Music

Titãs – ao vivo

Megaturnê com a formação clássica do grupo reunida novamente no mesmo palco chega ao fim junto com o ano de 2023… Ou não?

Texto e fotos por Tanara de Araújo

Não há falta de romance em pensar que não foi algo muito pensado e estudado. Foi. Mas, com igual certeza, a expectativa de sucesso foi muito, muito além dos cálculos. Titãs Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora se propôs a reunir os sete integrantes remanescentes da “maior banda do Brasil” para, como diz o título, um encontro. Datas espalhadas por várias cidades, ingressos esgotados em questão de horas, fãs empolgadíssimos, caixa registradora exultante. Rapidinho se impôs a necessidade de uma ligeira extensão, com o subtítulo devidamente rebatizado para Pra Dizer Adeus. E foi o encerramento dessa segunda etapa que se deu no quintal da banda, a cidade de São Paulo, na noite de 21 de dezembro, num Allianz Park bem recheado. As apresentações (supostamente) derradeiras se deram nos dias 22 e 23 de dezembro.

Celebre ou faça cara feia, o fato é que Titãs Encontro não é uma programação de shows que requenta sucessos de um grupo que já tinha esgotado seu fôlego e deixado integrantes pelo caminho. Não é um caça-níquel barato. Não é uma limonadinha saudosista feita de um limão duvidoso. Desculpe, haters, mas Titãs Encontro é um baita espetáculo. Um projeto de entretenimento que recorre a tudo o que pode para ser quase 100% irrepreensível: infinidade de hits, palco bonito com sistema de luzes/telões de primeira, som ok e, sobretudo, uma banda feliz, extremamente a fim de trabalhar e entregar ao público o que o público quer.

É claro que há muita nostalgia envolvida, tanto emocional quanto cultural. “Diversão”, que tem aberto os showsdesde o início da turnê, resgata aquele período que acreditávamos que “a vida até parece uma festa”; assim como “Bichos Escrotos” evoca o tempo que cantar a plenos pulmões “oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo, vão se foder!” era um ato de profunda rebeldia. Porém, não é só o coração daquele fã desde os 13 anos que batia

mais forte. Titãs Encontro é carregado de saudade de uma época que composições significativas – à base de poesia concreta, dor de cotovelo ou crítica social – namoravam firme com o mainstream. Chegavam a um público massivo, que até hoje é atingido por músicas que, por bem ou por mal, não envelheceram. “Polícia, “Miséria”, “Porrada”, “Homem Primata”, “Lugar Nenhum” e “Nome Aos Bois” (cuja letra ganhou uma atualização que vai da celebração à queixa de parte da plateia) são só alguns exemplos.

São tantos hits, de tantas naturezas, que a apresentação, a certa altura, quebra a seção rock/punk/pop ao meio para encaixar um momento mais leve, num revival de outro triunfo na história da banda, o Acústico MTV Titãs. Em banquinhos nos quais só conseguem sossegar por alguns minutos e Charles Gavin segurar um pouco o braço, eles se reúnem na frente do palco para tocar “Epitáfio” (com participação luxo das luzes de celulares do público), “Os Cegos do Castelo” e “Pra Dizer Adeus”. Ao final desse set, uma justa e delicada homenagem ao guitarrista Marcelo Frommer, morto em 2001 e substituído nesta turnê pelo icônico Liminha: sua filha Alice Frommer se junta ao grupo para cantar “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”. E se você não se rende ao lencinho nesse instante (embalado por uma foto belíssima de Frommer no telão), você não é humano, meu amigo.

