Movies

Top Gun: Maverick

Reencontro com personagem de Tom Cruise tira o fôlego ao garantir experiência imersiva completa ao espectador

Texto por Carolina Genez

Foto: Paramount/Divulgação

Mais de 30 anos depois do lançamento do primeiro filme, reencontramos Pete “Maverick” Mitchell (Tom Cruise) trabalhando como um piloto de testes para a marinha e se recusando a subir de patente para não abrir mão do que mais gosta: voar. Contudo, é convocado novamente ao Top Gun, dessa vez como professor. Agora ele deve criar e treinar uma equipe perfeita, com os melhores dos melhores, para enfrentar uma missão impossível. Dentre seus alunos, um rosto já mais do que conhecido, Bradley “Rooster” Bradshaw (Miles Teller), filho do falecido melhor amigo Goose.

Continuações de filmes “solo” sempre são algo perigoso, ainda mais com uma diferença de décadas entre as duas obras. Mas Top Gun: Maverick (China/EUA, 2022 – Paramount) não só faz um ótimo trabalho como supera o original em diversos momentos. O novo longa traz um grande dilema na vida de Pete, o envelhecimento, já que, por conta dos avanços tecnológicos, no futuro não serão necessários pilotos de testes – assim sua atual posição na marinha está em risco. Além disso, assim como o original de 1986, Maverick continua com a mesma reputação, sendo extremamente teimoso e rebelde, o que dificulta conseguir qualquer outra posição. Assim, quando é convocado a pedido do almirante Tom “Iceman” Kazansky (Val Kilmer), não há outra opção senão aceitar treinar a equipe para o que parece ser uma missão suicida.

Ao contrário do anterior, o roteiro conta com uma história mais completa, não só para conseguir envolver o espectador mas também fazer sentido no contexto atual, em que o uso de pilotos de caça não são tão comuns assim. Traz ainda diversos elementos para os nostálgicos do primeiro filme, como as músicas, o filho de Goose (que tem uma personalidade que mescla a do pai e a de Maverick), o novo personagem Hangman (Glen Powell) funcionando como um jovem Iceman, o próprio Iceman como almirante da marinha (e que garante uma das mais emocionantes cenas da sequência) e o romance entre Pete e Penny (Jennifer Connelly). Este, apesar de ser novo para a narrativa da franquia Top Gun, lembra alguns pontos do relacionamento entre Maverick e Charlie (Kelly McGillis) na primeira história. E, claro, foca bastante em mostrar toda a culpa que o protagonista carrega pela morte do amigo e explora isso com perfeição através do relacionamento com Rooster. O roteiro também realiza um ótimo trabalho ao estabelecer desde o início a missão que os pilotos teriam de enfrentar. Isso não só gera um maior engajamento do público, já que é possível compreender perfeitamente o que os pilotos devem fazer, mas também faz com que os riscos, perigos e obstáculos pareçam mais reais, trazendo assim uma atmosfera recheada de tensão. 

Além da história melhor desenvolvida, Top Gun: Maverick se aproveita muito dos avanços tecnológicos, tanto nos aviões utilizados quanto na produção do filme. O longa é um verdadeiro espetáculo. Quando assistido na tecnologia Imax, que faz toda a diferença e garante uma imersão completa do espectador, passa a sensação de adrenalina sentida pelos pilotos e gera uma das mais maravilhosas experiências no cinema. Os movimentos de câmera também são impressionantes, acompanhando as aeronaves de maneira que o público consiga entender e aproveitar o que está acontecendo nos ares. As cenas aéreas, ainda, são maravilhosamente impecáveis, cheias de manobras e voos em alta velocidade com espírito ao estilo da destruição da Estrela da Morte em Star Wars – Uma Nova Esperança (1977). Além disso, a pedido de Tom Cruise, o uso de CGI e tela verde foi cortado: todos os close-ups nas cabines foram gravados durante sequências verdadeiras de voo, garantindo maior realismo. Para isso ser possível, o elenco teve de passar por extensivos treinamentos para suportar as demandas físicas durante os takes. A fotografia também se destaca com belíssimas imagens que apenas completam o show apresentado pelo longa. Completando a imersão, a sonoplastia é minuciosa ao trazer sons desde os mais simples e óbvios até os mais imperceptíveis, como os barulhos internos da cabine e o som dos jatos deslizando no ar.

