Music

Lollapalooza Brasil 2022 – ao vivo

Oito motivos para celebrar o retorno do festival cantando os versos “olê olê olá! Lolla! Lolla!”

Planet Hemp

Textos por Abonico Smith

Fotos: Lolla BR/Camila Cara/Divulgação

Enfim, a música está definitivamente de volta aos palcos no Brasil. E os festivais de música também. Depois de dois anos de muito isolamento, distanciamento e congelamento de eventos artísticos provocados pela pandemia, com os números em queda e o gradativo relaxamento das regras sociais, a grade de grandes eventos pode ser retomada em 2022. No terreno da música pop, tudo começou no último final de semana, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, com os quatro palcos e três dias do Lollapalooza Brasil, que, entre 25 e 27 de março, retomou um pouco daquela programação que estava sendo esperada para 2020, mas com várias alterações sendo feitas a cada cancelamento, até mesmo nas últimas semanas com a desistência de duas bandas internacionais por conta de gente diagnosticada com a covid-19. Surpresas que se prolongaram até a véspera do domingo, com o mundo sendo pego de surpresa pela notícia da inesperada morte de Taylor Hawkins, o carismático baterista do Foo Fighters, o último dos três headliners, horas antes de um show em outro festival na Colômbia.

Mondo Bacana lista oito motivos que vão fazer você se lembrar para sempre desta edição um tanto confusa e atabalhoada mas extremamente importante para ajudar a recolocar os grandes festivais e eventos musicais no eixo em território brasileiro.

Wombats

Este trio liverpludiano de nome de marsupial australiano e carreira sólida no circuito indie rock europeu merecia ter sorte melhor em sua primeira vinda (tardia, já que a discografia aponta cinco trabalhos em 15 anos) ao Brasil. Mal havia começado seu set e do nada veio um toró danado, com muitos raios e ventos, o que forçou a organização a cancelar tudo imediatamente e evacuar palco e plateia pelo risco de acidentes próximos a instalações metálicas. Foram só cinco músicas, mas o suficiente para ver que o vocalista Matthew Murphy e seus comparsas tinham muita lenha para queimar naquela tarde de sexta-feira. Misturando guitarras e grooves e com hits poderosos como “Moving To New York” e “Techno Fan”, lá do início da carreira, estrategicamente colocados no pontapé inicial para incendiar tudo. Só que aí veio o inesperado. A chuvarada veio impiedosamente para apagar todo o fogo da banda. Pelo menos restou a suspeita de que ano que vem eles deverão estar de volta por aí para compensar o “pocket show forçado”.

Strokes

Muita gente pode achar sem sentido a escalação do Strokes como headliner de um grande festival, justificando que o quinteto nova-iorquino está longe de seu auge criativo. Pura bobagem! Se bandas como Red Hot Chili Peppers e Guns N’Roses vivem desembarcando aqui no Brasil com o mesmo status, porque a trupe de Julian Casablancas não poderia também? OK, as vendagens podem não ter sido tão grandiosas se comparadas a estes nomes, mas a importância e a significância para tal ponto. Afinal, ajudaram a consolidar uma nova linguagem do rock, tão suja e underground quanto seus antecessores que consolidaram o punk e o alternativo no subsolo norte-americano. E, bem, musicalmente continuam muito bons. Simples, direto ao ponto, sem firulas (até mesmo nos solos). Julian Casablancas continua cantando cinicamente desanimado, como um “tô nem aí para nada”, agarrado no pedestal, de óculos escuros e na maior pose antipopstar. Aliás o foda-se desta vez estendeu-se também à escolha do repertório. O grupo ousou ao eliminar escolhas óbvias para festivais como de hits (como “Someday” e sobretudo “Last Nite”), pegar lados B dos dois primeiros álbuns (“Under Control”, “Trying Your Luck”, “Take It Or Leave It”, “New York City Cops”) e bancar um terço do set list (cinco de quinze) com faixas do álbum mais recente, lançado logo depois do lockdown mundial provocado pelo decreto da pandemia. Gran finale da primeira noite!

Emicida

Há muito tempo que, em se tratando de peso e atitude, o rap é o novo rock aqui no Brasil. Depois de uma série de discos acachapantes, Emicida veio para este Lollapalooza disposto a provar que, sim, pelo menos em se tratando de festivais de música a revolução pode ser televisionada em nosso país. AmarElo, o show, é uma porrada na cara, um soco no estômago, um tapa do Will Smith em todos os sentidos. Banda afiada, com duas guitarras poderosas, baixista-maestro, percussão dando peso às batidas do DJ. Com versos de forte conteúdo racial, social, político e (por quê não?) de relacionamentos pessoais – a ponto de levar a um festival pop o pastor Henrique Vieira para mandar um sermão contagiante no final com “Principia”. Antes, porém, uma trinca matadora com participações especiais: Rael em “Levanta e Anda”, Drik Barbosa em “Luz” e Majur em “AmarElo”(aquela na qual o sample com o refrão gravado originalmente na voz de Belchor vira transe coletivo).

Miley Cyrus

Às vésperas de completar 30 anos de idade, a ex-Hannah Montana libertou-se de todas as amarras imagéticas que ainda poderiam estar assombrando seus trabalhos anteriores. Sonoramente, lançou-se fundo no rock, com muitas timbragens e elementos oitentistas sem abandonar a veia pop dos arranjos. Visualmente, toda de preto e cabelo platinado no melhor estilo femme fatale eternizado por Madonna também nos anos 1980. De quebra, ainda chamou a amiga Anitta ao palco para celebrar “a brasileira número um mundial do Spotify” e mandar – rebolando bastante, claro – um feat do novo hit dela “Boys Don’t Cry”. Só que nem tudo é perfeito. Para os millennials, Miley pde ser o máximo, impactante, de causar arrepios. Só que quem tem mais idade e já viu muito mais coisa no rock’n’roll sabe que tudo nao passa de um pastiche. Bem produzido mas um pastiche. Rola um déjà-vu atrás do outro, com lembranças que vão de Bon Jovi a… Madonna! Isso sem falar no amontoado de covers sem sentido (já que ela é uma headliner com carreira já longa e consolidada) que deformam Pixies (“Where Is My Mind?”), Blondie (“Heart Of Glass”) e Nancy Sinatra (“Bang Bang”). Ah, sim, teve toda a encenação do choro pela morte do grande amigo pessoal Taylor Hawkins no meio do show (quando ela cantou “Angles Like You” sentada em uma cadeira agarrada a uma bolsa de grife da qual tirou um lencinho para enxugar as lágrimas sem borrar o make). Por falar em grife, o que dizer do enorme casaco de inverno verde que ela teve de vestir e cantar por uns dois minutos usando durante a primeira música. Contratos de parceira publicitária? Muito rock’n’roll isso, né? No telão ao fundo, a frase “sell out to sell out”(em bom português, “vender-se para se vender”). Pose dez, atitude duvidosa no fim das contas. Será que é disso que o mundo necessita mesmo?

