História de atriz negra e lésbica da Hollywood dos anos 1930 é resgatada por Cheryl Dunye em marco do New Queer Cinema

Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Olhar de Cinema/Divulgação
O cinema é uma arte muito nova, mas sua história revela um passado enrijecido pelos velhos dogmas de opressão. É fácil perder a noção de que foi apenas há cinquenta e sete anos que a Lei do Direito ao Voto garantiu plena voz à população negra estadunidense nas urnas. Quando Cheryl Dunye lançou o primeiro longa metragem dirigido por uma mulher negra lésbica, só havia se passado 31 anos da promulgação dessa lei.
The Watermelon Woman (EUA, 1996 – Olhar de Cinema), o filme em questão, é um marco histórico evidente, mas também formal no cinema. É um dos marcos do New Queer Cinema, movimento político-cinematográfico que lança luz às vidas LGBTQIA+ e seus espaços, como Paris Is Burning (documentário de Jennie Livingston) e The Living End (ficção de Gregg Araki). Aqui, Dunye é uma autora multitarefas: não somente escreve, dirige e monta o longa-metragem (exibido durante a décima primeira edição do festival curitibano Olhar de Cinema), como interpreta a si mesma em uma amálgama entre a linguagem ficcional e a de documentário.
Partindo de uma investigação da cineasta sobre Watermelon Woman, uma atriz dos anos 1930 que interpretava papéis de mammy, a estereotipada cuidadora e trabalhadora doméstica negra dos senhores brancos, Cheryl tece um comentário da exclusão arquitetada pela história do cinema diretamente de sua margem. Fae Richards, essa misteriosa atriz, era sáfica e mantinha um relacionamento com a diretora Martha Page – posteriormente, com uma mulher de fora do meio.
Investida da recuperação do passado perdido de Fae, Cheryl reflete em si a clara inspiração e dá seus toques mais passionais em falas diretas à câmera. The Watermelon Woman é um filme autoconsciente e autointeressado: Dunye é protagonista, mas é também autora – ela dá o ritmo pela montagem, mas também pela narração. Ao desvelar a história de uma atriz lésbica relegada pelo cinema, a diretora reflete no presente da arte e em seu futuro (onde estamos, vinte e seis anos após a narrativa), expondo a importância da História como agente, em alguma instância, da ação presente. Não existiria Cheryl Dunye sem Fae Richards.
E aqui reside o processo que faz deste filme um marco na história do cinema: não existe Fae Richards. Não existe Martha Page. Só existe Cheryl Dunye, uma mulher negra abertamente lésbica que, enquanto expoente dessa indústria, precisa criar a própria história. Ficcionalizar o inexistente para torná-lo existente, fazendo do próprio Cinema um exercício criativo de sua historicização.
Pois essa arte nova mas de passado flagrante nunca contou as histórias de mulheres negras, ainda mais negras e lésbicas. Para quebrar o ciclo e passar o megafone a quem nunca teve esse espaço, Dunye inventa um documentário – inventa uma história entre as tantas que jamais foram contadas – e o transforma em um marco para a história do cinema. Se nunca contaram, sou eu que vou contar.