Music

Peter Murphy + Daniel J – ao vivo

Vocalista e baixista revivem o Bauhaus em SP um show contra o baixo astral após o primeiro turno das eleições

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Texto por Fabio Soares

Fotos de Edi Fortini

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O clima em São Paulo estava pesado demais no primeiro domingo de outubro. Garoa por todo um dia nublado e primeiro turno das eleições rolando sob um clima de desalento e desconfiança no ar. Entre as 8h e 17h daquele dia 7, foram incontáveis consultas a pesquisas boca de urna e um resultado nada animador (para o autor deste texto). E foi com este clima que me dirigi à Zona Oeste de São Paulo para presenciar, in loco, dois quartos dos Bauhaus, banda que atormentou minha adolescência deprê, comemorarem 40 anos de carreira. Peter Murphy (vocais) e Daniel J (baixo) em sua Ruby Celebration Tour prometiam um momento mais que especial: a execução na íntegra de In The Flat Field, seu cultuado debut, além de demais clássicos da banda inglesa. A clássica “bolacha”, portanto, era o que eu precisava como trilha sonora para aquele difícil domingo

Antes de mais nada, o Carioca Club mostra-se uma má opção para se assistir shows. Foi minha terceira vez por lá e os problemas técnicos de som persistem. As pungentes linhas de baixo de Daniel J, que deveriam bater no peito da audiência como um tsunami, nos atingiu como uma inofensiva marolinha. A bateria de Mark Slutsky soava chocha em muitos momentos, assim como a guitarra de Mark Thwaite. Sinal claro de má equalização. Para quem já estava de mau humor, como eu, um ingrediente a mais para minha irritação. Mas vamos à apresentação…

Pontualmente às 20h, as cortinas se abriram e a figura de Murphy surgiu. Com 61 anos completados em Julho, ele apresentava excelente forma física e não parava um minuto. Já Daniel J, com seus indefectíveis óculos escuros, mantinha-se discreto por todo o set. Para minha surpresa, a faixa de abertura de In The Flat Field, a espetacular “Dark Entries”, foi suprimida do set list. Com isso, coube a “Double Dare” iniciar os trabalhos com sua obscura linha de baixo e constantes viradas de bateria. Murphy soltou a voz nos versos “Don’t back away just yet/ From destinations set/ I dare you to be proud/ To dare to shout aloud” numa emoção dilacerante. Uma abertura e tanto! O startnecessário para uma matadora sequência: a faixa-título do álbum seguida por “A God in an Alcove” trouxeram um clima de devoção ao salão, tal qual um culto religioso. Mas o primeiro momento de êxtase da noite veio com “Dive”, a faixa mais “Joy Division” dos Bauhaus. Grande performance da dupla Daniel J e Mark Thwaite. Rock em estado puro! Precisávamos…

“Spy in the Cab” permaneceu angustiante mesmo 38 anos após seu lançamento. E Peter Murphy usava sua formação em artes cênicas para torná-la ainda mais dramática em um palco. Foi impossível ficar indiferente ao clima sombrio da faixa e ecos de “Spy! Spy! Spy” permaneceram a nos aporrinhar. A noite daquele domingo também contribuía para tal. Em “St. Vitus Dance” e “Stygmata Martir”, seguiu a performance teatral de Mr. Murphy. Novamente, entretanto, o ponto negativo era o som do Carioca Club. Merecíamos um “teatro de horrores”, sobretudo para “Nerves”, a mais angustiante faixa do álbum e que fechou a primeira parte do show. Entre os presentes, um misto de respeito e expectativa, mas nada de entusiasmo.

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Veio a segunda parte e coube a “Burning From The Inside” (do homônimo álbum de 1983) abrir os trabalhos, com a imutável linha de guitarra no início preparando para uma levada suingada logo a seguir. Murphy tem o lado sombrio de suas composições a seu favor e o utiliza muito bem. Mesmo assim, com quase uma hora de duração, ainda faltava punch à apresentação. E ele finalmente veio com a sempre espetacular introdução de “Silent Hedges”. O baixo de Daniel J deu as cartas na melhor performance da noite do quarteto. Era o Bauhaus, enfim! Clima perfeito e pano de fundo armado para meu ponto fraco: a inconfundível introdução de “Bela Lugosi’s Dead”. Meu sentimento por esta canção beira o amor profundo! Impossível ficar indiferente aos três mais horripilantes acordes de minha adolescência. E gritei “Undead! Undead! Undead!” a plenos pulmões! Criador e criatura em perfeita simbiose. Um grande momento!

Depois do êxtase, tudo ficou mais fácil: “She’s In The Parties” e “Kick In The Eye” (com a linha de baixo de Daniel colocando todo mundo para dançar) desceram como água e finalizaram a segunda parte do show. Aproveitando o astral lá em cima e sem deixar a peteca cair, a banda retornou ao palco dois minutos depois para última parte. E que última parte! “The Passion Of Lovers” (do álbum Mask, de 1981) fez com que o Carioca Club viesse abaixo. Refrão gritado em uníssono e plateia emocionada em perfeita interação com o vocalista. No final, ninguém ficou parado: “Telegram Sam”, cover arrasa-quarteirão do T- Rex, fez com que eu esquecesse o clima ruim do domingo. A performance impecável de Murphy e a linha de baixo matadora de Daniel J deixaram o astral mais do que elevado para o emocionante desfecho. “Ziggy Stardust”, eterno clássico de David Bowie, é um daqueles casos de apropriação indébita mais que autorizada. De onde estiver, o Camaleão deve abrir um sorriso de orelha a orelha toda vez que Peter Murphy a canta.

Um tutor mais que apropriado para este clássico de nossas vidas e que encerrou, de forma triunfal, a quarta passagem desta lenda viva por nosso país. Na saída, uma estranha sensação me invadia. A felicidade por ver um de meus ídolos tão de perto ante a angustiante incerteza dos dias que virão. No fundo, no fundo, tinha que ser assim. Afinal, um show de Peter Murphy não combinaria com uma alegre noite de verão. Jamais combinaria…

Set list: Parte 1: “Double Dare”, “In The Flat Field”, “A God In An Alcove”, “Dive”, “Spy In The Cab”, “Small Talk Stinks”, “St. Vitus Dance”, “Stygmata Martyr” e “Nerves”. Parte 2: “Burning From The Inside”, “Silent Hedges”, “Bela Lugosi’s Dead”, “She’s In Parties” e “Kick In The Eye”. Bis: “The Passion Of Lovers”, “Telegram Sam” e “Ziggy Stardust”.

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