano passado, é um filme de Hollywood para Hollywood. Feito sob medida para tentar angariar indicações a premiações norte-americanas com mais uma história de um personagem branco de destaque. Infelizmente, a aposta de Bradley deverá dar em nada, pois nessa categoria ele concorre com o superior (pero no mucho) Oppenheimer.
Oito motivos da extrema importância para a história do rock do recém-falecido guitarrista Wayne Kramer e sua banda de Detroit
Texto por Abonico Smith
Fotos: Reprodução
No último dia 2 de fevereiro a notícia correu rápido pelo underground do rock. Foi noticiada a partida de uma de suas figuras históricas. O guitarrista e vocalista Wayne Kramer morreu aos 75 anos, em consequência de um câncer pancreático. Sua biografia é uma das mais incríveis da história do gênero. Contém elementos comuns a astros – como a fama conturbada, o ocaso, a ressureição artística, muitas polêmicas e um tempo na cadeia envolvendo consumo e venda de drogas. Entretanto, traz uma particularidade que o diferencia dos demais: ter pertencido e de certa forma ter sido o membro mais importante, musical e performaticamente, de uma das mais proeminentes formações que viriam não somente a influenciar nomes dos mais importantes e populares de gerações subsequentes.
O Mondo Bacana, então, faz sua homenagem a Kramer e ao MC5 dizendo em oito motivos a suma importância desta poderosa sigla para a história do rock.
Nada de paz e amor
O MC5 foi formado em 1963, em plena adolescência de seus integrantes. Só que esses moleques não estavam interessados na contracultura iria tomar conta do rock americano nos anos seguintes. Então, enquanto os hippies protestavam contra a guerra com pedidos de paz e amor e muita alteração do estado de consciência, esse quinteto de Detroit colocava o dedo direto na ferida da política nacional se unindo à militância de esquerda, aos Panteras Negras e ao partido Democrata. Na sonoridade, uma mistura poderosa de ritmos, que incluía também o garage, o soul e o jazz, mas sempre com duas guitarras muito altas, afiadas e para lá de distorcidas.
Barulho local
O som explosivo do MC5 tinha muito a ver com a sua origem geográfica. O grupo se formou em Detroit, o principal centro automotivo dos EUA por quase todo o século 20. Não a toa o apelido de Motor City acabaria sendo incorporado no nome do quinteto). O ronco dos carros produzidos nas fábricas situadas nos arredores da metrópole ajudou a movimentar econômica e culturalmente a cidade. Durante o pós-guerra foi estabelecido um grande circuito musical, que incluía também a gravodra Motown, que não tardou a se transformar em uma fábrica de hits radiofônicos exportados para o mundo todo. Com a explosão do rock nos anos 1960, Stooges e MC5 ficaram conhecidos na região e logo passaram a transitar pelo efervescente underground nova-iorquino do final da década, ajudando a criar uma cena que, alguns anos depois, iria desembocar no punk. Bandas do circuito alternativo criado no país a partir dos anos 1980 (como Sonic Youth, Mudhoney, Rage Against The Machine e Nirvana) também devem muito ao MC5.
Discurso de esquerda
A trajetória do MC5 certamente não teria sido a mesma que a banda não topasse com o professor universitário John Sinclair, que fora de suas atividades acadêmicas mantinha uma comunidade formada por artistas alternativos da região, chamada Trans-Love Energies e que seria o embrião do que viria a ser tornar o partido político White Panther (um paralelo aos Panteras Negras, mas sem conotações raciais e que pregava o comportamento libertário extremo, incluindo a tríade sexo, drogas e rock’n’roll elevada a potências bem maiores). Sinclair, agitador sociopolítico nato, tornou-se empresário e guru espiritual do grupo
Tomando porrada
As performances, claro, eram de altíssima combustão provocativa. Uma apresentação que ficou famosa ocorreu em 1968, em Chicago, durante o período em que ocorria a convenção nacional do Partido Democrata. O grupo queria fazer o seu protesto ao ar livre contra a Guerra do Vietnã e não se abalou com a descabida violência policial local que reprimiu muitas manifestações pacifistas pelas ruas. Mesmo com toda a porrada comendo solta, foi a única atração a ter culhão de subir ao palco e mandou publicamente seu recado. Afinal, os músicos já estavam cascudos depois de enfrentarem alguns entreveros com os homens de farda de Detroit em vários shows locais anteriores. Depois de algumas músicas, tudo terminou com a fuga desenfreada de Sinclair e banda da cidade para não amargarem um período atrás das grades.
