Music

Silva

Cantor capixaba transforma em disco seu show formado por resgate de clássicos da axé music baiana

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Texto por Janaina Monteiro

Foto: Breno Galtier/Divulgação

O músico Silva é do Espírito Santo, mas tem um pezinho no estado vizinho, a Bahia, que gerou um dos ritmos mais genuinamente brasileiros, o axé. Pertencente a uma geração que cresceu embalada por hits de Banda Eva, Banda Mel, Banda Beijo, Chiclete com Banana, Ara Ketu e Olodum, Silva não nega a baianidade nagô presente em seu estilo. Depois de lançar um tributo a Marisa Monte e o autoral Brasileiro, no qual flerta com vários ritmos, o cantor rodou o país com o show Bloco do Silva, cantando ao lado de nomes que brotaram do axé, como Daniela Mercury e Ivete Sangalo.

A apresentação em Vitória, sua terra natal, o projeto se transformou num álbum ao vivo, lançado pela Som Livre, traduzindo-se num tributo merecido a bandas que revelaram algumas das principais estrelas da música popular brasileira, principalmente vozes femininas.  Mais que um aquecimento para o próximo carnaval, o lançamento de Bloco do Silva dá um ar de nostalgia e serve como um resgate da maior festa popular brasileira, que hoje é uma mistura híbrida de funk com sertanejo e pagode em versões de axé.

O repertório com dezenove faixas foi escolhido entre as favoritas de Silva e nos remete àquele velho LP, CD ou K7 com as “melhores da axé music”. Bloco do Silva inicia com a “A Cor é Rosa”, uma evidente homenagem ao gênero, no melhor estilo Caetano Veloso e que foi composta para Brasileiro (lançado no fim do ano passado, este disco mostra um Silva que mergulha de cabeça na MPB, mesclando ritmos nativos, como bossa nova, sempre flertando com batidas eletrônicas).

Depois da abertura autoral, o cantor embala uma série de sucessos radiofônicos das décadas de 1980 e 1990. A Banda Eva surge com “Me Abraça”, “Beleza Rara” e “Alô Paixão”, este um dos primeiros hits da então quase irreconhecível Ivete Sangalo. Ara Ketu é representado com duas músicas: “Ara Ketu é Bom Demais” e “Mal Acostumada”. O axé mais raiz surge nas releituras de “Eu Também Quero Beijar”, lançada em 1981 pelo guitarrista Pepeu Gomes e “Toda Menina Baiana”, de Gilberto Gil. Dessa leva mais saudosista, Caetano é lembrado em “Não Enche”, “A Luz de Tieta” e “Meia Lua Inteira”. Esta última canção é de Carlinhos Brown, que na época (começo dos anos 1990) era percussionista dos shows de Caetano. Também há uma composição de outro Veloso, o filho Moreno, “Deusa do Amor”.

Silva também ressuscitou o Olodum e um pot-pourri com hits das bandas Mel e Beijo. Claro que também não poderiam faltar Chiclete Com Banana e Daniela Mercury. De novidade ainda há mais uma canção autoral que Silva gravou com a cantora pop Anitta – que, aliás, fica bem melhor sem a participação dela.

O disco, enfim, é para os mais nostálgicos e para quem, porventura, pretende introduzir o axé às novas gerações. Um ritmo muito mais agradável de se dançar e ouvir do que novas batidas que tomaram conta da oitava maravilha do mundo, o carnaval brasileiro.

Music

Silva – ao vivo

De volta à capital paranaense depois de quatro anos, o tímido capixaba mostrou uma fase menos pop e mais próxima à música brasileira

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Texto por Kevin Grenzel

Foto de Jocastha Conceição

Com um notável amadurecimento lírico, Silva voltou à capital paranaense após quatro anos. Era a turnê de seu novo álbum, Brasileiro, no qual abraça a musicalidade de nosso país e oferece conforto ao ouvinte que se perde nos sentimentos íntimos do compositor. E conforto pode ser muito bem a palavra que define o novo trabalho do cantor capixaba. Diferentemente de seu último trabalho autoral, Júpiter, Silva traz um refresco com faixas mais coesas e maior renovação, distanciando-se da essência pop e comercial do álbum de 2015.

