M, na pele de Ralph Fiennes, diz uma das falas mais representativas do novo filme de James Bond: “o mundo não é mais o mesmo”. E realmente não é.
Desde que o espião surgiu nas páginas literárias e no cinema, muita coisa mudou. Menos ele. Bond continuava o mesmo galanteador que desprezava as mulheres e não se importava com os sentimentos alheios. Aí veio Daniel Craig.
Em 2006, o ator assumiu o título de “Bond, James Bond”, e podemos dizer sem exageros que transformou o personagem. Seja por conta de carisma, de talento, de excelentes coadjuvantes ou de bons roteiros mais antenados com o mundo, os cinco filmes do agente estrelados por Craig formam uma série à parte dentro da história de Bond no cinema.
Não à tôa, sua despedida como Bond acontece agora em grande estilo e de forma inédita. Nunca em todos os filmes um ator que foi trocado sai de cena da forma como Daniel Craig sai. Sua despedida se dá em grande estilo, e a vaga (aberta ou não, não vou estragar esta parte!) está pronta para ser ocupada por um novo agente.
A história de 007: Sem Tempo Para Morrer (No Time To Die, Reino Unido/EUA, 2021 – Universal Pictures) dá continuidade aos eventos de Spectre e Skyfall, mas não se iluda: este não é um simples filme de James Bond. É uma despedida de um dos atores que mais marcaram o personagem (até porque para a atual geração provavelmente nem existe outro, já que eles ignoram qualquer acontecimento anterior a 2000). E todo o filme traz um tom muito mais sóbrio e dramático. A ameaça de uma doença mortal transmitida pelo toque que pode se tornar uma pandemia, inclusive, é absoluta e perigosamente up to date.
Esqueça as perseguições mirabolantes, as fugas espetaculares. Elas agora são muito mais “pé no chão” e, por isso mesmo, Sem Tempo Para Morrer pode decepcionar os fãs de saltos de aviões, perseguições aéreas e explosões infindáveis. Este Bond está cansado de conflito físico. Suas perseguições de carro, por exemplo, são muito mais “cruas” e nem por isso menos impressionantes.
Como não poderia deixar de ser, o longa nos leva para cenários idílicos e pitorescos: de uma vila esculpida na rocha na Itália a uma cidade em Cuba, a viagem ao lado de Bond é deliciosa e perigosa. As mulheres também estão ali ainda, mas, em vez de meras coadjuvantes, são suas aliadas. Atiram, batem, matam assim como ele. E aqui o elenco faz bonito (em todos os sentidos): Léa Seydoux, Ana de Armas e Lashana Lynch dão um show à parte. (FJ)
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Quase 60 anos após o lançamento do filme inaugural da franquia James Bond chegamos à 25ª aventura oficial do agente secreto de sua majestade. Pronto desde o final de 2019, deveria ter sido lançado em abril do ano passado, mas a pandemia atrasou a estreia em quase dezoito meses. O filme é dirigido pelo americano Cary Joji Fukunaga, responsável pela primeira temporada da série True Detective, também autor do roteiro, junto com Neal Purvis, Robert Wade e Phoebe Waller-Bridge.
Ao longo desse período de seis décadas tivemos seis intérpretes do espião da MI6 e em 007: Sem Tempo Para Morrer (No Time To Die, Reino Unido/EUA, 2021 – Universal Pictures) o ator Daniel Craig, após 15 anos à frente desse icônico papel em cinco filmes, se despede da personagem. O novo filme começa logo depois dos eventos de 007 Contra Spectre, de 2015. Bond está aposentado e vivendo na Jamaica até ser procurado por Felix Leiter (Jeffrey Wright), seu amigo da CIA. Uma série de eventos o coloca novamente na mira da Spectre e de um novo e misterioso inimigo, Safin (Rami Malek).