Kick Out The Jams
Foi justamente essa corajosa investida nas ruas de Chicago que chamou a atenção da Elektra para a assinatura do contrato para o primeiro álbum. A gravadora, que vinha de uma bem sucedida experiência de ter tirado o Doors do underground de Los Angeles e levado a banda rumo ao sucesso de vendas e execuções radiofônicas. Em virtude do poderoso apelo do grupo em cima dos palcos, o disco não poderia ter sido feito de outra forma a não ser com uma gravação ao vivo – o que também ajudou bastante a baratear os custos, já que a aposta era vista internamente na companhia como uma mera experiência sem muitas chances de dar certo. Oito faixas foram gravadas e a que deu nome à obra, escolhida para ser a música de trabalho e apresentação do MC5 às rádios, acabou provocando polêmica. Não bastasse o modo desbocado e provocativo da letra (algo que, em português, pode ser livremente traduzido como “botando o pau pra fora” ), o vocalista, sem avisar o restante da banda, berrou um motherfucker (filho da puta”) logo na introdução. Lógico que o disco, lançado em 1969, acabou sendo boicotado e se transformou em um fracasso de vendas, mesmo tendo ido bem na Billboard na semana do lançamento.
Carreira fugaz
Entre 1969 e 1971 o MC5 lançou três álbuns. O primeiro entrou para a História como um trabalho bastante influente para as gerações posteriores. O segundo (já por outra gravadora, a Atlantic), ficou uma coisa só para iniciados. O último passou completamente em brancas nuvens e assim permanece até hoje. Pudera. Cada vez mais os músicos exageravam nas dorgas diariamente, o que prejudicou de modo perceptível a capacidade criativa. Não bastasse, o FBI ainda ficou com o MC5 na mira. Os músicos saíram ilesos de prisões e questões judiciais. Entretanto, Sinclair acabou pegando pena de dez anos, sob a acusação de tráfico. Foi o que bastou para que a trajetória do quinteto fosse interrompida em 1972.
Ressurreição
Depois de enfrentar um longo ocaso após a debandada do grupo, que levou Kramer a amargar quatro anos na prisão (após oferecer drogas a policias disfarçados) e intercalar trabalhos de menor expressão com serviços de carpintaria para poder se sustentar, Kramer voltou com tudo à música na primeira metade dos anos 1990, graças ao estouro do Nirvana e a onda do alternativo invadindo as praias do mainstream aqui, ali e acolá. O selo independente Epitaph, tocado pelo guitarrista do Bad Religion Brett Gurevitz, contratou-o guitarrista e vocalista e lançou, entre 1995 e 1997, três álbuns solo seus. Por aparecer em clipes na MTV e ser incensado por uma legião de discípulos famosos, Wayne teve, enfim, o reconhecimento que lhe faltara lá atrás, nos áureos tempos de MC5.
Show em Goiânia
O vocalista Rob Tyner morreu aos 46 anos, em 1991, após ter um ataque cardíaco. O guitarrista Fred “Sonic” Smith (que se casara com Patti Smith em 1980 e emprestara seu apelido para batizar o Sonic Youth) foi-se com a mesma idade em 1994, também por causas naturais (aceleradas pelos excessos de outrora, claro). Em 2005, os três membros remanescentes (Wayne, o baterista Dennis Thompson e o baixista Michael Davis) reativaram a banda, desta vez com um adendo de suas iniciais à sigla (DKT-MC5). A primeira turnê mundial contou com dois integrantes extras de respeito (Handsome Dick Manitoba, vocalista dos Dictators, e Gilby Clarke, ex-Guns N’Roses, nas bases das seis cordas) e foi curiosamente encerrada com um concerto único no Brasil, dentro da programação do festival independente Goiânia Noise, reduto do rock guitarreiro em uma capital brasileira de produção musical essencialmente sertaneja. O trio manteve-se junto até a morte de Davis em 2012. Ainda deu tempo para Kramer reviver o repertório do MC5 em duas pequenas iniciativas (em 2018 e 2022) antes dele começar a gravar, com Thompson, algumas canções para um disco que ainda permanece inédito.