As atuações também não deixam a desejar. Tom Cruise mais uma vez mostra que nasceu para o gênero de ação/aventura com uma performance muito natural e real. A realidade é que Maverick e Cruise formam par perfeito e o personagem é quase uma versão biográfica do ator, já que ambos gostam de testar o limite e, mesmo envelhecendo, não deixam de sempre dar seu máximo. Dessa forma, o papel de 2022, assim como em 1986, cai como uma luva para o ator, passando inclusive a sensação de que a diferença de 36 anos entre os dois filmes é inexistente. Também se destaca o de Miles Teller que, mesmo não sendo tão explorado quanto poderia, rapidamente consegue conquistar a empatia do público e garante grandes emoções no longa. O ator entrega atuação maravilhosa com um personagem que não só homenageia o de Anthony Edwards mas também tem personalidade própria. Além disso, é ele quem move o crescimento pessoal e amadurecimento de Maverick. O restante da equipe também possui atuação satisfatória. Como o próprio Hangman, que consegue trazer a essência do Iceman do filme antigo, e a nova personagem Phoenix (Monica Barbaro), que mesmo tendo pouco tempo de tela ainda garante momentos memoráveis sendo a única mulher ao pilotar aeronaves.

Top Gun: Maverick é um exemplo de continuação, não só respeitando o filme original, mas também aprimorando e melhorando diversos aspectos da narrativa. O filme é uma das mais incríveis e sensoriais experiências no cinema da atualidade, trazendo um tributo aos blockbusters e, principalmente, celebrando a figura de Tom Cruise.

Comics, Movies

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

Fantasia sombria dirigida por Sam Raimi alcança a proeza de ser uma das raras produções autorais do MCU

Texto por Andrizy Bento

Foto: Disney/Marvel/Divulgação

Certamente um dos personagens mais interessantes dos quadrinhos da Marvel, Doutor Estranho iniciou sua incursão cinematográfica em 2016, como protagonista de um longa eficiente, engenhoso e que, se não alcançava todo o seu potencial no quesito fantasia, pelo menos vislumbrava as instigantes e insanas possibilidades que o personagem poderia vir a explorar em aventuras futuras. Nele, Stephen Strange (Benedict Cumberbatch), um arrogante e milionário cirurgião, sofria um grave acidente de carro e rapidamente ia perdendo tudo o que considerava importante e essencial em sua vida: seu talento, sua profissão, seu dinheiro e seu amor. Recomeçava do zero, abrindo mão do ceticismo para explorar um caminho incerto e no qual jamais acreditaria existir antes de sofrer o acidente: o universo da magia.

Convertido em mago, Strange se reinventou – e não me refiro ao fato de se transformar em super-herói e lutar ao lado dos Vingadores. Reinventou-se como ser humano, conhecendo o valor do altruísmo e tendo ciência de que deveria estar disposto a correr riscos e enfrentar sacrifícios em busca de um bem maior. Tanto é que, em Vingadores: Guerra Infinita, ele é o responsável pela decisão que encerra o filme de maneira agridoce, mas que embasa todo o enredo do filme posterior, o megahit Vingadores: Ultimato.

E concluímos que Strange estava certo. Depois disso, continuando sua bem-sucedida carreira em outras mídias além das HQs, Estranho protagonizou um dos melhores, se não o melhor episódio da série animada What If…?, produção da Marvel Studios para o Disney+. O episódio serviu, dentre outras coisas, para atestar a sua posição em meio ao panteão de heróis que integra. Ele é, de longe, um dos personagens que mais possui conflitos internos, tanto com seu lado humano, quanto com o lado mago. Emblemático para uma companhia como a Marvel, que sempre explorou a dicotomia e os limites entre a humanidade e o super-heroísmo, entre a ciência e a magia.

Seis anos após estrear nas telonas, o Doutor Estranho finalmente ganha um segundo filme solo que não se dedica a ser apenas uma sequência do original ou uma aventura trivial de fim de semana. Mas, sim, um título que vai além da cartilha Marvel seguida por quase todas as outras produções solo do MCU, enveredando por gêneros que ainda não haviam sido trabalhados às obras da casa e apresentando easter eggs que não estão lá por puro fanservice, mas de modo a conectar de maneira orgânica e genuína os diversos elementos e narrativas espalhadas ao longo do universo estendido da Marvel – quecompreende não apenas os longas feitos para o cinema como também as produções televisivas. Isso sem contar as referências aos filmes realizados antes mesmo do início do MCU, levados às telas por outros estúdios e distribuídos por outras companhias, como a Sony e a Fox. Lógico que estou falando de um certo teioso, de uma galera de mutantes e de um grupo que se reúne no edifício Baxter…

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness, EUA, 2022 – Disney/Marvel) é uma fantasia sombria dirigida por Sam Raimi, o mesmo que marcou a vida de tantos marvetes com os filmes do Homem-Aranha produzidos pela Sony entre os anos de 2002 e 2007 e protagonizados por Tobey Maguire. Nesta trama, Strange acorda de um pesadelo que soa muito real e se prepara para um casamento. Em um incidente durante a cerimônia, descobre que a figura que permeia seu pesadelo existe em sua realidade.

