Drama

Traidor

Gerald Thomas e Marco Nanini voltam a trabalhar juntos em espetáculo com jorro intenso de lembranças da vida de um velho e solitário ator

Texto por Abonico Smith (com colaboração de Daniela Farah)

Foto: Annelize Tozetto/Festival de Curitiba/Divulgação

Dentre todas as palavras que cumprem a função de sinônimo para o título deste espetáculo, a que melhor se encaixa é “enganador”. Afinal, não pode haver descrição para o velho ator, que, solitariamente, vê-se envolto em uma névoa mental onde fluxo ininterrupto de pensamentos, vozes, luzes e reflexões passam toda a sua vida a limpo, pessoal e profissionalmente falando. Enquanto tudo isso ocorre, o protagonista também percorre o caminho do engano. A si próprio e também à plateia que está lá diante dele, por conta da mágica da quarta parede quebrada.

Dezoito anos depois, Marco Nanini e Gerald Thomas voltam a trabalhar conjuntamente em uma produção, que ocupou os dias de 29 e 30 de março do Teatro Guaíra e da grade da mostra principal do anual Festival de Curitiba. Ator e dramaturgo, na duração de apenas sessenta minutos, provocam um jorro de considerações a respeito de passado, presente e futuro do personagem, “perdido em uma ilha” de ideias e considerações a respeito de muita coisa. Tal qual a torrente apresentada em um feed de rede social. Seja o Facebook, seja o Instagram, seja o X, seja o TikTok, seja o Kwai. O suporte é o que menos importa, mas sim o bombardeio ininterrupto capaz de provocar vertigem. Ou medo. Ou gozo.

Por falar em gozo, Gerald Thomas permanece sem resistir à tentação de provocar a  plateia, colocando atores renomados pronunciando palavras que fazem uma pretensa elite cultural se retorcer por dentro. Sim, os tais termos de baixo calão e com beliscadas na tangente do sexual. No primeiro Festival de Teatro de Curitiba, lá no já longínquo ano de 1992, barbarizou a plateia “republicana” em The Flash and Crash Days, na qual Fernandona (Montenegro) e Fernandinha (Torres) fizeram metade da plateia sair indignada da Ópera de Arame. Três décadas depois, com bem menos incautos na audiência mas ainda assim com um punhado de gente “de bem” que ainda tem a capacidade de se ofender e se chocar com isso, ele coloca Nanini dizer uma, duas, três vezes “cu” do palco do Teatro Guaíra. E não apenas isso. O mesmo ator (“enganador”) que  ficou no imaginário de milhões de brasileiros na pele do recatado, tímido, discreto e certinho pai de família Lineu, um dos personagens de destaque na série de TV A Grande Família, segura uma linguiça gigante durante uma memória de comercial e passa a disparar considerações sobre como é gostoso sentir a tal linguiça quente entrando (no forno?). É o enfant terrible confrontando de frente e com humor bastante afiado os traidores da pátria e os defensores da moral e dos bons costumes da família verde e amarela.

Também não dá para imaginar Gerald Thomas dirigindo e criando uma narrativa fechadinha, convencional, com começo, meio e fim. O jorro de pensamentos que aflige Nanini (o personagem, batizado com o sobrenome do ator) vem com significados bem abertos, tabelando com o cenário que flerta com o steampunk, o nonsense e o hiperrealismo e o diálogo com uma voz feminina pré-gravada que o alerta de algumas situações. Tudo dura exatamente uma horinha só. Pode até parecer pouco perto da média de duração dos espetáculos teatrais em geral. Mas a intensidade é tamanha que quem se joga e curte a viagem de Nanini de cabo a rabo (ops!) sai recompensado. E nem precisa procurar muito sentido em tudo.

Aliás, quando o assunto é Gerald Thomas, como se brincava na estampa daquela velha camiseta, tudo o que você menos precisa é entender um espetáculo seu. A maioria de quem se propõe a fazer isso, por sinal, levanta a bunda (ops!) da cadeira e sai mais cedo do recinto.