Oito motivos para não perder um dos shows do cantor, ator e ex-integrante do One Direction durante sua passagem pelo Brasil em dezembro
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Divulgação
Quantos ex-integrantes de boy band você se recorda de terem feito tanto sucesso ao se lançar em carreira solo? Robbie Williams? Ricky Martin? Pois o ex-One Direction Harry Styles entra para esse seleto rol com a diferença de que ele é um sujeito que pelo menos tenta atravessar as fronteiras do óbvio. Por conta disso vem sendo chamado de David Bowie da nova geração. Soa um pouco pretensioso? Será mesmo?
Fato é que os dois primeiros e premiadíssimos álbuns de Styles (o homônimo, de 2017, e Fine Line, de 2019) prestam uma clara homenagem a Bowie, além de Joni Mitchell. E essa inspiração do Camaleão é facilmente detectada em seu visual andrógino carregado de propósito, para romper as barreiras da discriminação. Aliás, essa estética versátil e híbrida ressoa nas suas composições em que ele aproveita para homenagear os ídolos com sua voz de barítono.
Harry flerta com gêneros e décadas diversas (pop, rock, funk, disco), o que, para muitos, pode beirar ao pastiche justamente devido à enxurrada de referências encontradas nas faixas. Por isso, pode-se considerar que Styles é um artista que, sim, já conquistou um espaço entre tantos cômodos de uma mansão, mas ainda segue em busca de sua essência.
Só que uma coisa é certa: ao se aventurar pelo ecletismo, o britânico não tem receio de dar a cara pra bater, dançar fora do ritmo, vestir paetês, usar camisetas kitsch e, ainda, atuar como ativista. Ou seja, se tinha uma única direção até pouco tempo atrás (com o perdão do trocadilho), agora ele aponta para vários horizontes: uma carreira de sucesso na música, no cinema e na moda. O artista é modelo para a garotada da Geração Z ou mesmo um alento para os que nasceram nas décadas passadas, que curtiam bandas como New Kids On The Block, Backstreet Boys e outros conterrâneos de Styles (Take That e Westlife) e podem reviver essa fase da vida em que os hormônios regem os gritos.
Como na maioria das boy bands, há sempre um integrante que se destaca mais. No caso do One Direction, foi Harry Styles. Por isso, o Mondo Bacana lista oito motivos para você conferir a nova turnê desse furacão britânico, que promete trazer muito amor e good vibes para o Brasil, onde ele passa em dezembro (de 6 a 14) e se apresenta em São Paulo (com direito a duas sessões extras), Rio de Janeiro e Curitiba – clique aqui para saber mais sobre locais, datas e ingressos ainda disponíveis).
One Direction
Assim como outros artistas (vide os brasileiros Supercombo e Roberta Sá), Harry Styles é exemplo de que não é preciso ganhar um concurso de televisão para se tornar superstar. No caso do britânico, participar do reality foi o suficiente para o One Direction ganhar a atenção de Simon Cowell. O pequeno Harry, inclusive, já mostrava uma forte inclinação para as artes quando cantava nos karaokês, seu divertimento favorito. Então, em 2010, ele, Liam Payne, Louis Tomlinson, Zayn Malik e o irlandês Niall Horan se juntaram para participar da sétima temporada do The X Factor UK. Mesmo não saindo vitoriosos da competição, o sucesso deles foi estrondoso, com cinco álbuns de estúdio lançados, turnês arrebatadoras, uma avalanche de prêmios e fãs espalhados pelos quatro cantos do mundo, febre comparada à beatlemania. Foram esses fãs, chamados de stylers, que passaram a noite na fila para comprar o ingresso desta turnê de HS, antes mesmo de ele lançar o ótimo álbum Harry’s House. Portanto, pelo menos “What Makes You Beautiful”, do One Direction, deve ser hit presente no set list. Caso contrário, seu séquito irá chiar.