Assim como em Skyfall, de 2012, Sem Tempo Para Morrer explora aspectos da vida pessoal do agente. O mais interessante nesses cinco filmes de Bond estrelados por Daniel Craig é a forma como os produtores e roteiristas desenvolveram uma cronologia própria que tem início em Casino Royale, de 2006; continua em Quantum Of Solace, de 2008; e passa pelos outros dois já citados. Craig continua bastante à vontade no papel. Sem exagero algum, pode ser considerado o melhor Bond de todos e é, desde já, o ator que por mais tempo deu vida ao herói.
Apesar de sua longa duração, o filme não perde o ritmo um segundo sequer e mantém nossa atenção do início ao fim. Confesso que até o momento Skyfall era meu 007 favorito da série. Agora posso dizer que ele está tecnicamente empatado com Sem Tempo Para Morrer. Por fim, uma nova personagem, vivida por Lashana Lynch, é apresentada e rende bons diálogos relativos aos zeros que designam a permissão para matar. (MM)
Comédia romântica sobre jovem casal da zona sul carioca esbarra em situações inverossímeis e atuações abaixo da média
Texto por Fábio Soares
Foto: H2O Filmes
Produzir entretenimento na pandemia não deve ser nada fácil. Produzir boas histórias, idem. E, em tempos de confinamento, até que não é tão difícil bolar uma boa história. não é mesmo? Pegue um cenário paradisíaco, um jovem casal da zona sul carioca, tempere com situações inusitadas, um final feliz… Assim terás a comedia romântica perfeita, certo?
ERRADO! A proposta de Um Casal Inseparável (Brasil, 2021 – H2O Films), pode até ser boa mas seu desenrolar é permeado por tantas situações inverossímeis que sua defesa torna-se algo impraticável. No papel de Manuela, Nathalia Dill encarna uma temperamental professora de vôlei, que não leva desaforo pra casa e que atropelará o mundo inteiro, se necessário, em prol de seus ideais. Já o comediante Marcos Veras interpreta Léo, um romântico médico pediatra que apaixona-se à primeira vista por Manuela e, a partir daí, iniciará uma quase impossível missão em conquistá-la. O “fator comédia” está presente em muitos momentos, fato, mas a inverossimilhança (olha ela aí de novo!) é tão imediata quanto surreal. No papel de Esther, mãe de Manuela, Totia Meireles assume o papel de sogra e fiel escudeira de Léo na tentativa de reunir o casal após suposta traição do pediatra. Inicia-se, então, uma sucessão de acontecimentos ininteligíveis e difíceis de engolir, passando pela compra de um apartamento por Léo, uma unidade imediatamente germinada ao de Manuela sem que ambos saibam.
O roteiro de George Moura e do diretor Sergio Goldemberg pinta um Rio de Janeiro quase sem problemas em pleno 2021, mesmo sabendo-se que a aura de “Cidade Maravilhosa” é quase impossível nos dias atuais. Mas não é só o roteiro que é fraco, com situações inverossímeis. As atuações do elenco estão abaixo da média e o final é para lá de previsível. Após noventa minutos, a sensação que fica é que este tal “casal Inseparável” é como qualquer um outro. E quer saber? Nem é tão inseparável assim…
Por isso esta longa não passa de uma nota 8… numa escala de 0 a 100.
Christoph Waltz acerta em sua estreia na direção ao dar uma demonstração na prática como tornar mentiras convincentes
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Paris Filmes/Divulgação
Filme de estreia de Christoph Waltz na cadeira de diretor de cinema, Georgetown (EUA/Áustria, 2021 – Paris FIlmes) retrata a história de um, se muito, anti-herói – também interpretado por Waltz, ator imortalizado como o personagem Hans Landa, de Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino. Aqui, ele é Ulrich Mott, um diplomata de sua própria ONG financiado – e tutorado – pela esposa Elsa Breht (Vanessa Redgrave). Quando ela, já com seus 91 anos, é encontrada morta em seu apartamento, o também general de brigada do exército iraquiano é considerado o principal suspeito. Começam, então, as investigações sobre o passado de Mott.
