Diretor alemão aposta em ritmo dinâmico, bela fotografia e críticas sociais nas entrelinhas desta trama sem diálogos
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Pandora/Divulgação
Prender a atenção do público na poltrona do cinema para assistir a um filme falado já é tarefa que exige criatividade. Imagine, então, se for uma história sem diálogos. Além de trama engenhosa, é preciso, sobretudo, expressividade do elenco, trilha sonora empolgante e um ritmo dinâmico na montagem. De Quem é o Sutiã? (Vom Lokführer, der die Liebe suchte…, Alemanha/Azerbaijão, 2018 – Pandora) consegue reunir alguns desses requisitos, mas exige uma certa dose de paciência por parte do espectador.
O filme é uma verdadeira torre de babel: trata-se de uma produção alemã, rodada no Azerbaijão (ex-república soviética na Ásia Ocidental que tem a tradição do cinema azeri) e com um time de atores e atrizes de países como Bósnia, Geórgia, Sérvia, Rússia, Espanha (de onde vem Paz Vega, numa curta aparição aqui) e França (representada por Denis Lavant). Alguns espectadores – que não costumam ler críticas antes de assistir ao filme – chegam ao cinema surpresos com o fato de a história ser muda. Pensam até em desistir, mas você, que veio até aqui neste texto, nem pense em fazer isso! O diretor alemão Veit Helmer, esforçadamente, consegue segurar o público na poltrona aproveitando a bela fotografia (que mostra as montanhas do Cáucaso), trilha sonora que lembra a de O Fabuloso Destino de Amelie Poulain e um enredo que nos remete a filmes do cineasta francês Jacques Tati.
O protagonista é o maquinista interpretado pelo sérvio Predrag “Miki” Manojlović. Prestes a se aposentar e passar o bastão para seu sucessor Kamal (Lavant), Nurlan realiza suas últimas viagens pela capital Baku. O trem passa por vielas que ficam a centímetros dos trilhos e, por isso, vive arrancando uma peça de roupa do varal. Sempre ao final do expediente, Nurlan cumpre o ritual de devolver o objeto para o morador, seja um lençol ou uma bola de uma criança que ficou presa no veículo, e caminha como um príncipe à procura de sua Cinderela.
Na primeira parte do filme, o espectador se familiariza com a rotina de Nurlan, um homem solitário, que tenta pedir em vão a mão de uma jovem moradora da região. Para isso é preciso pagar o dote da noiva, mas ele não consegue por não ter força suficiente, não o dinheiro.
Numa de suas últimas viagens, o trem fisga um sutiã azul e branco. Nurlan fica obcecado pela imagem da mulher, dona da lingerie. Como se trata de uma peça íntima, no início, ele tenta se desfazer do acessório por pudor, mas o dever de devolvê-lo fala mais alto. Depois de um prólogo arrastado, pode-se dizer, então, que a saga de Nurlan começa e o protagonista, lembrando Walter Matthau, bate de porta em porta no vilarejo para encontrar a dona dos seios que se encaixam na numeração do sutiã. Obviamente, a ousadia é vista com desconfiança por todos. Afinal, onde já se viu um idoso entrar na casa de mulheres, viúvas, mães de família com filhos pequenos para criar, mulheres da vida, idosas, adolescentes e entregar a peça íntima para que elas o provem? Para piorar, ninguém fala no filme, seja pra gritar “socorro” ou dizer “seja bem-vindo”. Por isso, os gestos abertos e principalmente as expressões, como sorriso largo e olhos arregalados, são os condutores da performance narrativa.
Até então, o filme parece se tratar de uma fábula encantadora, singela e sutil. Contudo, o roteiro vem acompanhado de um recheio que não lembra a doçura de um manjar turco. A começar por um menino cuja função é avisar os moradores quando o trem se aproxima. O garoto, a grande surpresa da trama, sai correndo com um apito a tiracolo sempre que escuta o outro apito, o do trem. O menino, que também ”trabalha” de garçom num bar, sendo tratado como um cachorro pelo dono, ajuda Nurlan a encontrar o sutiã. Nas entrelinhas da história, também é possível perceber a crítica ao machismo. Volta e meia o maquinista é expulso da casa das donzelas pelo marido barbudo que trata a esposa como propriedade.
A história até chega a arrancar alguns risos da plateia, mas não gargalhadas. Quando se aproxima do final, o mesmo flashback repetido uma série de vezes torna a narrativa um pouco cansativa. Só que vale a pena esperar pelo desfecho poético, emocionante e digno até de provocar lágrimas.