Colecionador de prêmios
Desde que se lançou como artista solo, HS vem acumulando prêmios. Em 2017, seu primeiro single solo, “Sign Of The Times”, já ganhou o título de canção do ano pela Rolling Stone. O álbum de estreia também foi #1 na Billboard 200. O segundo álbum, Fine Line, levou o Grammy de melhor disco de 2019. Duplamente platinado, Fine Line entrou para a História ao liderar as paradas em mais de 20 países, acumulando um total de 5 bilhões de streams em todo o mundo, e recentemente foi nomeado um dos 500 melhores discos de todos os tempos pela Rolling Stone. Com “Watermelon Sugar”, o cantor ganhou o Grammy de Melhor Performance Pop Solo e o Brit Award de 2021 de Melhor Single Britânico. Três meses depois de seu lançamento, o terceiro, Harry ‘s House, já abocanhava o título de melhor álbum do ano pela MTV, consagrando o hit “As It Was” como melhor clipe do ano. Seus videoclipes, aliás, merecem atenção à parte, como no surreal “Adore You”, no qual ele vira “amigo” de um peixe.
Harry’s House
Com melodia que lembra o melhor do synth pop dos anos 1980, o sucesso “As It Was” se transformou rapidamente no hit de 2022, sendo capaz de grudar nos ouvidos como o melhor chiclete Ploc da sua vida. E o disco todo (cuja capa lembra o do rapper brasileiro TETO) traz novamente a parceria com Tyler Johnson e Thomas Hull (aka Kid Harpoon) e revela uma incrível coesão entre as canções, que convidam o ouvinte a dançar, pular, chorar e rir. Nas composições, transparece o misto de emoções que contornaram a vida do artista nos últimos anos, sempre com a figura feminina no spotlight. HS lembra o rompimento de um casamento até o encontro de um novo amor – tanto é que ele considera este álbum como o mais intimista dos três. E se temos de agradecer a alguém, esse alguém se chama Olivia Wilde, a atriz, diretora de cinema e obviamente a musa inspiradora de canções como “Cinema”. O novo trabalho, aliás, deixa evidente a evolução em comparação com os dois anteriores e o rumo a um som mais genuíno. No disco de estreia, por exemplo, é possível perceber influências um tanto explícitas a Beatles em “Sweet Creatures” (que lembra “Blackbird”), ecos de Rolling Stones em “Angel” (que, por sinal, é também o nome de uma música dos roqueiros britânicos) e “Woman”, cuja introdução é Elton John na veia.
Galã de Hollywood
O presidente da New Line Cinema não precisa ter bola de cristal para prever que o futuro de HS é no cinema. Por outro lado, alguns críticos ainda não se convenceram de suas atuações. Aliás, seu mais recente trabalho, My Policeman, acabou de ser lançado na Amazon Prime cercado de polêmicas e acusações de queerbaiting – logo contra um ator que levanta a bandeira da liberdade de gênero. Isso porque Styles faz um policial conservador e enrustido, que vive um romance com o funcionário de um museu. A trama se passa na Inglaterra dos anos 1950, quando ser homossexual era considerado crime e, portanto, era preciso manter as aparências. Este é o terceiro longa de HS, cujo début já aconteceu em 2017 em Dunkirk, dirigido por ninguém menos que Christopher Nolan e indicado ao Oscar. Portanto, Harry se tornou o primeiro artista britânico com um single, um álbum e um filme de estreia em primeiro lugar no mesmo ano. Recentemente, ele também estrelou Não Se Preocupe, Querida, thriller psicológico dirigido por sua atual mulher Olivia Wilde. Além da sua presença cinematográfica, o cantor também já apresentou o tradicional humorístico da TV norte-americana Saturday Night Live.
