Mestres do bandolim e do acordeão se reúnem para imprimir ao mesmo tempo sofisticação e descontração em clássicos do cancioneiro popular
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Rodrigo Simas/DeckDisc/Divulgação
Só mesmo dois músicos virtuosos para unir no mesmo disco Stevie Wonder, Chitãozinho e Xororó, Gilberto Gil, Adoniran Barbosa e Astor Piazzolla. Quem conseguiu essa proeza foram os mestres Hamilton de Holanda, pernambucano e às do bandolim, e o sanfoneiro Mestrinho, sergipano cujo nome artístico dispensa elogios. Os dois soltaram dias atrás um álbum com arranjos originais sofisticados e ao mesmo tempo descontraídos, uma característica do cancioneiro popular.
Nas redes sociais, Hamilton contou que Canto de Praya – Ao Vivo (patrocinado pela cerveja Praya e lançado pela DeckDisc) nasceu de uma vontade descompromissada de encontrar os amigos e fazer música. Felizmente a reunião aconteceu no final de 2019, antes que a pandemia provocasse o isolamento social. O registro ao vivo e intimista é o segundo fruto do projeto (o primeiro teve como convidado João Bosco, parceiro de Aldir Blanc, falecido no último mês de maio, vítima da covid-19).
O álbum abre animado e acelerado com os forrós “Modulando” e “Escadaria”. Na sequência, a calmaria aparece com a releitura de “Te Devoro”, de Djavan, praticamente irreconhecível até 1’45”. A única parte cantada surge no final com o duo chamando a plateia para acompanhar o verso “Eu quero mesmo é viver pra esperar, esperar, devorar você”.
A improvisação toma conta de “Beijo Partido” (composição de Toninho Horta) e a versão de “Drão” (que Gil fez para a ex-mulher SanDrão Gadelha) também é toda cantada. Acordeão e bandolim, chorinho e forró, seguem lado a lado e a criatividade dos músicos transforma o hit “Evidências” (José Augusto/Paulo Sergio Valle), sucesso da dupla Chitãozinho e Xororó, num misto de tango com lamento sertanejo. Mas a surpresa maior fica com “Isn’t She Lovely”, de Stevie Wonder. Graciosa, a faixa leva a audiência acompanhar com palmas logo na introdução. O bandolim começa sutil, dá a vez para a sanfona e, nos últimos minutos da música, a dupla promove um show de improviso, que deixaria o compositor americano de boca aberta.
O clássico do chorinho “Brasileirinho” (Waldir Azevedo) ganha neste disco uma roupagem diferente, mais agressiva se comparada com outras versões já gravadas até hoje. Hamilton e Mestrinho travam um diálogo espontâneo entre seus instrumentos, que se transforma num duelo ligeiro e nervoso quando se aproxima o final.
Sobre a formação do repertório, Hamilton explicou: “Fomos escolhendo as músicas que gostávamos e que tivessem alguma ligação com o popular mesmo. Aquela faixa que a gente ouve e logo já vê um apelo popular”. A inclusão de “Libertango”, por exemplo, é um homenagem ao compositor argentino Astor Piazzolla. De fato, o tango, caracterizado pela melodia triste e nostálgica, vem bem a calhar nesta época de incertezas.
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