A carga humana, aliás, é o grande segredo do sucesso de Titãs Encontro. São todos sessentões, com famílias, filhos, carreiras paralelas. Têm todo o direito de estarem cansados. Mas não. Não é só dinheiro, é felicidade. Ao longo de praticamente três horas, eles entram no palco, tocam, cantam, dançam e, o mais importante, mantêm um sorriso genuíno no rosto, aquela expressão que não mente sobre alguém que está fazendo verdadeiramente o que gosta, que está onde gosta, com quem gosta. Perde-se a conta de quantas interações, abraços e risinhos felizes eles trocam entre si no decorrer do show, assim como as manifestações de carinho, via gestos ou discursos, direcionadas aos fãs. Essa entrega fica muito evidente, é quase um tapa na cara, na figura de Joaquim Cláudio Corrêa de Mello Júnior, que a gente conhece por Branco Mello. Após passar por uma cirurgia para combater um tumor agressivo na hipofaringe que lhe custou boa parte da voz, o que ele faz? Segue não só fazendo seus tradicionais backings, como cantando do jeito que dá – e ele faz dar – clássicos como “Flores”, “Cabeça Dinossauro” e “32 Dentes”.

É um negócio absolutamente perfeito? Não. Nem sempre se pode ser Deus. O som, ao menos em parte da pista do Allianz Park nessa quinta-feira, pecou no retorno da voz, tornando por vezes difícil distinguir o que eles cantavam. O que salvava era que basicamente todo mundo sabia todas as entradas e todas as letras. O público era legal e participativo? Dava para se dizer que, guardadas as devidas proporções, sim. É claro que os adoradores de shows vistos pela tela do celular sempre marcam presença, assim como, apesar de haver vários jovens e até crianças na plateia, não é mais uma opção para a esmagadora maioria pogar em “Polícia”. Já o acompanhamento das músicas na ponta da língua e do fundo da alma somado à obediência aos comandos de mãos, braços e palmas estava em dia. Parabéns aos acadêmicos da associação!

Foram, enfim, 36 canções, cinco a mais desde a estreia do projeto em maio deste ano, no Rio de Janeiro. Ganharam vez “Será Que é Isso o Que Eu Necessito?”, “Nem Sempre Se Pode Ser Deus”, “Domingo”, “Querem Meu Sangue” e “O Quê”. Incrementos bem-vindos num inventário que podia render pelo menos mais um outro set list inteiro com composições de sucesso e lados B queridos dos fãs (cadê “Corações e Mentes” e “Eu Não Vou Dizer Nada”?).

Se fosse um projeto de longo prazo, a estrutura engessada do repertório, que não costuma abrir brechinhas para surpresas de uma noite para a outra, talvez fosse um ponto sensível. O planejamento detalhado do set list é, com certeza, peça importante para o funcionamento (e triunfo) da turnê como um todo. Por outro lado, não incentiva a ida a mais de um show ou dois – exceto, claro, se você for do tipo obcecado. Seria um problema ótimo para lidar. Infelizmente, porém, segundo garantem os próprios Titãs, Encontro se encerra junto com 2023. Mas é aquilo: não confio em ninguém com 32 dentes.

Set list: “Diversão”, “Lugar Nenhum”, “Desordem”, “Tô Cansado”, “Igreja”, “Homem Primata”, Será Que é Isso o Que Eu Necessito?”, “Nem Sempre Se Pode Ser Deus”, “Estado Violência”, “O Pulso”, “Comida”, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, “Nome Aos Bois”, “Eu Não Sei Fazer Música”, “Cabeça Dinossauro”, “Epitáfio”, “Os Cegos do Castelo”, “Pra Dizer Adeus”, “Toda Cor”, “Não Vou Me Adaptar”, “Família”, “Querem Meu Sangue”, “Go Back”, “É Preciso Saber Viver”, “Domingo”, “Flores”, “32 Dentes”, “O Quê”, “Televisão”, “Porrada”, “Polícia”. “AA UU”e “Bichos Escrotos”. Bis: “Miséria”, “Marvin” e “Sonífera Ilha”.

Movies

David Contra os Bancos

Como um milionário de uma pequena cidade inglesa desafiou a rigidez do sistema financeiro do seu país para ajudar a população local

Texto por Abonico Smith

Foto: Synapse/Divulgação

Eles podem até não ter inventado o primeiro banco da História, mas fizeram disso uma verdadeira instituição do Reino Unido. Adam Smith, considerado o pai do liberalismo econômico, nasceu lá. Por isso tudo é tão sólido na área financeira, a ponto de empresas desta área serem ultratradicionais e seculares por lá. Mas também este é um clube tão seleto que é para poucos: há mais de cem anos ninguém consegue ter uma licença para abrir um banco novo por lá. Quer dizer… ninguém conseguia! Dave Pickwick furou sorrateiramente o bloqueio em 2011.

