Music

História do Rock: Synth Pop 81 – Parte 2

Há quarenta anos começava a temporada mágica que tornou os sintetizadores tão populares quanto as guitarras na música pop britânica

Depeche Mode

Texto por Abonico Smith

Fotos: Divulgação/Reprodução

Mal havia começado e o ano de 1981 já estava predestinado a entrar para a História como a temporada em que sintetizadores e percussões eletrônicas substituiriam as guitarras e baterias no gosto dos britânicos apaixonados por música pop. E mais: a nova onda não apenas alcançariam mais altas posições das paradas da ilha, como também seriam exportadas para o mundo inteiro, em especial o sempre cobiçado mercado fonográfico norte-americano. Tudo graças à estreia, no primeiro dia de agosto, da Music Television, a emissora que transformaria os antes promocionais videoclipes em estrela principal de uma programação que viria a impactar profundamente, ao redor do mundo, os playlists das rádios e as vendagens de álbuns e singles em vinil de todas as gravadoras, das poderosas e gigantescas multinacionais ao mais despretensioso microsselo independente regional. Por causa da MTV o synth pop ganhou status de febre mundial. Marcou geração por geração desde aquela que viveu infância, adolescência e juventude e, por isso mesmo, tornando mítica a década de 1980.

Nem uma dezena de dias havia se passado naquele ano e chegou o primeiro sinal de que a temporada seria primorosa para o synth pop. Tudo porque a faixa “Vienna”, que dava título ao quarto álbum da carreira ainda não muito longa do Ultravox (e até hoje considerada por muitos fãs como a maior composição lançada pelo grupo), chegava às lojas como um single em 9 de janeiro. O pulo do gato, porém, viria no mês seguinte. “Dreaming Of Me”, primeiro compacto do Depeche Mode, apresentava o nome certo na hora certa. Descoberto pelo produtor e músico eletrônico Daniel Miller e logo contratado para a sua Mute Records, o quarteto da cidade planejada de Basildon (construída em 1948, já no Pós-Guerra, para abrigar, como uma espécie de subúrbio industrial de Londres para abrigar uma certa população flutuante da capital), o grupo caiu no gosto e nas graças do público, especialmente o adolescente, com uma canção de veia bubblegum para grudar instantaneamente e ser cantarolada ad infinitum na sequência. Formado por quatro esbeltos garotos entre 19 e 21 anos e por isso erroneamente considerado no início por boa parte da imprensa britânica como uma boy band dos sintetizadores, o DM logo emplacou outros dois hitsnas paradas no mesmo ano (“New Life” e “Just Can’t Get Enough”). Então, o álbum de estreia Speak & Spell logo pavimentou o caminho até chegar a conquista da plateia norte-americana e a banda se transformar em uma atração para grandes arenas mundiais.

Heaven 17

Entretanto, o Depeche Mode não foi a única grande revelação do synth pop no decorrer da temporada. Por causa de um belo e cinematográfico videoclipe em alta rotação na MTV, “Don’t You Want Me” levou o Human League, de Sheffield, à fama em Dare, seu terceiro álbum, gravado logo após de um racha na formação. Se o grupo ficou centrado no seu trio de vocalistas e sob o comando de Phil Oakley, que queria um direcionamento mais pop, os ex-integrantes Martyn Ware e Ian Craig Marsh, que eram os cabeças instrumentais e pilotavam os sintetizadores, formaram naquele mesmo ano o Heaven 17 para dar vazão a versos de alto teor politíco. “(We Don’t Need This) Fascist Groove Thang”, o primeiro single do projeto da dupla com um novo vocalista, bradava contra o neoliberalismo dos recentes governos da primeira-ministra Margaret Thatcher e do presidente Ronald Reagan, respectivamente no Reino Unido e nos Estados Unidos. A BBC não entendeu toda a ironia e o deboche e acabou banindo a canção de sua principal emissora de rádio para evitar problemas jurídicos. A imprensa, entretanto, adorou e colocou a faixa entre os principais lançamentos do ano, garantindo, assim, mais um clássico para a safra 1981.