America Chavez (Xochitl Gomez) é uma adolescente que possui a estranha habilidade de viajar por multiversos, acessando diferentes realidades por meio de portais. Contudo, o poder somente se manifesta quando America se vê em uma situação de risco iminente, como se o medo fosse o catalisador para o despertar de sua habilidade. Strange decide procurar a ajuda de alguém que entende de multiversos para auxiliar a garota, a reclusa Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), que ainda não se curou completamente do luto após a perda de sua família. O que Strange nem poderia desconfiar é que a grande antagonista de seu pesadelo é a própria Wanda, que pretende roubar os poderes de America a fim de recuperar o que a sua realidade lhe roubou, acessando um universo em que ela vive feliz ao lado de seus filhos.

Como uma fã que aprecia os filmes do MCU e se diverte assistindo a eles no cinema (e ao mesmo tempo reclama e sente falta de um diretor que imprima seu estilo e assinatura nas produções), digo que o Estranho não podia estar em melhores mãos. Raimi faz um trabalho bem satisfatório, flerta com elementos de terror – lembrando que o cineasta tem uma vasta e excelente experiência com produções do gênero, coroadas com aquela deliciosa aura de filmes B – e compõe sequências de ação vertiginosas amparadas por um CGI respeitável e eficiente. O resultado é um filme tão deslumbrante quanto aterrorizante, que sabe dosar de maneira genuína humor, drama, ação e suspense. Óbvio que aqui e ali a gente consegue enxergar as impressões digitais de produtor Kevin Feige, presidente da Marvel Studios, mas não dá para remover a autoridade de um cineasta tão criativo e dono de suas narrativas como Raimi.

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura se destaca como um dos raros filmes autorais do Universo Cinematográfico da Marvel. Ok, talvez, a colocação seja um pouco exagerada. Entretanto, é, de fato, um sopro de alívio ver um filme da casa onde a assinatura do diretor fica tão evidente, distanciando completamente o longa daquilo que chamamos de “filme de produtor” e que é um termo tão comum quando se trata de Marvel Studios. Dá para curtir a história  sem ter assistido a todas as produções que os fãs, energicamente, se dispuseram a elencar em fóruns e redes sociais, alegando ser imperativo conferir todas elas antes de se aventurar pelo Multiverso da Loucura? Lógico que dá. O longa funciona independente disso. Claro que se você ao menos conhecer previamente alguns dos elementos abordados aqui, a sessão será mais divertida. E se você tiver, de fato, assistido às outras produções, a experiência se torna ainda mais rica e gratificante – pois é uma delícia pescar as referências quando elas fazem sentido no todo, não tendo sido incluídas no roteiro apenas para agradar aos fãs. Porém, não se preocupe. Há diálogos e cenas expositivas o suficiente que elucidam o que é, por exemplo, o Darkhold e quais são as motivações de Wanda Maximoff, aqui definitivamente uma Feiticeira Escarlate.

Em um clímax quase constante, contando com participações especialíssimas capazes de deixar os fãs do Universo Marvel agitados e mal se contendo na poltrona do cinema (mais a trilha sonora deliciosa de Danny Elfman), Doutor Estranho no Multiverso da Loucura ainda apresenta montagem assertiva, efeitos exuberantes e uma maquiagem digna de nota. Conta com momentos assustadores, mas ainda assim é indicado para todos os públicos. Eis o toque de gênio de Sam Raimi, que incorporou ao longa do Estranho toda a sua expertise em cinema de terror e suspense, além da experiência acumulada na direção de filmes de super-heróis de teor mais familiar e emblemáticos de uma geração.

Cenas bizarras dividem espaço na tela com arcos de redenção típicos de cinema de entretenimento. Sequências de ação pirotécnicas são inseridas em uma narrativa que foca especialmente na evolução dos personagens, por quem diretor e o roteirista, Michael Waldron, parecem nutrir um imenso carinho. Raimi, aqui, é o verdadeiro mago. Sem subestimar a inteligência do público, contando uma boa história, dispondo de toda a galeria de recursos que o gigante estúdio generosamente oferece, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é uma produção deliciosa que respeita os marvetes e os fãs de entretenimento cinematográfico de qualidade.