Idles

Já faz alguns anos que as terras britânicas vem exportando ao mundo uma série de novas bandas excitantes. Muitas delas, inclusive, com inspiração clara nos bons sons alternativos norte-americanos dos anos 1990. O Idles é um destes exemplos. Formado na cidade de Bristol, o quinteto vem concebendo álbuns maravilhosos em série (foram quatro desde 2017) e é nos concertos em grande escala que vem fazendo sua fama expandir ainda mais. Se a sonoridade já era brutal em pequenos espaços, quando o palco ganha proporções gigantescas – como é o caso dos festivais a céu aberto – parece que a banda também se agiganta com facilidade extrema. Aqui no Brasil, tocando pela primeira vez, não foi diferente. Com um pezinho naquela mistura entre o punk rock, o hardcore e o industrial e lembrando bandas clássicas de selos como Touch and Go (de Chicago) e Alternative Tentacles (criado por Jello Biafra em San Francisco). O quinteto insano jorrou em pouco menos de uma hora treze músicas praticamente coladas uma na outra – com claro destaque para o segundo álbum, Joy As An Act Of Resistance, de onde vieram sete delas). Ao vivo, parece que cada músico dispara para um lugar separado, tanto nas notas musicais como na performance cênica individual. A somatória desta coisa toda aparentemente difusa acaba atordoando, formando um conjunto monolítico com altos graus de ironia e sarcasmo – nas danças ora patéticas ora intensas dos músicos, na verborragia cuspida pelo vocalista Joe Talbot, na pancadaria rítmica da e bateria, nas distorções e microfonias incessantes formadas por toneladas de pedais ligados ao baixo e às duas guitarras. Nunca um fim de tarde de domingo soou tão longe de ser modorrento.

Libertines

Depois do Idles, no mesmo palco principal do Lolla vieram os Libertines, atração praticamente acertada de última hora, já que duas semanas antes do festival o Jane’s Addiction cancelou a vinda por conta de casos de covid em sua equipe. E, olha, nunca uma escolha poderia ter sido tão acertada e oportuna quanto esta. Afinal, lá atrás, quando estiveram pela primeira vez no país também em um grande festival, a banda estava no seu auge mas se encontrava temporariamente sem um de seus frontmen, o guitarrista e vocalista Pete Doherty estava temporariamente afastado de suas funções em virtude de uma sentença judicial que o levou à cadeia. E Carl Bârat sem Pete é como Piu-Piu sem Frajola, Buchecha sem Claudinho. Agora, Pete e Carl ficaram lado a lado, alternando-se nos vocais no típico repertório “banda de bar” que fez a fama do quarteto lá na primeira metade dos anos 2000 – o set list contou com treze faixas extraídas dos dois primeiros e mais famosos álbuns. Com a poderosa ajuda do experiente baterista Gary Powell (que, dez anos mais velho que os dois e negro, ainda insere com extrema competência elementos de jazzblues e soul nos arranjos). Tudo bem que a idade já começa a pesar nos ombros. Com 43 anos de idade, não são mais aqueles likely lads que promoviam performances anárquicas em pequenos palcos nas gigs em Londres e arredores. Pelo menos estão vivos e esperneando, sempre prontos para mandar clássicos do indie rock do século 21 como “What Became Of The Likely Lads”, “What Katie Did”, “Boys In The Band”, “Time For Heroes” e “Can’t Stand Me Now”. Sorte nossa, mesmo que muita gente mais jovem que estava in loco no Lolla não tenha dado a mínima por achar que rock é o que menos importa na música de um festival.

Mano Brown

O rap é o novo rock

Perto da meia-noite de sexta para sábado (horário de Brasília) chega a notícia bombástica: horas antes de se apresentar em um festival na Colômbia, o baterista do Foo Fighters Taylor Hawkins morre no hotel. Mais um problema – e que problemão – de última hora para a escalação do festival: como resolver em questão de menos de dois dias a substituição da banda para encerrar a programação do palco principal no domingo? A solução estava bem perto e, de certa forma, vinda de um lado inesperado para muita gente: ela respondia por Emicida. Admirador da banda de Dave Grohl, assim como a guitarrista de sua banda, Michele Cordeiro, ele recorreu a um punhado de amigos rappers e resolveu prontamente o problema de logística: montou um show tão longo quanto, juntando um monte de artista que nas últimas três décadas ajudou a cristalizar o hip hop como um dos gêneros musicais mais populares do país. Deste jeito, o concerto improvisado – anunciado como uma homenagem a Taylor Hawkins sem, contudo, prender-se ao modelo chato de tributo de execução das principais músicas gravadas pelo homenageado – foi dividido em duas partes. Na primeira, os DJs Nyack e KL Jay deram o suporte soltando as bases para nomes como Emicida, Rael, Criolo, Bivolt, Drik Barbosa, Djonga, Ice Blue e Mano Brown mandarem algumas das principais composições de suas carreiras (…). A metralhadora verborrágica da turma revelou-se tudo aquilo que anda em falta nas bandas mais tradicionais de rock: sagacidade, rebeldia e periculosidade intelectual. Na segunda, os DJs e MCs individuais cederam o palco ao Planet Hemp, que veio do Rio de Janeiro para mostrar que a produção do festival cometeu um grande erro ao não escalá-lo. Com a banda afiadíssima e misturando hardcore, psicodelia, samba e jazz ao canto falado de Marcelo D2 e BNegão, o PH é uma das poucas bandas brasileiras de rock realmente avassaladoras ao vivo hoje em dia. Peso, contundência e, claro, aquela chama capaz de nunca se apagar. Tanto uma metade quanto a outra pode ser definida como uma oportunidade para celebrar o amor, a música e a possibilidade de se estar junto àquelas pessoas que amamos. E não bastasse esses lados A e B do novo concerto, houve ainda um “prefácio” tocante com Michele e Mônica Agena dedilhando lentamente suas guitarras e tornando “My Hero” ainda mais emocionante. No fim, depois do Planet Hemp, mais uma homenagem direta a Hawkins. O Ego Kill Talent, banda brasileira escalada para abrir a última turnê brasileira do FF em 2018, encerrou as atividades com duas músicas: uma autoral mais “Everlong”, a primeira cover tocada pelo quinteto durante toda a sua trajetória de shows. Se em um primeiro momento tudo parecia triste, perdido e arrasado para o encerramento de domingo do Lolla, depois dessa turma toda ninguém mais teve dúvida de que valeu muito a pena ter ido ao Autódromo ou ficar vendo pela TV toda aquela competente gambiarra improvisada horas antes.