Self-made man, Dave veio da classe trabalhadora. Fez fortuna com sua empresa na área de vans e ônibus na cidade de Burnley, situada no noroeste da Inglaterra, na periferia de Manchester. Assim como o grande centro industrial próximo, Burnley ganhou fama por ser uma importante cidade, mas no ramo fabril. Contudo, seu setor manufatureiro entrou em decadência e a economia local foi ruindo, ruindo, ruindo… até Dave ter uma solução brilhante: emprestar dinheiro para a população abrir e investir em seus pequenos negócios. Pickwick não descendia de família da elite, de posses. Por isso seu dia a dia sempre foi diferente. Apesar de milionário, gosta de estar entre os iguais. Gente simples, do povo. Janta e bebe com eles, canta com eles em um karaokê noturno. Compadece-se por suas necessidades e empresta o dinheiro que sobra em abundância no bolso. Em troca, ganha a amizade, o respeito, o sorriso de quem recorre a ele em momentos de necessidade. Detalhe: nenhum pagamento de dívida deixou de ser honrado. Até que, motivado por uma sugestão de amigo, empreende uma campanha para driblar as portas fechadas e abrir o seu próprio banco, o Bank of Dave. Em nome do povo de Burnley e de continuar movendo a engrenagem que banca o cotidiano da localidade.

Esta história é real e inspirou o filme David Contra os Bancos (Bank of Dave, Reino Unido, 2023 – Synapse). O longa-metragem se equilibra entre a comédia e o drama, sem pesar a mão para qualquer um dos lados. Além de retratar a batalha travada nos bastidores por Pickwick em busca de seu grande objetivo, a trama também enfoca todo o esforço do jovem advogado Hugh, trazido de Londres a Burnley por Dave para capitanear a luta por convencer o intransigente sistema bancário do Reino Unido para abrir uma exceçãozinha em nome do povo (afinal, o milionário está satisfeito com seu bem sucedido negócio principal, não quer embolsar mais dinheiro e planeja distribuir todo o lucro obtido após a abertura da instituição para caridade). Em meio aos perrengues, o jovem conhece a dedicada médica plantonista Alexandra, com quem vai construindo uma sólida relação que também se equilibra em outra linha tênue, a da amizade com o romance.

Com elenco britânico famosinho mas nem tanto assim (Rory Kinnear faz o milionário; Joel Fry, o advogado; Phoebe Dynevor, a médica; no currículo deles estão séries como Penny Dreadful e Bridgerton e filmes como Yesterday e O Jogo da Imitação), o longa parece de uma deglutiçãoo um pouco mais complicada no início, justamente por se aprofundar mais em termos do economês. Aos poucos, porém, a fluidez vem chegando e ele se torna palatável, leve, divertido. Uma típica produção da Netflix. Aliás, Bank of Dave foi lançado pela Netflix… Lá fora, no país da história e seus atores. Aqui no Brasil, chegou aos cinemas semana passada por uma distribuidora independente, que, curiosamente, adotou no título em português o prenome do milionário e não o apelido, que deu até nome ao próprio banco dele – tudo por um trocadilho que liga a trama com a história bíblica do pequeno herói que luta contra o gigante Golias e o vence mesmo com tudo desfavorável a ele.

Sendo assim, também não poderia faltar música regando aos poucos a narrativa. Primeiro porque o protagonista não só ama passar horas no karaokê de Burnley, sempre cantando rock. Depois, claro, uma famosa banda britânica aparece na parte final em uma participação importante e decisiva para o desfecho. E que torna um tanto mais divertida essa biopic.

