Music

Black Flag

Oito motivos para não perder o show da banda que entrou para a História como um dos pilares do punk rock norte-americano

Texto por Abonico Smith

Fotos: Divulgação

Existem poucas unanimidades no mundo do rock. Uma delas é considerar o Black Flag uma das maiores lendas da música underground de todos os tempos. Vá lá, pode chamar também de música alternativa ou música independente. A nomenclatura tanto faz. O que não dá para fugir é do óbvio: os caras marcaram a vida de todo mundo que, na adolescência, sonhou ou ousou se expressar cantando com força e intensidade ou tocando algum instrumento da tríade básica formada por guitarra, baixo e bateria.

Foi do Black Flag o primeiro show que um então ainda moleque Kurt Cobain assistiu. Vertentes como o sludge metal, o grunge e o post-hardcore, que nas últimas décadas se consolidaram com um nicho fieis de fãs espalhados ao redor do planeta, devem um agradecimento ao Black Flag por ter aberto os caminhos para tais sonoridades antes que todo mundo. Se um dia a fúria vociferada nas palavras combinou-se à poesia em disco, foi porque o Black Flag arriscou-se a lançar um vinil com um dos lados compostossomente por spoken word. Se selos independentes tornaram-se grifes que confirmam qualidade e personalidade das bandas contratadas por eles, foi porque o Black Flag desde o início bancou a sua própria iniciativa, a SST, como gravadora e também distribuidora. Se você ama bandas como Hüsker Dü, Descendents, Meat Puppets, Bad Brains, Dinosaur Jr, Screaming Trees, Soundgarden e Sonic Youth, saiba que o Black Flag topou lançar discos de todos eles pela SST antes de bater às suas portas a fama adquirida pela MTV, revistas especializadas em música como a Spin e a Rolling Stone e execuções radiofônicas. Certamente se não houvesse o Black Flag você não seria musicalmente o que é hoje. Mesmo que você sequer desconfie disso.

Não é sempre que aqui pelos trópicos a gente tem a oportunidade de estar frente a frente com uma banda desta magnitude. Ainda mais porque o rock perdeu muito terreno entre os jovens brasileiros nas duas últimas décadas. E aculpa nem é do pop, já que ele sempre existiu. O que pega que muito dos fãs das guitarras se bandeou para ouvir coisas bem distantes em seus headphones. Sertanejo (o universitário, que insiste em nunca chegar à formatura), funk, pagode, até piseiro virou trilha sonora de churrascos e encontros de amigos de pouca idade. O incorformismo e a insatisfação deram lugar ao comodismo e à maior importância dada aos resultados do que aos percursos. Portanto, uma notícia como a da primeira turnê brasileira do Black Flag em todos os tempos é algo a ser comemorado de modo efusivo.

Na verdade esta não é a estreia do grupo em solo brasileiro. Eles passaram por São Paulo em março de 2020, alguns dias antes do mundo inteiro parar por conta da pandemia da covid-19. Só que agora a banda liderada pelo guitarrista Greg Ginn (o único remanescente das formações original e clássicas) está vindo para fazer mais paradas por aqui. O giro começa neste domingo (22 de outubro) em Ribeirão Preto (SP) e passa por Curitiba (24), onde dividem o palco com outra grande atração estadunidense, o L7 – mais informações sobre horários, local e ingressos você tem clicando aqui e mais sobre o L7 você tem aqui. As escalas seguem depois por Porto Alegre (25), Belo Horizonte (26), São Paulo (27) e Rio de Janeiro (29). Para saber mais sobre o restante da turnê você pode clicar aqui. Vale lembrar ainda que o set list estará dividido em duas partes. Na primeira serão executadas na íntegra e na ordem original as nove faixas do cultuado álbum My War (1984), o segundo da carreira do grupo. Depois virão quase duas dezenas de clássicos gravados antes e depois.

Para celebrar a chegada de Ginn, Mike Vallely (voz) e os novatos Harley Duggan (baixo) e Charles Willey (bateria), o Mondo Bacana publica oito motivos que tornam imprescindível sua presença na plateia do Black Flag.

Greg Ginn

O criador de tudo. O compositor da maioria das faixas gravadas pela banda. A mola-mestra do selo SST. Um dos cem melhores guitarristas de todos os tempos segundo uma lista publicada pela Rolling Stone. O cara que consegue encaixar solos embasbacantes em torpedos hardcore. O mesmo que se dispõe a ouvir todos os gêneros musicais possíveis para desenvolver o conhecimento musical e saber como se pode ampliar ainda mais as fronteiras de sua banda, chegando a gravar faixas instrumentais e transformar alguns arranjos em algo para lá de esquisitos. Detalhe: aos 69 anos de idade, Greg ainda se mostra inteiraço no palco, não só fisicamente mas ainda exalando aquele mesmo vigor de moleque quando formou o Black Flag em Herosa Beach, na Califórnia, no longínquo ano de 1976.