#ForaBolsonaro

Sabe aquele tiro que sai pela culatra? Pois foi bem o que aconteceu neste Lollapalooza. Na sexta-feira, um fã deu a Pabllo Vittar uma bandeira com a cara e o nome de Lula e ela saiu correndo com o objeto, tremulando-o ao vento, em disparada pelo corredor que separa uma metade da outra do público. A foto saiu estampada em todos os portais de notícias. Em outro palco, a cantora galesa Marina Diamandis mandou, em alto e bom português, um “#ForaBolsonaro”. Os Strokes saíram do palco usando o microfone para falar a mesma coisa. Foi o que bastou para Jair Bolsonaro ficar nervosinho e, disfarçando sob a assinatura de seu novo partido, pedir judicialmente a reativaçãoo da censura a artistas, proibindo-os de expressar suas opiniões travestidas de, segundo suas palavras, “campanha para presidente antes do período determinado pela lei”. Só que ele pode e sempre faz isso. E o pior: o mesmo ministro do TSE Raul Araújo que endossou o pedido e faz voltar a valer a censura neste país foi aquele que, semanas antes negara pedido de retirada de outdoors irregulares fazendo campanha para Bolsonaro em uma cidade de Mato Grosso do Sul. Mas de nada adiantou esse passo rumo ao retrocesso. Depois de sábado, quando a notícia estourou pelos bastidores, foi um tal de “cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu” (como disse Lulu Santos ao adentrar o palco do Fresno para uma participação especial). No mesmo dia, Silva puxou o coro do incentivo para que jovens entre 16 e 18 anos (faixa etária para a qual o voto é facultativo) tirassem seu título de eleitor para poderem ir às urnas em outubro próximo. O grupo gaúcho também mandou um #ForaBolsonaro no telão. Logo depois, Gloria Groove entrou com uma blusa semelhante a um uniforme de time de futebol, tendo escrito atrás seu nome e o número 13. Emicida, tanto no sábado quanto no domingo, reforçou que o amor vale mais que o ódio e também mandou a hashtag mais famosa destes últimos quatro anos no país. Criolo não disse nada, apenas vestiu uma camiseta com a urna eletrônica na frente, mais um título de eleitor atrás. Bivolt demonstrou toda a sua insatsifação com o atual desgoverno federal no rap freestyle. Mas, claro, a maior vociferação contra a absurda ação autocrata veio de Marcelo D2. “Não, hoje #EleNão. Hoje #EleNão vai fazer a narrativa. A gente vai fazer a narrativa. Isso aqui é sobre amor. É sobre Taylor Hawkins. Sobre Chorão. Sobre Chico Science. Sobre Sabotage. Sobre Speedfreaks e Skunk.”, mandou logo ao entrar com o Planet Hemp, lembrando os nomes de amigos e ídolos já falecidos, sendo os dois últimos um ex-colaborador e um dos fundadores do PH. Aí mandou a letra de “Banditismo Por Uma Questão de Classe”, manifesto antinarrativa de direita da Nação Zumbi. Depois emendou “Distopia”, música inédita “sobre esperança” com base jazzy que estará no disco da banda que será lançado do próximo semestre. O refrão trazia um jogo de palavras hipnótico (“Desobedeço o obedeça/ Obedeço o desobedeça”) enquanto o telão repetia outra parte da letra (“Repense Reflita Resista Recuse”). Em “Dig Dig Dig” reviveu o canto de Zumbi eternizado por Jorge Ben (“Zumbi é o Senhor das Guerras/ Zumbi é o Senhor das Demandas/ Quando Zumbi chega/ É Zumbi é quem manda”). Antes de “queimar tudo até a últimaponta”, aproveitou para xingar diretamente Bolsonaro. Depois, lembrou que a musica “Zerovinteum”, há quase trinta anos, já falava sobre o problema das milícias no Rio de Janeiro – e ainda atestou estarem presentes sempre os assassinados Marielle e Anderson. Também levou um improvável hino do Ratos de Porão ao palco do grande festival mainstream com a cover de “Crise Geral” e antecipou a execução de “Contexto” dizedo que de nada adianta acreditar em um salvador da pátria e só fazer algo ao ir lá votar no dia da eleição. Ah, sim: não deixou de entoar a famosa musiquinha adaptando-a para homenagear o festival: “olê olê olá! Lolla, Lolla!”. Os artistas sambaram bonito em cima da cara do “é melhor Jair embora de uma vez”. Em tempo: o festival não foi notificado pela justiça porque o pedido de censura foi tão incompetente que nenhum dos dois CNPJs informados ali batiam com os responsáveis pelo evento. Em tempo 2: na segunda-feira, quando não adiantava mais nada porque tudo já acabara no domingo, Araújo suspendeu as manifestações políticas no Lolla afirmando que o texto da solicitação do PL o havia induzido a erro. A emenda ficou, de vez, pior que o soneto…

Movies

The Eyes Of Tammy Faye

Jessica Chastain brilha como a pioneira do televangelismo americano que ia muito além do moralismo habitual do gênero

Texto por Taís Zago

Foto: Star+Searchlight/Divulgação

Tammy Faye e Jim Bakker são o casal mais famoso do televangelismo americano. Nos anos 1970 e 1980, eles praticamente “inventaram” a “TV da fé” nos moldes que conhecemos hoje também no Brasil. Ao mesmo tempo, os dois foram protagonistas de um dos maiores escândalos de fraude e desvio de dinheiro do canal PTL – Praise The Lord, a rede televisiva que criaram. Contavam nessa jornada com o apoio de outros agentes religiosos da época, como o pastor homofóbico e misógino Jerry Falwell, que ficou famoso ao travar uma guerra contra os Teletubbies por considerar os personagens infantis uma “propaganda homossexual”. Semelhanças com Malafaia et caterva não são mera coincidência. Os pastores brasileiros se inspiraram no modelo dos cristãos evangélicos norte-americanos ao montar seu império (dourado) da fé por essas bandas.