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Três perguntas para Marco Nanini

Com Traidor, Você e Gerald estão retomando uma parceria depois de quase vinte anos. Como foi o processo de criação deste espetáculo?

Nossa relação sempre vai sendo feita aos poucos. Aqui foi se modificando conforme eu também ia sugerindo a ele algumas coisas, intercalando textos irreverentes com outros mais contemplativos. É uma peça cotidiana, sem aquela coisa de coisa, meio e fim, Então o personagem alterna ideias, alucinações. Tudo acontece muito rápido. Gerald é muito bom parceiro mas durante os ensaios, em um estúdio que temos na zona portuária do Rio de Janeiro, o Fernando [Libonati, meu diretor de produção, com quem estou há muitos anos] deu muita opinião por causa do traquejo que ele também tem. É tanta coisa que é dita no palco que eu acabo saindo esgotado mentalmente de cada espetáculo. Nanini é um personagem bastante complicado, custei a encontrar um sentido geral para ele., que fica na solidão, revivendo personagens, como se estivesse perdido em uma ilha. Meio que como o Próspero, de A Tempestade de Shakespeare.

Há um momento durante o espetáculo em que você faz referência a uma velha cafeteira que faz parte do cenário da peça mas não é usada para nada. Para aumentar o nonsense você nunca pensou ou sugeriu trocar a tal cafeteira por uma jarra de plástico em formato de abacaxi tal qual aquela que ficou famosa na mesa da família do Lineu n’A Grande Família?

Graças a Deus, não! Quero continuar me livrando do peso do Lineu. Quando digo peso, claro que isso é algo que existe de melhor para qualquer ator. O reconhecimento, afinal, do trabalho. Mas também ao longo do tempo sempre me pautei pela diversidade na carreira. Sempre foi algo pensado, sabia que não queria ser só ator de chanchada no início. Eu vou fazendo coisas diferentes conforme elas vão aparecendo. Outra coisa que também me afasta bastante do Lineu na peça é a maquiagem do personagem, inspirada numa mistura do maestro russo Shostakovich com o pássaro pardal. Isso me ajuda a pensar ainda mais que não sou eu que estou ali.

Recentemente você teve uma biografia sua lançada, assinada pela jornalista Mariana Filgueiras. O que achou desta experiência?

Rememorar minha vida foi um processo muito agradável. Já fiz tanto e ainda tenho aquela vontade de fazer mais. Gostei muito do jeito que ela escreveu o livro. Mariana é muito cuidadosa e competente. Eu não a conhecia, foi meu editor que sugeriu o nome dela.

Music

Paul McCartney – ao vivo

Nem problemas técnicos mancharam a segunda das três apresentações na capital paulista do beatle durante a passagem da Got Back Tour pelo Brasil

Texto por Fabio Soares

Foto: Marcos Hermes/Divulgação

O tempo passou e, sabemos, as últimas vezes estão cada vez mais próximas. Ver Paul McCartney em sua Got Back Tour em pleno 2023 é ter a certeza de que uma hora ou outra chegarão as despedidas, inevitáveis como leis da vida. Aceitar este fato é o máximo (e o melhor) que podemos fazer.

A data de 9 de dezembro amanheceu fria e chuvosa em São Paulo, contrariando o calor senegalês reinante na cidade nos dias anteriores. Evidenciando, talvez, uma apresentação diferente fosse pela forma, set list quase imprevisível (mesmo?) ou simplesmente pela sensação de coração apertado pelas últimas vezes, aquele sábado estava diferente dos demais. O início da performance de Paul, a segunda das três marcadas para capital paulista, provou exatamente isso.