Pilar do punk rock

Dez entre dez fãs de punk rock amealhados pelas últimas décadas vão responder o nome desta banda se você perguntar o nome de três artistas primordiais para a história do gênero. Se para a turma de Nova York o Ramones representa quem fez a sementinha punk se espalhar por todo mundo, a vertente do outro lado do país, a Califórnia, deve demais ao Black Flag. Não só a popularidade como também uma certa evolução, já que foi ali, na Costa Oeste, que o gênero se tornou mais veloz, contundente, agressivamente verborrágico e ganhou o nome de hardcore. Logo depois, foi exatamente o hardcore que passou a movimentar todo um circuito independente interligado de selos, fãs e emissoras universitárias de rádio (que tinham programação mais fluida e livre de amarras comerciais, como as tradicionais do dial). Assim nasceu e se uniu todo o rock independente nos EUA.

SST

Inicialmente Ginn não ligava muito para tocar um instrumento. Quando moleque ele era mais aficionado por rádio. Não só ouvir como montar um aparelho. Tanto que aos 12 anos de idade, ele fundou a SST (Solid State Transmitters), um pequeno negócio para ele fabricar rádios e outros equipamentos eletrônicos. Por influência de seu irmão três mais novo, que tocava contrabaixo, passou a empunhar uma guitarra e não parou mais. Formou o Black Flag em 1976 e passou a ele mesmo, produzir e mandar fabricar os discos da banda. Durante a primeira metade dos anos 1980, quando o Black Flag passou a atrair cada vez mais um grande público a seus shows, passou a dedicar o selo, com o amigo e também baixista Chuck Dukowski, a lançamentos de demais bandas amigas e que excursionavam junto pelo país. Hüsker Dü, Descendents, Meat Puppets, Bad Brains, Dinosaur Jr, Screaming Trees, Soundgarden e Sonic Youth são algumas delas. Tão somente. E tudo de maneira independente, sem vínculos de distribuição com empresas maiores ou multinacionais do ramo fonográfico. E mais: não fez a banda depender de nenhuma outra empresa para marcar concertos e turnês pela América do Norte e Europa – era tudo com ele mesmo, no muque, na garra, na perseverança. Por isso, Ginn e o BF são reverenciados como grandes impulsionadores do modus operandi que simboliza o slogan punk “do it yourself” (“faça você mesmo”, em português).

Raymond Pettibon

Ou, na certidão de nascimento, Raymond Ginn. O tal irmão mais novo de Greg que o levou de vez para a música underground. Raymond tocava baixo e até chegou a participar logo no início do Black Flag. Mas desistiu de vez da carreira de músico para focar em outro talento seu, maior ainda do que o de tocar as quatro cordas. Pettibon passou a ser o designer oficial da banda. Ele concebeu quase tudo já feito com relação à arte, das capas e contracapas dos discos a pôsteres e filipetas de divulgação de shows. Com grande background dos quadrinhos, ele imprimiu uma identidade visual única ao grupo de Ginn. Basta dar uma reparada para logo notar que os desenhos reproduzem cenas protagonizadas por seres humanos comuns do cotidiano mas em situações completamente bizarros. Sempre abusando de fundos coloridos. A assinatura de Raymond também está na clássica logomarca da banda, uma das mais icônicas de todos os tempos na história do rock. São quatro tarjas pretas e grossas que, dispostas lado a lado mas em alturas diferentes, dão a sugestão de que está se olhando uma bandeira preta tremular com o vento ou algum movimento humano. Em tempo: a logo remete diretamente ao porquê da escolha do nome da banda. Se uma bandeira branca significa paz e um certo tipo de marasmo, uma da cor oposta sugere anarquia e confusão.

Damaged

Até que demorou para o Black Flag lançar seu primeiro álbum. Depois de alguns EPs nos cinco primeiros anos da carreira, Damaged foi feito em 1981 para não tardar a entrar para a história. Trouxe a evolução do punk rock para o hardcore, com andamentos mais acelerados, vocais berrados e letras que bradava abertamente contra o sistema opressor da liberdade e dos anseios de um jovem com ideais mais libertários e alternativos do que o que praticava o então iniciante governo presidencial do republicano Ronald Reagan. A capa, uma das poucas não criadas por Pettibon, mostra uma fotografia de um raivoso Henry Rollins (fã da banda que acabava de assumir oficialmente os vocais) dando um murro no espelho e fazendo cacos de vidro voarem. Só que a foto tinha um truque: o vidro fora quebrado antes com um martelo e o efeito de sangue na mão e no braço obtido por meio de café e tinta vermelha. Várias faixas deste álbum viraram clássicos do underground idolatrados para sempre, como “Gimmie Gimmie Gimmie”, “Six Pack”, “Depression”, “Rise Above”, “Room 13” e “TV Party” (que tem um tosco e divertido clipe feito pela própria banda para divulgar seu som nas TVs). Todas estas são incluídas na metade final do repertório ao vivo até hoje.