Jim e Tammy se conheceram quando eram estudantes no Bible College de Minneapolis, Minnesota. E a atração foi imediata. Tammy viu em Jim a personificação do pastor evangelista moderno – aquele que, ao invés de defender as sandálias da humildade, não condenava o enriquecimento e o amor ao dinheiro. Jim sabia pregar, tinha desenvoltura e um arsenal prontinho de platitudes para converter e atrair cristãos para seus sermões. Tammy, por sua vez, era, à primeira vista, a própria imagem da religiosa näif – ingênua, wide eyed, devota e idealista. Com voz de Betty Boop e uma presença sensual, mesmerizava os fiéis com cabelos e figurinos extravagantes e com cílios imensos, que viraram sua marca registrada. Mais tarde ela viraria chacota em sketches de programas de humor de TV como o Saturday Night Live por causa da maquiagem exagerada e permanente. Tammy era 100% entretenimento, fazia entrevistas, shows de bonecos e encantava fiéis com suas performances exageradas de hinos religiosos. 

Enquanto Bakker se limitava a seguir a austera cartilha de pregações morais, aquela que conhecemos bem – família, costumes, pecados e punições e propaganda republicana – ditada pelos pastores, todos homens, que o cercavam, Tammy rompeu muitas regras e arrepiou os cabelos dos devotos mais conservadores ao defender direitos LGBT, discutir a aids nos anos 1980 e defender o amor ao próximo acima das regras religiosas. Por essa sua atuação quase ativista e, claro, também pela sua opulenta aparência, Ela foi festejada como a primeira drag queen, servindo de inspiração para muitos outros artistas.

The Eyes Of Tammy Faye (EUA, 2021 – Star+/Searchlight) é baseado no documentário do mesmo nome, de 2000, narrado em parte por RuPaul. O diretor de obras de dramedy Michael Showalter tomou para si a tarefa de transformar Jessica Chastain em Tammy e Andrew Garfield em Jim. Contudo, os louros aqui vão diretamente para os atores. Garfield incorpora Jim como uma figura fraca, infantilizada, dependente, narcisista, gananciosa, insegura e em claro conflito com sua sexualidade, algo que não é confirmado mas insinuado em várias cenas do filme. Já Chastain personifica em Tammy um leque muito maior de características conflitantes. Por um lado vemos uma protagonista que possui fé genuína, empolga todos ao seu redor, está sempre feliz e sempre otimista e é aparentemente alheia a todas as malandragens feitas com o dinheiro dos fiéis. Por outro, vemos uma figura viciada em comprimidos, infeliz e insatisfeita em seu casamento, que não economiza um tostão em suas indulgências materiais e que faz vista grossa para toda a sujeira ao seu redor. Os olhos de Tammy são seletivos e Jim, junto com seus associados, contam com isso para suas falcatruas. O filme recebeu duras criticas por ficar apenas na superfície das relações, por enfatizar o glamour e esconder fatos desconcertantes do casal, como todo o processo da acusação de estupro contra Jim, que junto ao escândalo das fraudes o colocaram na cadeia.

O que temos aqui uma história clássica de ascensão e queda sem que haja uma verdadeira redenção no final, e que, em alguns momentos, parece muito enamorada de Tammy e sua aparência física. Jessica Chastain, favorita ao Oscar de melhor atriz pelo papel, levou-o para casa. O filme também concorreu ao Oscar de melhor cabelo e maquiagem – e venceu. É inegável o delicioso e colorido pulo entre as décadas de 1960-1980 na produção das músicas, figurinos e fotografia. Todos são fantásticos.

A forma como Jessica transita na personagem entre os opostos, indo da completa euforia até o abismo e a paralisia da depressão é, sem dúvida, sensacional. Tammy coloca um sorriso no rosto, ajeita a maquiagem, abre uma lata de coca-cola light, respira fundo e é cordial até mesmo com quem a ataca. Ela sobe ao palco sempre como se fosse a sua última vez e se entrega de corpo e alma ao que considerava ser sua vocação divina. E nós, aqui, do outro lado da tela, quase nos convertemos.

Music

História do Rock: T.Rex

Há meio século, Marc Bolan atiçava a libido das adolescentes britânicas com o glam rock e via seu grupo ser considerado o “sucessor” dos Beatles

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução

Sábado, 18 de março de 1972. Arena Wembley, Londres. Sessão dupla de concertos (um à tarde e outro à noite) para um total de público de 16 mil pessoas. Quase todas elas adolescentes, a maioria feminina. Da plateia vem um frenesi descontrolado, com muitos gritos histéricos e devoção extrema ao frontman da banda, um jovem de roupas supercoloridas e brilhantes, longos cabelos encaracolados e aquela androginia no visual. Muitas das garotas, inclusive, repetem o visual purpurinado espalhado pelo ídolo através de fotografias em jornais e revistas mais as costumeiras aparições em programas musicais na televisão. Marc Bolan é o novo Deus da música pop jovem e sua banda, T. Rex, coleciona, consecutivamente, desde o ano anterior, três números um e mais um número dois na parada britânica de singles. A imprensa nacional, como sempre ávida por incensar boas novidades da ilha e cunhar novos termos já arrumou uma nova expressão para suceder a beatlemania de outrora. A onda de êxtase coletivo agora chama-se T.Rextasy.