Com 16 minutos de atraso (algo pouco usual em sua trajetória), o beatle adentrou o palco de um Allianz Parque completamente tomado por corações e mentes entregues ao sonho de ver um integrante dos Fab Four, fosse pela primeira ou última vez. Aliás, a audiência de Paul McCartney seja talvez a única do planeta a ostentar três ou quatro ou cinco gerações em um mesmo mesmo espaço. 

“A Hard Day’s Night” abriu os trabalhos com a já tradicional catarse que lhe é peculiar. Entretanto, algo desagradável saltou aos olhos e ouvidos: a péssima qualidade de som apresentada nas canções iniciais. Não importa se a desculpa é que os técnicos de som são da equipe do artista. A verdade é que assistir a grandes concertos no Brasil é um teste de paciência (e cardíaco) a ouvidos mais exigentes. Aliás, nem tão exigentes assim, porque exigir um som bem equalizado diante um ingresso que custou quase o mesmo que um salário mínimo é o mínimo que se pode reinvindicar – sobretudo durante a execução de “Maybe I’m Amazed”, lá pelo meio do set, quando os vocais de Paul permaneceram quase inaudíveis. Um verdadeiro crime para uma das mais lindas pérolas de seu repertório.

Após a abertura, a trinca fornada por “Junior’s Farm”, “Letting Go” e “She’s a Woman mostrou um Paul econômico nos gestos (mais que natural!) mas não menos empolgado. Na primeira, o naipe de metais posicionado no pé de uma das arquibancadas laterais foi uma grande sacada da produção, dando uma espécie de “alargamento” do palco em comunhão com a massa. Visualmente bonito, aborrecidamente na audição por conta dos problemas técnicos.

A banda do artista permanece como um pilar a ser respeitado. Admirável sustentáculo que permite ao artista errar, desafinar e voltar ao eixo quase que de forma imperceptível, algo que foi notado nas execuções de “My Valentine” e “Nineteen Hundred and Eighty-Five”. É no talento do trio formado pelos guitarristas Rusty Anderson e Brian Ray e do baterista Abe Laboriel Jr que Macca se apoia. Um trio de zagueiros que deixa o astro do time livre para criar como em “Something”. quando McCartney sacou seu ukulele para os versos iniciais e completou o serviço ao piano. Antes dela, disse em português: “esta vai para meu ‘mano’ George”. Aliás, dizer gírias e expressões locais é uma marca desta turnê brasileira. Foi assim em Brasília e Belo Horizonte também. Certamente será em Curitiba e Rio de Janeiro, as próximas escalas no país.

Relembrar os ex-companheiros não foi algo apenas reservado a “Something”. Em “I’ve Got a Feeling”, a tecnologia permitiu um dueto com um John Lennon projetado nos telões, em imagens retiradas do documentário Get Back, de Peter Jackson. John também foi saudado na inesperada cover de “Give Peace a Chance”. No mais, a pirotecnia ainda se fez presente em “Live And Let Die”, com o público completamente entregue e envolto num momento de brilho de raios laser e fogos de artifício, numa espécie de batismo a novos fãs (a quarta e a quinta geração presentes e já citadas neste texto).

Fosse nos momentos de catarse coletiva (“Helter Skelter”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da” e na indefectível “Hey Jude”) ou nos mais introspectivos, as duas horas e quarenta de espetáculo voaram, Deixaram novamente extasiada uma plateia completamente entregue ante um espetáculo que jamais perderá sua beleza e ápice, mesmo com problemas técnicos de som.

No fim, a inexatidão de uma despedida marcou presença. Mesmo aos 81 anos, o responsável por grande parte da cultura pop que conhecemos tem ainda muita lenha a queimar. E que bom seria se esta fogueira fosse eterna. Mas quer saber? De certa maneira, ela é sim.

