Movies

Black Mirror

Episódios da quarta temporada da série seguem extremamente afiados com a mistura de humor negro, crítica de costumes e o uso da tecnologia

blackmirrorblackmuseum_gigante

Texto por Carlos Eduardo Lima

Foto: Netflix/Divulgação

À medida em que o segundo semestre de 2017 avançava, as primeiras imagens e trailers da nova temporada de uma das melhores séries da Netflix surgiam e causavam expectativa irresistível. Afinal de contas, Black Mirror, criação do roteirista inglês Charlie Brooker, é um dos grandes marcos desse nosso tempo de séries em compulsão e veiculadas por torrent e/ou streaming. Não dá pra comparar o consumo dessas tramas deste nosso início de século com clássicos como Casal 20, As Panteras, Jornada Nas Estrelas ou Agente 86, seriadosque surgiram na TV aberta americana, logo se espalhando pelo mundo, com periodicidade diária ou semanal, que prendiam a audiência em um determinado horário. Agora o consumidor escolhe ver os vários episódios em sequência – nas famosas “maratonas” – ou vai vendo aos pouquinhos, para não acabar logo e esperar seis meses ou um ano para ver a continuação. Black Mirror é econômica em suas quatro temporadas e apenas 19 episódios, sendo seis da mais recente.

Não há novidade nenhuma nas histórias, o que é ótimo. Novamente vemos situações do cotidiano humano moderno sendo temperadas pelo uso da tecnologia. Claro que as engenhocas e eventos causados por elas podem ser confundidas como sendo o principal charme de Black Mirror. O fato é que seu grande atrativo está na absoluta sinceridade com que o lado negro da psiquê humana (suas perversões, crueldades, fraquezas e ausência de ética) é mostrado. E o quanto as pessoas não têm qualquer controle sobre ele, uma vez que estejam devidamente obliteradas por algo. Aí entra a tecnologia, como meio facilitador dessas neuras e manifestações do lado obscuro da mente humana. Todos nós sabemos que ele existe, pois Black Mirror tem a manha de colocar enormes distorções de comportamento, verdadeiras psicoses violentas como se fossem coisas sem importância, até que tomam o vulto que leva o protagonista para um desfecho terrível. Outro traço marcante da série está intacto neste nova fornada de episódios: o bandido acaba se ferrando no final. Ao longo das histórias, inocentes podem – e vão – se dar mal, mas o vilão, o sujeito realmente mau/perverso, será implacavelmente castigado no fim, mesmo que só saibamos que ele era a encarnação da danação total também no fim. Não falha.

ATENÇÃO: HÁ SPOILERS DAQUI PARA FRENTE

Black Mirror teve alguns episódios marcantes ao longo das três primeiras temporadas. Quem não lembra do sensacional “San Junipero”, da terceira? Ou do impressionante “Hino Nacional”, o primeiro de todos, no qual o Primeiro Ministro britânico era feito de gato e sapato em rede nacional? Ou do assustador “Volto Já”, no qual vemos a nossa obsessão pela permanência dos entes queridos entre nós, a qualquer preço.Também teve “Queda Livre”, no qual a cultura de likes das redes sociais é colocada à prova como meio legitimador do caráter de uma pessoa. Você pode escolher seu predileto: a lista é grande e não há um único momento ruim em algum episódio.

Esta quarta temporada trouxe alguns candidatos a preferidos do grande público. Vejamos em ordem de preferência deste que vos escreve.

“Black Museum”: Uma jovem está na estrada e para em um posto para recarregar a bateria solar de seu carro. Daí ela dá de cara com um tal de Black Museum de Rolo Haynes. Como vai demorar um tempo até a carga ser dada, ela resolve dar uma olhada e topa com um salão enorme de instrumentos que foram utilizados para causar a dor e cometer crimes. Quem a leva pelo museu adentro é o próprio Rolo Haynes, que vai explicando, com satisfação estranhamente elevada, a história de cada artefato. O final dá uma paulada nos supremacistas brancos americanos e fascistas em geral e mantém a coerência Black Mirror. Na ordem oferecida pela Netflix, este é o último da temporada, certamente, um fecho adequado.

“Hang The DJ”: É um primo próximo de “San Junipero”, talvez o momento mais cultuado de toda a série. Aqui um casal se encontra através do que foi designado pelo “sistema”, com a intenção de verificar a compatilibidade entre eles. As normas são rígidas e os dois só podem permanecer juntos pelo tempo que o sistema informa como o adequado. Qualquer mudança é feita “para o aprimoramento pessoal e vai ser importante para encontrar o parceiro ideal”. Ao longo da trama, vamos percebendo que o tal sistema não é tão infalível assim.

“Arkangel”: É o segundo na ordem proposta pela Netflix. A história fala de controle parental, que começa com uma mãe com medo de se perder da filha. Daí ela vai numa empresa – a Arkangel – e instala um chip na criança, que é conectado a um tablet, no qual a mãe consegue medir os sinais vitais, ver a localização e mesmo ver com os olhos da filha. Também há a aplicação de filtros, que impedem a criança de ver algo que a deixe tensa. A coisa funciona enquanto estamos na infância. Porém, à medida que chega a adolescência, tudo fica muito mais complicado. A direção deste episódio é de Jodie Foster, que deu entrevistas apaixonadas sobre o quanto gostou de trabalhar para a Netflix.

“Crocodilo”: Outro traço clássico de Black Mirror, o erro do passado que volta para atormentar no presente, surge aqui. Um casal viaja por uma estrada deserta após ter usado e tomado todas na noite anterior. De repente, um acidente ocorre e as decisões tomadas ali vão repercutir de forma terrível e incontrolável. O desfecho chegou a ultrapassar a desconcertante coerência com que os episódios são encerrados, mas não chega a incomodar por muito tempo. É o terceiro da nova leva.

“USS Callister”: Uma bem sacada brincadeira – de humor negro – com os fãs de Jornada Nas Estrelas e do jogo The Sims. Um programador é ofuscado pelo sócio na empresa que os dois fundaram e que se sustenta pela genialidade dos jogos que cria. Aqui, às vésperas do Natal, uma atualização está para ser lançada enquanto uma nova funcionária chega à empresa sem saber que vai mudar muita coisa por ali.

“Metalhead”: O mais convencional de todos os novos episódios. Mostra o embate entre uma mulher e um cachorro-robô num cenário pós-apocalíptico. Certamente é o menos interessante desta nova temporada.

O “espelho negro” segue em frente. Há duas temporadas a série passou a ser produzida pela Netflix e muita gente vem colocando sua relevância em xeque. Como dissemos acima, a série permanece genial e fiel à sua proposta original. O humor negro, a ficção científica e a crítica de costumes estão presentes e estes são os elementos-chave. Talvez, a exemplo daquela nossa banda independente favorita, Black Mirror tenha lançado um novo álbum com chancela de grande gravadora e com algumas participações especiais. A essência, no entanto, permanece intocada e extremamente presente. Divirta-se – se puder – com a nova temporada.

Deixe um comentário