O ano de 1971 fora bastante produtivo para Bolan e seu reformulado grupo, agora na formação de quarteto e carregando um novo batismo. Apesar da ainda pouca idade, o guitarrista e vocalista não era necessariamente um novato no circuito musical londrino. Nascido em 30 de setembro de 1947, ele assinou seu primeiro contrato fonográfico aos 18 anos. Lançou dois compactos sem qualquer repercussão até juntar-se ao grupo mod John’s Children em 1967, com o qual ficou apenas quatro meses, até a sua dissolução.  Na sequência, formou um novo projeto chamado Tyrannosaurus Rex. Acompanhado apenas pelo percussionista Steve Pelegrin Took, ele tocava violão sentado no chão, andava sempre com uma capa preta tal qual um antigo mago e cantava letras formadas com temas como bruxaria e outros temas místicos. Pudera: Bolan, entrando nos seus vinte anos de idade, estava imerso até a medula na contracultura hippie que dominava as artes da então chamada Swinging London. Com um certo burburinho no circuito musical e o grande incentivo do então iniciante DJ John Peel, desde sempre ávido por descobrir e impulsionar no rádio nomes desconhecidos do underground, a dupla lançou quatro álbuns e algunssingles até 1970, quando Peregrin deixou a formação por conta de seguidos problemas de bastidores provocados pelo consumo excessivo de álcool e drogas. Paralelamente, ele chegou a lançar um livro de poesia que alcançou a marca de 40 mil exemplares vendidos, marca considerada expressiva para o gênero.

Com a saída de Peregrin, Bolan aproveitou para reformular por completo o direcionamento conceitual do projeto. Encurtou o nome para T.Rex, comprou uma guitarra Gibson Les Paul e uma outra Fender Stratocaster e comandou a eletrificação da sonoridade e a formação de um quarteto (com a entrada em definitivo de um baixista e baterista, ao lado de um novo percussionista), jogando-se, assim, ao encontro de seus sonhos de adolescência. É que ele nunca escondera seu fascínio pelos pioneiros do rock’n’roll desde a entrada na puberdade. Amava Elvis Presley Chuck Berry, Little Richard, Gene Vincent e, em especial, Eddie Cochran. Largou o colégio aos 14 anos e desde então dedilhava seu primeiro violão com esmero, perseguindo o sonho juvenil de ser tão famoso quanto eles na área musical. Como a mãe trabalhava de feirante no East End londrino, em alguns dias da semana ia junto com ela para visitar lojas de alfaiataria da região. Seu interesse, mesmo moleque, era vestir-se com ternos tão impecáveis quanto de cortes diferenciados. Um gosto relativamente esquisito e incomum para um moleque daquela idade, convenhamos.

Ao lado do produtor musical Tony Visconti (e do recém-chegado Mickey Finn, que veio para comandar um alucinado conjunto de congas, bongôs, apitos, maracas e pandeirosmais os backing vocals afinadíssimos dos músicos/comediantes Flo & Eddie, ex-integrantes dos grupos Turtles e do Mothers Of Invention de Frank Zappa, sempre presentes nas gravações de estúdio), Bolan começou a reformulação sonora ainda em 1970, com o single “Ride a White Swan”. Mesmo ainda insistindo em temáticas do paganismo comuns ao Tyrannosaurus Rex (neste letra há palavras como “druida”, “feitiços” e Beltane – nome de uma tradicional festa de regiões da Irlanda, Escócia e também Ilha de Man, geralmente celebrada na entrada do mês de maio), saíam de cena as lisérgicas e longas viagens sonoras para mísseis certeiros de três minutos de duração, com direito a letras curtas, repetindo versos ou algumas palavras e frases. A estrutura das novas composições também tornou-se algo bastante rudimentar: eram estrofes e refrões intercalados. Nada de pontes ou terceira parte – no máximo, ao vivo, havia um pequeno espaço para solos de guitarra ou percussões, mas sempre repetindo uma mesma sequência anterior de acordes. Quanto aos vocais, um pequeno truque de Visconti: Marc gravava-os sempre em dobro, com o produtor se esmerando para deixá-los distanciados por um pequeno delay de um milissegundo. Adicionados à instrumentação rock’n’roll, as vozes de Bolan traziam um eco de extrema força magnética, algo quase imperceptível.

Entretanto, foi só em 1971 que o T.Rex decolou rumo ao sucesso e à fama. Steve Currie e Bill Legend (respectivamente baixo e bateria) foram adicionados à formação. A estilista Chelita Secunda, esposa de Tony Secunda, manager do Bolan na época, foi peça primordial na transformação do vocalista em sex symbol. Veio dela a ideia de que Marc adotasse a androginia em seu visual, com o uso de cores fortes e muito brilho nas roupas, acessórios femininos como espalhafatosos boás e discretos slingbacks mais uma forte maquiagem com direito a lápis preto, blush, batom mais estrelas e lágrimas feitas com muita purpurina colada logo abaixo dos olhos. Foi com a banda cheia, o novo visual e a nova receita sonora que a banda emplacou naquele ano. A aparição desta maneira no popular programa Top Of The Pops, da BBC, logo no início do ano, cantando o novo single “Hot Love” transformou a banda em nova febre da garotada. As meninas, especialmente, formaram a maioria do fã clube. Pudera, também. A nova fórmula de Bolan incluía versos para lá de libidinosos, tal qual seus heróis pioneiros do rock, com versos de alto teor sexual, chegando a usar gírias corriqueiras dos jovens, Como no single seguinte, que seria o responsável por detonar o tal T.Rextasy.

Na verdade, a trajetória do T.Rex coincide com um período muito especial para o cotidiano da sexualidade na Grã-Bretanha. Para se ter uma ideia, somente em 1968 a homossexualidade foi descriminalizada por lá. Então, o período da contracultura foi uma movimentação primordial para a sociedade andar por novos caminhos e maneiras para viver e sobretudo se adaptar a isso. Sobretudo os adolescentes, que estão na fase dos hormônios todos em ebulição e um mundo inteiro de descobertas pela frente. O que leva ao principal caso midiático da cobertura da imprensa britânica em 1971: o julgamento dos editores da revista Oz, febre entre os teenagers, considerada extremamente obscena pelos setores mais conservadores por causa de alguns desenhos e fotografias utilizadas em colagens. O tribunal – o mais longo de toda a história da justiça de lá – levou cinco longas semanas até decidir pela condenação de seus editores, levados à prisão sob a alegação de “fornecer conteúdo sexual a menores de idade e perverter a moral pública”. Os cabeças da publicação cumpriram um tempo de pena na cadeia e o golpe foi duro, a ponto da revista ver sua popularidade cair até deixar de circular em 1973.