O filme é escrito por David Auburn e inspirado livremente em um artigo jornalístico sobre uma história real bem similar a esta. Em seu roteiro, bem como na mise en scène de Waltz, o longa-metragem convida o espectador ao ceticismo a todo momento, ilustrando de maneira muito bem-humorada o conceito de pós-verdade. Somos constantemente apresentados a exageros, narrativas falaciosas e mentiras descaradas, que são a fundação dos feitos de Mott. Nessa teia de dúvidas, Waltz imprime um protagonista muito carismático, que encontra tamanho eco na química com Breht que assistimos suas manobras com entusiasmo e, por vezes, esquecemos sua suspeição.
A arquitetura sutil das mentiras (ou pós-verdades) de Mott é confrontada com igual delicadeza – seus dois “antagonistas”, a enteada Amanda (Annette Bening) e o advogado Volker (Corey Hawkins), tratam-no de maneiras muito distintas, mas nunca recebemos diálogos condescendentes. Quando interagem entre si, prova-se como a figura de Ulrich é capaz de suscitar questionamentos a qualquer um, a todo momento.
Em seu longa de estreia, Waltz não brilha com um formalismo ímpar, quadros e movimentos dinâmicos ou um maneirismo que salta os olhos. Pelo contrário, sua abordagem à mise en scène é, por vezes, convencional, restando à montagem das sequências, construída por Brett M. Reed, o frescor do novo diretor. Ele demonstra cada passo de seu personagem rumo ao sucesso político com foco naquilo que costuma cair nas salas de edição. A elipse criada por sua direção omite, precisamente, nos diálogos mirabolantes e argumentos que Mott usou para receber o dinheiro de George Soros, Robert McNamara e afins. Waltz se interessa em mostrar-nos o nervosismo da cozinha durante um jantar, até mesmo o papo nervoso com a secretária antes de uma reunião.
Georgetown apresenta momentos brilhantes de demonstração prática de como se constroem as mentiras convincentes, especialmente em meio político. Contudo, para uma análise frutífera de sua construção de linguagem, são necessários muitos spoilers, o que torna esse caminho textual inviável aqui. No entanto, à medida que se acostuma com a imprevisibilidade, é possível enxergar padrões narrativos tornando a história previsível. Se no começo Georgetown prende o público com redes bem amarradas de versões (verdadeiras ou não), seu arco é concluído com cartas que já víamos antes de expostas e um ritmo aquém dos minutos iniciais.
Quarteto encerra hiato de sete anos sem lançar disco e propõe uma guinada sonora rumo ao pop com as dez faixas de O Negócio é o Seguinte
Texto escrito e organizado por Antonio Carlos Florenzano
Foto: Isabella Mariana/Divulgação
O negócio é o seguinte: acabou hoje a longa espera de sete anos por um novo disco do Charme Chulo. Nesta terça-feira, dia 14 de setembro (na verdade, o dia habitual de lançamentos fonográficos é sempre uma sexta-feira, mas reza a lenda que a banda não quis ficar vinculada ao 17 e à sua maldição recente na História do Brasil!) chegam às plataformas as dez faixas que compõem o quarto álbum da banda curitibana curiosamente batizado… O Negócio é o Seguinte. O novo trabalho indica uma grande guinada rumo ao pop, ao contrário do anterior, o duplo Crucificados Pelo Sistema Bruto (2014), no qual o apontamento para uma sonoridade bem difusa e multifacetada como uma espécie de grito primal para exorcizar todos os perrengues e dificuldades que quase puseram um ponto final na trajetória do quarteto nos anos anteriores.
Em O Negócio é o Seguinte (independente), a linha condutora suaviza tudo – sem descaracterizar, porém, a precisa fusão entre o pós-punk e o rock caipira que norteia a banda desde a sua fundação, em 2003 – e injeta um esmero maior na hora de burilar os arranjos vocais, as bases instrumentais e as linhas melódicas. Também pode ser vista como um resultado da maior maturidade autoral da dupla de compositores – os fundadores, primos e vocalistas Igor Filus e Leandro Delmonico (também responsável pelas guitarras, violões e violas) – durante todo este hiato. Neste longo período, vale ressaltar, Igor, Leandro, o baixista Hudson Antunes e o baterista Douglas Vicente passaram a se dedicar também a outras atividades extramusicais (mesmo porque sobreviver apenas de rock no mercado musical brasileiro é uma tarefa hercúlea e quase impossível), viu os filhos nascerem e crescerem, aproveitaram o tempo para restartar a banda.