Movies

As Tartarugas Ninja: Caos Mutante

Nova animação dos quatro adolescentes cascudos que fizeram muito sucesso nos anos 1990 faz crise no cinema terminar em pizza

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Paramount/Divulgação

“Acabou em pizza” é uma expressão genuinamente brasileira. Ela vem do futebol, uma paixão nacional. Lá nos idos anos 1960, o jornalista esportivo Milton Peruzzi era setorista do Palmeiras, o time mais italiano do país, e cobria uma grave crise no time para a Gazeta Esportiva. A reunião durou horas e, para controlar o caos e a fome dos cartolas, foram pedidas dezoito pizzas gigantes. No dia seguinte, a manchete era esta: “Crise do Palmeiras termina em pizza”.  

Meu filho Marco tem nome italiano, de guerreiro. Não torce pelo Palmeiras, só come pizza de chocolate, e relutou em assistir à pré-estreia de As Tartarugas Ninja: o Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem, EUA/Japão/Canadá, 2023 – Paramount). Quando chegamos ao cinema, foi um pequeno caos.

– Mamãe, quero ir embora!

– Mas, mas, mas Marco… Esse filme vai ser muito massa! Vai ter cena de cocô, etc, etc

Sim, apelei para a tática ninja escatológica – que as crianças tanto amam e se partem de rir – para contornar aquele pequeno caos. 

Aqui, preciso fazer um adendo. Marco adora ir ao cinema. Inclusive, amou o Super Mario Bros. Tanto é que ficou impressionado como o final chegou tão rápido. 

– Mamãe, já passou uma hora de filme? 

– Já, Marco!

– “Mas já?

Marco queria mais de Super Mario, mas Tartarugas Ninja… niente! Depois que o pequeno piti foi controlado à moda francesa, com muita elegância, Marco subiu, relutante, até uma das últimas fileiras do cinema. E começou o filme.

Caos Mutante é o mais novo longa da franquia adquirida pela Nickelodeon em 2009 e que fez muito sucesso no Brasil nos anos 1990 (meu irmão era fãzaço!). As personagens foram criadas originalmente para os quadrinhos, na década de 1980, pelos norte-americanos Kevin Eastman e Peter Laird. 

Nesse novo capítulo da saga somos apresentados à versão adolescente das tartarugas, batizadas com nomes de artistas renascentistas italianos: Leonardo (dublado por Nicolas Cantu), Raphael (Brady Noon), Michelangelo (Shamon Brown Jr.) e Donatello (Micah Abbey). Detalhe que, para quem não conhece direito a turma, como o Marco, os nomes das personagens só são citados lá na metade do filme. 

O início mostra como os quatro irmãos se transformaram em animais antropomórficos ao serem expostos a uma substância radiativa. Um rato chamado de Mestre Splinter (que só podia ser dublado por Jackie Chan) – que também fora vítima da mutação – cria os animais no subterrâneo de Nova York, para evitar o contato com os humanos. A cidade, aliás, é infestada por ratos na vida real. Tanto é que o prefeito chegou a criar o cargo de “diretor de mitigação de roedores” – é a vida imitando a arte.

Splinter é mais que um pai. Mestre em kung fu, ele se torna um verdadeiro mentor e passa a ensinar ninjutsu a seus filhos verdinhos, que só saem de casa à noite para comprar as “porcarias gostosas” que todo adolescente gosta. Já, logo de cara, a animação se torna deliciosa.  Como um molho caseiro temperado com manjericão, dá indícios que nos próximos minutos será bem-sucedida ao dar frescor juvenil a esse sétimo filme sobre os répteis.

Bem ao estilo dos anos 1990, quando o mundo era menos chato, esse filme não esconde nenhum merchan. Tá tudo lá: a marca do refri, a da batata frita etc, etc.  Aliás, essa é a grande diversão para aquele público que era criança (ou adolescente como eu) naquela época: provocar essa sensação nostálgica, seja na técnica da animação ou nos elementos anacrônicos. 