A abertura foi realizada pelo Cidrais. O grupo curitibano é formado por três irmãos, possui letras sentimentais e aquela musicalidade minimalista nos recebia de braços abertos e fazia esquecer da imensidão da Ópera de Arame, trazendo uma tranquilidade singular e aquecendo os corações para a apresentação a seguir. Ao fim de cada uma das três musicas tocadas pelo trio, uma mensagem de amor e esperança, um recado necessário em um momento de polarização e insatisfação política. “Amar em tempos de ódio é um ato revolucionário”: foi com esse recado que o Cidrais abandona o palco, em um clima levemente melancólico mas de aconchego. Serviu para distrair de toda agitação que habita fora os portões do teatro.

Dando continuidade a essa mensagem de amor e empatia, Silva subiu ao palco com “Nada Será Mais Como era Antes”, primeira música de seu novo álbum. O ambiente se transformou. A melancolia se esvaiu e a euforia tomou conta do público, que cantava os versos com paixão. O primeiro ato foi conduzido com calma, sem grandes variações de ritmo, para que o publico degustasse cada nuance dos acordes e fosse criada uma atmosfera tranquila para a agitação que viria a seguir. A mudança veio com “Ela Voa”, que combinou o efeito oscilante da música a uma variação da iluminação que remetia ao efeito ondulatório do mar. No fim desta música ele se aproximou do publico com uma breve conversa, relembrando a ultima vinda a Curitiba, em 2014.

Era possível notar certa timidez no cantor, fosse pelas poucas palavras trocadas com o público ou o fato de recitar suas poesias de olhos fechados. Silva já confessou sua timidez e ansiedade antes dos shows –  ele mesmo disse “não ser muito bom com as palavras”. Mas nem precisava: sua música fala por ele e desvendar a particularidade de seus versos é um exercício gratificante ao espectador.

Após essa conversa, o show se tornou ainda mais minimalista, com arranjos formados apenas por violão e bateria. Destaque para a performance de “Milhões de Vozes”. A composição colaborativa entre Silva e Arnaldo Antunes é um grito de protesto discreto aos acontecimentos recentes. Conforme citado pelo artista, “essa música poderia se chamar “#EleNão” se fosse escrita atualmente”.

Essa parte da apresentação foi destinada principalmente a homenagens a influencias musicais e pessoas próximas ao artista, com elogios a Caetano Veloso, Arnaldo Antunes e Gal Costa. Silva apresentou aos curitibanos os dois músicos de sua banda (Lucas Arruda no baixo e Hugo Coutinho na percussão e programações). O cantor ainda interpretou a canção “Prova dos Nove” de autoria de seu sogro, Dé Santos, e sucintamente contou a relação estreante de Dé com a música, bem como rasgou alguns elogios a ele.

Próximo ao encerramento da performance, tivemos o momento de maior interação do publico durante a apresentação de “Duas da Tarde”, momento em que os fãs do capixaba ligaram as lanternas de seus celulares, transformando o teto do teatro em um céu estrelado.

Ao fim do show, Silva pediu para que todos ficassem em pé e tivessem a liberdade para dançar a última música da noite, “Guerra de Amor”, canção do novo álbum em que pode se notar as maiores influencias do samba e musica brasileira. Com um sorriso tímido, o musico se despediu e rapidamente fugiu dos holofotes.

Após os eufóricos gritos de “mais um”, Silva retornou ao palco, com ânimo e folego renovados. Apresentou aos fãs não apenas uma música, mas mais três canções, para então sim se retirar da Ópera de Arame, com uma despedida não com tanta pressa assim quanto a anterior.

Set list: “Nada Será Mais Como Era Antes”, “Let Me Say”, “Caju”, “Claridão/Janeiro”, “Guerra de Amor”, “Feliz e Ponto”, “Que Maravilha”, “Palavras no Corpo”,  “Ela Voa”, “Mais Cedo”, “Milhões de Vozes”, “(There Is) No Greater Love”, “Júpiter”, “Menino do Rio”, “Eu Sempre Quis”, “Beija Eu”, “Prova dos Nove”, “Duas da Tarde” e“A Cor é Rosa”. Bis: “O Show Tem Que Continuar”, “Fica Tudo Bem” e “Brasil, Brasil”.