Afinal, em quase vinte anos de trajetória muita coisa mudou. Não apenas os integrantes, as suas vidas, mas também o mercado musical. Daqueles garotos que, como muitos outros, amavam o Morrissey e o Trio Parada Dura (mas não necessariamente ao mesmo tempo) e no fim da adolescência resolveram montar uma banda, muita coisa se transformou e hoje, na casa dos quarenta anos (ou próximo dela), eles fazem uma revisão do passado sem deixar de continuar olhando e seguindo em frente. Os mesmos, porém diferentes. E a principal diferença é que desta vez quem assumiu a frente nas composições assinadas pela dupla foi Delmonico, que compôs a maior parte das letras, melodias e bases harmônicas. Igor, agora, ficou mais restrito à condição de “intérprete”, embora todas as decisões sobre a finalização de versos, tons e arranjos sejam tomadas em dupla. Leandro, mais próximo do pop e estudioso autodidata da estrutura de canções populares, é o comandante desta transição e chega, pela primeira vez, a assumir os vocais principais em uma faixa.
É exatamente destas mudanças que trata O Negócio é o Seguinte. Dez músicas novas que mantém o pezinho ali no pós-punk e a alma encharcada na caipirice mas arem o leque da diversidade sonora apontando para novos caminhos que, ao contrário da louca e desvairada profusão do disco anterior, aqui há uma espinha dorsal mais pop, formada por uma abençoada conjunção de melodias grudentas e maior aproximação com a música popular brasileira, indo do tecnobrega paraense à carioquíssima bossa nova. Já nas letras, a ironia rock’n’roll permanece bastante equilibrada naquele blend bem charme chulo com a veia sacana a la Dalton Trevisan. Os alvos da vez agora são a alta sociedade curitibana, o gabinete bolsominion do ódio, a depressão espalhada pelo mundo, a vaidade das redes sociais, o começo da banda que nunca mais voltará.
A pedido do Mondo Bacana, Leandro e Igor dissecam todas as novas músicas abaixo e ainda comentam detalhes e curiosidades sobre as gravações e os conceitos por trás do título e da capa do novo álbum, que pode ser escutado logo abaixo.
FAIXA A FAIXA
NOME DO DISCO
Leandro: “O batismo segue algo muito recorrente na banda: criamos os títulos antes das músicas e dos álbuns. Foi assim com Nova Onda Caipira (2009) e Crucificados Pelo Sistema Bruto (2014). “O negócio é o seguinte” era uma expressão muito utilizada pelo meu pai. Eu a achava engraçada e pretensiosa. Como o disco é bem pop, fizemos um trocadilho com a coisa do business, o negócio. Algo do tipo “está aí o disco pra você ouvir”. Mas pode ser também uma falsa expectativa , já que o ‘negócio’ nem pode ser grande coisa (risos)… São expressões brasileiras que adoramos, né?”
A CAPA
Leandro: “A ideia partiu do Carlos Bauer, designer do disco e de uma das camisetas da campanha de crowdfundingfeita para ele. É uma miniatura de um bar. Tem poucos centímetros. Essas miniaturas são utilizadas em ferrorama, são coisa de colecionador.”
BASTIDORES DA GRAVAÇÃO
Leandro: “A pré-produção e as gravações ocorreram entre dezembro de 2020 e março de 2021 no estúdio Arnica, em Curitiba. A escolha partiu do produtor, Rodrigo Lemos (que já tocou em bandas curitibanas como Poléxia, Lemoskine e A Banda Mais Bonita da Cidade), que já trabalha há um certo tempo com o estúdio. Ele já havia contribuído com parte da produção de Crucificados Pelo Sistema Bruto (2014), mas em O Negócio é o Seguinte ele assina sozinho a produção do álbum inteiro, tendo uma participação fundamental na evolução da sonoridade. A maioria das músicas teve pouco tempo de amadurecimento, pois foram compostas poucos meses antes de entrarmos em estúdio. Portanto, tivemos que ajustar várias coisas com o Lemos.”
