Com Elizabeth Moss atuando ao lado de Wagner Moura, nova série já está sendo considerada a grande obra das produções atuais da linha true crime

Texto por Taís Zago
Foto: Apple TV+/Divulgação
A nova série do streaming da maçã é uma adaptação do thriller literário publicado em 2013 e escrito pela sul-africana Lauren Beukes. E falar isso já é quase um spoiler para os mais atentos. A dificuldade maior aqui é exatamente resenhar decentemente uma obra, que de tão genial, não permite entregar quase nenhum fato de seu enredo sem estragar a experiência.
Iluminadas (Shining Girls, 2022 – Apple TV+) inicia como um true crime bastante tradicional: no ano de 1964 um sujeito com cara de psicopata aborda uma menina na frente de sua casa. Imediatamente soam os nossos alarmes de que um processo de grooming parece estar em andamento. Pelo comportamento desconfiado da menina, a investida parece ter sido infrutífera. Porém, o assediador não se mostra decepcionado com o resultado. Nós, espectadores, já ficamos com a pulga atrás da orelha.
Num pulo para 1992 – e aqui mais uma vez temos os anos 1990 como a grande tendência da escolha temporal nas produções atuais – reencontramos a menina Kirby, interpretada por Elisabeth Moss, e o abusador Harper Curtis, incorporado por Jamie Bell. Harper parece seguir seu longo caminho de abusador perseguindo e stalkeando possíveis vítimas, agora mulheres adultas. Já Kirby é apresentada como uma moça tímida e reservada que trabalha no arquivo do jornal Chicago Tribune – atividade, aparentemente, bastante protocolar e entediante. Ela parece viver com a mãe, Rachel (Amy Brenneman) uma espécie de Patty Smith noventista que vive da música. Kirby cuida da mãe, os papeis são invertidos. Ela também luta para superar as sequelas de um ataque que sofrera há seis anos, que quase custou sua vida e a deixou com uma aparente síndrome de estresse pós-traumático.
Até aqui não temos absolutamente nada de novo – todas as situações parecem a praxe em um drama ou suspense. Mas as aparências nos enganam e logo somos jogados em um espiral de situações que tiram o chão. A realidade de Kirby não tem nada de rotineira e monótona. Bem pelo contrário: no melhor estilo Russian Doll (série da Netflix), os acontecimentos se atropelam, os cortes temporais nos atordoam, as realidades se misturam e a cada cinco minutos parece que estamos diante de personagens diferentes em uma outra série. A confusão mental da protagonista vira a nossa confusão. Estamos perdidos dentro da história e assim continuaremos por um bom tempo. Isso faz de Iluminadas uma obra bastante difícil de ser acompanhada e que definitivamente não é daquelas que podemos assistir enquanto mexemos no celular ou com burburinho ao redor. É o tipo de obra que devoramos para que ela não nos devore.
Como se todos os lapsos e esquecimentos de Kirby não fossem suficientes para armar a bagunça, ela ainda encontra o seu perfeito parceiro de investigação no jornalista Dan, brilhantemente interpretado por Wagner Moura – com direito a diálogos em português e camiseta dos Mutantes. Dan é um pai solteiro com problema de alcoolismo e carreira fracassada dentro do jornal. Juntos, eles tentam descobrir a identidade do agressor de Kirby, e, aparentemente, de outras vítimas ignoradas pela policia local.
A química entre o trio Bell, Moura e Moss é sensacional. Resulta em um suspense/terror de primeira qualidade e que não economiza em detalhes bizarros, gore e excentricidades. O trabalho é minucioso, desde a caracterização dos cenários de acordo com a época, como as instalações do jornal Chicago Tribune. Mas seria muito injusto não sublinhar aqui o talento fenomenal de Elisabeth Moss. A atriz torna seus todos os papeis que interpreta de uma forma tão natural que não é possível separá-la da personagem. Ela ofusca e toma todo o espaço nas cenas em que atua, sendo bastante difícil nos concentrarmos nos outros dois apesar de, justiça seja feita, também executarem suas funções com maestria.
Iluminadas já está sendo considerada a obra derradeira do true crime atual, deixando pouco espaço para criações originais que venham a ser produzidas a partir de agora. E eu concordo com essa afirmação. A produtora e roteirista Silka Luisa (também da série Halo, da Paramount+, também de 2022) injetou no projeto muito de sua visão feminina focando no oculto e na violência sem apelo sexual exagerado. E se Moss e Leonardo DiCaprio estão na lista dos produtores executivos, a qualidade está garantida, portanto. Está aí uma série para mergulhar, discutir e questionar. Daquelas que nós, fãs do gênero, amamos e torcemos para que haja mais temporadas.