Music

Boogarins + Oruã – ao vivo

No palco do Circo Voador, a experiência sensorial promovida por duas bandas que fogem do lugar-comum da música

Boogarins

Texto e fotos por Luciano Vitor

Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. O Circo Voador, palco de centenas de shows, centenas de bandas, centenas de horas (na minha humilde contagem, o que talvez esteja muito errado e é bem possível!), no último dia 21 de maio serviu de encontro para duas bandas que nasceram no erro da música. Mas por que “erro”? Porque a grande massa enxerga a música como algo objetivo, reto, sem muitas surpresas. Algo que beire ali um minuto e meio (ou dois ou três minutos no caso do pop), com letras terríveis, sonoridade pasteurizada e refém de aplicativos de dancinhas e afins. Justamente por isso Oruã (do Rio de Janeiro) e Boogarins (de Goiânia) são bandas que fogem do lugar comum. Suas apresentações são experiências não apenas sonoras, mas sensoriais.

Depois de mais de duas décadas pisei novamente no templo musical da Lapa, bairro central do Rio de Janeiro. O último show ao qual eu havia assistido ali tinha sido do Buddy Guy (EUA) com o Baseado em Blues (RJ). Salvo engano, muitíssimo antes da nova estrutura do Circo Voador. Outros tempos, outra era. Entretanto, se a estrutura mudou, a essência talvez não. A ideia continua a mesma: um palco, uma lona de circo, com entradas espaçosas e piso superior para quem não quem quer ficar em pé. Na área externa, banquinhas com material das bandas, material independente de cinema, locais para comprar bebidas, alimentos e afins. É nostálgico pisar no Circo Voador tanto tempo depois.

Já havia escrito a respeito do Oruã há alguns anos, mas com uma formação bem diferente do que pude presenciar ali no Circo. O grupo carioca gravita em torno de uma ideia que, na minha humilde opinião, traz a música para um sistema coletivo, onde uma banda pode e deve ter vários colaboradores, várias formações, vários direcionamentos e, principalmente, diversos significados e significâncias. Por isso enxergá-lo não apenas como um grupo musical, mas como algo para ter diversos direcionamentos diferentes com instrumentistas diferentes.

Se alguns anos atrás consegui ver o Oruã com quatro músicos no palco, na formação clássica de uma banda de rock na sua acepção mais conhecida (baixo, bateria, guitarra e vocal), desta vez no Circo Voador estava algo muito mais grandioso: duas baterias, maracas, guitarra, baixo, programação e teclados, dois vocais e muita vontade de agradecer o público presente com uma apresentação ímpar. Karin, Lê Almeida, Daniel, Bigú, Cascaes, Joab e Russo encheram o Circo com música sinuosa, torta mesmo, de uma maneira que as próprias incongruências cariocas divididas por dezenas de bairros se encontrassem ali, diante de uma plateia cheia de caras e aspectos diferentes. Foi um puta show!

Oruã representa algo muito mais à frente que os dials tradicionais podem suportar. Entre tantas mesmices, eu oro (e aqui vem o famoso trocadilho) para que um dia possamos ver uma música torta, com dissonâncias e a assinatura do quarteto-barra- septeto servindo como trilha sonora de uma das séries dos streamings mundiais da vida.

Oruã

Agora, sobre o Boogarins. Não lembro qual foi a última banda que se manteve tanto tempo dentro do mainstream do universo independente. Na realidade, este ingrato pódio é volúvel demais. Não se consegue acompanhar a evolução que o indie avançou de maneira única dentro do cenário. E o Boogarins conseguiu isso, com constância e muito trabalho.

O quarteto goiano ganhou a ribalta há dez anos, com o estouro de “Lucifernandis”. Depois disso, foi mundo afora! Após mais uma turnê na Europa, o Boogarins desceu no Rio de Janeiro e logo após um simples acorde hipnotizou a plateia. E esse show foi a imersão quase tradicional na psicodelia da banda. Acordes longos, entrega total no palco, faixas quase que instantaneamente reconhecidas pelo enorme público e um domínio absurdo de palco. A cozinha rítmica é algo de surreal. Erro zero, músicas estendidas na sua execução e um quarteto que se conhece pelo olhar. O bônus da noite foi a presença de Bonifrate, musico do Rio de Janeiro que deu uma sábia contribuição à dinâmica do grupo. Foi uma interação precisa como toda a apresentação.

Por fim, o Circo Voador presenciou uma noite incrível, com duas bandas que não precisam mais de apresentações. Precisam penas invadirem de vez o mainstream do indie mundial (como o caso do Oruã) para não saírem de vez de lá!

Set List Oruã: “Dinorá”, “Real Grandeza”, “Outros Santos”, “Miragem”, “Cravina Flor”, “Ramais”, “Cavalo Branco”, “Caboclo”, “Escola”, “Obrei Orei”, “Osíris”/“Essência Bruta” e “Maldição”.Set List Boogarins: “Derramado”, “Sombra ou Dúvida”, “Te Quero Longe”, “Passeio”, “Sai de Cima”, “Cães do Ódio”, “Correndo em Fúria”, “Dislexia ou Transe”, “Inocência”, “Onda Negra”, “Benzin”, “San Lorenzo”, “LVCO 2”, “Noite Bright” e “Foi Mal”. Bis: “Erre”, “600 Dias (ou Mantra dos 20 anos)”, “Lucifernandis” e “Auchma”.

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