Megaturnê com a formação clássica do grupo reunida novamente no mesmo palco chega ao fim junto com o ano de 2023… Ou não?
Texto e fotos por Tanara de Araújo
Não há falta de romance em pensar que não foi algo muito pensado e estudado. Foi. Mas, com igual certeza, a expectativa de sucesso foi muito, muito além dos cálculos. Titãs Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora se propôs a reunir os sete integrantes remanescentes da “maior banda do Brasil” para, como diz o título, um encontro. Datas espalhadas por várias cidades, ingressos esgotados em questão de horas, fãs empolgadíssimos, caixa registradora exultante. Rapidinho se impôs a necessidade de uma ligeira extensão, com o subtítulo devidamente rebatizado para Pra Dizer Adeus. E foi o encerramento dessa segunda etapa que se deu no quintal da banda, a cidade de São Paulo, na noite de 21 de dezembro, num Allianz Park bem recheado. As apresentações (supostamente) derradeiras se deram nos dias 22 e 23 de dezembro.
Celebre ou faça cara feia, o fato é que Titãs Encontro não é uma programação de shows que requenta sucessos de um grupo que já tinha esgotado seu fôlego e deixado integrantes pelo caminho. Não é um caça-níquel barato. Não é uma limonadinha saudosista feita de um limão duvidoso. Desculpe, haters, mas Titãs Encontro é um baita espetáculo. Um projeto de entretenimento que recorre a tudo o que pode para ser quase 100% irrepreensível: infinidade de hits, palco bonito com sistema de luzes/telões de primeira, som ok e, sobretudo, uma banda feliz, extremamente a fim de trabalhar e entregar ao público o que o público quer.
É claro que há muita nostalgia envolvida, tanto emocional quanto cultural. “Diversão”, que tem aberto os showsdesde o início da turnê, resgata aquele período que acreditávamos que “a vida até parece uma festa”; assim como “Bichos Escrotos” evoca o tempo que cantar a plenos pulmões “oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo, vão se foder!” era um ato de profunda rebeldia. Porém, não é só o coração daquele fã desde os 13 anos que batia
mais forte. Titãs Encontro é carregado de saudade de uma época que composições significativas – à base de poesia concreta, dor de cotovelo ou crítica social – namoravam firme com o mainstream. Chegavam a um público massivo, que até hoje é atingido por músicas que, por bem ou por mal, não envelheceram. “Polícia, “Miséria”, “Porrada”, “Homem Primata”, “Lugar Nenhum” e “Nome Aos Bois” (cuja letra ganhou uma atualização que vai da celebração à queixa de parte da plateia) são só alguns exemplos.
São tantos hits, de tantas naturezas, que a apresentação, a certa altura, quebra a seção rock/punk/pop ao meio para encaixar um momento mais leve, num revival de outro triunfo na história da banda, o Acústico MTV Titãs. Em banquinhos nos quais só conseguem sossegar por alguns minutos e Charles Gavin segurar um pouco o braço, eles se reúnem na frente do palco para tocar “Epitáfio” (com participação luxo das luzes de celulares do público), “Os Cegos do Castelo” e “Pra Dizer Adeus”. Ao final desse set, uma justa e delicada homenagem ao guitarrista Marcelo Frommer, morto em 2001 e substituído nesta turnê pelo icônico Liminha: sua filha Alice Frommer se junta ao grupo para cantar “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”. E se você não se rende ao lencinho nesse instante (embalado por uma foto belíssima de Frommer no telão), você não é humano, meu amigo.
A carga humana, aliás, é o grande segredo do sucesso de Titãs Encontro. São todos sessentões, com famílias, filhos, carreiras paralelas. Têm todo o direito de estarem cansados. Mas não. Não é só dinheiro, é felicidade. Ao longo de praticamente três horas, eles entram no palco, tocam, cantam, dançam e, o mais importante, mantêm um sorriso genuíno no rosto, aquela expressão que não mente sobre alguém que está fazendo verdadeiramente o que gosta, que está onde gosta, com quem gosta. Perde-se a conta de quantas interações, abraços e risinhos felizes eles trocam entre si no decorrer do show, assim como as manifestações de carinho, via gestos ou discursos, direcionadas aos fãs. Essa entrega fica muito evidente, é quase um tapa na cara, na figura de Joaquim Cláudio Corrêa de Mello Júnior, que a gente conhece por Branco Mello. Após passar por uma cirurgia para combater um tumor agressivo na hipofaringe que lhe custou boa parte da voz, o que ele faz? Segue não só fazendo seus tradicionais backings, como cantando do jeito que dá – e ele faz dar – clássicos como “Flores”, “Cabeça Dinossauro” e “32 Dentes”.
É um negócio absolutamente perfeito? Não. Nem sempre se pode ser Deus. O som, ao menos em parte da pista do Allianz Park nessa quinta-feira, pecou no retorno da voz, tornando por vezes difícil distinguir o que eles cantavam. O que salvava era que basicamente todo mundo sabia todas as entradas e todas as letras. O público era legal e participativo? Dava para se dizer que, guardadas as devidas proporções, sim. É claro que os adoradores de shows vistos pela tela do celular sempre marcam presença, assim como, apesar de haver vários jovens e até crianças na plateia, não é mais uma opção para a esmagadora maioria pogar em “Polícia”. Já o acompanhamento das músicas na ponta da língua e do fundo da alma somado à obediência aos comandos de mãos, braços e palmas estava em dia. Parabéns aos acadêmicos da associação!
Foram, enfim, 36 canções, cinco a mais desde a estreia do projeto em maio deste ano, no Rio de Janeiro. Ganharam vez “Será Que é Isso o Que Eu Necessito?”, “Nem Sempre Se Pode Ser Deus”, “Domingo”, “Querem Meu Sangue” e “O Quê”. Incrementos bem-vindos num inventário que podia render pelo menos mais um outro set list inteiro com composições de sucesso e lados B queridos dos fãs (cadê “Corações e Mentes” e “Eu Não Vou Dizer Nada”?).
Se fosse um projeto de longo prazo, a estrutura engessada do repertório, que não costuma abrir brechinhas para surpresas de uma noite para a outra, talvez fosse um ponto sensível. O planejamento detalhado do set list é, com certeza, peça importante para o funcionamento (e triunfo) da turnê como um todo. Por outro lado, não incentiva a ida a mais de um show ou dois – exceto, claro, se você for do tipo obcecado. Seria um problema ótimo para lidar. Infelizmente, porém, segundo garantem os próprios Titãs, Encontro se encerra junto com 2023. Mas é aquilo: não confio em ninguém com 32 dentes.
Set list: “Diversão”, “Lugar Nenhum”, “Desordem”, “Tô Cansado”, “Igreja”, “Homem Primata”, Será Que é Isso o Que Eu Necessito?”, “Nem Sempre Se Pode Ser Deus”, “Estado Violência”, “O Pulso”, “Comida”, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, “Nome Aos Bois”, “Eu Não Sei Fazer Música”, “Cabeça Dinossauro”, “Epitáfio”, “Os Cegos do Castelo”, “Pra Dizer Adeus”, “Toda Cor”, “Não Vou Me Adaptar”, “Família”, “Querem Meu Sangue”, “Go Back”, “É Preciso Saber Viver”, “Domingo”, “Flores”, “32 Dentes”, “O Quê”, “Televisão”, “Porrada”, “Polícia”. “AA UU”e “Bichos Escrotos”. Bis: “Miséria”, “Marvin” e “Sonífera Ilha”.