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The End Of The F***ing World

Casal teen com irresistível atração pela violência protagoniza série britânica que tem tudo para virar o novo hype do universo nerd

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Netflix/Divulgação

Quão bela, doce e fascinante pode ser a violência?

Para o adolescente britânico James matar pode ser um excelente liberador de endorfina. Desde criança ele está acostumado a fazer isso com indefesos animais como gatos, coelhos e pássaros. Aos 10 anos ganhou uma arma do pai. Aos 13, uma faca. Na adolescência resolveu enfiar a mão esquerda na fritura quente para poder fazer mal a si próprio. Agora, prestes a completar 18 decidiu fazer um upgrade de vítima e tirar a vida de um ser humano. Assim, sem mais nem menos. Só pelo prazer e para poder dizer – assim como o faz logo nos seus primeiros segundos em cena – ser um psicopata.

Alyssa também tem 17 anos. Carrega princípios morais desde a infância e não mata. Mas também não pensa duas vezes antes de começar a agredir outra pessoa. Verborragicamente. Nas atitudes. Nas expressões. Destroi o seu celular jogando-o no chão em um segundo de gesto intempestivo.

Ambos moram em uma pequena cidade no meio do nada na Inglaterra. Não aguentam ficar em casa com as famílias – ou o que restou delas. Não se conectam com outras pessoas de sua faia etária porque acham todo mundo um saco. Tudo o que eles desejam é fugir da realidade onde estão mergulhados. Não planejam o futuro, entretanto, vão apenas surfando na onda do que fazem em seus dias repletos de marasmo. E violência.

Depois de se conhecerem de uma maneira nada ortodoxa acabam por desenvolver uma amizade nada ortodoxa, simplesmente pelo fato de um enxergar no outro o misfit que é. A amizade logo vira um namoro também nada ortodoxo e logo depois uma fuga desplanejada de casa. Rumo a lugar nenhum. Rumo a qualquer lugar onde possam se sentir melhor.

Assim é a história de The End Of The F***ing World (Reino Unido, 2017 – Channel 4/Netflix), série baseada na graphic novel de mesmo nome assinada pelo americano Chuck Forsman e cuja primeira temporada, com oito episódios de cerca de vinte minutos cada, acaba de ser disponibilizada para ser maratonada em tempo recorde. Com a produção feita pelo canal britânico expert em seriados (entre eles outros famosos por explorar o tema do universo adolescente como Skins e Inbetweeners), TEOTFW chega com tudo para se tornar o mais novo culto entre os adeptos do universo nerd baseado no eixo filmes-séries-HQ.

Com o roteiro e direção de Jonathan Entwistle trazendo boas diferenças em relação às páginas de Forsman – inclusive personagens inexistentes na graphic novel, como as parceiras policiais lésbicas – a série começa com tons de comédia mas vai virando um drama denso, com os dois protagonistas muito bem desenvolvidos. Conforme o público vai conhecendo detalhes do passado de James (Alex Lawther, mais conhecido dos brasileiros pelo pelo episódio Shut Up And Dance de Black Mirror) e Alyssa (Jessica Barden, também famosa por outro seriado, Penny Dreadful) mas vai entendendo melhor a complexa tessitura psicológica que os leva a fazer tudo o que fazem. Também merece destaque a construção dos personagens secundários, como a mãe, o pai e o padrasto da garota; o pai viúvo do menino; e a principal policial da dupla destacada para investigar o sumiço dos dois.

E o que dizer da caprichada trilha sonora, que explora grandes ícones do rock como Wanda Jackson (acompanhada pelos discípulos do Cramps), Hank Williams (cuja música ilustra uma das cenas icônicas desta temporada), Graham Coxon (o guitarrista e compositor das faixas mais interessantes do Blur, aqui com um punhado de músicas da carreira solo e nome por trás da seleção de faixas), Mazzy Star (nada melhor do que uma banda shoegaze de primeira para momentos mais melancólicos) e as francesas Soko e Françoise Hardy (dando uma ligeira mudada no idioma e tornando tudo mais cool). Isso sem falar na bela cinematografia, que traz uma bela homenagem ao cineasta Wes Anderson e seus enquadramentos simétricos, com as pessoas no centro da tela e os cenários coloridos.

Depressão, antissocialidade, psicopatia, sociopatia, pedofilia, suicídio, homicídio, violência contra animais, desajustes morais. Moleques assustados, adultos omissos. Resposnabilidade quase zero. Com esta versão teenager do casal de Assassinos Por Natureza pela frente, é preciso ter estômago forte e um certo senso mórbido e negro de humor. Para James e Alyssa tudo na vida é tão incerto quanto apaixonante/tedioso. Para o espectador que vê todos os episódios de uma tacada só (pouco mais de duas horas e meia, tal qual um longa-metragem) fica o impacto inicial da produção ousada comandada por Entwistle e as grandes atuações de Barden e Lawther, acompanhado de um convite para a reflexão que fica martelando a cabeça nos dias seguintes à experiência. Sobretudo por causa das transformações que vão ocorrendo no comportamento e na mentalidade do casal ao longo dos oito capítulos.

O final cliffhanger deixa em aberto a possibilidade da segunda temporada, ainda não anunciada. Será que vem mais violência por aí? Alyssa e James ressurgirão de outra forma? Nos quadrinhos de Forsman, a aventura deles pelo mundo dura meses. Pelo que se viu até a gora na série, apenas alguns dias. Talvez neste detalhe resida a resposta que os fãs recém-conquistados desejam tanto ter logo.

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