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Não! Não Olhe!

Jordan Peele volta à telas com um thriller recheado de suspense e reflexões sobre a perversidade da indústria do entretenimento

Texto por Carolina Genez

Foto: Universal/Divulgação

O longa-metragem acompanha os irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) no vale Santa Clarita, nos arredores de Los Angeles. Os dois vivem em um rancho herdado do pai Otis Haywood Sr (Keith David), que trabalhava como domador de cavalos que eram utilizados pela indústria cinematográfica. Eles querem continuar com os negócios, porém enfrentam muitos desafios, inclusive tendo de vender diversos animais para conseguir manter a propriedade. Até que um dia OJ e Emerald se deparam com fenômenos inexplicáveis que passam a acontecer por lá. Tentando sair da crise financeira, querem filmar e registrar esse mistério com estratégias cada vez mais elaboradas.

Assim como os irmãos, Ricky “Jupe” Park (Steven Yeun), também se interessa em lucrar em cima desses eventos estranhos. Jupe é dono do rancho vizinho dos Haywood, o Jupiter’s Claim, que é um parque temático no estilo da Corrida de Ouro da Califórnia. Ele ficou conhecido por ter sido astro mirim, mas teve sua carreira marcada por uma tragédia que ocorrera em uma série da qual participava. 

Em Não! Não Olhe! (Nope, EUA/Japão, 2022 – Universal) Jordan Peele volta a surpreender o espectador em seu terceiro longa. Depois do sucesso de Corra! (2017) e Nós (2019), o diretor e roteirista apresenta mais uma vez com um thriller recheado de tensão. Apesar dos três filmes terem características marcantes do diretor e roteirista, as obras são muito diferentes entre si. Dessa vez, explora o território da ficção científica e traz reflexões sobre a indústria do entretenimento, o espetáculo envolvido na mídia e toda violência e oportunismo presente na área. 

E uma das formas mais claras dessa violência do showbiz é o próprio personagem Jupe, que, mesmo traumatizado por seu passado, vê na sua tragédia exposta exacerbadamente em tabloides uma forma dele mesmo lucrar, criando uma espécie de museu sádico. Com isso, o filme também traz críticas aos consumidores desses tipo de conteúdo “espetacular”, já que a maioria das ações dos personagens são justificadas pelo retorno, já que eles sabem que tal tipo de mídia rende muita visibilidade. 

Ainda nesta questão, o longa critica à própria exploração desse meio em relação às pessoas e principalmente aos animais – essas “criaturas” são constantemente humilhadas e destratadas para garantir entretenimento. a crítica fica ainda mais forte nas ações de Jupe com OJ. O primeiro enxerga os animais como objetos, talvez refletindo a forma que o mesmo era tratado quando ator-mirim, quando o lucro era visado acima de qualquer outra coisa. Já o segundo, de fato, cria uma relação com cada um dos animais, tendo cuidado e respeito com os bichos.

Uma das características em comum com as obras anteriores de Peele é a construção da tensão feita de forma impecável, realmente trazendo o espectador para dentro da trama e dando a ele a oportunidade de sentir o mesmo que os personagens, prendendo a atenção do começo até o fim graças ao suspense em tela. Parte disso é gerada pelo resgate da essência dos blockbusters vintage, trazendo uma história que à primeira vista parece simples e explorando-a de forma compreensível, interessante e de certa forma trazendo um novo ponto de vista e algo cheio de aventura. Não à toa que o filme lembra muito Contatos Imediatos de Terceiro Grau, feito em 1977 por Steven Spielberg, construindo o suspense em cima do medo do desconhecido também por parte do público. 

Essa sensação de aventura também é intensificada na trilha sonora. As músicas fazem referências aos grandes filmes de faroeste do passado mas ainda assim apresentam melodias sinistras, que conseguem arrepiar e assustar. Além disso, os movimentos de câmera e enquadramentos também impressionam. Peele, embora se utilize de técnicas já costumeiras dos filmes de terror, aposta em uma fotografia mais colorida (tais cores se destacam na vastidão do deserto em que a trama se passa) e grandes espaços abertos durante o dia (quesito que lembra muito o assustador Midsommar), conseguindo trazer o medo de maneira palpável para o público. E, completando esses aspectos, a imersão fica ainda mais completa pelo uso da tecnologia IMAX.

As atuações, apesar de não serem o principal destaque do filme, também impressionam. Keke Palmer e Daniel Kaluuya tem uma dinâmica muito interessante agindo de forma convincente como irmãos. Os personagens também são muito reais e verdadeiros com suas ações que não só são condizentes com suas personalidades, mas também com a própria realidade. Suas reações muito naturais que, embora engraçadas às vezes, condizem com o que a audiência sente no mesmo instante, o que os torna ainda mais humanizados aos olhos de quem os acompanha na tela. 

Kaluuya dessa vez vivendo um personagem mais quieto, trabalhador e introspectivo, ao estilo Clint Eastwood. Muito bondoso e descolado, OJ tem um carinho enorme pela empresa montada pelo pai e está disposto a fazer de tudo para manter o legado. Já Palmer traz alguém muito informal, divertida e falante, quase o completo oposto do irmão e o que rende as cenas mais engraçadas do longa. Sua Emerald é muito carismática e consegue com facilidade conquistar a empatia do público.

Por tudo isso, Não! Não Olhe! é um dos grandes lançamentos do cinema em 2022. É um thriller que, como as outras obras do diretor e roteirista, provoca medos e reflexões, deixando o espectador à beira do assento durante os 130 minutos de duração.

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