Veia politizada também era a temática de Red Mecca, terceiro álbum do Cabaret Voltaire, outra formação de Sheffield. Além do neoliberalismo dos novos governos do eixo anglo-americano, também fazia parte do discurso o crescimento do teleevangelismo norte-americano e suas consequências junto à garantia domínio sociocultural dos fieis. Mesmo sem usar o formato tradicional de canções e letras dispostas em versos e estrofes, o jeito mais percussivo e ininteligível de usar a voz de Stephen Mallinder provocou ainda mais impacto junto à atordoante colagem de sons e ruídos. Mesmo distante de qualquer possibilidade de entrar nas paradas ou ganhar alta rotação na MTV e nas rádios, este disco foi muito bem recebido pela imprensa e tornou-se um grande clássico do gênero no ano.

New Order

Já a dupla Soft Cell, formada em Leeds, recorreu às lembranças de adolescente do tecladista Dave Ball, frequentador assíduo dos bailes regados a soul rhythm’n’blues que eram realizados no norte inglês, para resgatar uma obscura canção originalmente gravada em 1964 pela cantora americana Gloria Jones (que acabou decolando sua carreira do outro lado do Atlântico, chegando até a namorar o astro glam Marc Bolan, do T-Rex, no começo dos 1970). “Tainted Love”, abrilhantado pelos vocais performáticos e com verve interpretativa de Marc Almond. provou ser um tiro certeiro após o fiasco do primeiro compacto. Virou hit do verão britânico no meio do ano e ganhou ainda uma segunda versão, estendida, com o acréscimo de “Where Did Your Love Go?”, hit das Supremes que também costumava rolar nas noitadas de northern soul.

Enquanto isso, o guitarrista Bernard Sumner, cada vez mais fascinado por sintetizadores (ele chegou a construir um em casa, manualmente, para usar na gravação de algumas faixas do Joy Division) pegava o que restou da antiga banda após a morte do vocalista Ian Curtis e, sob a alcunha de New Order, mergulhava ainda mais fundo em direção à música eletrônica. Não por acaso, também em janeiro, o single inicial do novo grupo, também lançado em janeiro, resgatava “Ceremony”, canção do repertório do JD, aproximando-a da sonoridade desejada. Além deste, outros dois compactos (“Procession” e “Everything’s Gone Green”) e o primeiro álbum (Movement) foram bancados pelo selo Factory em 1981, formatando a banda para hits maiores nos dois anos seguintes, como “Temptation” e “Blue Monday” (que até hoje ostenta a condição de single 12 polegadas mais vendido de todos os tempos).

OMD

Até as suas últimas semanas aquele provava ser mesmo um ano abençoado para o synth pop. Outro “veterano” da cena, o Orchestral Manoeuvres In The Dark, da região do rio Mersey (que passava por várias cidades do Norte até chegar ao mar na região de Liverpool), consolidava sua formação centrada na dupla de fundadores Andy McCluskey e Paul Humphrey com seu terceiro álbum, Architecture + Morality, com três singles que se tornaram hits de chegar ao topo das paradas de vários países europeus (“Souvenir”, “Joan Of Arc” e “Maid Of Orleans”) e chuvas de elogios e altas cotações nas resenhas críticas da imprensa musical. Em muito ajudou também o impacto provocado pelo clipe de “Maid Of Orleans”. Apesar da aparente dificuldade da sofisticação da canção (composta em compasso 6/8, cheia de barulhos distorcidos e com reverberações mais versos que rendem homenagem à vida de Joana D’Arc, padroeira francesa, cuja morte completava 550 anos em 1981).

Se a temporada áurea abriu caminho para a grande popularidade e o êxito comercial de um segmento conceitual e underground para os dois anos seguintes, esta também tornou-se a grande maldição. Até 1983 e graças ao domínio da música visual imposto pela MTV, outros nomes também se consolidaram no gênero, como Yazoo, Eurythmics, Frankie Goes To Hollywood e Pet Shop Boys. Só que a absorção pelo mercado também acaba sendo algo extremamente cruel. A partir de 1984 vieram também artistas de outros países próximos como Suíça (Yello), Alemanha (Alphaville, Peter Schilling, Propaganda), Noruega (A-ha) e, claro, veio uma enxurrada de (boas) bandas pop com revestimento synth pop, como Thompson Twins, Talk Talk, Bronski Beat e Tears For Fears. Fórmulas e ideias bem-sucedidas passaram a ser repetidas, provocando exaustão nos ouvintes com o mais do mesmo e o desaparecimento das provocações e experimentações musicais dos anos iniciais.

Human League

>> Leia a Parte 1 desta matéria clicando aqui

>> Leia a Parte 3 desta matéria clicando aqui

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