Set list: “A Hard Day’s Night”, “Junior’s Farm”, “Letting Go”, “She’s a Woman”, “Got To Get You Into My Life”, “Come On To Me”, “Let Me Roll It”, “Getting Better”, “Let’em In”, “My Valentine”, “Nineteen Hundred and Eighty-Five”, “Maybe I’m Amazed”, “I’ve Just Seen a Face”, “In Spite Of All The Danger”, “Love Me Do”, “Dance Tonight”, “Blackbird”, “Here Today”, “Give Peace a Chance”, “New”, “Lady Madonna”, “Jet”, “Being For The Benefit Of Mr. Kite!”, “Something”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Band On The Run”, “Get Back”, “Let It Be”, “Live And Let Die” e “Hey Jude”. Bis: “I’ve Got a Felling”, “I Saw Her Standing There”, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)”, “Helter Skelter”, “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End”. 

Movies, Music

Meu Nome é Gal

Cinebiografia de Gal Costa acerta com o desabrochar da tímida cantora em furacão dos palcos no período de antes, durante e depois da Tropicália

Texto por Abonico Smith

Fotos: Paris Filmes/Divulgação

A notícia da morte de Gal Maria da Graça Costa Penna Burgos, na manhã de 9 de novembro de 2022, aos 75 anos de idade, não pegou quase todo mundo de surpresa como também causou profunda consternação em quem é fã da música popular brasileira. Afinal, um ataque fulminante do coração (causa mortis que não fora anunciada publicamente pela viúva e sócia, embora confirmada depois pela divulgação de um atestado médico) calava a maior voz feminina que já cantou por aqui. Estava saindo do forno uma cinebiografia sobre ela. Dirigido por Dandara Ferreira e Lo Politti (que também assina o roteiro), o filme acabou tendo sua estreia marcada para este ano. Infelizmente, Gal Costa não teve tempo de assistir à obra, embora tenha dado sinal verde para a escolha da protagonista que iria revivê-la.

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Nesta quinta-feira, enfim, chega aos cinemas de todo país Meu Nome é Gal (Brasil, 2023 – Paris Filmes), o segundo projeto das diretoras envolvendo a cantora. Dandara e Lo já haviam lançado, há alguns anos, a série documental de quatro episódios O Nome Dela é Gal, exibida no streaming da Amazon Prime. Portanto, realizar em uma obra dramatúrgica retratando um determinado período da vida da baiana foi algo extremamente confortável à dupla, que ainda optou por se restringir à época mais interessante para trabalhar dramaturgicamente: o início de carreira dela. Mais precisamente o período que compreende a saída de Salvador para tentar a sorte na carreira no Rio de Janeiro (1966) até o reconhecimento em larga escala de seu talento (1971). A Gal Costa dos 19 aos 24 anos, desabrochando para a vida adulta enquanto tenta se desvencilhar de toda a timidez inerente à sua personalidade. Sophie Charlotte interpreta Gal do momento em que chega ao Rio em um ônibus vindo de Salvador ao show arrebatador Fa-Tal, cuja temporada no Teatro Tereza Raquel, bem sucedida, disputada e bastante comentada no boca a boca e pela imprensa, garantiu-lhe em definitivo a coroa de musa do desbunde depois da fama de musa das dunas do barato, berço da contracultura carioca no começo dos anos 1970, incrustado na praia de Ipanema de um Rio de Janeiro ainda bastante afetado pela severa repressão social, política e cultural da ditadura do regime militar iniciada logo após o AI-5.

Optando por uma narrativa convencional (só há o uso de dois rápidos flashbacks de quando ainda estava na infância treinando o poder vocal), as diretoras driblam a linearidade com uma fidedigna reconstrução da época em cenários e figurinos e uma impressionante caracterização dos atores. Curiosamente, Sophie é a única que não se parece fisicamente com a sua personagem – o que não deixa de ser um ganho para a atriz, já que ela também canta as músicas e sua voz também está longe de se assemelhar com a de Gal, principalmente na hora de soltar os agudos. Isso a deixa mais livre para incorporar outros ganhos na interpretação, como o jeito doce e comedido no cotidiano. Aliás, o fato da personagem estar sempre lutando para colocar seus demônios para fora e livrar-se das amarras (da mãe, da cidade natal, das performances cênicas e vocais do começo da carreira e até mesmo do guia Caetano, depois dele ser preso e ir para o exílio em Londres) acaba se tornando o maior trunfo do longa-metragem. O desabrochar de uma jovem contida em um grande furacão é a mais bela mensagem deixada nas entrelinhas das cenas e diálogos.

