Nova obra do diretor Leos Carax é uma fábula musical sobre casal de artistas e sua filha mágica composta pela dupla Sparks

Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Mubi/Divulgação
Leos Carax é indiscutivelmente um dos maiores nomes do cinema contemporâneo. E sua nova experiência surpreende. O diretor insere um elenco estrelado (e bastante popular) num musical estrito, no qual toda fala é musicada.
Annette (França/Bélgica/Alemanha/EUA/Japão/México/Suíça, 2021 – Mubi) é a história de um casal de artistas e sua primogênita. Adam Driver é Henry, um comediante recém-apaixonado por Ann (Marion Cotillard). Ambos no ápice de sua carreira, eles têm uma filha e tudo começa a ruir. Com poucos anos de idade, descobre-se que Annette, o bebê do casal, tem uma voz mágica, parte dom e parte maldição.
A história original, escrita pelos Sparks Brothers (Ron e Russel Mael), é adaptada com primazia espetacular – sua mise en scène é icônica e envolvente. Carax tem total controle do que ocorre em cena e, principalmente, das impressões que o espectador terá de suas sequências. Com música onipresente no longa, composta também pelos irmãos Mael, o diretor nos catapulta para uma crítica à superficialidade com que se encara a vida das estrelas pop, mas logo desvela uma trama muito mais intensa.
No entanto, a capacidade de tecer comentários com sua linguagem não é o fator determinante da experiência em Annette. É inegável a qualidade de Carax ao conduzir a obra, mas o andar da carruagem ascende problemas que rivalizam as camadas de interpretação que a direção propõe e roubam a cena.
O autor constrói uma espécie de fábula imagética: o palco, local de trabalho de ambos os protagonistas, é estendido para todo o universo do filme. Assim, a estilização de luzes, sombra e movimentação conferem ao longa traços oníricos que, aliados à atmosfera musical, transportam a história de Annette e seus pais para uma realidade distinta.
Contudo, há, ao longo do filme, uma repetição incessante da estrutura lírica das músicas, cada uma com poucos versos repetidos ostensivamente. Quando os versos são tão superficiais quanto os que ouvimos, refletindo opacamente as emoções e conflitos das personagens que os recitam, até a melodia mais encantadora torna-se maçante.
Sendo assim, o que pareceu iniciar como uma crítica à superficialidade com que se retratam as vidas de figuras famosas (ancoro a análise na constante referência à mídia de fofocas sensacionalista) sofre do mal que expõe. Em dados momentos, nem mesmo a competência ímpar do casal protagonista, que divide a cena com um Simon Helberg que desponta e atordoa aqueles acostumados com sua figura na série The Big Bang Theory, é capaz de entregar ao público a sensação intensa e profunda que parece dever ser transmitida.
Enquanto Annette encanta nossa fração analítica, que busca significar os símbolos e subtextos orquestrados pelo autor, suas canções repetitivas e monótonas empacam a audiência. A bela história ancorada na figura narcísica de Henry McHenry, com traços de uma das mais brilhantes atuações de Driver (bem como de Cotillard e Helberg), é ofuscada pela condução musical do longa-metragem. Assim, o espetacularizado retrato de um estilo de vida espetacular – e almejante dessa contínua exposição – torna-se em si mesmo caricato. Há sequências que, expostas à distância do que as precede e sucede, são fenomenais. Entretanto, o ritmo da obra sofre demais com a falta de lirismo daquilo que é a estrela de um musical: sua música.