Ao lado da Oz, o T.Rex foi o grande responsável pela liberação do tesão adolescente no biênio 1971/1972. Os shows da banda eram um festival de hormônios à flor de pele. Meninas gritando histericamente como não se via desde os primeiros anos dos Beatles. No palco, um frontman que não apenas sensualizava com a guitarra como fizera Jimi Hendrix (inclusive chegando a tocá-la com um pandeiro), o que somava ruídos e microfonias à costumeira distorção do pedal. Marc Bolan incorporava um dândi afetadíssimo, era um puro teatro de Pantomima, rebolava sem parar na hora do acentuado batuque de tambores promovido por Finn, Currie e Legend e dava sem parar gritos estridentes e selvagens. Sabia, como ninguém, levar a plateia adolescente em sua mão do início ao fim dos shows – como se pode ver na íntegra dos dois concertos promovidos pelo quarteto naquele fatídico sábado 18 de março de 1972, devidamente documentados em filmes dirigidos por Ringo Starr.

“Get It On (Bang a Gong)” foi a canção responsável pelo estouro sem volta do T.Rextasy. Com versos que comparavam a libido de uma garota a uma possante máquina automotiva, o single era um boogie dançante que “pegava emprestado” um riff de Chuck Berry (do hit “Little Queenie”, porém com a devida desaceleração) e trazia um refrão acachapante, daquele de demolir qualquer paredão à frente com a força de um coro em uníssono cantando junto como é chegar a um orgasmo. Novo número um das paradas britânicas em julho de 1971, o compacto foi incluído no vindouro álbum Electric Warrior, lançado em setembro e logo içado ao mais alto posto das paradas de sua categoria. O long-play incluía ainda dois clássicos. “Jeepster” – que também trazia versos de teor altamente sexual e já fazia referência automobilística já em seu título –saiu em compacto em novembro, chegando ao número dois dos charts. “Cosmic Dancer”, por sua vez, era uma balada que falava sobre a obsessão que Marc tinha por dançar rock desde os mais tenros anos da infância. Não ganhou edição separada em sete polegadas mas nunca faltava no repertório dos shows – era sempre um dos dois ou três elementos reservados para o interlúdio de calmaria estrategicamente promovido no meio do set, quando os acompanhantes saíam do palco e Marc voltava a sentar-se ao chão para dedilhar um violão.

Sem tempo para deixar a poeira assentar, Bolan, Visconti e banda entravam em estúdio para gravar as faixas de um novo álbum do T.Rex. “Telegram Sam” e “Metal Guru” anteciparam o disco The Slider no formato de compactos. A primeira canção transformou-se em mais um hino glam cantado de cabo a rabo pela molecada. A segunda, uma balada com apurado arranjo de cordas escrito por Visconti, questionava a cegueira da religiosidade com citações discretas sobre rock’n’roll, drogas, mais automóveis (neste caso, a poluição) e o boom da industrialização exercido no período pós-guerra. Ambos deram à carreira meteórica do grupo outros números um.

The Slider chegou às lojas em julho de 1972 mas o furacão T.Rex continuava sem controle. Ringo, voltou a se aproveitar de sua carreira paralela como produtor e diretor de cinema e lançou um filme centrado em Marc Bolan e suas composições. Lançado nos cinemas em dezembro, Born To Boogie intercalava esquetes nonsense com números musicais (em alguns deles, o quarteto tocava no famoso estúdio dos Beatles junto com o baterista dos Fab Four e Elton John ao piano). Mais singles com músicas não lançadas em álbum vinham para saciar a sede do extenso fã-clube juvenil. Em setembro, foi a vez de outra balada, “Children Of The Revolution”, composta para entrar em Born To Boogie e que também fazia referência às quatro rodas na letra, ganhar versão definitiva em estúdio – em compacto que alcançou a segunda posição nos mais vendidos da ilha. “Solid Gold Easy Action” foi lançada em dezembro e repetiu a performance de vendagem do disquinho anterior. Para o primeiro semestre de 1973, foram guardadas “20th Century Boy” e “The Groover”, mais dois hits certeiros (números três e quatro da parada, respectivamente).

Entretanto, tudo o que é intenso e meteórico também acaba sendo fugaz. A fórmula bem-sucedida do grupo fez com que outros músicos passassem a adotar o visual cheio de glitter e glamour iniciado por Marc Bolan, mas em contrapartida propusessem outras sonoridades. Algo diferente, por isso mesmo, mais atrativo tanto para crítica quanto para o público. Nomes como Slade, Roxy Music, Sweet, Gary Glitter vieram para explorar o filão junto ao público mais jovem e dividir o espaço com o T.Rex. A principal “ameaça” ao império de Bolan partiu justamente de um “fogo amigo”. Foi justamente um colega próximo, a quem inclusive Marc apresentou o produtor Tony Visconti, quem veio para destroná-lo. Em processo de reinvenção musical e conceitual desde 1971, David Bowie mergulhou na persona do alienígena Ziggy Stardust para chacoalhar de vez as estruturas do showbiz britânico – e logo em seguida mundial – e também se firmar como popstar camaleônico, incensado pela mídia e carregador de um séquito sem fim de fãs.

Só que não foram apenas a forte concorrência e o tiro certeiro de Bowie como Ziggy Stardust que foram determinantes para a queda do T.Rex. A exploração foi tanta e tão rápida que a fonte secou. Depois de meados de 1973, Bolan nunca mais conseguiu emplacar um compacto sequer entre os dez mais vendidos, quanto mais voltar a fazer álbuns tão poderosos como Electric Warrior e The Slider. Contribuiu também para isso uma boa dose de autoindulgência do músico, que, isolado dentro de seu próprio castelo de excessos etílicos e químicos, tornou inviável não só a química com os demais integrantes (com exceção da esposa, a cantora Gloria Jones, incorporada aos teclados a partir daquele ano e que já havia feito relativo sucesso solo com a canção “Tainted Love’, posteriormente regravada e tornada hit por Marc Almond e seu Soft Cell) como também a comunicação direta com executivos de gravadora e promotores de concertos e turnês nos Estados Unidos, fato que impediu o desenvolvimento da carreira internacional da banda. Pouco a pouco, nesta ordem, Legend, Finn e Currie não tardariam a abandonar o barco, sendo imediatamente substituídos por outros músicos.