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E ao contrário da relação entre Gal e Sophie, o resto da turma majoritariamente tropicalista, entretanto, está assombrosamente parecido. Rodrigo Lelis não é só Caetano cuspido e escarrado: em muitas das cenas ele baixa o temperamento irrequieto, desbocado e pirracento do anjo da guarda musical da protagonista. Dan Ferreira aparece um pouco menos como Gilberto Gil mas também está igual. George Sauma faz um histriônico Waly Salomão. Dedé Gadelha, esposa de Veloso e melhor amiga de Gal, é outro nome com fiel reconstituição física, por Camila Mardila. Tem ainda Tom Zé, Rogério Duprat (feito pelo sobrinho, o músico e maestro Ruriá Duprat), Rogério Duarte, Maria Bethânia (encarnada pela própria diretora Dandara), Rita Lee e os irmãos Baptista, Torquato Neto, Jards Macalé e até Edu Lobo, que era da turma mais defensora e conservadora da MPB mas convivia com o pessoal no Solar da Fossa ali em meados dos anos 1960. Por sua vez e como já era de se esperar, Luis Lobianco dá um show de humor vivendo o empresário Guilherme Araújo, que criou o nome artístico de Gal, incorporado ao batismo oficial em 2013.

O fato dos atores (Charlotte, Lelis, Ferreira) soltarem a voz durante as canções também evidencia um ótimo trabalho de captação e desenho de som. Os instrumentos são tocados ali mesmo em cena, inclusive na hora dos palcos e estúdios. Por isso, canções como “Baby” e “Divino, Maravilhoso” tornam-se mais brilhantes com o acompanhamento de banda. Para uma cinebiografia que se propõe a retratar um período especial de criação musical tal fator torna-se um belo trunfo para tocar ainda mais fundo do coração tanto dos velhos fãs como dos mais jovens e futuros iniciados que estão ali assistindo a tudo da poltrona do cinema.

Por falar em velhos fãs, é certo que acompanhar na tela uma história já bastante conhecida e da qual já se sabe quase tudo deixa Meu Nome é Gal um pouco menos impactante. Contudo, este detalhe não tira os méritos do filme que, se não deseja ser ousado nem mostrar coisas novas ou ainda misteriosas sobre Gal Costa, é tão respeitoso com o objeto da biografia que eleva este fascínio ao status de elemento principal de uma nova documentação histórica sobre a cantora, desta vez por meio da dramaturgia. Aqui é só a ascensão. Os períodos de queda na carreira passam longe desta biografia. E, falando a verdade, não fazem qualquer falta.

Movies

Indiana Jones e a Relíquia do Destino

Oito motivos para você correr ir ao cinema para assistir ao quinto e último filme da franquia clássica protagonizada por Harrison Ford

Texto por Abonico Smith

Fotos: Disney/Lucasfilm/Divulgação

Estreia hoje um dos títulos mais aguardados dos últimos anos pelos cinéfilos de plantão. Indiana Jones e a Relíquia do Destino (Indiana Jones and The Dial Of Destiny, EUA, 2023 – Disney/Lucasfilm) é a quinta aventura protagonizada pelo arqueólogo mais adorado da sétima arte. Fechando uma trajetória que já dura mais de quarenta anos (basta lembrar que o primeiro longa de Indy foi lançado no já longínquo ano de 1981), a história é encarada como uma despedida digna do personagem, já que a tentativa anterior, de quinze anos atrás, não foi lá muito bem sucedida e recebida por fãs e crítica. Por isso, aqui estão oito motivos para você ir correndo à sala de cinema mais próxima da sua ou, então, aquela melhor aparelhada tecnologicamente que você curte freqüentar.

