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Em Pedaços

Trama que discute a intolerância racial e a recente ascensão do movimento neonazista na Alemanha provoca impacto

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Imovision/Divulgação

Ativismo é o que não falta nas histórias contadas pelo diretor e roteirista germânico de origem turca Fatih Akin. Volta e meia ele aparece com uma obra nova cheia de nuances e questionamentos sócio-políticos. Neste último ano, quando a questão de imigrantes e refugiados pareceu balançar de vez as estruturas do poder de seu país, um filme como Em Pedaços (Aus dem Nichts, Alemanha/França, 2017 – Imovision) é extremamente bem-vindo para cutucar ainda mais determinadas feridas.

Desta vez Akin vai fundo na questão da intolerância racial e do crescimento do neonazismo entre a juventude alemã. E, de quebra, ainda defende a bandeira da diversidade ressaltando a importância presença de turcos e curdos – sendo ele mesmo descendente – em um país constantemente assombrado por um passado recente de horrores e que, aos olhos do resto mundo, ainda teima em isolar-se socialmente fomentando pequenos e mesquinhos preconceitos em sua sociedade.

Em Pedaços joga todo o foco na jornada do herói vivida pela sua protagonista Katja Sekerci (Diane Kruger, em sua primeira atuação em um filme todo falado em alemão). É uma ópera em três atos muito bem delimitados por Akin e costurado por pequenos detalhes que exigem boa dose de atenção e perspicácia do espectador. No primeiro, um drama, denominado “A Família”, apresenta-se a origem de todo empenho e sofrimento dela. Ela se casa na prisão com um cara ainda cumprindo pena por tráfico de drogas, constrói um sólido núcleo familiar com a vinda do primogênito e tudo parece ir de vento e popa quando um inesperado acontecimento muda tudo: o marido Nuri (Numan Acar) e o pequeno Rocco são as duas vítimas de um terrível atentado provocado por uma “bicicleta-bomba” deixada em frente ao local de trabalho dele, em um escritório na cidade de Hamburgo. Nisso, ela revela toda a sua fragilidade, chegando a resvalar na necessidade do consumo de cocaína para aguentar a barra (justamente quando a “regeneração” de Nuri é posta em xeque) e tentar se matar cortando os dois pulsos na banheira de casa.

O segundo ato (“Justiça”) mergulha fundo no formato “filme de tribunal”. Mostra os vários dias de julgamento de um jovem casal neonazista, acusado de terem provocado o atentado. Embora tudo basicamente se arraste na monotonia de uma base essencialmente verborrágica (quando provas são discutidas e os atores que interpretam os advogados de defesa e ataque tomam a proeminência das cenas), Akin procura dar a diferença em pequenos truques de profundidade de campo até passar ao espectador toda a vertigem sentida por Katja na hora de ouvir o veredito. Todo este trecho representa o período de crise do percurso do herói, quando ele se vê falho e inseguro diante de suas maiores provações até então.

Já “O Mar”, o terço final, acontece na Grécia, sob o sol e o calor do Mediterrâneo. É basicamente uma historieta de ação movida pela obsessão cega da protagonista em consertar, à sua maneira, tudo aquilo que escapou do tribunal e vem deixando-a emocionalmente em pedaços até então. Nele, Katja quer a redenção e faz isso procurando pelos supostos assassinos de seu marido e filho. Nem que, para isso, certas coisas sejam levadas às últimas consequências – o que se estende ainda a Akin, que busca fazer suspense para prender o espectador até os últimos momentos de seu filme.

Diane Kruger carrega todo o filme nas costas, o que lhe fez abocanhar o prêmio de melhor atriz do último Festival de Cannes. Este fato, aliado ao tema atualíssimo e bastante provocativo proposto por Akin (e o seu destrinchamento durante a obra), comoveu os correspondentes estrangeiros que trabalham em Hollywood e deu o Globo de Ouro de produção em língua não–inglesa a Em Pedaços. Curiosamente, o longa ficou de fora da lista dos cinco indicados à mesma categoria aos Academy Awards – o que provocou o adiamento de estreia no Brasil para dois meses depois, agora, logo depois do Oscar.

Valeu a pena esperar. Porque Em Pedaços, mesmo estando aquém de outros filmes previamente indicados pela Alemanha à estatueta, emociona, impacta e leva à reflexão. Tal qual sempre quis, desde o início do projeto, o sempre irrequieto Fatih Akin.

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