My War

Por causa de um imbróglio judicial envolvendo o álbum de estreia e que impedia o grupo de usar o próprio nome em futuros lançamentos, o Black Flag só conseguiu chegar a um novo disco três anos depois. A passagem deste tempo acarretou em mudanças: integrantes originais importantes abandonaram o barco (Dukowski preferiu trabalhar com Ginn somente nos bastidores, na SST; o guitarrista e e-vocalista Dez Cadena, que bem depois integraria o Misfits, também saíra mas para se dedicar a putro projeto musical, o DC3; o baterista colombiano Robo teve problemas com o visto e precisou voltar ao seu país). Reduzido a trio, com Greg, Rollins e o novo membro Bill Stevenson nas baquetas, o grupo gravou um disco literalmente dividido em dois em sua sonoridade. O lado A do vinil dava vazão ao lado hardcore, que cada vez mais conquistava um público maior e mais fiel por onde a banda passava para fazer seus shows. O lado B, porém, pegou todos os fãs de surpresa. Trazia apenas três faixas, com duração bem maior do que usual (mais de seis minutos, em média), andamentos muito mais lentos e uma certa atmosfera de guitarra inspirada no Black Sabbath (ou seja, power chords hipnóticos e mais demorados). Lembrou-se do grunge? Pois bem, alguns anos antes o gênero que fez a fama mundial da cidade de Seattle já era antecipado neste disco. A trinca formada pelas canções “Nothing Left Inside”, “Three Nights” e “Scream” também viria a desembocar em gêneros megacultuados como o sludge metal e o post-hardcore. Muita gente, naquela época, pode ter torcido o nariz, mas usar a palavra “visionária” é pouco para descrever a obra.

Dale Nixon

Sem baixista na banda em My War, coube ao próprio Ginn gravar as partes do instrumento em estúdio. Então ele resolveu assinar com um pseudônimo, que voltaria a usar mais vezes em outras ocasiões. Ele não poderia prever, entretanto, que estaria criando um músico fictício que seria perpetuado por alguns outros fãs da banda (e futuros guitarristas de renome). Brian Baker (Minor Threat, Bad Religion), King Buzzo (Melvins, Fantomas) e Dave Grohl (Foo Fighters, Queens Of The Stone Age) também viriam a adotar a alcunha de Dale Nixon nos créditos de discos posteriores. No Black Flag, a trajetória de Nixon em 1984 não viria a durar muito. Logo ocuparia a vaga uma garota, Kira Roessler. Ela tocaria nos outros dois discos também lançados pelo BF até o fim daquele ano: Family Man e Slip It In. Logo três obras num curto intervalo de tempo para saciar a sede de novidades de alguns fãs e irritar muitos outros, já que o primeiro era também dividido em dois (mas com lado A de spoken word e lado b de instrumentais jazzy) e o segundo repetia o esquema dicotômico de My War só que apresentando maior grau de complexidade nos arranjos.

Mike Vallely

Ele é skatista profissional, dublê, ator, jogador de hóquei, lutador de luta livre e músico. Também conhecido como Mike V, está na banda, oficialmente, desde janeiro de 2014 e já é o segundo integrante mais longevo entre todos que tocaram no BF. Além de ser uma cara com habilidades múltiplas, também foi outro fã da banda que se aventurou a segurar o microfone para soltar gogó e acabou ficando de forma definitiva. O outro fora Henry Rollins, o icônico frontman do quarteto durante os anos 1980. Um brutamontes cheio de energia e músculos mas com personalidade extremamente gentil e doce. No palco, Rollins se transformava em uma espécie de segurança de Ginn e o resto da banda contra as barbaridades promovidas pelos fãs. Revidava xingamentos com cuspes, batia em ousasse agredir os músicos. Foi ainda no Black Flag que Henry passou a se aventurar pelo mundo de spoken word, da comédia, da narração de audiobooks, da escrita de livros de histórias de ficção e do mundo da música, além de atuar em filmes e ainda apresentar programas de rádio e TV. Quando o Black se dissolveu em 1986, partiu para uma carreira solo proeminente e respeitada nestas áreas todas, além de formar uma nova e famosa banda, a Rollins Band. Portanto, se Vallely está lá há quase uma década tendo a responsa de substituir o nome como Rollins é porque o cara também tem altas qualidades. Só uma curiosidade: Mike ainda não participou de nenhum álbum do BF, já que o último lançado pela banda (What The…) data de novembro de 2013, dois meses antes de ser incorporado por Ginn.

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