O ocaso do T.Rex, contudo, parecia que não iria durar muito. Em 1976, Marc Bolan – que nunca escondeu ser apaixonado por programas musicais na TV – foi convidado a estrelar um deles, chamado Supersonic, dando novas interpretações para algumas de suas músicas mais conhecidas. Logo depois ganhou o seu próprio show, produzido em Manchester para a ITV pela mesma Granada Television que anos depois iria popularizar o nome de Tony Wilson) no qual poderia ser o apresentador e escalar qualquer convidado para tocar ao vivo por lá. Entre os convocados dos seis programas estavam bandas iniciantes como Generation X e Jam – o que mostra uma sintonia fina de Bolan com o underground e o irromper do movimento punk. Outra banda do gênero, o Damned, inclusive, fora convidada pelo guitarrista para ser a atração de abertura de parte de sua nova turnê britânica. Quem também participou do programa derradeiro foi o amigo David Bowie. O sucesso foi tanto que uma segunda temporada já estava nos planos para o ano seguinte.

Contudo, quando as portas pareciam propensas a se abrirem de novo graças à forte conexão com eis que veio o golpe final do destino e sem direito a final feliz. Depois de voltarem de uma noitada etílica em Mayfair, em Londres, Bolan e Jones sofreram um grave acidente de carro na madrugada de 16 de setembro de 1977, exatas duas semanas antes do trigésimo aniversário dele. Ela perdeu o controle da direção e o carro onde estavam chocou-se violentamente contra uma árvore. Gloria ficou bastante machucada e Marc bateu a cabeça contra o painel frontal, morrendo instantaneamente. Ele estava no banco do passageiro porque sempre se negou a aprender a dirigir pelo fato de não querer morrer jovem e da mesma maneira que alguns dos seus grandes ídolos. Justo ele, que fizera muito sucesso com letras sobre diversão, sexo e carros (tal qual seus heróis lá do início do rock’n’roll), perdia a vida em um acidente automobilístico. Como James Dean e Eddie Cochran.

Movies

Cruella

Live action inspirado na clássica animação 101 Dálmatas conta a trajetória da vilã com embates fashionistas e estética punk rock

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Disney/Divulgação

Duas Emmas travam um embate fashionista retrô com fundo de vingança e estética punk rock na mais nova versão da vilã Cruella (EUA, 2021 – Disney). Ao contrário do que possa parecer, não há plumas no filme adaptado do clássico 101 Dálmatas, escrito pela britânica Dodie Smith em 1961, exibido nos cinemas abertos mundo pandêmico afora e agora chega à plataforma de streaming Disney+. 

O tecido que envolve a silhueta da trama mescla poliéster e algodão. É sustentável e as peles são sintéticas. Pode-se dizer que Craig Gillespie acertou a mão com sua câmera ágil para costurar a origem de Cruella. A protagonista surge como a garotinha Estella (Tipper Seifert-Cleveland), dona de uma personalidade fragmentada – rebelde e genial – refletida no tom de seus cabelos bicolores. Sua metade preta traz à tona a raiva, o ódio, o desejo de vingança. Sua metade branca revela uma menina inteligente, criativa e, por que não, doce. Essa dualidade pode até significar uma resposta ao debate filosófico entre Rousseau-Hobbes-Locke sobre a natureza humana. Afinal, o ser humano já vem ao mundo egoísta; nasce bom e somos corrompidos pela sociedade; ou chegamos aqui como uma folha em branco, a tal tábula rasa? E a genética, qual sua parcela de “culpa”?

O roteiro evoca esse dilema moral/científico da protagonista –  lembrando por vezes Coringa – durante toda a trama, destacando ora o lado “estelar” da vilã, ora o lado cruel. Na infância, a desajustada Estella/Cruella, que sonha em ser estilista de moda, é expulsa da escola. E não foi por conta do seu Converse All Star, não. Estella aprendeu desde cedo a revidar ofensas, a não deixar quieto e levar desaforo pra casa. 

A mãe da garota decide, então, ir a Londres para tentar uma vida melhor e proporcionar um futuro digno para a filha. Antes, porém, é preciso acertar as contas com a Baronesa (Emma Thompson), a estilista mais arrogante e conceituada da paróquia (chega a ser mais arrogante que a Miranda de O Diabo Veste Prada). Durante a parada, no meio do caminho, Estella é “atropelada” por uma tragédia. 

“Acidentes” mudam a vida, diz a anti-heroína. Da noite para o dia, a garota se vê órfã. Sozinha diante da fonte do Regent’s Park com seu único amigo: um cachorro. Aqui já temos uma diferença na construção da personagem. A vilã assume uma postura, digamos, mais politicamente correta do que aquela interpretada por Glenn Close nos anos 1990, que adorava desfilar com seus casacos de pele de dálmata. 

A história, então, segue seu momento Oliver Twist, quando Estella passa a conviver com dois guris, batedores de carteira, Jasper e Horace. Joel Fry e Paul Walter Hauser entregam boas interpretações, apesar de algumas piadinhas sem graça bem ao estilo inglês (culpa do roteiro). O longa, aliás, é sustentado pela ótima escolha dos coadjuvantes, como John McCrea que interpreta o dono de brechó cuja androginia se inspira em David Bowie. 

Estella e seus amigos vivem de furtos e conseguem sobreviver por conta própria. Mas num salto de dez anos, somos apresentados à protagonista em sua fase adulta. O cabelo bicolor se esconde sob uma peruca ruiva. A nossa anti-heroína usa seu dom para criar modelitos usados nos mais diversos delitos. Quando consegue emprego na boutique mais chique de Londres, sua vida se transforma: vira empregada da todo-poderosa esnobe Baronesa e, aos poucos, à medida que as reviravoltas acontecem, a persona Cruella de Vil vai se manifestando.