NEM A SAUDADE
Leandro: “Esta sempre esteve entre as mais cotadas para o posto de single de disco. Foi a música que mais chamou a atenção do Lemos no início do processo. Ele cortou a introdução (que virou o solo de saxofone) e deu mais urgência para a canção. Nos incomodava o fato dela ser muito curta e objetiva, mas com o tempo nos conformamos com isso. O refrão é realmente o grande recado dela.”
Igor: “Como evolução musical, considero a melhor composição feita pela banda. Sertanejo clássico com indie rock, nada mais Charme Chulo. Muitas histórias, muita saudade, dos amigos e amigas que fizemos na longa estrada da banda, já com quase 20 anos.”
Leandro: “Uma das nossas buscas foi equilibrar o clima saudoso daquele sertanejo clássico presente em canções singelas como ‘A Majestade, o Sabiá’ ou ‘Tocando em Frente’ com uma base roqueira. É quase, parafraseando o D2, a nossa ‘à procura do rock sertanejo perfeito’ (risos). A letra, enxuta e objetiva, versa sobre voltar ao passado e não se identificar mais com aquilo.”
TUDO QUÍMICA
Leandro: “Única composição majoritária do Igor no disco. Não passou por muitas mudanças durante o processo de pré-produção, mas ganhou em sofisticação com os arranjos do Lemos. Uma das canções que mais cresceram em estúdio. O final ficou bem grandioso com a repetição do verso “não, não me leve a mal…”
Igor: “Leandro, mentor do álbum, deu a pinta com a melodia e letra da introdução e eu uni ao um velho riff, da melodia do refrão. Bingo! A letra foi a única coisa que praticamente teve minha iniciativa no disco (fui muito mais um interprete do que letrista desta vez!) e novamente inspirada em uma conversa com o amigo Leonardo Scholz (vocalista do grupo Leis do Avesso) sobre como as pessoas hoje em dia só são tristes se querem, dada a quantidade de remédios, tratamentos, terapias e diagnósticos que existem. Então todas as músicas são felizes, coloridas, agradáveis. Essa coisa de dark, de romantismo, do desajuste, é absolutamente ultrapassado e ingênuo.”
Leandro: “A grande composição do Igor no disco, o que explica a pegada pós-punk, tão presente no começo da banda. Certamente estará entre as músicas de trabalho, principalmente por agradar aos fãs mais antigos. Destaco o trabalho do Rodrigo Lemos na produção, que soube potencializar todo esse sentimento. Um belo dia cheguei pro Igor e mostrei à introdução que eu tinha bolado… ‘Não, não me leve a mal, só vem sem pressão’… Ele pegou aquilo e transformou nesse pequeno monstro!”
FEIO FAVORITO
Leandro: “Quem ouve essa faixa não imagina o trabalho que tivemos para arredondá-la. Quase utilizamos três tempos diferentes no registro, mas conseguimos encontrar um equilibro no final. Passou por mudança de tom na voz e ganhou alguns reforços percussivos também. Gostamos muito da letra e da proposta da música e sempre a consideramos um dos carros chefes do disco. No entanto, achei-a um tanto quanto ousada para ser música de trabalho.”
Igor: “Imagem forte, humor ácido, musicalidade perigosa, referências ousadas, brincando sem medo na linha tênue do gosto duvidoso. E tudo isso é apenas Charme Chulo. Estamos em casa: entre e sinta-se à vontade!”
Leandro: “A música mais complexa do disco, que deu mais trabalho, certamente. Buscamos misturar nossa caipirice ao pop e ao ragga. O riff de guitarra busca imitar um acordeon e foi o primeiro instrumental que compus para o disco. No entanto, sua origem era mais country rock. Com a temática da letra – um pequeno manifesto sobre os dilemas de quem sofre com o massacre vaidoso das redes sociais – buscamos um ar mais dançante e divertido.”