Covers
Além do repertório próprio, quem acompanha a carreira de Styles sabe que ele é chegado em uma cover, sobretudo para revistar aquelas baladas e canções que de certa forma marcaram a sua vida e evocam memórias afetivas. No festival Coachella deste ano, por exemplo, o britânico convidou a rainha do country pop Shania Twain, que fez enorme sucesso nos anos 1990 com suas baladas melosas. Os dois fizeram dueto nas músicas “Man! I Feel Like a Woman” e “You’re Still The One”. Nesta, inclusive, Styles escorregou um pouquinho e deu uma desafinada, não sendo perdoado pelos youtubers mais críticos. Em show recente na Califórnia, ele cantou “Hopelessly Devoted To You”, composição do australiano John Farrar, que ficou famosa na voz de Olivia Newton-John (falecida em agosto último), no musical Grease. HS também já se aventurou a fazer releituras de outros ícones no palco e em estúdio, como Fleetwood Mac, Lizzo, e Ariana Grande.
O ativista que veste Gucci
Com um sobrenome desses, o artista não poderia deixar de se aventurar no mundo fashion e da cosmética (sim, ele tem uma marca chamada Pleasing). Tanto é que a marca considerada a mais popular do mundo, encontrou em HS uma oportunidade de expandir ainda mais a sua presença – se não no armário, pelo menos no imaginário dos pobres mortais – ao lançar a coleção batizada de HA HA HA e assinada pelo diretor criativo da grife, Alessandro Michele, com o britânico durante a última Semana de Moda Masculina de Milão. Ao todo, são 25 peças inspiradas no estilo vintage, mesclando alfaiataria anos 1970 com estampas descontraídas e coloridas. Inclusive, na sua recente turnê por Nova York, Harry esbanjou glamour nas suas performances, desfilando macacões setentistas com muitas listras. Já dos anos 1980, ele costuma resgatar os paetês. Mas uma peça que ele abandonou (pelo menos por enquanto) foi o seu tênis Adidas x Gucci. Isso por conta da polêmica envolvendo o rapper Ye (aka Kanye West) e suas recentes declarações antissemitas. No final de outubro, HS foi visto usando tênis vermelhos da marca Vans. Os stylers logo perceberam essa troca de figurino e deduziram que essa era uma forma de protesto. Aliás, o cantor tem um histórico de ativismo e, em 2015, quando ainda fazia parte do One Direction, chegou a pedir aos fãs que deixassem de ir ao parque Sea World, que naquele período estava sendo acusado de maltratar animais.
A casa de Harry
Como o terceiro álbum do artista foi concebido durante a pandemia, nada mais plausível do que chamá-lo de Harry´s House. Na verdade, a quarentena serviu para dar um respiro desde que a carreira começou em 2010. Tanto é que, nas letras, há várias alusões a detalhes caseiros como a cozinha, o jardim e até o maple syrup de suas panquecas. Em entrevista à Better Homes & Gardens, a quarta revista mais vendida nos Estados Unidos, ele chegou a fazer um paralelo entre sua residência e sua mente. “Eu acho, às vezes, tomando a terapia como exemplo, que você pode abrir um monte de portas na sua casa que você nem sabia que existia. Você encontra todos esses cômodos que existem para explorar”, disse. Ah, só para constar: a mansão em Los Angeles, onde o astro britânico morou até 2019, foi colocada à venda por quase 8 milhões de dólares, segundo o Hollywood Reporter.
Estrutura especial
Para a Love on Tour, o público pode esperar um palco diferentão, em formato de um círculo, por onde o astro se desloca de uma extremidade a outra com piruetas, fazendo com que todos os setores do estádio possam ter uma boa visão do show. Só não vale arremessar nuggets no cantor, que é vegetariano. Pior que isso de fato aconteceu em uma apresentação em Nova York. E, no melhor estilo Harry Styles, ele tirou de letra.
>> Leia aqui e aqui, respectivamente, para ler as resenhas de Não se Preocupe, Querida e Meu Policial, os dois filmes protagonizados por Harry Styles em 2022
Projeto documental acompanha uma das lideranças das ocupações realizadas por estudantes gaúchos durante o ano de 2016
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Galo de Briga Fimes/Divulgação
Em 2016, centenas de escolas de ensino médio foram ocupadas ao redor do Brasil. Nossa modesta Primavera Árabe, aquela chamada Primavera Secundarista, inseriu-se no contexto arisco da defesa da presidente Dilma Rousseff contra o golpe que sofria por parte do Congresso Nacional, de Michel Temer e demais setores dos três poderes – “Com o Supremo, com tudo”, como imortalizou Romero Jucá.