Personagem icônico

Se ao longo dos anos 1980 o termo blockbuster ganhou popularidade, também se transformou em espécie de sinônimo de aventuras juvenis que encantavam com histórias empolgantes dignas de qualquer sessão da tarde (isto é, liberado para todas as idades de uma família). Com a direção de Steven Spielberg e a assinatura de George Lucas entre os roteiristas, Indy passou a figurar em um panteão hipercultado ao lado de nomes como E.T., Darth Vader e Marty McFly. Tudo isso, vale a pena ressaltar, muito antes do nicho dos super-heróis (leia-se DC e Marvel, praticamente) tomar conta da programação anual de lançamentos cinematográficos.

Harrison Ford

Só pelo fato de voltar a aceitar encarnar Indiana Jones prestes a completar 80 anos (idade à qual chegou em julho do ano passado), o ator já merece aplausos. Melhor ainda que sua filmografia de respeito está longe de se resumir somente ao arqueólogo e a uma só franquia. Em Star Wars, ficou marcado como o mercenário Han Solo (que carregava sempre a tiracolo um monstrengo chamado Chewbacca, também copiloto de sua nave). Em Blade Runner, foi o ex-policial e caçador de andróides Rick Deckard. Fora das sagas, teve papeis emblemáticos em filmes como A TestemunhaForça Aérea UmPerigo Real e ImediatoO Fugitivo, Jogos PatrióticosUma Secretária de Futuro e American Graffitti – Loucuras de Verão.

James Mangold

Não poderia ter havido uma escolha mais certeira para a direção do quinto longa de Indiana Jones. Nos últimos 25 anos, Mangold vem acertando a mão frequentemente em tramas de ação, aventura e drama. Em sua filmografia constam títulos como Walk The Line (a cinebio de do maior homem de preto do rock conhecido também como Johnny Cash); Garota, Interrompida e Ford vs Ferrari. Dez anos atrás, encheu Wolverine de adrenalina e emoção no cinema em um de seus filmes solo. Quatro anos depois assinou também a “despedida” de Logan como o selvagem X-man das garras de adamantium com um filme tocante e que fugia completamente da receita formulaica das adaptações às telas dos super-heróis dos quadrinhos. Aqui, com Indy, também carrega a parte dramática na dose certa, sendo capaz de até provocar choros discretos nas poltronas do cinema.

Cena inicial

Fazia tempos que um filme de ação e aventura não entregava uma cena inicial tão eletrizante. Assim, logo de início, em seguida da logomarca inicial da produtora, como um soco no estômago de quem está na sentado na poltrona, sem deixar voltar a respiração por muitos minutos. Assim começa A Relíquia do Destino, com um flashback do tempo da Segunda Guerra. Indiana Jones é capturado pelos nazistas e posto em um trem para ser levado à punição da prisão. No veículo ele reencontra seu fiel colega, também arqueólogo e professor universitário, Basil Shaw (interpretado por Toby Jones). Segue-se então muita correria, pancada e, claro, chicotada, para tentar ficar com a posse de um poderoso instrumento lá da Grécia Antiga. À frente do outro lado da disputa pela antícitera de Arquimedes, o germânico, está mais um docente, Dr. Voller (Mads Mikkelsen, tão contundente quanto em suas atuações em A Caça e Druk – Mais Uma Rodada). Vale destacar que a aparência rejuvenescida de Mikkelsen, Jones e sobretudo Ford mostrada nas telas é fruto de truques realizados por meio de um programa de inteligência artificial.