VOCÊ NUNCA IRÁ DANÇAR COMIGO
Leandro: “Do jeito que veio ficou. Precisamos ajustar o tom para adequar o jogo de vozes mas ela sempre foi bastante objetiva, lembrando coisas do Sistema Bruto. O grande charme foi a adição da sanfona, que deu um balanço todo especial pro som.”
Igor: “Mais uma letra esplêndida do parceiro Delmonico, também entre as melhores já feitas, de tirar o fôlego. Cavalo chucro em grande estilo! Entra fritando o pinhão! Explosão de refrão! Cozinha de Douglas e Hudson estonteante. Bem brasileira, bem atual para o nosso som, saboreando até um forrozão, mas sertanejo até a medula. E sabe o que é engraçado? O sanfoneiro do rolê, Diego Kovalski, vem gravar com a gente e ainda diz: ‘como vocês conseguem fazer esse sertanejo durão, dá pra ver que vocês são do rock. Obaaaaa!!! Deu tudo certo!”
Leandro: “Foi a primeira música deste álbum. Hoje percebemos que ela tem um pouco do clima ácido do nosso último disco Crucificados Pelo Sistema Bruto. Trata, com bastante ironia, do exibicionismo das redes sociais. Por se tratar de um modão dançante, achei que uma história de amor não correspondido poderia cair bem.”
RABO DE FOGUETE
Leandro: “Sempre botei muita fé nela como música de trabalho. Nesse ponto, Lemos foi fundamental. Ele conseguiu adicionar elementos do tecnobrega à faixa, fazendo com que ela ganhasse aquela pegada típica do Pará. O take do Igor de voz foi muito emocionante, daquelas músicas que a gente grava quase que de primeira. As guitarras funcionaram e chegue a cogitar um feat com algum cantor do Pará, mas achamos melhor esperar…”
Igor: “Na verdade eu sou o ‘amigo’ da letra, mas a emoção na hora de cantar é toda minha: “É cada bucha, rapaz!” A vida dá umas viradas, às vezes no meio do processo. A arte é o dia a dia e é pura profecia. Certeira desde o dia em que a ouvi pela primeira vez, no dia em que faleceu Moraes Moreira.”
Leandro: “Esta faixa acabou se tornando um símbolo da nossa evolução musical. Ela flerta bastante com o novo pop produzido no Brasil. O Charme Chulo sempre se apropriou da brasilidade pela música caipira, no entanto, resolvemos flertar um pouco com o clima dançante do norte e nordeste do país, fomos beber na pegada de artistas como Jaloo e Duda Beat. A letra, bastante influenciada pelo mestre Dalton Trevisan, acabou combinado bastante com o instrumental.”
QUANDO NÃO DEPENDE DA GENTE
Leandro: “Se depender da audição dos fãs apoiadores, que tiveram acesso antecipado ao disco, esta é a maior surpresa do álbum. Uma faixa lenta e existencial para dividir o disco ao meio, que acabou ganhando em sofisticação nos arranjos. Várias pessoas a destacaram na primeira audição. Ficou bem tocante mesmo.”
Igor: “Respiro do disco, sem ser menor. Ponto alto é a mixagem de vozes inusitada para o padrão do Charme Chulo, onde as duas vozes, estão no mesmo volume, cantadas em uníssono, vislumbrando novos caminhos. Ao melhor estilo do produtor do disco, parceiro de profunda sensibilidade, conhecimento e admiração pela banda e profissionalismo, Rodrigo Lemos.”
Leandro: “Compor pensando no conceito do disco é algo imprescindível pra gente. Precisávamos de uma balada para dividir o lado A e o lado B do álbum. Esta música surpreendeu bastante, pois conseguimos levar a viola caipira para um lado bem sofisticado. Nos influenciamos por Kings of Convenience. Acho que é a primeira vez que o Charme Chulo chega perto de um clima mais bossa nova.”