Mais artesanal, com imperfeições, essa animação é bem diferente dos longas anteriores, em live action, computação gráfica ou o traço chapado da TV. O resultado lembra aqueles desenhos supercoloridos feitos com giz de cera, com a intenção de refletir o ambiente rebelde das tartarugas no cenário urbano da cultura nova-iorquina com seus skates e grafites, como explicou à imprensa Jeff Rowe. O diretor também consegue, com proeza, mesclar a estética noventista com a atualidade. Isso pode ser percebido no uso de diferentes gadgets pelas personagens. 

A trilha sonora é uma personagem à parte. Assinada pela dupla dinâmica Trent Reznor e Atticus Ross (leia-se Nine Inch Nails), as músicas originais dão ritmo certo à narrativa. Quando “What´s Up” (hit do 4 Non-Blondes) surge, então na versão famosa e depois mais acelerado, a viagem no tempo é garantida. 

Como toda clássica jornada do herói, ao lado do Homem-Aranha e do Batman, as tartarugas se consolidam como os defensores de NYC. Com o treinamento que recebem do ratão pai, eles se sentem confiantes primeiro para se defender dos humanos. Sim, no início, nós também somos os vilões da história, no sentido de não estarmos abertos ao novo. Afinal, se um alienígena verde surgisse na sua casa, você o atacaria ou serviria uma xícara de café?  

A confiança nos seres humanos aumenta quando conhecem uma aspirante a jornalista (e que protagoniza a tal cena de humor escatológico que o Marco curtiu à beça). A jovem está à caça de um furo e consegue uma notícia bombástica quando as tartarugas são obrigadas a proteger a população contra as ameaças do Clã do Pé, que é comandado pelo vilão Superfly (Ice Cube). Os arquiinimigos também são mutantes e querem dominar a cidade. No final, ocorre a grande luta. 

Quando o filme acabou, Marco estava com um sorriso no rosto. Por dias ele se lembrou da barata e do cocô.

– Mamãe, tem cenas pós-créditos! Então vai ter mais um!

Sim! Cowabunga! 

Music

Black Crowes – ao vivo

Maduros, os irmãos Robinson voltam ao Brasil depois de 27 anos e mostram que seguem precisos como relógios suíços

Texto por Fabio Soares

Foto: Rafael Strabelli/Divulgação

A São Paulo de 2023 está muito diferente daquela que os irmãos Chris e Rich Robinson encontraram 27 anos atrás. Em janeiro de 1996, eles tocaram num sábado com Pacaembu lotado na mesma noite em que Jimmy Page e Robert Plant foram as atrações principais na derradeira edição do (posteriormente extinto) festival Hollywood Rock, um dos únicos benefícios que o consumo de cigarros trouxe ao Brasil. Hoje, o Pacaembu já não mais existe como estádio de futebol, destruído pela iniciativa privada, e a capital paulista está abandonada sob o “comando” de um prefeito tão fantasma que se ele entrar num elevador ninguém na cabine o verá.

Mas corta pra 2023! Os Robinson estão de volta para a turnê comemorativa de 30 anos do álbum de estreia dos corvos, Shake Your Money Maker, de 1990, atrasada em dois anos por conta da pandemia. O Espaço Unimed (antigo Espaço das Américas) não estava com sua lotação completa naquela noite de terça-feira 14 de março – o que foi ótimo porque cerca de quatro a cinco mil privilegiados poderiam ter sua festinha particular. E acabou que foi muito mais que isso.

Pontualmente às 21h30 os primeiros acordes da gravação de “Are You Ready”, do Grand Funk Railroad, deram as caras nos autofalantes, enquanto o grupo adentrava o palco para suas posições. Brian Griffin na bateria, Sven Pipien no baixo, Erick Deutsch e Joel Robinow nos teclados e os Robinson, então, iniciaram a execução da íntegra de Shake Your Money Maker com “Twice as Hard” e o inevitável acontecendo: a péssima equalização de som do Espaço Unimed! A dificuldade de se desfrutar um show com boa qualidade técnica no Brasil beira a incredulidade. Passada a frustração da canção de abertura, a segunda pôs a pista inteira para dançar: “Jealous Again” permanece maravilhosa mesmo após 33 anos de seu lançamento. Banda afiadíssima sentindo-se em casa, visivelmente se divertindo e com a plateia entoando os versos a plenos pulmões. Que momento!