Arquimedes

Um dos principais nomes da ciência da Antiguidade Clássica, este italiano da região de Siracusa, na ilha da Sicília, é uma das peças-chave da trama. Físico, matemático, engenheiro, astrônomo e filósofo, ele inventou e descobriu muita coisa importante para civis e militares. No caso do filme, o foco está em uma aparelhagem chamada anticítera. Ok, o que se passa ali na tela do cinema é ficção e, segundo consta, isso é capaz de fazer o ser humano furar a bolha do continuum espaço-tempo e viajar para o passado e o futuro. No caso dos alemães, pode ser um grande trunfo para a perpetuação do nazismo como regime vigente pronto para ser expandido rumo a outras terras europeias. Só que, na realidade, a tal anticítera criada por Arquimedes no século 1 a.C. tinha a função de calendário e astrologia, além de poder prever eclipses e posições astronômicas. Por isso, tem a fama de “computador analógico” mais antigo do mundo. Todos os fragmentos conhecidos da traquitana estão no Museu Arqueológico de Atenas – e não em duas partes complementares, como no roteiro de A Relíquia do Destino. Outra coisa: não é só Indy que ganha uma homenagem neste filme. O faz-tudo também acaba tendo o seu reconhecimento em um roteiro fantástico (no sentido da fantasia) que, há de se convir, chega a forçar a barra na elasticidade da verossimilhança.

John Rhys-Davies

Não é só Harrison Ford que retoma um personagem classico da franquia neste novo filme. Quem também reaparece é o ator galês, fazendo novamente o grande amigo do protagonista Sallah, presente em Os Caçadores da Arca Perdida (1981) e A Última Cruzada (1989) e um tanto quanto desprezado em uma participação ínfima no anterior O Reino da Caveira de Cristal (2008). Aqui, o escavador egípicio volta para dar uma grande mão em momentos de mais tranquilidade vividos por Jones, que chega a conhecer seu casal de filhos. Não tem como não se deixar conquistar (de novo) pelo jeitão bonachão do agora pai de família Sallah Mohammed Faisel El-Kahir.

Phoebe Waller-Bridge

Esta, sim, a chave mágica do elenco principal de A Relíquia do Destino. Nome em ascensão em Hollywood depois de criar, escrever e atuar em séries britânicas (como Fleabag Crashing, ambas disponíveis em streaming no Brasil), Phoebe brilha em pé de igualdade com Ford neste filme depois de se destacar assinando o roteiro feito a oito mãos do ultimo James Bond, 007: Sem Tempo Para Morrer. A contribuição de Waller-bridge aqui é apenas atuando. Mas ela dá um show como o jovial alívio cômico introduzido para quebrar toda a sisudez do velho Indy. Sua ligação com Jones é um pai-e-filha disfarçado: sua Helena Shaw é doutoranda em arquelogia e filha de Basil. Só que não espera muita fidelidade ao padrinho: o negócio dela embarcar na procura pela outra metade da anticítera tem motivos mais escusos, porem não menos letais do que os dos nazistas.

John Williams

O quinto filme de Indiana Jones não poderia deixar de fora o nome do maestro e compositor John Williams, presente em todas as produções anteriores com o nome do arqueólogo no título. Premiado por várias obras para o cinema, indicado 53 vezes ao Oscar e cultuado por uma legião de fãs que adora prestar atenção nas trilhas sonoras, Williams também apostou na nostalgia em formato de harmonias, melodias e arranjos desenvolvidos para A Relíquia do Destino. Resgatou a alquimia em criar sons para as imagens estreladas por Harrison e sua habilidade de fazer cenas que misturam drama e comédia, ação e aventura. Também fez uma bela contribuição compondo o tema de Helena Shaw para o brilho da execução da virtuosísima violinista alemã Anne-Sophie Mutter.  O resultado imprime à personagem de Phoebe Waller-Bridge um ar de diva dos áureos tempos dos estúdios de Hollywood (leia-se anos 1940 e 1950) que contrasta com seu espírito impulsivo e aventureiro mostrado nas telas. Claro a trilha sonora também foi lançada oficialmente pela Walt Disney Records em todas as principais plataformas de streaming