Uma cidade pequena, um assassinato não desvendado e três grandes personagens com atitudes impetuosas e extremadas
Texto por Abonico R. Smith
Foto: Fox/Divulgação
Três outdoors separados pelo espaço de uns cem metros cada, em uma estradinha pouco movimentada, num pequena cidade do interior. Os três são todos vermelhos com frases diferentes em preto. Nelas, uma cobrança nominal e incisiva ao chefe da polícia local. Por trás da ideia deles uma mãe desesperada por respostas que nunca chegaram. O caso envolve sua filha, que fora estuprada e assassinada. Passados sete meses, porém, o delegado Willoughby não apresentou nenhuma solução, tampouco um suspeito.
O que na verdade é fruto de uma ideia impulsiva de Mildred Hayes vira a espinha dorsal para a trama de Três Anúncios Para um Crime (Three Outdoors Outside Ebbing, Missouri, EUA/Reio Unido, 2017 – Fox) ao mexer com a vida dos envolvidos. Com a assinatura do diretor e roteirista britânico Martin McDonagh, tudo logo se transforma em um festival de reações e atitudes extremadas. Quem já conhece o estilo de McDonagh – autor de duas pérolas anteriores chamadas Na Mira do Chefe (2008) e Sete Psicopatas e um Shih-Tzu (2012) se delicia ao perceber que grosserias, tabefes, xingamentos, comentários preconceituosos e tiros são apenas um verniz para uma estética que usa da violência para mergulhar em dramas profundos e de cunho pessoal de um cada um dos personagens principais.
Aqui o eixo está entre o policial Willoughby e a vendedora Midred (respectivamente Woody Harrelson e Frances McDormand, ambos em interpretações arrebatadoras). Ele, todo família, querido pela população, não parece estar muito interessado em fazer com que vão para a frente as investigações sobre o que de fato teria acontecido com a jovem Angela. Ela, firme, forte, durona, revoltada, capaz enfrentar não só um ex-marido bruto mas quem topar pela frente e agir de modo semelhante. O embate entre os dois carrega um forte subtexto a respeito do que atitudes impulsivas podem provocar na pessoa que as toma e no mundo que gira ao seu redor.
Entretanto, nesta pequena guerra particular entre Willoughby e Midred quem acaba sendo mais afetado é o policial Dixon (Sam Rockwell, também em performance de deixar qualquer espectador boquiaberto). Sem papas na língua, encrenqueiro, descontrolado, violento, racista, homofóbico, misógino, ele é quem mais acusa o golpe após a polêmica provocada pelos outdoors na população de Ebbing. Aos poucos, toda esta casca dura vai se rompendo e um outro Dixon se revela, dando novos contornos à história e chegando a emocionar com o que acaba fazendo. Na verdade ele é a peça-chave do filme para o seu segundo texto: o do porquê a gente faz estes atos sem pensar nas consequências ou também em quem está à nossa volta.
No final das contas pouco importa saber quem fez aquilo à filha de Mildred. A melhor descoberta do filme é a transformação que ocorre a ela. Da mais pura revolta, com sangue nos olhos para descobrir o nome do monstro, vai ganhando suavidade e serenidade para encarar os fatos, por mais duros que sejam. Vai percebendo também que existe gente legal à sua volta, querendo ajudá-la, mesmo que venha da maneira e do lado mais improvável.
Com Três Anúncios Para um Crime McDonagh insere o seu nome entre os novos grandes de Hollywood. Não por acaso, da primeira grande premiação da temporada (Globo de Ouro) à última (Oscar) o filme anda fazendo um grande rapa nos troféus mais significativos de cada noite. E com toda a certeza o britânico ainda vai brindar o público com novos bons filmes. Pequenos como as cidades em que se passam, mas grandes no sentido de construção de personagem e roteiro. Mesmo que, à primeira vista, tudo seja cru, grosseiro e rude. Aliás, esta é sua marca registrada impressa no que já fez e deverá continuar sendo no que virá a fazer.