“Sister Luck”, “Could I’ve Been So Blind” e “Seeing Things”, escancaram as influências da banda: blues rock embebecido em álcool e setentismo. O simples que muitos insistem em complicar. Sem firulas, sem telões, sem luzinhas piscando.

O balanço da cover de “Hard To Handle” também merece destaque: a canção de Otis Redding permanece viva, atemporal e transformaria um cemitério numa festa-baile. Aquecimento mais que especial ao ponto alto de Shake Your Money Maker – “She Talks To Angels” é o emocionante bálsamo que precisávamos trazendo um importantíssimo aspecto: a voz de Chris Robinson permanece impecável! Muito bom constatar que os excessos cometidos pelo cantor nos anos 1990 (e atire a primeira pedra quem também não os cometeu) não afetaram seu principal instrumento de trabalho. Nessa música, mais uma vez, o refrão foi cantado em uníssono pelo público. 

A arrasa-quarteirão “Stare It Cold”, encerrou a execução da íntegra do primeiro disco e o entrosamento da banda impressionava sob o comando de seu capitão. Ao contrário do despojamento do vocalista, Rich Robinson empunhava sua guitarra como um sagrado ofício a ser executado. Nada de sorrisos, apenas a forma precisa de riffs poderosos que alçaram a banda ao panteão da história do rock.

Abrindo a segunda parte da apresentação, dedicada ao restante do repertório, um particular soco em meu estômago. “Sometimes Salvation” (que não havia sido tocada nas mais recentes apresentações da turnê) possui um dos videoclipes mais perturbadores da história, sobretudo a quem foi dependente de drogas nos anos 1990 (este que vos escreve, incluso). Por isso, sua execução nesta noite será algo que guardarei na memória por muito tempo. Chris esgoelando-se à frente da banda a executando como um ato episcopal foi algo que explodiu corações dos presentes. O show poderia muito bem ter acabado ali mas faltava algo.

Com sua inconfundível introdução, “Thorn In My Pride” segue estremecendo sistemas nervosos a granel: redonda, coesa, sem sustos e fazendo a cama perfeita para “Remedy”. O maior hit da banda fez brotar uma cambada de red pills na pista (sim, eles existem!). Destaque às backing vocals, assim como no clipe, assim como no disco, assim como sempre!

“Virtueand Vice”, faixa que fecha o álbum By Your Side, de 1999, também encerrou os trabalhos da noite. Noventa minutos sem cenários tridimensionais, tendo apenas a música como pano de fundo. Mesmo com os problemas técnicos, os Black Crowes personificaram naquela terça a expressão “trator sonoro”. Ainda bem! Só tomara que este trator não mais demore quase três décadas para retornar ao Brasil.

Set list: “Twice As Hard”, “Jealous Again”, “Sister Luck”, “Could I’ve Been So Blind”, “Seeing Things”, “Hard To Handle”, “Thick n’ Thin”, “She Talks To Angels”, “Struttin’ Blues”, “Stare It Cold”, “Sometimes Salvation”, “WIser Time”, “Thorn In My Pride”, “Sting Me” e “Remedy”. Bis: “Virtue And Vice”.

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Floripa Rock Festival – ao vivo

Pitty com Nando Reis, Paralamas do Sucesso e CPM 22 levam à capital de Santa Catarina um grande tributo ao rock nacional

PittyNando

Texto e fotos por Frederico Di Lullo

Cheguei em cima do laço para prestigiar o Floripa Rock Festival no último dia 4 de fevereiro, no Stage Music Park. E foram logo os primeiros acordes de “Tarde de Outubro” que fizeram as milhares de pessoas irem abaixo. Sim, a banda que teve a honra de abrir a primeira edição do evento realizado na capital catarinense foi o quinteto paulista de hardcore melódico CPM 22.

