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O Cavaleiro Verde

Aclamado diretor David Lowery volta a brilhar imprimindo ritmo contemplativo em história inspirada em conto medieval

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Diamond Films/Divulgação

Muitos associam o nome de David Lowery a A Ghost Story (de 2017, que recebeu em português o título de Sombras da Vida), um dos mais aclamados filmes da produtora A24. Se, na época, o drama com uma pegada slow cinema alçou o diretor ao sucesso, não se pode esperar dele um estilo repetitivo. Lowery e a produtora retomam sua parceria em O Cavaleiro Verde (The Green Knight, Irlanda/Canadá/EUA/Reino Unido, 2021 – Diamond Films), inspirado no conto arturiano sobre o encontro de Sir Gawain e aquele que dá nome à história e que chega apenas em VOD no Brasil.

No roteiro escrito pelo próprio diretor, o conto não é seguido à risca, com um amplo espaço para que o fantástico tome conta e paute toda a trama. Gawain (Dev Patel), ainda não titulado cavaleiro, aceita participar do jogo de um misterioso cavaleiro fantástico que irrompe na távola redonda em meio ao Natal. A regra: golpeá-lo de qualquer modo, embora esse mesmo golpe tenha de ser repetido no Natal seguinte, desferido, dessa vez, pelo próprio Cavaleiro Verde. Gawain corta-lhe a cabeça, descrente de que teria a sua cortada em um ano, mas deve arcar com as consequências e concluir o jogo – ou seja, ter a sua própria cabeça cortada por seu oponente.

A estrutura de sua história é capitular e, embora toscamente delineada por textos em tela a cada novo capítulo (cada um destes vagamente conectado pela trama principal, como a ida do protagonista à capela verde), permite que haja espaço individual, livre das pressas de uma jornada do herói puramente convencional. Nesse longa, Lowery conta uma história, mas com especial atenção a cada uma de suas etapas, cada qual imersa em simbolismos.

São esses, inclusive, o fator especial de O Cavaleiro Verde. Se a ambientação medievalesca e fantástica já nos é comum e quase formulaica, a fantasia desse mundo (e, de certo modo todo, o universo em que se insere) respira e vive independentemente de seu protagonista. Não somos tutelados para entender as regras desse universo, sua metafísica e seus limites: apenas assistimos a uma fração dessa realidade se desvelar. Dessa forma, somos apresentados a uma magia muito mais mística, com símbolos bem articulados em cena, em vez de introduzidos e explorados somente em diálogos, de maneira preguiçosa.

Justamente por isso, o discurso do filme é imerso em subjetividade, dependendo da interpretação de quem o assiste. Enquanto eu entendo o conto de Gawain como uma jornada psicológica, um embate do eu comigo mesmo, esta não é a única leitura possível. Cada cena é capaz de despertar conexões e conjurar significados inteiramente diferentes para cada espectador – por si só um convite à experiência fílmica. Sendo assim, O Cavaleiro Verde é um longa-metragem de duas horas que passam rápido enquanto se assiste a elas, mas capaz de manter-se aceso na memória de quem o vê. As dúvidas que levanta são muito maiores que as poucas certezas que carrega.

Ainda, toda a atmosfera que o filme constrói é fruto de uma fotografia inventiva, com planos e sequências de muita beleza mas principalmente muito significado, e uma montagem que nos prega uma peça. O ritmo da história inicia elevado, com promessa de ação em cortes rápidos e planos diversos. Conforme o tempo passa, o diretor e roteirista (que também assina a montagem) nos conduz a um estado mais contemplativo, de calma linguagem. Dessa forma, justamente, que o diretor aproxima a linguagem deste daquela de seu mais aclamado longa, o já citado A Ghost Story.

Esse é um filme que se mostra divisivo por sua ambiguidade, mas munido de espacialidade orgânica, com abordagem fantástica muito distinta das tradicionais de Hollywood. Dev Patel brilha no arco de crescimento de Gawain, a jornada que pauta todo o longa embora não o reduza à fórmula heroica que já nos cansa há anos. O Cavaleiro Verde mostra-se, portanto, um bom capítulo da carreira ainda muito jovem e promissora de David Lowery.

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