Por isso, nada melhor que a estética punk dos anos 1970 para narrar a origem dessa personagem às novas gerações que, se não conheciam Blondie ou Stooges, agora conhecem. Essa é uma das razões, aliás, pelas quais os remakes são feitos: adaptar clássicos à contemporaneidade.

A trilha retrô, assinada pelo premiado Nicholas Britell é repleta de canções das décadas de 1960 e 1970, incluindo Supertramp, Bee Gees, Doors, Nina Simone e, claro, os punks por natureza Clash. A inserção sonora acaba dando a impressão de que as sequências se transformam em videoclipes. Se para os ouvidos parece uma overdose, para os olhos o filme é um deleite. O tom noir (o cartaz de Cruella até lembra Sin City) glamouroso é fascinante especialmente para quem se interessa por moda: o figurino excêntrico, com seus vestidos de cetins e lamês; a maquiagem carregada sobretudo nos batons cor de carne, e os penteados extravagantes são, de fato, impecáveis. É uma organza total!

Emma Stone está de parabéns ao incorporar sua personagem estilosa que referencia Vivienne Westwood (a estilista do punk!). A atriz não precisa botar um ovo na boca para inventar seu sotaque britânico e consegue a proeza de pilotar uma motocicleta com salto 12. Genuinamente inglesa, Emma Thompson também brinda o espectador com uma antagonista que há muito tempo estava nos seus planos interpretar. As duas Emmas deverão ainda se reencontrar num futuro não muito distante. Bem ao estilo Marvel, o final dos créditos sugere uma nova adaptação de 101 Dálmatas em formato live action. Mais um spin off à vista!

Movies

Medo Profundo: O Segundo Ataque

Sequência de história de dois anos atrás chega aos cinemas com elenco desconhecido mas cheio de sobrenomes famosos

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Texto por Janaina Monteiro

Foto: Paris Filmes/Divulgação

Esqueça as leis da física. Esqueça a lógica. A sequência do terror survival Medo Profundo: O Segundo Ataque (47 Meters Down: Uncaged, Reino Unido/EUA, 2019 – Paris Filmes) menospreza a capacidade intelectual do espectador mas nem por isso deixa de proporcionar alguns sustos. Rasos, por sinal. De profundo mesmo só o mar da Península de Yucatán, no México, onde se passa a aventura de quatro garotas (duas irmãs, como no primeiro filme) que decidem mergulhar para conhecer um recém-descoberto santuário maia.

O filme traz sobrenomes famosos entre as atrizes novatas. A modelo Sistine Rose Stallone faz sua estreia no cinema. E adivinha quem é o pai dela? Essa é fácil: Sisitine é a segunda filha de Sylvester, o Rambo, o Cobra, com a também modelo americana Jennifer Flavin (para ver que ela seguiu mesmo a profissão dos pais). Corinne Foxx é filha do ator e cantor Jamie Foxx. Há também a novata Brec Bassinger que, apesar do sobrenome, não é filha de Kim. No elenco também há um ator jovem chamado Khylin Rhambo, que, obviamente, não é filho do Sly. Para fechar, integram o cast John Corbett, Nia Long, Sophie Nelisse, Brianne Tju e o carioca radicado nos Estados Unidos Davi Santos.
O primeiro Medo Profundo, de 2017, também dirigido pelo inglês Johannes Roberts, entrou para a lista de mais um daqueles filmes sobre tubarão que surgiram na esteira do clássico de Steven Spielberg. O longa virou hit, apesar da premissa um tanto absurda: duas irmãs vão passar as férias num praia paradisíaca mexicana e decidem entrar numa daquelas gaiolas de mergulho usadas por turistas para ver os tubarões-brancos mais de pertinho, mas a gaiola arrebenta do barco que a sustenta e as garotas afundam em alto-mar a exatos 47 metros da superfície.

follow-up do ataque de tubarões surge dentro do mesmo contexto com as irmãs Mia (Sophie Nélisse) e Sasha (Corinne Foxx) que moram na península paradisíaca no México. O pai delas é interpretado por Corbett, o mergulhador que descobre o tal santuário do povo maia submerso. Certo final de semana, ele propõe que as filhas façam um passeio típico de turista, até como estratégia para aproximá-las (já que as duas não se bicam!) e observar os tubarões num daqueles aquários submersos. Na fila da atração, Mia acaba encontrando suas rivais da escola. Sasha e mais duas amigas convidam-na para uma aventura mais empolgante: mergulhar no cemitério subaquático.

Por um momento, o suspense nas primeiras cenas debaixo d’água gera a expectativa de que o filme trará surpresas. Porém, as decepções são grandes e várias situações não tardam a incomodar, como a voz límpida das garotas mesmo usando máscaras de mergulho e o fato de o mar parecer um piscinão já que nenhum peixe surge nos primeiros minutos. Quando você começa a se perguntar sobre onde estariam os peixes, surge a resposta através de um único exemplar de nadadeiras cego. A explicação é que o peixe evoluiu para se adaptar às profundezas, como os abissais. As garotas, porém, muito ingênuas desconheciam que ali também era habitat de tubarões, que também são cegos, mas não bobos como elas. As garotas viram iscas numa armadilha e precisam lutar contra os peixões e a falta de oxigênio.

A primeira cena de ataque, por mais previsível que seja, ainda é capaz de provocar certo susto. Como praticamente toda a trama se passa debaixo d’água, o diretor não tem para onde fugir e até consegue ser criativo em algumas sequências – como na cena em que um mergulhador é abocanhado com Roxette ao fundo. Os demais jump-scares se tornam ineficientes. Aliás, alguns chegam a provocar risos de indignação. Afinal, como ser mordido por um tubarão-branco sem ao menos ter a perna amputada?

O filme, enfim, mostra que ser filho de peixe grande não é suficiente e que as atrizes carecem de mais aulas de interpretação. Numa das sequências finais, é nítido quando Mia dá risada enquanto a irmã se esforça pra sobreviver (vamos entender que foi um riso de desespero…). Um ponto positivo é para o make à prova d’água das garotas (queria saber a marca!) e os ferimentos, que pareciam reais.

Apesar de ter no elenco herdeiras de astros de Hollywood, essa seqüência não merece mais do que três estrelas. Nem o tubarão, coitado, é tão assustador assim. Talvez se fosse em 3D escaparia de ir água abaixo.