Tudo ocorreu como eu imaginei. Badauí e sua trupe fizeram uma apresentação longa, recheada de clássicos que fizeram a plateia sentir nostalgia dos anos 2000. No repertório não faltaram os clássicos como “Regina Let’s Go” (cantada a plenos pulmões) e “Irreversível”, além de um sample de “Mantenha o Respeito”, que fez subir uma leve maresia no ar. O som estava mais ou menos, algo que de fato me surpreendeu pela estrutura de palco. Deixava quem estava mais à frente com os ouvidos estourados. 

O grupo fez um show enérgico, que empolgou boa parte da galera, que ia de jovens a não tão jovens assim como eu. É inegável que o CPM 22 curte muito a Ilha da Magia e a Ilha da Magia curte muito a banda. A performance terminou lá em cima, mas ainda tinha tempo para mais. Foi aí que os músicos retornaram para ecoar “O Mundo Dá Voltas” e “Ontem”, além de uma miniversão de “We’re Not Gonna Take It, hino do Twister Sisters. Nesse momento, o velho roqueiro que habita em mim sorriu timidamente. Enquanto todos corriam para os banheiros e para pegar uma cerveja gelada, aproveitei para escalar algumas posições e me posicionar para o próximo show.

Paralamas do Sucesso

Já passava das 22h e chovia de maneira grotesca quando Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone subiram ao palco (acompanhados do fiel escudeiro João Fera nos teclados) e começaram seu magnifico concerto, que contou com quase duas horas de duração. A história que estes caras carregam nas costas é algo incrível, mas muitas pessoas ainda não percebem o quão importantes são para a cultura brasileira. 

Na estrada há 40 anos, sabem como agradar cada plateia em cada cidade do nosso país. Em Florianópolis foi um sucesso atrás do outro: “Ska”, “Vital e Sua Moto”, “Alagados”, “Trac Trac”. Nesta última, presenciei uma cena emocionante que envolveu pai e filha, cantando juntos, com ele visivelmente emocionado. São coisas que marcam pra sempre os envolvidos. Até minha pessoa. E no set dos Paralamas ainda cabiam mais sucessos, como “A Novidade”, “Meu Erro”, “Melô do Marinheiro” e “Você”. Uma verdadeira festa, afinal. 

Cansado cheguei ao show de Pitty e Nando Reis, dupla também conhecida como PittyNando. O clima se diferenciava dos outros dois anteriores: se por um lado tínhamos energia e vibrações pairando no ar, agora tudo era intimista e de despedida. Afinal de contas, foi a última apresentação do duo, pelo menos nesta versão de concerto. A escolha de Florianópolis como palco derradeiro não deve ter sido à toa. Eles se sentiam muito à vontade: não cansavam isso de falar nos intervalos das músicas. 

Desfilando por sucessos com arranjos distintos das gravações originais, destacava-se a alegria de “Marvin” na voz sentimental de Pitty. Outra música, que agora ganhou um viés ainda mais politizado foi “Máscara”, cantada de maneira polifônica pelos presentes.

Durante a apresentação, percebi que o espaço ia ficando menos lotado, talvez fosse seja pela chuva que não dava trégua. Mas, no palco, o clima era outro. A evidente sintonia entre Pitty e Nando ia deixando o ambiente em vibe nostálgica e totalmente emotiva. Eles entoaram outros clássicos seus como “Por Onde Andei”, “Me Adora”, “Pra Você Guardei o Amor” e “All Star“. No fim de tudo, o sentimento de realização e emoção tomou conta de todos. Plateia, artistas e equipe de apoio mandaram uma sonora e longa salva de palmas. Ficamos agora na expectativa e na vontade de uma nova parceria entre eles, talvez em formato diferenciado ou com novas composições além das conhecidas músicas autorais de cada um.

Este primeiro Floripa Rock Festival foi emocionante. Do fundo do coração, espera-se que outras edições do festival sejam anunciadas e que possamos curtir mais bandas destaque do cenário nacional que, muitas vezes, apresentam-se de maneira esparsa por aqui e a preços exorbitantes.