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Jarv Is…

Disco de estreia de nova banda formada pelo ex-líder do Pulp traz de volta as letras afiadas e acrescenta instrumentos não muito comuns ao rock

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Divulgação

Os tempos áureos do britpop foram há duas décadas e meia. Porém, algo não muda até hoje: Jarvis Cocker continua sendo lembrado como uma dos nomes mais famosos e intelectuais do movimento. Sua banda, o Pulp, foi responsável pelo que talvez possam considerar-se as músicas mais “cabeça” da época. Agora, algum tempo depois, ele mostra ainda estar com a caneta afiada, mesmo que agora sem sua antiga banda. 

Em 2017, depois de dois trabalhos solo em seu nome (lançados nos já longínquos anos de 2006 e 2009) e mais um em parceria com o pianista Chilly Gonzales, Cocker formou um novo grupo. Mais complexo que o nome Jarv Is… era o conceito prévio: seria apenas para tocar ao vivo. Após alguns ajustes, porém, a banda produziu seu primeiro álbum, intitulado Beyond The Pale (Rough Trade/ForMusic). Com sete extensas faixas, o disco é produção não linear e traz composições que borram os limites entre o ao vivo e a maneira costumeira de se gravar separadamente cada instrumento no estúdio.

Uma das características mais marcantes do Pulp era o tom cinematográfico de suas músicas. Em Beyond the Pale essa característica está presente: as canções parecem grandiosas, por vezes longas demais. É possível sentir doses de Leonard Cohen e Nick Cave ao longo do projeto, o que adiciona novas camadas ao já cativante charme de Cocker.

“House Music All Night Long” é o maior destaque do disco. “Lost In The Land Of The Living Room Adrift In A World Of Interiors” torna-se facilmente um hino para o ano de 2020. A música relembra o que o Pulp produziu de melhor nos anos 1990. “Sometimes I Am Pharaoh”, por sua vez, destaca-se por ter uma das melhores produções, algo que remete às canções inebriantes do Animal Collective. 

Em Beyond the Pale, a composição é certeira e o ponto mais alto do trabalho. Todas as sete faixas são de alguma forma reflexivas, como poesias codificadas. Cocker presenteia o público com metáforas, críticas, jogos de palavras dignos de seu talento.  “I can resist gentrification, but I cannot resist temptation”, entoa ele em “Swanky Modes”.

Enquanto nas letras o disco atende a todas as expectativas, a produção é inconstante. A banda que acompanha Jarvis é ótima e adiciona diversos elementos não comuns ao rock – como harpa e violino. Porém, a duração de algumas faixas e a falta de uma transição mais suave comprometem a experiência. O conceito de banda-viva é visível, mas infelizmente seria melhor aproveitado se escutado ao vivo, durante um concerto. Um pente fino poderia ter dado mais refinamento à melhor obra de Cocker desde seus dias de ídolo do britpop.

Beyond the Pale é uma experiência musical nascida da visão de um dos músicos mais interessantes das últimas décadas. É, também, apenas o primeiro projeto da nova etapa da carreira de Jarvis Cocker e torna-se bem sucedido em cativar o público já arrebatado por ele durante todo esse tempo a ponto de deixar um gostinho de quero mais.

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