Nesse contexto, mas também reivindicando mais atenção às políticas públicas de educação, o Brasil foi tomado pelo breve protagonismo da juventude. Se o corajoso movimento não rendeu muitos frutos, afinal a democracia atual se encontra sob ataques muito mais graves que o neoliberalismo do governo Temer, ainda nos propicia uma série de reflexões.
Observando de perto a movimentação das ocupações gaúchas, Hamlet (Brasil, 2022 – Galo de Briga Filmes) é um projeto documental que acompanha Fredericco Restori, uma das lideranças dos ocupantes de uma grande escola de Porto Alegre. A narrativa dispersa é muito mais uma coleção de momentos – plenárias, assembleias, reuniões entre ocupantes, palestras e até a hora do videogame – que uma representação ampla e didática do período da ocupação.
Num primeiro momento, a câmera errática dirigida por Zeca Brito parece incerta do que quer filmar. O registro histórico se inicia numa grande plenária, em que já desponta a presença de Fredericco. Embora este seja nosso protagonista desde a primeira cena do longa-metragem, Brito parece muito mais interessado na coletividade dos ocupantes do colégio, um conjunto de sem nomes que insiste na “horizontalidade democrática”, por assim dizer, e nunca é gravada só.
O foco constantemente desregulado, a princípio, parece sintoma de uma operação de câmera ansiosa em capturar a essencialidade do momento, mas logo se denuncia em seu exagero: ao compor as sequências cotidianas da ocupação, assim como suas seções mais dialógicas, Zeca Brito escancara seu próprio processo de formalização, ainda que busque escondê-lo sob um fino véu de naturalismo. Partimos do “parece ser” para o “quer parecer ser”, um movimento que não é ruim em si mesmo, mas interessante por nos lembrar que documentário não é realidade – é cinema.
Num segundo momento, esteticamente mais interessante, Hamlet assume seu discurso mais narrativo que repórter, utilizando ligações telefônicas de Fredericco como meio para a exposição de seu conflito interno, que também é refletido em sequências subjetivas. A bem da verdade, esse estatuto da obra sempre esteve presente, já que o filme se inicia, antes do registro histórico das ocupações, com uma conversa entre Fredericco e um homem mais velho tecendo comparações entre sua condição de liderança e a dúvida central de Hamlet: “ser ou não ser, eis a questão”.
Se o filme não esconde a condição de líder que caracteriza Fredericco, sua ideologia juvenil, a princípio, recusa-se a aceitá-la. Ao longo de Hamlet, sua posição vai de “precisamos manter a horizontalidade para não tornar este um movimento fascista” para “eu queria ser líder, e era líder, mas não tinha coragem de admitir”. A ingenuidade da mobilização secundarista permeia todos os acontecimentos do filme – desde a rusga desmobilizada com entidades de base da categoria, como a UBES e a UNE, até a escuta atenta aos ensinamentos do grande crítico e cineasta brasileiro Jean-Claude Bernadet sobre a conjuntura política.
Justamente por essa inerente ingenuidade, alguns dos momentos aqui retratados conferem ao filme um curioso frescor: um “vai chorar” que vaza na captação sonora durante um protesto; o canto “Bololo ha ha, quero ver desocupar”, eco da relação entre política e cultura que é muito única a cada geração que a vive; a incessante descoordenação da massa durante momentos de tensão, em que o silêncio é um episódio raro que, quando acontece, é muito efêmero.
Contudo, se esses momentos evocam no espectador não mais que a curiosidade e, quando muito, um sorriso de canto de boca, igualmente não se sente o peso que se propõe em Fredericco. A deslocada comparação com Hamlet, que pretende dar tom ao filme, só se dá com clareza na última cena, numa fraca articulação entre o concreto (a ocupação) e o abstrato (as conjecturas posteriores sobre a relação entre vida e arte) que não oferece material suficiente para se realizar. De fato, às vezes a vida imita a arte, assim como a arte imita a vida. Mas nem sempre.