BALANÇO QUALQUER
Leandro: “Surgiu de um riff teimoso que fiz há um bom tempo e se tornou um dos singles do disco. Colocamos toda a influência do lado pop nela. Foster The People, Blur e um toque caipira na letra. No estúdio, o grande trabalho foi ajustar o groove da faixa. Lemos abusou dos efeitos eletrônicos.
Igor: “A vitória dos sabores e efeitos eletrônicos precisos do disco, com formato de canção rock sessentista, deixando o pop mais puro falar alto. Possivelmente a quarta música de trabalho.”
Leandro: “Uma das minhas letras favoritas. A canção fala sobre os dilemas da vida adulta, sobre aceitar que não dá mais pra exagerar nas coisas. O verso ‘Nego dinheiro e advogado para ser feliz’ diz muito sobre o clima da classe média alta curitibana, onde tudo se resolve com um bom advogado (risos). O riff é bastante influenciado por bandas como Phoenix e Two Door Cinema Club. Acho que uma das minhas maiores influencias no Charme Chulo é o lado dançante. Meus instrumentais acabam puxando bastante pra isso.”
EU NÃO SEI AMAR
Leandro: “Quase morri para gravar esta viola! Foi a primeira canção que gravei no estúdio. Gosto muito do instrumental (riff e solo). É uma música que acaba surpreendendo a galera também, por ser grudenta e caipira. Minha grande intenção é usá-la para dar um dinamismo ao vivo: o famoso momento em que o vocalista sai do palco.”
Igor: “A viola volta com tudo, na primeira vez em que Delmonico aparece em vocal principal franco e desafetado, abrindo o peito na malemolência gauderio-caipiro-paraguaio da música, de letra quase pueril. Agrega de maneira emocionante, trazendo um outro colorido de vozes para o repertório e ordem do álbum.”
Leandro: “Outra música que surgiu a partir de um conceito. Eu andava com vontade de compor uma música que privilegiasse o instrumental, podendo utilizar ela nos shows para dar um ‘descanso’ pro Igor. No entanto, a canção acabou ganhando uma letra singela e um refrão que não sai da camisa. Tenho muito orgulho do instrumental de viola e continuo achando que será uma ótima música para tocar nos shows. A solução foi assumir os vocais. Outro marco, pois é a primeira faixa que canto inteira no Charme Chulo.”
PERDIDOS NA BAGACEIRA
Leandro: “O grande sentido desta música é a letra. Quanto ao instrumental, destaco a utilização de um banjo no solo e o fato da gente dividir o vocal novamente, como em outras faixas. Eu alterei a ordem dela no disco. Ela entraria um pouco antes, mas achei que ajuda no desfecho, com um recado político e tal.”
Igor: “Outra letra primorosa de Leandro, escancarando com categoria a situação esbagaçada do Estado que não é nação, maturidade no falso lado B do curto álbum, com uma musicalidade mais clássica, a agradar os fãs mais antigos.”
Leandro: “Precisávamos falar sobre o momento político do Brasil, mesmo que isso não combinasse tanto com o clima do disco. Nesse ponto acabei sendo mais passional. Aliás, cheguei a brigar com a família. Como nossa base musical veio do punk rock também, impossível não meter a boca nesse clima de ódio. Obviamente fazemos isso de um jeito Charme Chulo. O que sinto hoje é que realmente estamos perdidos numa bagaceira e que iremos demorar pra recuperar um clima maduro no Brasil.”
MAIS ALÉM
Leandro: “Acho que conseguimos bolar uma versão razoável de disco pra ela. É complicado competir com a gravação original e os vocais do Tuyo. Precisávamos de um arranjo novo, que combinasse com a banda. Eu e Lemos ficamos algumas horas no estúdio criando uma pegada de baixo e bateria, que remete a Arcade Fire e Beach Boys. Ela acabou conversando bastante com outras faixas mais dançantes e eletrônicas do disco. Fecha bem.”
Igor: “Perfeita como fechamento, a nova versão foi bolada dentro da esteira da produção do álbum, para tentar aproveitar essa importante canção da banda, a fim de que pudesse ser tocada ao vivo, na quase impossível tarefa de resguardar a versão single de 2018, com participação especial do Tuyo.”
Leandro: “A dúvida sobre regravar ou não esta música durou até o início das gravações. A versão com o Tuyo, gravada ao vivo em 2018, é muito marcante. Mas não tem como competir com o poderio vocal das meninas, ainda mais ao vivo. Nossa ideia foi trazer a música para um universo mais indie. Criei o arranjo novo com o Rodrigo Lemos no estúdio. As pessoas que já puderam ouvir gostaram bastante do resultado final. Acho que ela não poderia ficar de fora e fecha muito bem o disco.”
Comediante de stand up usa esquetes musicais para aproximar a audiência de seu humor temático em tempos de isolamento social
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Netflix/Divulgação
O boom de popularidade da Netflix trouxe consigo maior atenção a um gênero específico de comédia: o especial de stand up comedy. De Dave Chappelle e Louis C.K. a Adam Sandler e até o dadaísta do século 21 Eric Andre, a lista de atrações do tipo nas plataformas de streaming aumenta a cada dia. Entre esses nomes, desponta o de Bo Burnham, comediante e ator cujo último especial datava de 2016, mas lança o introspectivo e inovador Inside acabando com seu hiato nos “palcos”.
Bo Burnham: Inside (EUA, 2021 – Netflix) é um longa-metragem especialmente pandêmico – dirigido, gravado e editado pelo próprio comediante em isolamento, ao mesmo tempo que aborda temas profundamente pessoais que, de uma forma ou outra, todo espectador teve de lidar em algum momento da pandemia de covid-19. Ao acostumar-se com o modelo de produção e desenvolver sua linguagem, o filme se torna melhor à medida que avança.
De um experimentalismo ímpar às produções de comédia da Netflix, o filme aceita sua condição de “banda de um homem só” e dá asas à criatividade com pouco mais de um projetor, uns painéis de luz e um estrobo. O humor fortemente musical de seu protagonista parte do tradicional esquema de voz, piano e risadas de fundo a uma produção musical completa e rica. Cada canção é um videoclipe único em estilo e, ao mesmo tempo que distinto em relação aos demais, capaz de formar coesão entre as seções do longa-metragem.
Contudo, a fórmula de Burnham para a realização de cada esquete musical é bastante repetitiva. Toma-se consciência do fluxo de edição do comediante já nas primeiras frações de Inside, o que empaca sua primeira metade consideravelmente – ainda mais àqueles que não nutrem interesse particular em stand up musical. Se esse esquecível início do especial mira em temas contundentes com o cenário político-racial dos Estados Unidos e as adaptações de convivência no início da pandemia, o panorama finalmente muda quando Bo mira em assuntos mais pessoais. A qualidade acompanha positivamente essa mudança.
O trunfo de Bo Burnham: Inside está, justamente, em aliar a mudança formal de um especial de comédia com um intenso intimismo temático. Qualquer um que sofreu com o isolamento em algum momento da pandemia encontra nas canções um espelho de sua própria inércia. O comediante também propõe uma coesão temática maior – o escurecimento dos quadros, as interseções com conteúdos amplamente consumidos na internet, reflexões sobre seu papel nas vidas contemporâneas e autorreflexões profundas definem o tom do restante da obra. Tudo presente no texto, nas piadas de fato, e na linguagem, com fotografia e montagem sempre de acordo com o discurso explorado.
Bo inicia seu Inside questionando a si mesmo: seria esse o momento para fazer piadas? Se a primeira parcela de seu longa-metragem é, de fato, a tentativa de “curar o mundo com a comédia”, como propõe, a consequência é a aceitação da impossibilidade da tarefa, o encarar o abismo e, depois de muito tempo, perceber que ele devolve um humor que beira o deprimente. Por isso, talvez, seja tão capaz de conversar com a audiência.